1. Por mais justificada que seja a perplexidade pública com o custo "pornográfico" do altar erigido pelo município de Lisboa para as jornadas internacionais da juventude católica, muito mais grave é, porém, a profunda "facada" na Constituição que consiste na própria edificação de um altar religioso, com cruz e tudo, por uma coletividade pública, em frontal violação do princípio constitucional da separação entre o Estado e as igrejas.
Tal como não não compete ao Estado ou outras coletividades públicas promover ou organizar cerimónias religiosas, muito menos participar nelas, também não lhes compete construir equipamentos de culto, seja com a cruz ou com o crescente.
2. Ora, este atentado a um princípio constitucional básico não tem suscitado a mínima objeção política nem institucional.
O Presidente da República, que fala sobre tudo e mais alguma coisa, silencia; os partidos laicos representados no governo do município de Lisboa, incluindo os da oposição de esquerda, assobiam para o ar; o Ministério Público, entretido que está na sua guerrilha diária contra o Governo e os políticos, por via do seu órgão oficioso, o Correio da Manhã, nem pensa em impugnar este ato público atentatório da legalidade constitucional vigente.
Além de uma inqualificável cumplicidade política, esta conspiração de silêncio perante um flagrante delito de grave violação da Constituição constitui uma imperdoável cobardia institucional.
Adenda
Um leitor não vê «mal nenhum» no apoio do Estado e da CML à jornada da juventude e considera que o poder público deve «respeitar a religião». Inteiramente de acordo! Porém: (i) num Estado laico não cabe a um município usar o dinheiro dos contribuintes para construir equipamentos religiosos, substituindo-se às respetivas igrejas e (ii) o melhor meio de o Estado respeitar TODAS as religiões e os seus crentes é não privilegiar NENHUMA.
Adenda 2
Mensagen de um leitor: «para sacramentar o ato de submissão da República à ICAR [Igreja Católica Apostólica Romana], reabilitanto o Estado Novo, Marcelo e Moedas deveriam oficiar como de acólitos do Papa na missa campal da tal Jornada». Tendo em consideração a desfaçatez do caso do altar, receio bem que já não seja de excluir nada...
Adenda 3
Adenda 4
Tenho uma solução para o problema, que parece um "ovo de Colombo", mas não precisa de partir nada. Consiste no seguinte: (i) o projeto municipal deixaria de incluir a cruz e a designação de altar; (ii) a cruz ficaria a cargo da Igreja, que a colocaria no palco para a cerimónia religiosa com o Papa, transformando-o em altar; (iii) terminada a cerimónia religiosa, a cruz seria retirada, voltando o palco a ser um equipamento municipal multiusos (incluindo à disposição de outras igrejas), como deve ser. Penso que esta solução satisfaz todos os interesses e valores em questão, quer o interesse do munícípio e da Igreja em proporcionar as melhores condições logísticas à JMJ, quer a proibição constitucional de adoção de símbolos religiosos em novos edifícios públicos.
Adenda 5
Em relação à Adenda precedente, um leitor objeta que «o palco tem o estrado a nove metros de altura, e
umas longas rampas a afastá-lo do público, pelo que nenhum espetáculo se poderá fazer lá». A ser assim, e a não haver correção do projeto, temos um pseudopalco de uso único por 5 milhões?? Mesmo para um município que parece nadar em dinheiro, como o de Lisboa, é uma escandalosa megalomania. Os munícipes de Lisboa aceitam isto, sem se revoltarem?!