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sábado, 15 de março de 2025

Contra a corrente (12): Mais despesa militar, para quê?


Como se vê nesta figura (colhida AQUI), mesmo sem os EUA, o Canadá e a Turquia, a Nato europeia tem mais tropas do que a Rússia, apesar de esta estar mobilizada para a guerra na Ucrânia há três anos; e, como mostrei anteriomente (AQUI), também tem uma despesa militar superior. 

Porquê então um aumento exponencial da despesa militar da UE e dos seus Estados-membros, como se está a decidir, com aplauso meswmo dos partidos de esquerda, à custa de mais dívida pública, de menos investimento público em áreas críticas para o crescimento económico e do sacrifício do Estado social?!

Com o fim da guerra na Ucrânia na agenda política e a perspetiva de um acordo de segurança recíproca com a Rússia, esta "política de guerra" da União é ainda menos justificável.

quinta-feira, 6 de março de 2025

Guerra na Ucrânia (62): O "amigo" americano

1. Apesar de os Estados Unidos terem sido o principal instigador da provocação ucraniana à segurança da Rússia  - o abandono do seu estatuto de neutralidade e a candidatura à adesão à Nato, que estão na origem da guerra -, Trump decidiu agora, não somente abandonar o apoio militar e político a Kiev, mas também exigir-lhe o acesso às "terras raras" ucranianas, em pagamento da assistência prestada por Washington ao longo deste três anos. Afinal, tratava-se de um empréstimo, que Washington quer ver pago imediatamente e em espécie...

É caso para dizer que com "amigos" destes, a Ucrânia não precisa de inimigos.

2. Privada desse apoio vital, que não vai poder ser compensado pela Europa ocidental (UE + Reino Unido), a Ucrânia não vai poder aguentar a guerra durante muito mais tempo, arriscando-se a perder ainda mais território e a sofrer mais detruição, pelo que Kiev vai ter de aceitar rapidamente o que até agora recusara - aliás, com o apoio, se não o incentivo, dos seus aliados de aquém e de além-Atlântico -, ou seja, uma solução negociada do conflito, onde não tem nenhuma perspetiva de recuperar todos os territórios perdidos, tendo de focar-se na luta pelas garantias plurilaterais de segurança, a que naturalmente tem direito, e a que os seus aliados da Nato, que instigaram e alimentaram a guerra, não podem recusar-se a associar-se.

Depois de terem provocado, com a sua instigação à "deriva ucraniana", o abandono do compromisso pacífico com a Rússia pós-soviética, que durava há três décadas, as potências ocidentais não podem deixar de assegurar as condições para o retorno da paz ao velho continente, incluindo a garantia da confiança mútua de Kiev e Moscovo na sua segurança recíproca.

3. A União Europeia também vai sair bastante mal-ferida desta aventura ucraniana, subitamente interrompida pela "traição" de Washigton.

Tendo também apoiado o inglório esforço de guerra ucraniano de forma maciça, em termos políticos, financeiros e militares, ainda mais do que os Estados Unidos, a União incorreu também na enorme despesa com a sustentação dos milhões de refugiados e sofreu o impacto muito negativo das sanções à Rússia e das contrassanções desta, que causaram a estagnação da economia europeia, e em especial da economia alemã, ao longo deste anos, sobretudo pelo aumento dos custos das importações energéticas e da perda do mercado de exportação e de investimento russo. E ainda vai sobrar para os contribuintes europeus o custo gigantesco da reconstrução da Ucrânia.

Não menos penoso do que isso foi a rutura da convivência frutífera com a Rússia, em termos políticos e económicos, estabelecida nas últimas décadas, e ver a fuga de Moscovo para os braços de Pequim. Além da súbita perda traumática do "amigo americano", por decisão de Trump, que pode ser transitória, a "perda" da Rússia, que a Nato incentivou com a invenção da "ameaça russa", pode ser o dano direto mais importante e mais duradouro deste malfadado conflito para a União Europeia.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Contra a corrente (11): "Canhões" em vez de "manteiga"

1. Vai por aí, em toda a Europa, uma onda a favor do aumento substancial da despesa militar, que começou por fixar o objetivo de 2% do PIB, mas que agora já vai em mais de 3%, o que em vários países significaria mais do duplicar o seu atual nível, como seria o caso de Portugal, passando de 3 000 milhões, por ano, para 6 400 milhões de euros

Capitaneada pelo Secretário-geral da Nato, esta onda é vigorosamente instigada pelos países do Leste europeu e acompanhada pelos líderes da UE e do Reino Unido, especialmente depois de Trump ter anunciado o abandono pelos EUA do seu papel de escudo da defesa da Europa ocidental, que assumira, no quadro da Nato, desde o início da "guerra fria" entre o ocidente e a então União Soviética.

A principal alavanca desta corrida armamentista é uma alegada ameaça russa, que a invasão da Ucrânia teria ilustrado. Ora, para além desse inverosímil pretexto (como mostrei AQUI), os factos mostram que a Europa ocidental já dispõe de uma evidente vantagem sobre a Rússsia, não só em população e capacidade económica, mas também em poderio militar, pois como mostra a figura junta (colhida AQUI), só por si, os três maiores países europeus da Nato (Alemanha, Reino Unido e França), têm em conjunto uma despesa militar muito superior à russa (231 mil milhões de dólares contra 146 mil milhões), apesar de esta estar em guerra há três anos. 

Mesmo que a tal ameaça russa tivesse algum fundamento, não se vê por que é necessário multiplicar a despesa militar ocidental para a dissuadir eficazmente.

2.  No estado atual das finanças públicas dos países europeus (défice e endividamento público elevados, problemas de sustentabilidade dos sistemas de saúde e de pensões, etc.), o esforço orçamental para satisfazer uma subida da despesa militar daquela grandeza só seria possível, ou mediante uma subida da carga fiscal (já hoje muito elevada) ou, mais provavelmente, mediante um corte sério noutras despesas públicas, desde o investimento público (afetando o crescimento económico, já de si débil), passando pela ajuda internacional ao desenvolvimento (de que dependem tantos países pobres), até à despesa social, em saúde, educação, proteção social -, despesa esta que costuma ser o primeiro alvo em situações de constrangimento financeiro dos Estados.

A tese de que é possível gastar muito mais em "canhões" sem cortar na despesa em "manteiga", parece-me de todo improcedente, tanto mais que a despesa social não para de aumentar, desde logo por razões demográficas. No caso português, não se vê como é que se pode somar à despesa em defesa mais de 3 000 milhões de euros por ano, sem cortar na despesa social. 

Como a experiência passada mostra, se os maiores beneficiários do aumento da despesa militar são a indústria armamentista e os países mais avançados nela, a sua vítima imediata, e a longo prazo, é o Estado social. O que resta é sempre uma opção entre o Estado social e o "Estado militar".

Adenda
Uma leitora sugere que o financiamento adicional da despesa militar, supondo a sua necessidade, poderia vir, ou por via da flexibilização, pela UE, das regras orçamentais nacionais, retirando o investimento militar do cálculo do défice, ou pelo recurso ao endividamento da União, repetindo a solução adotada para o fundo de investimento em vigor, ou por uma combinação das duas vias.  Duas objeções a estas soluções: (i) a 1ª pode retirar a nova despesa militar do cálculo do défice, mas não do cálculo da dívida pública, que é o que conta; (ii) a segunda implica aumento do endividamento da União (aliás, não previsto nos Tratados...), que depois vai ter de ser pago pelo seu orçamento, seguramente à custa de outras despesas, muito provavelmente as da política de coesão.  Ou seja, não há canhões grátis, e sabe-se que, como é de recear, são o Estado social, a nível nacional, e a coesão territorial, a nível da União, quem os vai pagar...

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Guerra na Ucrânia (61): Uma "ameaça russa" sobre a Europa?

 1. Comprende-se que o presidente ucraniano repita sem descanso a ideia de que o alvo da Rússia, depois da Ucrânia, é a Europa, porque isso serve de argumento para reivindicar o decisivo apoio financeiro e militar da UE e do Reino Unido. E também se compreende que essa ideia seja repetida à saciedade pelos falcões da Nato e pelos chefes de fila russófobos no Leste da Europa, porque ela alimenta os seus intentos belicistas. O que se não compreende é que a suposta "ameaça russa à Europa" se tenha tornado um "mantra" no discurso dos próprios dirigentes da UE.

A questão é esta: existe algum indício minimamente credível de algum plano ou projeto de ataque russo à Europa? Faz algum sentido uma tal eventualidade, em termos militares, tendo em conta que se trata de países da Nato (quase todos) e que dois deles (França e Reino Unido) são potências nucleares? E qual seria o objetivo político de uma guerra da Rússia contra a Europa ocidental: expansão e ocupação territorial, submissão política, capricho imperial?

A história regista devastadoras invasões da Rússia provindas da Europa ocidental (Napoleão e Hitler), mas não o contrário, mesmo quando a Rússia encabeçava o império soviético e o mundo comunista em geral. Equacionar uma operação dessas nos dias de hoje, não faz o mínimo sentido.

2. Desde o início que a Rússia enunciou claramente os seus objetivos na invasão da Ucrânia: impedir a  entrada desta na Nato, abandonando o seu estatuto de neutralidade, por razões de segurança nacional russa; libertar a maioria russófona no Dombass da flagelação militar ucraniana, em flagrante incumprimento dos acordos de Minsk; e mudar o regime em Kiev, de modo a assegurar ambos os objetivos anteriores.

Portanto, a Rússia nem põe em causa a existência da Ucrânia (cuja entrada na UE não questiona), nem deu algum sinal de ter alvos militares para além da Ucrânia (ao contrário do que se chegou a temer em relação à Moldova). Mesmo depois da recente retirada do apoio dos EUA a Kiev, o máximo a que Putin poderá aspirar, na base da sua vantagem militar no conflito, além da exclusão da integração da Ucrânia na Nato (que obviamente é uma "linha vermelha" para Moscovo), é o reconhecimento da anexação da Crimeia e do Dombass, sabendo, porém, que isso só pode ser alcançado no quadro de um acordo credível, envolvendo terceiros países, que inclua firmes garantias políticas e militares de segurança da Ucrânia (e, reciprocamente, da Rússia).

O apoio ocidental à Ucrânia deve valer por si mesmo, como ajuda à autodefesa de um país vítima de agressão externa, mas não precisa da ideia infundada de que a defesa de Kiev é a primeira linha da defesa de Berlim, Paris ou Londres...

Adenda
Um leitor argumenta que Putin «gostaria de promover a desagregação da UE, como mostrou o seu apoio ao Brexit». É certo, mas, por um lado, não conheço nenhum indício de que poderia usar meios militares para conseguir esse objetivo, e até já veio dizer que não se opõe à entrada da Ucrânia; por outro lado, a inimizade de Trump em relação à União não é menor, e até é mais vocal, sendo evidente o apoio dos seus "comissários" políticos aos partidos antieuropeus, como sucedeu agora com a AfD nas eleições alemãs. A essa hostilidade "ciumenta" das duas potências mais próximas, a resposta da União é simples e clara: aprofundar a sua integração, incluindo um efetiva política comum de defesa e segurança, e reforçar a sua importância estratégica no plano económico e político mundial. A aposta superdispendiosa em mais despesa militar apenas desvia o alvo.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Guerra na Ucrânia (60): «O tempo da UE acabou»

1. Infelizmente parece ter razão o desbocado ex-primeiro-ministro russo, Medvedev, quando veio dizer que «o tempo da UE acabou», ao comentar o início de negociações entre a Rússia e os Estados Unidos para o fim da guerra na Ucrânia, decidido à margem desta e da União Europeia. 

Sendo a União quem mais tem contribuído para o esforço de guerra ucraniano e quem mais tem sofrido economicamente com as sanções impostas à Rússia e as contrassanções desta, trata-se de um profundo revés, tanto mais quando é muito provável que Moscovo venha a obter o essencial dos seus objetivos nesta guerra, nomeadamente impedir a Ucrânia de se incorporar na Nato e integrar definitivamente não somente a Crimeia mas também os territórios russófonos do Dombass entretanto ocupados. Obtidos esses resultados, Moscovo pode bem comprometer-se num esquema internacional de segurança da Ucrânia, em troca da garantia da sua própria segurança. 

Uma dupla desfeita para Bruxelas, que continuava apostada em negar ambos os objetivos russos.

2. A verdade é que, cada vez mais, a guerra na Ucrânia é insustentável a prazo e que o seu prolongamento só traz, do lado da Ucrânia, mais perda de vidas humanas, mais destruição de infraestruturas e mais território perdido, e do lado da União, mais fundos consumidos, mais pressão sobre a sua economia, mais ceticismo dos seus cidadãos e mais capital político desperdiçado. 

Lamentavelmente, mercê dos falcões da Nato e da russofobia primária de alguns dos seus Estados-membros, a União viu-se impedida de defender ativamente uma solução negociada entre as partes, na base do sofisma de que tal dependia exclusivamente da própria Ucrânia e de que qualquer cedência à Rússia seria uma luz verde para aumentar a sua suposta ameaça sobre a Europa.

Agora que em Washington o seu principal ex-aliado se prepara para concertar com Moscovo o fim da guerra e os seus termos, incluindo a cessação imediata da ajuda norte-americana a Kiev, resta à UE fazer de assessora contrafeita nas negociações e preparar o pesado cheque para pagar a reconstrução da Ucrânia. 

Os cidadãos europeus mereciam melhor dos seus governos e de Bruxelas.


terça-feira, 7 de maio de 2024

Causa palestina (11): O massacre de Gaza

Cumpre ler isto: 

«Peritos da ONU para os direitos humanos expressaram hoje o seu "horror" com a descoberta de valas comuns com cadáveres de pessoas que tinham sinais de tortura, execução e de terem sido enterradas vivas pelos militares israelitas».

Se isto não são hediondos crimes de guerra, o que são? Washington e Bruxelas vão continuar a fazer de conta que não veem e a apoiar, militar e politicamente, o massacre israelita em Gaza?

Adenda
Um leitor faz duas observações: «a) Portugal também pertence à Nato e à UE, por isso também é cúmplice na destruição de Gaza; b) se fosse na Ucrânia, Washington e Bruxelas já teriam clamado por mais um processo por crimes de guerra contra Rússia.» Pois é, há duplicidades assim: por definição, os crimes de guerra dos nossos aliados não existem.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Guerra da Ucrânia (59): Macron virou falcão da Nato?

1. A afirmação do Presidente Macron de que não está excluído o envio de tropas da Nato para a Ucrânia é de uma gritante insensatez política. ´

É certo que desde o início esta é uma guerra entre a Nato e a Rússia por interposta Ucrânia. Foi a provocatória proposta de adesão da Ucrânia à Nato, abandonando o estatuto de neutralidade daquela e colocando a segunda a dois passos de Moscovo, que deu o principal pretexto à invasão russa, em nome da segurança nacional. Foi a Nato que fez abortar as negociações entre Kiev e Moscovo mediadas pela Turquia para uma solução política do conflito logo no início da guerra. Tem sido o apoio da Nato em armamento, em logística e em incentivo político, a alimentar a continuação indefinida da guerra. Mas enviar tropas ocindentais para o terreno equivaleria a envolver diretamente a Nato e os seus Estados-membros, incluindo Portugal, na própria guerra com a Rússia, enquanto beligerantes.

2. Estaria manifestamente aberta a porta para a extensão e o agravamento do conflito, com que sonham os círculos mais belicistas de Bruxelas e Washington (e, quiçá, também em Moscovo...). O que surpreende é a iniciativa partir de Paris, porventura para desviar as atenções das dificuldades políticas internas do Presidente francês. 

Em qualquer caso, é um péssimo sinal de que há quem continue a julgar, temerariamente, que esta guerra, chegada onde chegou, pode ter outro desfecho que não uma solução política negociada.

Adenda

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Guerra na Ucrânia (58): O impasse militar e a solução política

1. Como reconhece a revista britânica The Economist, que adotou desde o principio uma intransigente posição pró-ucraniana e antirrussa, a grande contraofensiva miliar de Kíev desencadeada em junho passado deu em nada e a guerra entrou num «impasse militar».

A anunciada cavalgada que em poucos meses haveria de culminar na reconquista do própria Crimeia, acabou em desilusão, apesar dos meios maciços empenhados na operação. com a assistência militar e técnica ocidental. Pior do que isso, é a Rússia que retomou a ofensiva em vários trechos da linha de combate, com o risco de a Ucrânia perder ainda mais território.

Como várias vezes aqui se antecipou, a mais provável era o congelamento das posições de cada beligerante e evolução para uma "guerra de atrito", sem perspetivas de solução militar para o conflito.

2. Neste quadro sem mudança à vista, a guerra torna-se num sorvedouro inglório de soldados, de armamento e de dinheiro (este proporcionado em grande parte pelos contribuintes da UE). 

A questão do "cansaço da guerra", que a primeira-ministra italiana deixou cair inadvertidamente há algum tempo, não é uma questão de "se", mas de quando é que se tornará um problema político incontornável. Acresce que, enquanto a Ucrânia estiver em estado de guerra, a questão da sua adesão à UE e à NATO também tem de ser adiada indefinidamente. 

Por isso, não será altura de alguém com coragem política na UE invocar a patente exaustão da solução militar do conflito e propor uma pausa bélica, que abra caminho a uma solução política, mediada por terceiros países aceites por ambos os beligerantes, por mais difícil que ela se apresente?

Adenda
Infelizmente, como se deduz desta notícia, a Nato não está em modo negocial. Sendo certo que esta guerra se tornou, desde o início, num conflito entre a Rússia e a Nato, por interposta Ucrânia, é a primeira vez, se não estou em erro, que um "falcão" ocidental defende expressamente a entrada direta da Nato na guerra, sem medir as óbvias consequências de tal aventura.


segunda-feira, 6 de novembro de 2023

+ União (75): A ficar para trás

1. Tanto ou mais importante do que o enorme desafio institucional que o previsto alargamento da UE a Leste suscita é o preocupante atraso - que esta análise do Financial Times revela - no ritmo do crescimento económico da União, tanto face aos EUA como face a outras economias avançadas, com efeitos negativos, quer sobre o rendimento e o bem-estar dos europeus, quer no peso político da UE na cena externa, que advém sobretudo da dimensão do seu mercado interno e do seu papel no comércio internacional. 

Como mostra o estudo citado - que é de leitura obrigatória -, alarga-se o fosso económico entre Europa e os Estados Unidos, em todas as dimensões: PIB e rendimento per capita, produtividade, peso na revolução tecnológica, etc. Se há dez anos a economia europeia valia 91% da economia norte-americana, hoje vale somente 65%. É uma impressionante degradação em apenas uma década.

2. Entre as causas desse crescente atraso da Europa não se contam somente os "suspeitos do costume", como a elevada despesa social e os direitos laborais, os impostos mais altos, os maiores custos da energia (que a guerra da Ucrânia e as sanções à Rússia agravaram), mas também a incompletude do mercado interno e as suas distorções (que a dispensa das restrições às ajudas de Estado desde a pandemia multiplicou), o défice de mão-de-obra qualificada, o vezo excessivamente regulatório, a insuficiência de investigação científica e da sua aplicação à economia, os excessos burocráticos ao nível da União e dos Estados-membros, etc.

Como habitualmente nestas situações, a União manda elaborar relatórios a especialistas qualificados, desta vez a Enrico Letta, sobre o mercado interno, e a Mario Draghi, sobre a competitividade. Mas, como assinala a citada reportagem, para além de demorados, não há nenhuma garantia de que as  recomendações destes estudos, por mais convincentes que sejam, venham a ser seguidas. A partilha do poder executivo da União entre o Conselho e a Comissão e a consequente diluição da responsabilidade política (só a Comissão responde politicamente perante o PE), assim como a tradição de decisões consensuais naquele (mesmo quando não há exigência de unanimidade) dificultam as reformas e a sua tomada em tempo.

No entanto, não se vê como é que a gravidade da perda de poder económico relativo da Europa, e a sua rapidez, pode ser enfrentada sem as devidas reformas de fundo no governo económico da União.

[Rubrica modificada]

Adenda 
Um leitor comenta que «mais vale ter um welfare state a sério, como na Europa, do que um grande crescimento económico, como na América». O problema é que sem um robusto crescimento económico não é somente  o nível de vida dos europeus que aumenta menos do que o norte-americano - é própria sustentabilidade financeira do welfare state que fica em causa, dadas os seus crescentes custos orçamentais (pensões, custos do sistema de saúde, etc.). Portanto, a questão não está em optar por um ou outro, mas sim em não poder manter um (o Estado social avançado) sem ter o outro (elevado crescimento económico)

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Causa palestina (1): Israel é intocável?

Perante o quotidiano massacre indiscriminado da população civil de Gaza às mãos do exército invasor, cabe perguntar:

         - sendo obviamente de condenar a mortífera incursão terrorista do Hamas, porque é que o terrorismo de Estado israelita em Gaza (e na Cisjordânia), dez vezes mais mortífero, é desculpado, se não mesmo aplaudido?

        - os países, incluindo os da UE, que aplicaram sanções sem precedentes à Rússia pela invasão da Ucrânia, vão também aplicar sanções à Israel pela invasão, muito mais destrutiva, do território palestino, numa operação de punição coletiva sem limites humanitários?

        - os países, incluindo a UE, que condenam veementemente a anexação das províncias russófonas da Ucrânia pela Rússia vão também condenar com idêntica firmeza o processo de anexação de quase toda a Cisjordânia por Israel ao longo do tempo, bem como a operação de ocupação em curso da faixa de Gaza?

        - os países, como a França, que, respeitando a liberdade de protesto, não impediram manifestações de solidariedade com os ucranianos face à agressão russa, com que legitimidade proíbem as manifestações de solidariedade com os palestinos, face à descomunal agressão israelita?

        - o Tribunal Penal Internacional, que se apressou a iniciar um processo de acusação contra a Rússia por crimes de guerra e contra a humanidade, vai abster-se de abrir idêntico processo de acusação contra os flagrantíssimos crimes de guerra de Israel em Gaza (massiva punição coletiva de populações civis, destruição de hospitais e outros equipamentos coletivos, privação de energia, de água e de alimentos, etc.)?

Um mínimo de coerência política, precisa-se!

[Alterada a rubrica]

Adenda
Um leitor propõe uma nova versão da norma internacional sobre os crimes de guerra:
«1. São punidos todos os crimes de guerra.
2. Os crimes de guerra da Rússia são punidos de forma agravada.
3. Os crimes de guerra da Ucrânia são desculpáveis.
4. Os crimes de guerra de Israel na Palestina - não existem.»
Apropriada caricatura!

Adenda 2
«Pelo menos 50 mortos no campo de refugiados de Jabalia». Agrava-se a barbaridade do assalto israelita a Gaza, que nem os campos de refugiados poupa, perante a conplacência ou, mesmo, aplauso dos Estados Unidos e do resto do Ocidente. Em situações como esta, ser ocidental envergonha...

Adenda 3
Até o circunspecto Financial Times denuncia a «catástrofe que se desenrola em Gaza» e reclama o fim dos bombardeamentos israelitas. Enquanto isso, muita da nossa imprensa, seguindo o lead do Observador, aplaude a chacina

sábado, 14 de outubro de 2023

Como era de temer (6): Quando Israel compete com o Hamas

1. Como era de recear, o governo israelita resolveu enveredar por práticas de olho-por-olho e dente-por-dente em resposta ao ataque terrorista do Hamas, com o bloqueio total a Gaza, incluindo o corte de energia, de combustível e de água a 2 milhões de habitantes do território, a imposição do abandono da cidade de Gaza pela população (1 milhão), o bombardeamento maciço de alvos civis e equipamentos públicos -, tudo formas de punição coletiva de má memória, em flagrante violação das normas do direito da guerra e do direito humanitário.

Ao contrário dos grupos terroristas, um alegado Estado de direito, como Israel, não pode tomar as populações civis como reféns e vítimas coletivos da sua luta antiterrorista, sob pena de se parecer com eles.

2. Tão grave como este verdadeiro terrorismo de Estado israelita é a complacência e o cinismo ocidental  perante o massacre de Gaza em curso, limitando-se a solicitar deferentemente ao governo israelita que não dê uma resposta "desproporcionada", quando é evidente que não há limites de nenhuma espécie na punitiva contraofensiva de Tel-Aviv. Uma vergonha!

Mais uma vez surge a questão da duplicidade de critérios ocidental: com que legitimidade e credibilidade é que a Nato e os seus membros, incluindo Portugal, podem continuar a condenar os crimes de guerra da Rússia na Ucrânia, como têm feito, se são coniventes com os praticados por Israel contra os palestinos em Gaza e na Cisjordânia à vista de toda a gente?!

Adenda
Quando o MNE nacional se limita a esperar que «a matança de palestinianos em Gaza não seja desordenada», está tudo dito! Nem o Secretário de Estado norte-americano seria tão cínico. Revoltante!

Adenda 2
Um leitor pergunta porque uso palestinos/as, em vez de palestinianos/as, como é corrente. Na verdade, uso ambas as formas, mas dei em pensar que é preferível usar a primeira: também dizemos argentinos/as para os nacionais da Argentina, e não argentinianos/as, ou filipinos/as, para os das Filipinas, e não filipinianos/as.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Guerra na Ucrânia (57): Alianças que comprometem

A visita do líder norte-coreano a Moscovo e o seu apoio entusiástico à invasão russa da Ucrânia, em nome da "luta sagrada" contra o Ocidente, só pode trazer embaraços a Putin, por não poder agradar quer a muitos países que no "sul global" não tomaram partido na guerra, que consideram uma "guerra entre potências do Norte", recusando-se a condenar Moscovo, quer sobretudo àqueles observadores que, embora condenando desde o início a invasão, como é o caso deste blogue, se recusam a alinhar na russofobia ocidental, que a guerra aprofundou. 

A aliança de Moscovo com Pyongyang, um dos governos mais despóticos e mais belicistas do Mundo, afasta ainda mais a Rússia do Ocidente e só pode causar inquietação em muitas outras geografias. Há alianças que comprometem.

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Unten den Linden (2): Quando a economia alemã se "constipa"...

1. Como se não bastasse a entrada da Alemanha em recessão económica, embora não muito profunda, surge agora a notícia de que a inflação nesse país voltou a subir para quase 8%!

Para um alemão comum, afeito à ideia de uma economia robusta e dinâmica e à estabilidade dos preços, uma situação de "estagflação" (estagnação económica + inflação) constitui uma espécie de pesadelo.

Entre os prováveis fatores desta insólita situação conta-se seguramente o facto de a economia alemã ser uma das principais "vítimas colaterais" da guerra da Ucrânia e das sanções à Rússia (e contrassanções desta): energia e alimentação mais caras, perda do mercado e dos investimentos na Rússia, etc. 

Resta saber por quanto tempo...

2. Para além das repercussões políticas internas - perda de popularidade do governo de "coligação semáforo", já em declínio há meses, e eventual redução do apoio à guerra na Ucrânia entre a opinião pública -, é de recear o impacto das dificuldades económicas alemãs na economia da União e dos Estados-membros. 

Por um lado, sendo a economia alemã a maior da União e sendo a Alemanha o primeiro parceiro comercial interno de muitos Estados-membros, não se pode descartar um importante reflexo negativo sobre as outras economias. Por outro lado, a retoma da pressão inflacionista na maior economia da zona Euro deixa pouca margem ao BCE para descontinuar a subida da taxa de juro, com inevitáveis reflexos no arrefecimento da economia, se se mostrar que só uma contração económica trava a inflação.

Portanto, não é apenas na Alemanha que há vários motivos de preocupação...

domingo, 4 de junho de 2023

Guerra na Ucrânia (56): O tempo do compromisso ainda não chegou

A imediata rejeição ocidental do plano de paz apresentado numa conferência internacional pelo ministro da defesa da Indonésia (e provável presidente do país no próximo ano) - que propõe um cessar fogo monitorizado pelas Nações Unidas e um referendo nos territórios em disputa, e que, no essencial, converge com a minha própria sugestão de há tempos - mostra que o tempo do compromisso ainda não chegou na guerra na Ucrânia e que os aliados desta continuam a desconsiderar inteiramente as duas principais razões russas para o invasão, ou seja, a sua própria segurança, face ao cerco da Nato, e a segurança da população russófona no leste da Ucrânia, durante anos hostilizada por Kiev.

Não sendo previsível superar este impasse no curto prazo, só resta esperar a continuação indefinida das hostilidades, e das suas vítimas, sem excluir o risco de uma escalada bélica...

Adenda
Um leitor pergunta porque é que «todas as propostas de mediação do conflito vindas de terceiros países são logo apelidades de "pró-russas" e liminarmente rejeitadas não só pela Ucrânia, o que se compreende, mas também pelos EUA e pela UE». Penso que os países da Nato, que começaram por boicotar as conversações inicialmente realizadas entre os beligerantes sob a égide da Turquia, forçando a Ucrânia a abandoná-las, continuam fixados na idea de que é possível vencer a guerra, incluindo a recuperação da Crimeia, humilhando política e militarmente a Rússia. Uma ideia que pode ser muito perigosa...

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Guerra na Ucrânia (55): Cancelamento

Era de temer que a passional onda antirrussa desencadeada no Ocidente pela invasão da Ucrânia, que logo se manifestou no cancelamento da atuação de artistas e desportistas russos, viesse a dar lugar a atitudes como esta do Reitor da Universidade de Coimbra, que, com base na denúncia pública de dois cidadãos ucranianos, sobre alegada "propaganda pró-Putin", despediu sumariamente um professor russo do departamento de estudos russos da Faculdade de Letras, rescindindo imediatamente o seu contrato (aliás, gracioso), sem nenhum processo de averiguação, nem audição do acusado.

Neste caso, a simples denúncia de posições filorrussas legitimou a expedita punição, com despedimento, do delito de opinião, sem contraditório, de nada valendo o vínculo contratual nem a tradicional garantia da liberdade académica. Como é bom de ver, quando a exclusão ideológica chega à academia, preparemo-nos para o pior...

Adenda
Como diz um leitor, na "caça às bruxas" anticomunista do senador MacCarthy nos EUA, a seguir à Guerra, ainda havia acusação e processo público, o que agora se dispensa nesta «purga antirrusa». 

Adenda 2 (14/5)
Outro leitor lembra que na ditadura do Estado Novo o banimento de professores por motivos político-ideológicos era «feito pelo Governo, sob denúncia da PIDE, e não pelas próprias universidades, abusando da sua autonomia»Tem razão. O que não mudou, porém, hoje como ontem, é a cumplicidade, pelo silêncio, da generalidade da academia perante estes atos sumários de exclusão...

Adenda (3) (18/5)
Concordo com o leitor que comenta que, «se, em vez de um reitor de direita a despedir sumariamente um professor por alegada propaganda pró-Putin [aliás, entretanto desmentidos pelos alunos], fosse um reitor de esquerda a despedir um professor por alegada propaganda pró-Trump, o caso daria seguramente a iradas acusações de perseguição política nas televisões e mesmo na AR». Sim, a tradicional duplicidade de critérios...

quarta-feira, 12 de abril de 2023

+Europa (72): O custo da guerra

Nas recentes previsões de crescimento económico do FMI para o corrente ano, a UE faz má figura, com um crescimento anémico de menos de 1% (metade dos Estados Unidos) e com meia dúzia de Estados-membros em recessão, incluindo a principal economia, a alemã, como mostra o quadro acima.

Entre os fatores da travagem económica conta-se obviamente a política monetária contracionista do BCE, tornada imprescindível para combater o surto inflacionista, provocado especialmente pelo aumento dos custos da energia e dos bens alimentares importados. 

A guerra na Ucrânia vai continuar a cobrar o seu tributo económico à UE.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Não é bem assim (14): PR não pode demitir livremente o Governo

1. Ao contrário do que frequentemente se ouve e lê - por exemplo, AQUI -, em 2004, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, não demitiu o Governo de Santana Lopes, tendo, sim, dissolvido a AR e convocado eleições antecipadas, invocando a evidente degradação da situação política. O Primeiro-ministro é que decidiu apresentar a sua demissão, passando a "governo de gestão" -, o que não estava obrigado a fazer.

Com efeito, salvo o caso excecional de estar em causa o "regular funcionamento das instituições" - situação até agora nunca invocada -, o Presidente da República não pode demitir diretamente o Governo, que não depende da sua confiança política e que só responde politicamente perante a AR

2. O que o PR pode fazer, quando o julgue politicamente justificado, é dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, o que vai acarretar automaticamente a demissão do Governo em funções, com o início da nova legislatura.

Todavia, é fácil ver que, embora seja uma decisão presidencial relativamente discricionária - mas que carece sempre de fundamentação adequada -, o PR só a tomará normalmente se puder antecipar, com forte probabilidade, que as novas eleições e a nova composição parlamentar providenciarão uma solução governativa alternativa à existente. Em 2004, tal era praticamente garantido, dado o manifesto esgotamento da maioria governamental, sob a liderança de Santana Lopes, e a sólida afimação do PS de José Sócrates nas sondagens eleitorais; nas circunstâncias presentes, ninguém o pode assegurar, pelo contrário. 

Arriscar uma situação de impasse ou de fragilidade governativa nas atuais circunstâncias - guerra na Ucrânia sem fim à vista, surto inflacionista por dominar, prazo de implementação do PRR a correr - relevaria do aventureirismo político. 

quinta-feira, 30 de março de 2023

Guerra na Ucrânia (54): "Agressão não provocada"?

1. De vez em quando, ousando desafinar do coro a uma só voz orquestrado a partir de Washington e de Bruxelas (sede da Nato) sobre a guerra na Ucrânia, há autores ocidentais, como Jeffrey D. Sachs, que têm a coragem de lembrar as origens da guerra e de contestar a versão ocidental da "invasão não provocada".

Que houve invasão da Rússia, é óbvio, por mais que Moscovo insista na abstrusa designação de "operação militar especial". Mas é igualmente indesmentível que Moscovo foi continuadamente provocada desde 2014 por Washington, com a cumplicidade europeia, mediante a deliberada alteração do estatuto da Ucrânia como "Estado-tampão" neutro, através da sua integração na Nato, ameaçando diretamente a segurança da Rússia e, depois, pelo incumprimento por Kiev dos acordos de Minsk sobre a autonomia dos territórios russófonos do Leste da Ucrânia, os quais, em vez disso, foram continuamente flagelados pela artilharia ucraniana. 

Evidentemente, as provocações ocidentais não desculpabilizam a Rússia pela invasão, em patente violação do direito internacional, mas descredibilizam manifestamente a retaliação em todas as frentes de Washington e de Bruxelas, especialmente no "Sul global" (desde o Brasil à Índia), que se recusa a alinhar na cruzada ocidental contra a Rússia.

2. Dadas as origens da guerra, não se vê como ela pode vir a acabar um dia sem a renúncia à integração da Ucrânia na Nato, regressando ao seu estatuto de neutralidade, em troca da retirada da Rússia dos territórios ocupados e anexados, que ficariam transitoriamente sujeitos a administração das Nações Unidas, até à organização de um referendo local sobre o respetivo estatuto político, sob a égide da ONU.

Mas, tendo em conta as posições absolutistas de ambas as partes, tudo indica que o desenlace do conflito está mais longe do que perto. Entretanto, além dos beligerantes, a União Europeia paga a principal fatura da guerra que se trava nas suas fronteiras entre Washington e Moscovo, por interposta Ucrânia.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia (53): A guerra também é nossa

Nesta entrevista de hoje ao Público sobre a Guerra da Ucrânia, em que se mostrou inteiramente alinhado com o discurso bélico ocidental, o Primeiro-Ministro subscreveu também a posição de que só Kiev «tem legitimidade para definir qual é o momento e quais são os termos e as condições para negociar a paz», pelo que os aliados devem abster-se de interferir nesse processo.

Permito-me discordar desssa posição. Um ano depois de iniciado, o conflito é, cada vez mais, uma guerra também dos Estados Unidos e, especialmente, da UE: no fornecimento de armas e no treino da sua utilização, no acolhimento dos refugiados, no financiamento maciço do orçamento e da economia da Ucrânia, sem falar no custo astronómico da sua reconstrução pós-bélica. Quanto mais a guerra se prolonga, mais esses custos se elevam, à custa dos orçamentos e dos contribuintes europeus.

Ora, se a guerra também é nossa, porque a pagamos, não podemos deixar de ter uma palavra sobre o momento e as condições para lhe tentar pôr termo.

Adenda
Um leitor entende que a Europa está "tramada", porque o Presidente dos EUA «vai querer prolongar a guerra até às eleições presidenciais do próximo ano», utilizando-a como trunfo eleitoral; desta vez na guerra de Washington contra o velho inimigo do século passado, «não há soldados americanos a morrer» e os Estados Unidos até estão a ganhar economicamente com ela. Penso que tem razão.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia (52): Uma receita para o desastre

1. A notícia de que o Chega exige que o Governo declare a Rússia como Estado terrorista permite sublinhar que há um óbvio plano em marcha para envolver diretamente a UE na Guerra da Ucrânia

Na verdade, impulsionado por Kiev e pelos "falcões da guerra" dentro da UE (Polónia, países bálticos e escandinavos), está em curso avançado um processo tendente a: (i) fazer entrar a Ucrânia rapidamente na UE, mesmo estando em guerra (o que é insano), e deixando para trás os países balcânicos, que há muito esperam a adesão, e a (ii) levar as instituições da União e todos os Estados-membros a qualificar a Rússia, não apenas como agressor, mas também como "Estado terrorista".

2. Que importância é que tem essa qualificação? Decisiva. 

Se conseguirem os seus objetivos, a primeira coisa que a Ucrânia faria como membro da União seria ativar a "cláusula de solidariedade", estabelecida no art. 222º do TFUE, segundo o qual, «em caso de ataque terrorista» contra um Estado-membro, «a União mobiliza todos os meios ao seu dispor, incluindo meios militares disponibilizados pelos Estados-membros».

Ou seja, um guerra direta entre a UE e a Rússia, preto no branco, que rapidamente poderia degenerar em III Guerra Mundial, com o possível arrastamento dos EUA e da China.

3. Que o "partido da guerra", com a conivência dos partidos da direita europeia, não recua perante essa ominosa perspetiva, assusta. Mas que a esquerda europeia em geral e os socialistas em especial possam ser cúmplices, isso ultrapassa o entendimento.

Felizmente, não parece que em Portugal nem o Governo nem o PS tenham ensandecido.