A apresentar mensagens correspondentes à consulta juíza conselheira ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta juíza conselheira ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Assim não vale (9): Despudor político

1. Numa das suas mais inovadoras propostas institucionais, o programa da AD propunha uma incompatibilidade a proibir tanto os juízes como os procuradores do Ministério Público de assumirem cargos públicos, a não ser após um intervalo de três anos. Por mim, que sempre defendi tal  incompatibilidade, pelo menos em relação aos juízes, desde logo por razões constitucionais, aplaudo essa doutrina.

Porém, em flagrante contradição com tal compromisso, Luís Montenegro nomeou duas juízas para o novo Governo, uma juíza-conselheira para Ministra da Administração Interna e uma juíza desembargadora para uma das secretarias de Estado do Ministério da Justiça. Se uma juíza no Governo é condenável (como mostrei AQUI), duas é condenável a dobrar

2. Ora, segundo esta notícia no JN , ao ser confrontado com o incumprimento do programa eleitoral da AD, uma fonte anónima do Governo terá declarado que a tal incompatibilidade se refere a "cargos públicos" e não a "cargos políticos". Ora, não é preciso ter estudado Direito para saber que a categoria de cargos públicos abrange obviamente os cargos políticos, que é uma subcategoria daqueles. De resto, no caso, se se justifica a incompatibilidade quanto aos demais cargos públicos, por maioria de razão ela se impõe no caso de cargos políticos, de nomeação partidária, como é o caso de membro do Governo.

Trata-se, portanto, de uma despudorada desculpa de má-fé, para tentar esconder o manifesto incumprimento do compromisso eleitoral (e, a meu ver, da incompatibilidade constitucional...). Se o programa eleitoral é "mandado às urtigas" logo numa questão tão delicada como esta, o que é que vai restar dele?

Adenda
Um leitor acha que, «se há uma incompatibilidade, o Presidente da República deveria ter recusado a nomeação». Penso que tem razão. Desde há muito que defendo que o PR não deve vetar, por discordância política, os nomes propostos pelo Primeiro-Ministro, pela simples razão de que é ao Governo, por este chefiado, que compete governar o País e responder politicamente perante o parlamento e as oposições, enquanto o PR é politicamente irresponsável. Já assim não sucede, porém, quando o PM propõe a nomeação de pessoas constitucionalmente impedidas de assumir cargos políticos, como é o caso dos juízes, cuja integração no Governo afronta manifestamente os princípios constitucionais da separação de poderes e da independência política dos juízes. Aqui entendo que o PR deve vetar essas nomeações, por atentatórias do "regular funcionamento das instituições", que lhe incumbe assegurar.

domingo, 31 de março de 2024

Não concordo (46): Dois erros na formação do Governo

1. Além da problemática nomeação de uma advogada para a pasta da Justiça nas atuais circunstâncias, como referi anteriormente, há mais dois aspetos em que discordo na composição do novo Governo.

O primeiro é a nomeação da Juíza-Conselheira Margarida Blasco para ministra da Administração Interna (ou qualquer outra pasta), porque, desde sempre (por exemplo, AQUI), considero que a nomeação de magistrados judiciais para cargos políticos sem prévio abandono da carreira judicial viola flagrantemente o princípio da separação de poderes e a independência partidária da magistratura (e não estou sozinho neste ponto). Apesar de já jubilada, tal estatuto (a que voltará depois de deixar o Governo) não representa abandono da carreira judicial, mantendo-se vinculada às incompatibilidades próprias da magistratura.

A meu ver, a "porta giratória" entre cargos judiciais e cargos políticos não é compatível com o princípio do Estado de direito.

2. O segundo aspeto negativo é o regresso dos assuntos europeus ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Como defendi anteriormente AQUI, o pelouro dos assuntos europeus - que compreende essencialmente a representação do Governo na formação de "assuntos gerais" do Conselho da União, e a articulação da representação ministerial nacional nas nove restantes formações especializadas do Conselho - tem a ver sobretudo com políticas internas, desde a economia ao ambiente, pelo que deveria continuar sob responsabilidade de um secretário de Estado, na presidência do Conselho de Ministros, ou seja, sob a égide e autoridade superior do Primeiro-Ministro, tal como no Governo cessante.

Além de injustificada, até porque o MNE sempre teria direito a integrar o conselho de ministros da política externa da UE, esta solução constitui, a meu ver, um retrocesso prejudicial à coordenação das políticas da UE com as correspondentes políticas internas, que são competência dos demais ministros sectoriais, e que deveria continuar sob responsabilidade do PM, e não de um ministro sectorial, como o MNE.

Adenda
Um leitor, que sabe do que fala, comenta que se trata de «um claro retrocesso na visão do papel que os Assuntos Europeus têm / devem ter na governação» e que «o relevo dos MNE na política europeia é muito diminuto (salvo a PESC), sendo a política europeia um tema dos chefes do Governo e uma tarefa essencialmente de coordenação ministerial». Inteiramente de acordo.

Adenda 2
Outro leitor objeta que «Montenegro não podia desperdiçar o profundo conhecimento de Paulo Rangel sobre a UE». Eu não contesto obviamente a entrega dos assuntos europeus a Rangel; o que entendo é que, então, devia nomeá-lo Ministros dos Assuntos Europeus adjunto do PM, fazendo um upgrade político desse pelouro governativo essencial e respeitando a sua natureza transversal, em vez de o degradar como secretaria de Estado do MNE, que é um ministério sectorial e que, além disso, tem pouco a ver com a UE. Decididamente, a UE não é uma questão de política externa.

domingo, 4 de junho de 2017

Greve de juízes?


1. Para além de não ter base constitucional nem legal - pois os juízes não são trabalhadores por conta de outrem (muito menos trabalham sob instruções de outrem), mas sim titulares de cargos públicos (aliás, titulares de um órgão de soberania) -, a greve anunciada pelo (pouco representativo) sindicato dos juízes é muito pouco consentânea com a própria dignidade da função judicial.
Mas se há juízes que se dispõem a autoassimilar-se a trabalhadores assalariados para recorrerem à greve, talvez seja de recordar que um dos instrumentos de que o Estado dispõe para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais é o da requisição civil, com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respetivas obrigações. Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos.

2. Penso que esta ameaça de greve não pode ser encarada de ânimo leve pelo Governo, tanto mais que ela visa explicitamente perturbar o processo eleitoral das autarquias locais.
Além de não dever manter qualquer contacto com o sindicato - até porque as condições do exercício de cargos públicos não devem, por princípio, ser objeto de negociação sindical nem coletiva - e de não ceder à chantagem sindical, o Governo deve tornar claro, desde o princípio, que não tolerará nenhuma perturbação concertada da atividade judicial e que não hesitará em tomar todas as medidas legalmente disponíveis para a evitar e para fazer sancionar os responsáveis, se ela ocorrer.
Sendo juíza-conselheira do STJ, a ministra da Justiça tem nesta circunstância uma dupla responsabilidade: (i) assegurar sem hesitações a autoridade do Estado e a prevalência do interesse público e (ii) salvaguardar a dignidade da função judicial, posta em causa pelo indecoroso radicalismo sindical.

Adenda
A greve de juízes seria tão bizarra como a "greve" de quaisquer outros titulares de cargo público, seja de órgãos de soberania (PR, Governo, deputados) ou não (membros de órgãos de governo das regiões autónomas ou do poder local, reguladores e gestores públicos, reitores universitários, etc.). Onde não há relação laboral, não há lugar para greves.

Adenda 2
Mesmo na hipótese improvável de uma medida que atentasse contra a independência judicial - que tivesse conseguido passar pelo crivo do PR e do TC e a natural oposição do CSM -, não há nenhuma razão para uma greve, havendo um meio muito mais expedito e eficaz, que todos os juízes têm, que seria recusar a sua aplicação por inconstitucionalidade.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Aplauso (32): Ponderação e bom senso

1. Considero obrigatório ler esta entrevista da Juíza-conselheira do STJ., Teresa Almeida. no Público de hoje, sobre a situação da justiça penal em Portugal, a qual é caracterizada pelo saber e o bom senso que só a inteligência e a experiência proporcionam. 

Dá gosto e esperança.

2. Antiga magistrada do Ministério Público durante muitos anos, a entrevistada tem autoridade para dar conselhos à sua instituição de origem.

Eis uma das suas afirmações, sobre a abertura de investigações penais: 

«E o princípio da legalidade [na investigação penal] não é exactamente isso. Não obriga o MP a ir atrás de tudo, obriga a iniciar uma investigação, a abrir um inquérito quando há uma suspeita com um mínimo de fundamento de que alguém praticou um crime. Estas duas condições têm que se reunir para haver inquérito. Não é porque há uma notícia ou porque alguém coloca uma questão. Tem que se fazer uma apreciação prévia.»

Como é evidente, esse requisito elementar da apreciação prévia para avaliar a consistência do caso não foi seguido no caso da precipitada abertura de um inquérito ao PM, António Costa, que provocou a sua demissão, acerca do qual não se sabe ainda por suspeita de que crime.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

A juíza

A nomeação de Harriet Miers para juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos é uma operação tipicamente à George Bush. Trata-se da uma sua conselheira jurídica na Casa Branca, uma advogada de direito comercial vinda do Texas sem senhum currículo profissional notável, sem nenhuma experiência judicial e sem nenhum conhecimento específico de direito constitucional. Puro amiguismo político. Assim vai sendo "bushificada" a Supreme Court, para um longo período de tempo no futuro...