Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 8 de abril de 2024
Assim não vale (9): Despudor político
domingo, 31 de março de 2024
Não concordo (46): Dois erros na formação do Governo
1. Além da problemática nomeação de uma advogada para a pasta da Justiça nas atuais circunstâncias, como referi anteriormente, há mais dois aspetos em que discordo na composição do novo Governo.
O primeiro é a nomeação da Juíza-Conselheira Margarida Blasco para ministra da Administração Interna (ou qualquer outra pasta), porque, desde sempre (por exemplo, AQUI), considero que a nomeação de magistrados judiciais para cargos políticos sem prévio abandono da carreira judicial viola flagrantemente o princípio da separação de poderes e a independência partidária da magistratura (e não estou sozinho neste ponto). Apesar de já jubilada, tal estatuto (a que voltará depois de deixar o Governo) não representa abandono da carreira judicial, mantendo-se vinculada às incompatibilidades próprias da magistratura.
A meu ver, a "porta giratória" entre cargos judiciais e cargos políticos não é compatível com o princípio do Estado de direito.
2. O segundo aspeto negativo é o regresso dos assuntos europeus ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Como defendi anteriormente AQUI, o pelouro dos assuntos europeus - que compreende essencialmente a representação do Governo na formação de "assuntos gerais" do Conselho da União, e a articulação da representação ministerial nacional nas nove restantes formações especializadas do Conselho - tem a ver sobretudo com políticas internas, desde a economia ao ambiente, pelo que deveria continuar sob responsabilidade de um secretário de Estado, na presidência do Conselho de Ministros, ou seja, sob a égide e autoridade superior do Primeiro-Ministro, tal como no Governo cessante.
Além de injustificada, até porque o MNE sempre teria direito a integrar o conselho de ministros da política externa da UE, esta solução constitui, a meu ver, um retrocesso prejudicial à coordenação das políticas da UE com as correspondentes políticas internas, que são competência dos demais ministros sectoriais, e que deveria continuar sob responsabilidade do PM, e não de um ministro sectorial, como o MNE.
quarta-feira, 27 de dezembro de 2023
Aplauso (32): Ponderação e bom senso
1. Considero obrigatório ler esta entrevista da Juíza-conselheira do STJ., Teresa Almeida. no Público de hoje, sobre a situação da justiça penal em Portugal, a qual é caracterizada pelo saber e o bom senso que só a inteligência e a experiência proporcionam.
Dá gosto e esperança.
2. Antiga magistrada do Ministério Público durante muitos anos, a entrevistada tem autoridade para dar conselhos à sua instituição de origem.
Eis uma das suas afirmações, sobre a abertura de investigações penais:
«E o princípio da legalidade [na investigação penal] não é exactamente isso. Não obriga o MP a ir atrás de tudo, obriga a iniciar uma investigação, a abrir um inquérito quando há uma suspeita com um mínimo de fundamento de que alguém praticou um crime. Estas duas condições têm que se reunir para haver inquérito. Não é porque há uma notícia ou porque alguém coloca uma questão. Tem que se fazer uma apreciação prévia.»
Como é evidente, esse requisito elementar da apreciação prévia para avaliar a consistência do caso não foi seguido no caso da precipitada abertura de um inquérito ao PM, António Costa, que provocou a sua demissão, acerca do qual não se sabe ainda por suspeita de que crime.
domingo, 4 de junho de 2017
Greve de juízes?
1. Para além de não ter base constitucional nem legal - pois os juízes não são trabalhadores por conta de outrem (muito menos trabalham sob instruções de outrem), mas sim titulares de cargos públicos (aliás, titulares de um órgão de soberania) -, a greve anunciada pelo (pouco representativo) sindicato dos juízes é muito pouco consentânea com a própria dignidade da função judicial.
Mas se há juízes que se dispõem a autoassimilar-se a trabalhadores assalariados para recorrerem à greve, talvez seja de recordar que um dos instrumentos de que o Estado dispõe para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais é o da requisição civil, com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respetivas obrigações. Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos.
2. Penso que esta ameaça de greve não pode ser encarada de ânimo leve pelo Governo, tanto mais que ela visa explicitamente perturbar o processo eleitoral das autarquias locais.
Além de não dever manter qualquer contacto com o sindicato - até porque as condições do exercício de cargos públicos não devem, por princípio, ser objeto de negociação sindical nem coletiva - e de não ceder à chantagem sindical, o Governo deve tornar claro, desde o princípio, que não tolerará nenhuma perturbação concertada da atividade judicial e que não hesitará em tomar todas as medidas legalmente disponíveis para a evitar e para fazer sancionar os responsáveis, se ela ocorrer.
Sendo juíza-conselheira do STJ, a ministra da Justiça tem nesta circunstância uma dupla responsabilidade: (i) assegurar sem hesitações a autoridade do Estado e a prevalência do interesse público e (ii) salvaguardar a dignidade da função judicial, posta em causa pelo indecoroso radicalismo sindical.
Adenda
A greve de juízes seria tão bizarra como a "greve" de quaisquer outros titulares de cargo público, seja de órgãos de soberania (PR, Governo, deputados) ou não (membros de órgãos de governo das regiões autónomas ou do poder local, reguladores e gestores públicos, reitores universitários, etc.). Onde não há relação laboral, não há lugar para greves.
Adenda 2
Mesmo na hipótese improvável de uma medida que atentasse contra a independência judicial - que tivesse conseguido passar pelo crivo do PR e do TC e a natural oposição do CSM -, não há nenhuma razão para uma greve, havendo um meio muito mais expedito e eficaz, que todos os juízes têm, que seria recusar a sua aplicação por inconstitucionalidade.