Vale a pena ler a entrevista de Paul Krugman ao diário italiano La Repubblica. O célebre economista norte-americano -- que em breve estará em Portugal, e que, como colunista semanal do New York Times, tem protagonizado uma crítica severa da Administração Bush, incluindo a invasão do Iraque -- identifica os fundamentos da “doença americana”.
A aliança entre o poder económico, a direita radical política e religiosa e a passividade dos média –, eis os ingredientes que explicam a natureza da política americana sob o domínio de George Bush.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 14 de abril de 2004
«Terrorismo verbal»
Publicado por
Vital Moreira
“Os especialistas nacionais na guerra de contra-informação sobre o Iraque alegram-se com a contagem de mortos que diariamente se faz dos soldados americanos.”
«É com estas palavras que Luís Delgado dá início a mais um dos seus artigos de opinião sobre a guerra no Iraque no Diário Digital de ontem. As palavras são brutais, ainda que escritas por alguém que, tal como Alberto João Jardim, atingiu um estatuto de inimputável. Mas então devemos ignorar? Mas não é ele presença diária num jornal e num canal de TV, ditos de referência? Esta frase e o autor são elucidativos do actual nível de qualidade do comentário político nos “media” e do desnorte que grassa nas fileiras pró-Bush. Quanto mais evidente se torna a dimensão do desastre, mais intensificam a sanha guerreira, mais aguçam a agressividade no comentário, mais cavam funda a injúria e mais expandem o terrorismo verbal. Quando já não restam argumentos credíveis recorrem aos julgamentos de carácter.
As palavras do Luís Delgado incomodam-me, porque me incomodam todos extremistas e todos os terroristas, ainda que só armados de palavras.»
(J.J.N.T.M., Matosinhos)
«É com estas palavras que Luís Delgado dá início a mais um dos seus artigos de opinião sobre a guerra no Iraque no Diário Digital de ontem. As palavras são brutais, ainda que escritas por alguém que, tal como Alberto João Jardim, atingiu um estatuto de inimputável. Mas então devemos ignorar? Mas não é ele presença diária num jornal e num canal de TV, ditos de referência? Esta frase e o autor são elucidativos do actual nível de qualidade do comentário político nos “media” e do desnorte que grassa nas fileiras pró-Bush. Quanto mais evidente se torna a dimensão do desastre, mais intensificam a sanha guerreira, mais aguçam a agressividade no comentário, mais cavam funda a injúria e mais expandem o terrorismo verbal. Quando já não restam argumentos credíveis recorrem aos julgamentos de carácter.
As palavras do Luís Delgado incomodam-me, porque me incomodam todos extremistas e todos os terroristas, ainda que só armados de palavras.»
(J.J.N.T.M., Matosinhos)
terça-feira, 13 de abril de 2004
Novas do PREC
Publicado por
Anónimo
Tal como no Verão Quente de 75, o novo PREC (Processo de Regionalização Em Curso) surpreende-nos diariamente. Quando, há umas semanas, verberei o esquartejamento do país em dezassete “regiões”, mal sabia que o resultado final seria de vinte e três, fora umas quantas situações de indefinição territorial que poderão terminar em irredutíveis aldeias gaulesas, afastadas do “progresso” que o PREC e as suas ridículas áreas metropolitanas insinuam.
Primeiro, a pobre Nazaré. Apanhada de surpresa pela torrente ocidental dos municípios vizinhos, entalada geograficamente por Alcobaça, resta-lhe uma de três opções: aderir ao Oeste que não deseja, esperar por uma excepção à lógica de continuidade territorial do PREC para poder abraçar Leiria, ou encontrar um Panoramix decente e mandar às urtigas a pax congeminada por Isaltino de Morais e seus seguidores. Por mim, que sinto alguma responsabilidade por via onomástica, seguiria sem hesitações o caminho da independência.
Depois, as patéticas declarações do secretário de Estado para o PREC. Que a regionalização seria mal-amada mas a a descentralização bem-querida pelos portugueses, que a transferência de competências e recursos era uma matéria menor, que o esforço governativo iria agora incidir na agregação das putativas vinte e três regiões numa malha mais racional (!), que o PREC era o único modelo capaz de unir os portugueses, entre outras preciosidades.
Não sei quanto mais tempo durará este folhetim, para desespero das próprias autarquias, forçadas a contragosto a aderir a um modelo em que não acreditam. Estamos no puro domínio do faz-de-conta, onde só a dura realidade da abstrusa malha administrativa portuguesa continua incólume, para desespero dos cidadãos.
Luís Nazaré
Primeiro, a pobre Nazaré. Apanhada de surpresa pela torrente ocidental dos municípios vizinhos, entalada geograficamente por Alcobaça, resta-lhe uma de três opções: aderir ao Oeste que não deseja, esperar por uma excepção à lógica de continuidade territorial do PREC para poder abraçar Leiria, ou encontrar um Panoramix decente e mandar às urtigas a pax congeminada por Isaltino de Morais e seus seguidores. Por mim, que sinto alguma responsabilidade por via onomástica, seguiria sem hesitações o caminho da independência.
Depois, as patéticas declarações do secretário de Estado para o PREC. Que a regionalização seria mal-amada mas a a descentralização bem-querida pelos portugueses, que a transferência de competências e recursos era uma matéria menor, que o esforço governativo iria agora incidir na agregação das putativas vinte e três regiões numa malha mais racional (!), que o PREC era o único modelo capaz de unir os portugueses, entre outras preciosidades.
Não sei quanto mais tempo durará este folhetim, para desespero das próprias autarquias, forçadas a contragosto a aderir a um modelo em que não acreditam. Estamos no puro domínio do faz-de-conta, onde só a dura realidade da abstrusa malha administrativa portuguesa continua incólume, para desespero dos cidadãos.
Luís Nazaré
Survival
Publicado por
Anónimo
Consegui sobreviver a oito dias de quase isolamento digital, após um ataque suicida de um vírus tão devastador e resistente (com espantosas mutações e artes de dissimulação) que só o arsenal bélico e a competência dos técnicos da Microsoft conseguiram eliminar, numa operação pós-pascal de perseguição implacável. Aplausos pela esquerda à Microsoft, que também os merece.
O que é extraordinariamente curioso é que, cá em casa, há quatro computadores e quatro ligações autónomas à Internet. A minha e a da minha mulher estão super-protegidas com anti-virus e firewalls de diversas proveniências; as das minhas duas filhas não dispõem de qualquer dispositivo protector. Eu e a minha mulher não temos ligações digitais suspeitas (que eu saiba) nem fazemos downloads de programas quaisquer, enquanto as minhas filhas passam o tempo a descarregar bits de proveniência mais que duvidosa. A elas, nada lhes acontece, nunca foram infectadas, não sabem o que são os estragos de um surto viral. A mim e à minha mulher, surgem-nos problemas com uma regularidade impressionante.
Um velho amigo meu, experiente cidadão do mundo, perguntava-me na quinta-feira passada: “Ainda não percebeste que, se não houver permanentes ataques de novas estirpes virais, não se vendem novas versões de preservativos?”. É um cínico, este meu amigo…
Luís Nazaré
O que é extraordinariamente curioso é que, cá em casa, há quatro computadores e quatro ligações autónomas à Internet. A minha e a da minha mulher estão super-protegidas com anti-virus e firewalls de diversas proveniências; as das minhas duas filhas não dispõem de qualquer dispositivo protector. Eu e a minha mulher não temos ligações digitais suspeitas (que eu saiba) nem fazemos downloads de programas quaisquer, enquanto as minhas filhas passam o tempo a descarregar bits de proveniência mais que duvidosa. A elas, nada lhes acontece, nunca foram infectadas, não sabem o que são os estragos de um surto viral. A mim e à minha mulher, surgem-nos problemas com uma regularidade impressionante.
Um velho amigo meu, experiente cidadão do mundo, perguntava-me na quinta-feira passada: “Ainda não percebeste que, se não houver permanentes ataques de novas estirpes virais, não se vendem novas versões de preservativos?”. É um cínico, este meu amigo…
Luís Nazaré
Soros contra Bush (carta de um leitor)
Publicado por
Vital Moreira
"Com mais esta prova da apoio à política espansionista israelita, Bush pretende obviamente cativar o importante voto dos judeus norte-americanos nas eleições presidenciais de Novembro e Sharon procura tirar argumentos aos superfalcões israelitas" [Vital Moreira]
«Nem todos os judeus norte-americanos (ou não) assinam por baixo das acções de Sharon. Um deles é judeu, fugiu do nazismo e é um dos maiores capitalistas americanos: George Soros. Comecei a ler "The Bubble of American Supremacy" onde se pode ler isto (ja tinha sido publicado no Atlantic Monthly):
"(...) Even so, September 11 could not have changed the course of history to the extent that it has if President Bush had not responded to it the way he did. He declared war on terrorism, and under that guise implemented a radical foreign-policy agenda whose underlying principles predated the tragedy. Those principles can be summed up as follows: International relations are relations of power, not law; power prevails and law legitimizes what prevails. The United States is unquestionably the dominant power in the post-Cold War world; it is therefore in a position to impose its views, interests, and values. The world would benefit from adopting those values, because the American model has demonstrated its superiority. The Clinton and first Bush Administrations failed to use the full potential of American power. This must be corrected; the United States must find a way to assert its supremacy in the world.
This foreign policy is part of a comprehensive ideology customarily referred to as neoconservatism, though I prefer to describe it as a crude form of social Darwinism. I call it crude because it ignores the role of cooperation in the survival of the fittest, and puts all the emphasis on competition. In economic matters the competition is between firms; in international relations it is between states. In economic matters social Darwinism takes the form of market fundamentalism; in international relations it is now leading to the pursuit of American supremacy.
(...) The war on terrorism as pursued by the Bush Administration cannot be won. On the contrary, it may bring about a permanent state of war. Terrorists will never disappear. They will continue to provide a pretext for the pursuit of American supremacy. That pursuit, in turn, will continue to generate resistance. Further, by turning the hunt for terrorists into a war, we are bound to create innocent victims. The more innocent victims there are, the greater the resentment and the better the chances that some victims will turn into perpetrators.
(...) I propose replacing the Bush doctrine of pre-emptive military action with preventive action of a constructive and affirmative nature. Increased foreign aid or better and fairer trade rules, for example, would not violate the sovereignty of the recipients. Military action should remain a last resort. The United States is currently preoccupied with issues of security, and rightly so. But the framework within which to think about security is collective security. Neither nuclear proliferation nor international terrorism can be successfully addressed without international cooperation. The world is looking to us for leadership. We have provided it in the past; the main reason why anti-American feelings are so strong in the world today is that we are not providing it in the present". »
(NF)
«Nem todos os judeus norte-americanos (ou não) assinam por baixo das acções de Sharon. Um deles é judeu, fugiu do nazismo e é um dos maiores capitalistas americanos: George Soros. Comecei a ler "The Bubble of American Supremacy" onde se pode ler isto (ja tinha sido publicado no Atlantic Monthly):
"(...) Even so, September 11 could not have changed the course of history to the extent that it has if President Bush had not responded to it the way he did. He declared war on terrorism, and under that guise implemented a radical foreign-policy agenda whose underlying principles predated the tragedy. Those principles can be summed up as follows: International relations are relations of power, not law; power prevails and law legitimizes what prevails. The United States is unquestionably the dominant power in the post-Cold War world; it is therefore in a position to impose its views, interests, and values. The world would benefit from adopting those values, because the American model has demonstrated its superiority. The Clinton and first Bush Administrations failed to use the full potential of American power. This must be corrected; the United States must find a way to assert its supremacy in the world.
This foreign policy is part of a comprehensive ideology customarily referred to as neoconservatism, though I prefer to describe it as a crude form of social Darwinism. I call it crude because it ignores the role of cooperation in the survival of the fittest, and puts all the emphasis on competition. In economic matters the competition is between firms; in international relations it is between states. In economic matters social Darwinism takes the form of market fundamentalism; in international relations it is now leading to the pursuit of American supremacy.
(...) The war on terrorism as pursued by the Bush Administration cannot be won. On the contrary, it may bring about a permanent state of war. Terrorists will never disappear. They will continue to provide a pretext for the pursuit of American supremacy. That pursuit, in turn, will continue to generate resistance. Further, by turning the hunt for terrorists into a war, we are bound to create innocent victims. The more innocent victims there are, the greater the resentment and the better the chances that some victims will turn into perpetrators.
(...) I propose replacing the Bush doctrine of pre-emptive military action with preventive action of a constructive and affirmative nature. Increased foreign aid or better and fairer trade rules, for example, would not violate the sovereignty of the recipients. Military action should remain a last resort. The United States is currently preoccupied with issues of security, and rightly so. But the framework within which to think about security is collective security. Neither nuclear proliferation nor international terrorism can be successfully addressed without international cooperation. The world is looking to us for leadership. We have provided it in the past; the main reason why anti-American feelings are so strong in the world today is that we are not providing it in the present". »
(NF)
"Slogans" eleitorais
Publicado por
Vital Moreira
«Porquê toda a polémica levantada em torno frase eleitoral da coligação PSD-PP? De há alguns anos para cá, os partidos gastam bastante dinheiro para contratar os melhores profissionais de marketing para gestão das suas campanhas... O que essas pessoas fazem é o mesmo que fazem quando têm de vender uma cerveja ou um produto de limpeza. Pegar em siglas ou símbolos com que as pessoas se identifiquem... Ora... Parece-me inteligente ir buscar um slogan ["Força Portugal!"] que, realmente, num ano em que se pede tão arreigadamente que o nacionalismo venha ao de cima para puxar pela selecção de futebol, leve as pessoas nessa onda.
Não acho nada que se trate de quebrar "as regras do jogo". Porque, aliás, este "jogo" tem regras tão dúbias e personagens tão gastas e enfadonhas que não acho que seja por aí que a coisa melhore... Se calhar a oposição deveria preocupar-se mais em tentar passar as suas ideias do que em acusar por acusar, até porque dá a ideia de que parte da oposição ficou foi incomodada por não se ter conseguido lembrar de uma ideia assim...
Acho que, infelizmente, mais uma vez a verdade vai ser outra, com uma vitória esmagadora da abstenção. E isso sim é que preocupa... Que os cidadãos não usufruam de direitos adquiridos a tanto custo e que depois se queixem quando nem sequer o seu dever cívico exerceram. Mas quando a discussão política gira em torno dos slogans dos partidos e as eleições estão marcadas para um dia 13 de Junho..., parece que ainda se tenta reforçar mais o nível de abstenção...»
(JPL)
Não acho nada que se trate de quebrar "as regras do jogo". Porque, aliás, este "jogo" tem regras tão dúbias e personagens tão gastas e enfadonhas que não acho que seja por aí que a coisa melhore... Se calhar a oposição deveria preocupar-se mais em tentar passar as suas ideias do que em acusar por acusar, até porque dá a ideia de que parte da oposição ficou foi incomodada por não se ter conseguido lembrar de uma ideia assim...
Acho que, infelizmente, mais uma vez a verdade vai ser outra, com uma vitória esmagadora da abstenção. E isso sim é que preocupa... Que os cidadãos não usufruam de direitos adquiridos a tanto custo e que depois se queixem quando nem sequer o seu dever cívico exerceram. Mas quando a discussão política gira em torno dos slogans dos partidos e as eleições estão marcadas para um dia 13 de Junho..., parece que ainda se tenta reforçar mais o nível de abstenção...»
(JPL)
Apostilas das terças
Publicado por
Vital Moreira
1. Má fama
Escreve Sérgio Figueiredo no seu editorial de ontem no Jornal de Negócios:
«Também não surpreenderia ninguém que, se este Governo caísse com um terramoto imprevisto e o PS regressasse novamente ao poder, o défice orçamental deixava de ser os 2,8% anunciados e passava a ser de 5,5% ou 5,6%.»
A verdade é que o PS tem feito muito pouco para contrariar esta má fama de despesismo e laxismo financeiro. Mas deveria hoje ser óbvio que só deveria ser candidato ao Governo um partido que dê garantias nesta matéria, não somente para cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE mas também e sobretudo para garantia de sanidade das finanças públicas e da economia.
2. Futebol e política
O PSD “desvaloriza” a importância da apropriação do “motto” da selecção nacional de futebol no Euro 2004 (“Força Portugal!”) como sigla eleitoral da coligação governamental nas próximas eleições europeias. Bem pode, mas lá que é um desaforo isso é evidente. Com a renovada importância atribuída pelos eleitores às questões da honestidade e da lisura política, talvez este descarado golpe baixo se revele um tiro pela culatra. Era bem feito!
3. Mais uma revisão constitucional
Há uns meses atrás o PS apresentou inesperadamente uma proposta de revisão constitucional que se limitava ao capítulo das regiões autónomas, com amplas concessões às pretensões autonomistas, porém com a condição de revisão prévia das leis eleitorais regionais, a tempo das eleições insulares do Outono do corrente ano, de modo a corrigir a injustiça eleitoral a que elas dão lugar. Não teve êxito. Do Funchal, o sátrapa regional disse que a revisão constitucional era pouco e que não cedia a revisão da lei eleitoral. Soube-se há dias que, apesar dessa “nega”, o PS insiste na revisão constitucional a curto prazo, abdicando portanto do saneamento das leis eleitorais. No entanto, a incongruência e a falta de firmeza não costumam compensar politicamente.
Vital Moreira
Escreve Sérgio Figueiredo no seu editorial de ontem no Jornal de Negócios:
«Também não surpreenderia ninguém que, se este Governo caísse com um terramoto imprevisto e o PS regressasse novamente ao poder, o défice orçamental deixava de ser os 2,8% anunciados e passava a ser de 5,5% ou 5,6%.»
A verdade é que o PS tem feito muito pouco para contrariar esta má fama de despesismo e laxismo financeiro. Mas deveria hoje ser óbvio que só deveria ser candidato ao Governo um partido que dê garantias nesta matéria, não somente para cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE mas também e sobretudo para garantia de sanidade das finanças públicas e da economia.
2. Futebol e política
O PSD “desvaloriza” a importância da apropriação do “motto” da selecção nacional de futebol no Euro 2004 (“Força Portugal!”) como sigla eleitoral da coligação governamental nas próximas eleições europeias. Bem pode, mas lá que é um desaforo isso é evidente. Com a renovada importância atribuída pelos eleitores às questões da honestidade e da lisura política, talvez este descarado golpe baixo se revele um tiro pela culatra. Era bem feito!
3. Mais uma revisão constitucional
Há uns meses atrás o PS apresentou inesperadamente uma proposta de revisão constitucional que se limitava ao capítulo das regiões autónomas, com amplas concessões às pretensões autonomistas, porém com a condição de revisão prévia das leis eleitorais regionais, a tempo das eleições insulares do Outono do corrente ano, de modo a corrigir a injustiça eleitoral a que elas dão lugar. Não teve êxito. Do Funchal, o sátrapa regional disse que a revisão constitucional era pouco e que não cedia a revisão da lei eleitoral. Soube-se há dias que, apesar dessa “nega”, o PS insiste na revisão constitucional a curto prazo, abdicando portanto do saneamento das leis eleitorais. No entanto, a incongruência e a falta de firmeza não costumam compensar politicamente.
Vital Moreira
segunda-feira, 12 de abril de 2004
"Eles mentem, eles perdem"
Publicado por
Anónimo
O Bloco de Esquerda foi muito justamente criticado pelo mau-gosto e demagogia do cartaz do bébé com o punho erguido, sinal de incurável infantilismo revolucionário. Mas agora redimiu-se com uma pequena obra-prima de propaganda eficaz, directa e cirúrgica: um cartaz onde aparecem Durão Barroso, Blair e Bush (a cores) e Aznar (a preto e branco) sob a expressão “Eles mentem / eles perdem”. É um exemplo de que o Bloco – pense-se o que se pensar da sua orientação política – é, em Portugal, o partido mais moderno e mais imaginativo em termos comunicacionais. Em contrapartida, como parece velha, burocrática e cinzenta a propaganda do PS... Desde a excelente campanha das primeiras legislativas ganhas por Guterres, jogando com a razão e o coração, que o Partido Socialista parece em “panne” de criatividade. Não será um sintoma, entre outros, de que a prometida renovação não chegou efectivamente a acontecer?
VJS
VJS
Pacheco e a "informação accionável"
Publicado por
Anónimo
Pacheco Pereira é um dos cruzados ideológicos da guerra no Iraque que parece ter sido também vítima da síndrome da “informação accionável”. Há dias, na SIC, Pacheco reagiu com ostensivo desagrado a uma questão colocada pelo jornalista Paulo Camacho: o actual caos iraquiano não estaria a demonstrar que o mundo se tornou hoje menos seguro do que antes da invasão, contrariando os proclamados objectivos dos ocupantes? Para Pacheco a questão não faz sentido, pois não é possível saber em que estado estaria hoje o mundo se Saddam não tivesse sido derrubado. É o que poderíamos também considerar uma “informação não accionável”, no sentido em que não seria susceptível de verificação.
Efectivamente não o é, da mesma forma que não foi possível evitar o 11 de Setembro, apesar do famoso relatório entregue a Bush um mês antes da data fatídica. Só que a intervenção no Iraque abriu uma caixa de Pandora porventura ainda maior do que os seus opositores previam e os “filobushistas” como Pacheco se recusaram (e recusam) a admitir.
Se o caos existente não está próximo do pior cenário imaginável, então a cegueira em não reconhecer a verdade dos factos só tem paralelo na condescendência com o novelo de mentiras que funcionou como pretexto para a guerra. As mentes retorcidas de Pacheco Pereira e outros adeptos da cruzada americana nunca se deixarão convencer por nenhuma evidência, mesmo que o Iraque se torne o inferno na terra e o terrorismo islâmico encontre aí a retaguarda propícia para continuar a florescer através do mundo. Haverá sempre um défice de “informação accionável”...
Vicente Jorge Silva
Efectivamente não o é, da mesma forma que não foi possível evitar o 11 de Setembro, apesar do famoso relatório entregue a Bush um mês antes da data fatídica. Só que a intervenção no Iraque abriu uma caixa de Pandora porventura ainda maior do que os seus opositores previam e os “filobushistas” como Pacheco se recusaram (e recusam) a admitir.
Se o caos existente não está próximo do pior cenário imaginável, então a cegueira em não reconhecer a verdade dos factos só tem paralelo na condescendência com o novelo de mentiras que funcionou como pretexto para a guerra. As mentes retorcidas de Pacheco Pereira e outros adeptos da cruzada americana nunca se deixarão convencer por nenhuma evidência, mesmo que o Iraque se torne o inferno na terra e o terrorismo islâmico encontre aí a retaguarda propícia para continuar a florescer através do mundo. Haverá sempre um défice de “informação accionável”...
Vicente Jorge Silva
"Informação accionável"
Publicado por
Anónimo
Segundo o Público de hoje, “informação accionável” é uma expressão que agora transitou da gíria dos serviços secretos para o dialecto político de Washington. Bush recebeu em 6 de Agosto de 2001 um relatório que previa ataques da Al-Qaeda contra território americano, mas, segundo a versão oficial, não havia aí “informação accionável” que permitisse evitar os atentados terroristas do 11 de Setembro. Admitamos que sim, que Bush não iria tão longe no calculismo e no cinismo a ponto de deixar a Al Qaeda massacrar três mil cidadãos nos Estados Unidos para ter, depois, um pretexto de retaliação. Em todo o caso, Bush considerou haver “informação accionável” para decidir a invasão do Iraque antes ainda de ter acontecido o 11 de Setembro. “Informação accionável” é, no fundo, aquela que se ajusta aos preconceitos ideológicos, aos desígnios imperiais, aos interesses económicos e às decisões políticas da Administração Bush. Mesmo que os seus pressupostos sejam falsos e fabricados, como aconteceu com as Armas de Destruição Maciça no Iraque e a conexão entre o regime de Saddam e a Al-Qaeda. A mentira pode ser “accionável” mas a verdade não. O resultado está à vista.
VJS
VJS
Busharon
Publicado por
Vital Moreira
É quase oficial o que há muito tempo se receava. O anunciado plano de retirada de Israel da faixa de Gaza tem como contrapartida o projecto de anexação de parte importante do território da Cisjordânia, possivelmente de acordo com o muro de separação ilegalmente construído por Telavive nos territórios ocupados, incorporando a maior parte dos colonatos judaicos ilegais e pondo em causa a própria viabilidade de um Estado palestiniano. Segundo o bem informado diário israelita Haaretz, esse plano de anexação vai ter a cobertura de George Bush (sem o acordo da UE e da Rússia, os outros co-autores do “road map” para a resolução da questão palestiniana, em mais uma iniciativa unilateral da Casa Branca) na programada visita de Sharon a Washington, apesar de ele violar flagrantemente o direito internacional e as resoluções das Nações Unidas.
Com mais esta prova da apoio à política espansionista israelita, Bush pretende obviamente cativar o importante voto dos judeus norte-americanos nas eleições presidenciais de Novembro e Sharon procura tirar argumentos aos superfalcões israelitas, ainda mais extremistas do que ele, que se opõem ao "abandono" da Faixa de Gaza. Mas se é assim que pretendem resolver a questão palestiniana e apaziguar a ira árabe contra Israel, os Estados Unidos e o Ocidente, é evidente que não terão sucesso. Pelo contrário, são mais achas lançadas para a fogueira do conflito e da violência.
"Vértice"
Publicado por
Vital Moreira
O Almocreve das Petas recorda a revista Vértice e Joaquim Namorado. Na revista da velha Rua das Fangas em Coimbra passei, durante vários anos, especialmente antes do 25 de Abril de 1974, alguns dos melhores momentos da minha juventude intelectual. Talvez volte eu mesmo ao tema aqui no CN.
Um episódio soviético
Publicado por
Vital Moreira
Entrevista no Público com Arnold Kalinin, que foi o primeiro embaixador da antiga União Soviética em Portugal (1974-1982). Nunca o conheci pessoalmente, nem frequentei as habituais recepções da embaixada, mas tive com ele um episódio francamente desagradável, que aqui recordo em público pela primeira vez. Faço-o de memória, por não ter podido procurar os documentos correspondentes (os quais porém guardo algures entre os meus papéis do meu tempo de deputado), e que a seu tempo poderei publicar.
Aí por 1980, era eu há muito vice-presidente da bancada parlamentar do PCP, e porventura o mais conhecido dos seus deputados, dei uma entrevista ao Expresso. A uma pergunta sobre o que pensava da União Soviética, dei a resposta habitual para contornar perguntas desse tipo, dizendo que não conhecia bem a realidade soviética, desde logo porque nunca lá tinha estado. (O que era verdade, tal como em relação a qualquer outro dos países “socialistas”, devendo eu ser um dos poucos membros proeminentes do PCP nessa situação.)
Poucos dias depois recebi na Assembleia uma grande encomenda proveniente da Embaixada soviética. Lá dentro vinha uma colecção de livros e folhetos de propaganda soviética básica. Qual não foi a minha surpresa quando descobri lá dentro uma carta manuscrita em papel timbrado da Embaixada, redigida e assinada pelo próprio embaixador, em Português mascavado, onde se me dirigia como “camarada” e me dizia que, tendo eu “mostrado interesse em conhecer a URSS”, decidira enviar-me aquela literatura onde eu poderia ficar a conhecer melhor a realidade soviética. Não sei se o que me irritou mais foi o abusivo tratamento de “camarada” (dado que ele confundia o seu papel de embaixador com a suposta camaradagem partidária) ou a provocação do envio daquela subliteratura política a pretexto de um interesse que eu não tinha manifestado.
Perante o atarantado João Amaral, que era então chefe de gabinete do Grupo parlamentar do PCP, dei ordens de devolução imediata da encomenda à procedência, enquanto redigia uma indignada carta de resposta, dirigida ao Embaixador da URSS, dizendo-lhe que devolvia o material enviado, que eu não tinha solicitado, e que somente o respeito pelo País “que ele tão mal representava” me impedia de lhe retorquir com o envio de um “manual de boas maneiras diplomáticas” sobre como o embaixador de uma “potência estrangeira” se deveria dirigir aos deputados do “país soberano” em que cumpria a sua missão.
Já depois de escrita e remetida esta carta, dei conhecimento do sucedido, incluindo cópia dos dois documentos, ao presidente do Grupo Parlamentar, Carlos Brito, com explícito pedido de o relatar ao Secretário-Geral do Partido, Álvaro Cunhal. Presumo que isso foi feito. Mas não tive nenhuma reacção nem dele nem do Embaixador Kalinine.
As minhas relações com a União Soviética resumiram-se a este edificante episódio. Quero crer que ninguém perdeu nada com esse desencontro...
Vital Moreira
Aí por 1980, era eu há muito vice-presidente da bancada parlamentar do PCP, e porventura o mais conhecido dos seus deputados, dei uma entrevista ao Expresso. A uma pergunta sobre o que pensava da União Soviética, dei a resposta habitual para contornar perguntas desse tipo, dizendo que não conhecia bem a realidade soviética, desde logo porque nunca lá tinha estado. (O que era verdade, tal como em relação a qualquer outro dos países “socialistas”, devendo eu ser um dos poucos membros proeminentes do PCP nessa situação.)
Poucos dias depois recebi na Assembleia uma grande encomenda proveniente da Embaixada soviética. Lá dentro vinha uma colecção de livros e folhetos de propaganda soviética básica. Qual não foi a minha surpresa quando descobri lá dentro uma carta manuscrita em papel timbrado da Embaixada, redigida e assinada pelo próprio embaixador, em Português mascavado, onde se me dirigia como “camarada” e me dizia que, tendo eu “mostrado interesse em conhecer a URSS”, decidira enviar-me aquela literatura onde eu poderia ficar a conhecer melhor a realidade soviética. Não sei se o que me irritou mais foi o abusivo tratamento de “camarada” (dado que ele confundia o seu papel de embaixador com a suposta camaradagem partidária) ou a provocação do envio daquela subliteratura política a pretexto de um interesse que eu não tinha manifestado.
Perante o atarantado João Amaral, que era então chefe de gabinete do Grupo parlamentar do PCP, dei ordens de devolução imediata da encomenda à procedência, enquanto redigia uma indignada carta de resposta, dirigida ao Embaixador da URSS, dizendo-lhe que devolvia o material enviado, que eu não tinha solicitado, e que somente o respeito pelo País “que ele tão mal representava” me impedia de lhe retorquir com o envio de um “manual de boas maneiras diplomáticas” sobre como o embaixador de uma “potência estrangeira” se deveria dirigir aos deputados do “país soberano” em que cumpria a sua missão.
Já depois de escrita e remetida esta carta, dei conhecimento do sucedido, incluindo cópia dos dois documentos, ao presidente do Grupo Parlamentar, Carlos Brito, com explícito pedido de o relatar ao Secretário-Geral do Partido, Álvaro Cunhal. Presumo que isso foi feito. Mas não tive nenhuma reacção nem dele nem do Embaixador Kalinine.
As minhas relações com a União Soviética resumiram-se a este edificante episódio. Quero crer que ninguém perdeu nada com esse desencontro...
Vital Moreira
Oriana Fallaci ataca de novo
Publicado por
Vital Moreira
A célebre jornalista italiana, agora a residir em Nova York, que apoiou a invasão do Iraque, acaba de publicar em Itália mais um livro – A Força da Razão – na sua campanha contra a “invasão” da Europa pelo Islão. Desta vez a novidade é o ataque em forma à Igreja Católica, incluída entre os principais responsáveis por esta islamização da Europa, que ela rebaptiza como “Eurábia”, em vias de se tornar uma “colónia do Islão”. Desnecessário será alertar para a contributo que um panfleto como este poderá ter no fomento da islamofobia que cresce em alguns círculos europeus, para mais num ambiente crispado pelo temor e pela insegurança causada pelo terrorismo islâmico.
sábado, 10 de abril de 2004
O passado e o futuro da Microsoft
Publicado por
Anónimo
1. Revisitando o passado da Microsoft
A propósito da ideia de separação da Microsoft em duas empresas [como pretendeu o Juiz Jackson na primeira decisão sobre o processo de investigação de certas práticas da Microsoft nos EUA] penso que é útil visitar o passado para ver de que forma esta empresa utilizou a sua posição enquanto fornecedor de sistemas de operação para arrasar a concorrência nas chamadas ferramentas de produtividade individual (processamento de texto, folhas de cálculo, software de apresentações).
Estamos no inicio da década de 90 - a MS concorre com a Lotus (líder na área das folhas de cálculo), a WordPerfect (líder no processamento texto), e a Harvard Graphics (referência incontornável nas apresentações). Poder-se-ia ainda juntar a este grupo a FoxPro que tinha alcançado uma posição de destaque nas bases de dados MS-DOS. Embora a Microsoft tenha já uma posição importante na área dos sistemas de operação, a concorrência da NOVELL nos ambientes rede é importante. De que forma vai agir a Microsoft? Introduz o Windows versão 3. Ao fim de 3 tentativas a Microsoft consegue oferecer aos utilizadores dos PCs o tipo de convivialidade que caracterizava desde há vários anos o Apple MacIntosh. Face ao sucesso do novo ambiente gráfico todos os fornecedores de aplicações (LOTUS, WORDPERFECT, ...) lançam-se na sua rápida conversão para o ambiente Windows. Ao fim de alguns meses verifica-se que a Microsoft é a única empresa com uma oferta completa neste domínio. Através da oferta integrada (as chamadas "suites" Office) esvazia os ninhos que tinham sido criados pelos anteriores líderes. Os concorrentes chegam tarde ao mercado e finalmente quando conseguem lançar as suas versões são confrontados com problemas insuperáveis de (falta de) fiabilidade e robustez. Dir-se-á que a MS assumiu o risco ao apostar no novo ambiente enquanto os anteriores líderes assumiram uma atitude mais conservadora. Este argumento não colhe porque a WORDPERFECT dispunha na altura duma versão para Mac – simplesmente a MS sonegou informação vital aos seus concorrentes.
2. A Comissão Europeia não tem razão no caso do Windows Media Player
Os browsers ou os media players não constituem hoje mercados autónomos. Estas funcionalidades são peças fundamentais de um sistema informático. A sua integração nas funções nativas do sistema de operação é inelutável por duas razões: as funções multimidia são essenciais em qualquer plataforma computacional; a coexistência de múltiplas variantes de código numa mesma plataforma só pode ser prejudicial em termos de fiabilidade e conduz a uma ineficiente utilização dos recursos computacionais. Esta análise é válida tanto para o browser (que hoje constitui o interface universal adoptado pela nova geração de aplicações distribuídas). Basta verificar o que se passa no caso de outras plataformas de características semelhantes (caso da Apple). Apenas o motor de busca poderá considerar-se uma aplicação de carácter relativamente autónomo.
Além disso, o Windows Media Player não eliminou os concorrentes, tal como tinha acontecido com browser Internet Explorer. O sucesso do RealPlayer, do Apple IPOD e da multitude de utilitários usados para MP3 são a prova evidente de que este é um mercado muito disputado. Acresce que a utilização preponderante de equipamentos móveis tenderão a remeter a prazo o Media Player para uma posição (ainda mais) secundária. A integração destas funções (tal como outras de inegável importância ligadas a serviços de segurança) é de uma lógica inatacável do ponto de vista tecnológico.
A verdadeira discussão situa-se noutro plano: a Windows Media Player poderá vir a permitir à Microsoft adquirir uma posição importante no mercado emergente dos "Digital Rights Management". Neste domínio a decisão da Comissão poderá efectivamente fazer sentido.
3. Um solução para o abuso de posição dominante da Microsoft
E certo que a Microsoft tem efectivamente abusado da sua posição dominante. Mas isto deve-se sobretudo à natureza do mercado (veja-se a evolução do mercado em sectores como os sistemas de gestão de bases de dados, ERPs, onde a consolidação é norma - naquilo que os analistas anglo-saxónicos designam como "the winner takes all"). As medidas que efectivamente se impõem são de outra ordem:
- decretar a separação entre o sector desenvolvimento de sistemas de operação do sector desenvolvimento de aplicações (Office e afins);
- limitar no tempo a patente sobre o sistema operativo (e.g. 4 anos após os quais todo o código e documentação passam ao domínio público)
Os prazos actualmente consignados para a protecção da propriedade intelectual estão totalmente desajustados duma indústria que é ainda relativamente recente. Basta notar que todos os 4 a 5 anos a MS lança uma nova geração de sistemas de operação.
Carlos Oliveira (Luxemburgo)
PS - Pela sua extensa e cuidadosa fundamentação, penso que estas críticas e sugestões merecem uma leitura atenta. Destaco, o argumento que mais me deixou a pensar. O da limitação dos direitos de propriedade intelectual, adequando-os ao ritmo da inovação próprios da nova economia e mesmo de certos domínios da velha.
MMLM
A propósito da ideia de separação da Microsoft em duas empresas [como pretendeu o Juiz Jackson na primeira decisão sobre o processo de investigação de certas práticas da Microsoft nos EUA] penso que é útil visitar o passado para ver de que forma esta empresa utilizou a sua posição enquanto fornecedor de sistemas de operação para arrasar a concorrência nas chamadas ferramentas de produtividade individual (processamento de texto, folhas de cálculo, software de apresentações).
Estamos no inicio da década de 90 - a MS concorre com a Lotus (líder na área das folhas de cálculo), a WordPerfect (líder no processamento texto), e a Harvard Graphics (referência incontornável nas apresentações). Poder-se-ia ainda juntar a este grupo a FoxPro que tinha alcançado uma posição de destaque nas bases de dados MS-DOS. Embora a Microsoft tenha já uma posição importante na área dos sistemas de operação, a concorrência da NOVELL nos ambientes rede é importante. De que forma vai agir a Microsoft? Introduz o Windows versão 3. Ao fim de 3 tentativas a Microsoft consegue oferecer aos utilizadores dos PCs o tipo de convivialidade que caracterizava desde há vários anos o Apple MacIntosh. Face ao sucesso do novo ambiente gráfico todos os fornecedores de aplicações (LOTUS, WORDPERFECT, ...) lançam-se na sua rápida conversão para o ambiente Windows. Ao fim de alguns meses verifica-se que a Microsoft é a única empresa com uma oferta completa neste domínio. Através da oferta integrada (as chamadas "suites" Office) esvazia os ninhos que tinham sido criados pelos anteriores líderes. Os concorrentes chegam tarde ao mercado e finalmente quando conseguem lançar as suas versões são confrontados com problemas insuperáveis de (falta de) fiabilidade e robustez. Dir-se-á que a MS assumiu o risco ao apostar no novo ambiente enquanto os anteriores líderes assumiram uma atitude mais conservadora. Este argumento não colhe porque a WORDPERFECT dispunha na altura duma versão para Mac – simplesmente a MS sonegou informação vital aos seus concorrentes.
2. A Comissão Europeia não tem razão no caso do Windows Media Player
Os browsers ou os media players não constituem hoje mercados autónomos. Estas funcionalidades são peças fundamentais de um sistema informático. A sua integração nas funções nativas do sistema de operação é inelutável por duas razões: as funções multimidia são essenciais em qualquer plataforma computacional; a coexistência de múltiplas variantes de código numa mesma plataforma só pode ser prejudicial em termos de fiabilidade e conduz a uma ineficiente utilização dos recursos computacionais. Esta análise é válida tanto para o browser (que hoje constitui o interface universal adoptado pela nova geração de aplicações distribuídas). Basta verificar o que se passa no caso de outras plataformas de características semelhantes (caso da Apple). Apenas o motor de busca poderá considerar-se uma aplicação de carácter relativamente autónomo.
Além disso, o Windows Media Player não eliminou os concorrentes, tal como tinha acontecido com browser Internet Explorer. O sucesso do RealPlayer, do Apple IPOD e da multitude de utilitários usados para MP3 são a prova evidente de que este é um mercado muito disputado. Acresce que a utilização preponderante de equipamentos móveis tenderão a remeter a prazo o Media Player para uma posição (ainda mais) secundária. A integração destas funções (tal como outras de inegável importância ligadas a serviços de segurança) é de uma lógica inatacável do ponto de vista tecnológico.
A verdadeira discussão situa-se noutro plano: a Windows Media Player poderá vir a permitir à Microsoft adquirir uma posição importante no mercado emergente dos "Digital Rights Management". Neste domínio a decisão da Comissão poderá efectivamente fazer sentido.
3. Um solução para o abuso de posição dominante da Microsoft
E certo que a Microsoft tem efectivamente abusado da sua posição dominante. Mas isto deve-se sobretudo à natureza do mercado (veja-se a evolução do mercado em sectores como os sistemas de gestão de bases de dados, ERPs, onde a consolidação é norma - naquilo que os analistas anglo-saxónicos designam como "the winner takes all"). As medidas que efectivamente se impõem são de outra ordem:
- decretar a separação entre o sector desenvolvimento de sistemas de operação do sector desenvolvimento de aplicações (Office e afins);
- limitar no tempo a patente sobre o sistema operativo (e.g. 4 anos após os quais todo o código e documentação passam ao domínio público)
Os prazos actualmente consignados para a protecção da propriedade intelectual estão totalmente desajustados duma indústria que é ainda relativamente recente. Basta notar que todos os 4 a 5 anos a MS lança uma nova geração de sistemas de operação.
Carlos Oliveira (Luxemburgo)
PS - Pela sua extensa e cuidadosa fundamentação, penso que estas críticas e sugestões merecem uma leitura atenta. Destaco, o argumento que mais me deixou a pensar. O da limitação dos direitos de propriedade intelectual, adequando-os ao ritmo da inovação próprios da nova economia e mesmo de certos domínios da velha.
MMLM
quinta-feira, 8 de abril de 2004
«O caos no Iraque»
Publicado por
Vital Moreira
«Quando o caos parece instalar-se no Iraque, ameaçando sobretudo os incautos que resolveram alinhar na aventura guerreira à última hora, o "Causa Nossa" parece distraído com a pequenez da política caseira. No entretanto os canais de televisão voltam a encher-se dos “especialistas” de sempre, que nos garantem terem previsto aquilo que ninguém lhes havia ouvido antes, enquanto falam do óbvio ou repetem as mesmas mentiras de sempre. Já não há pachorra. Vou de férias e volto na 4ª feira com esperança de voltar com mais paciência ou deixo de ver TV de vez. Com o Expresso resultou.»
(J.J.N.T.M., Matosinhos)
(J.J.N.T.M., Matosinhos)
«Uma ideia cujo tempo chegou»
Publicado por
Vital Moreira
Como se pode ver neste artigo do New York Times, também nos Estados Unidos, existem propostas para reconhecer o direito de voto nas eleições locais aos imigrantes, particularmente em Nova York, onde existe um considerável número de residentes sem a nacionalidade norte-americana, sobretudo de origem asiática ou latino-americana (cerca de um milhão, equivalente a 1/5 do total dos actuais eleitores).
A ideia está longe de ser nova na tradição política dos Estados Unidos, havendo vários municípios onde ela vigora, designadamente nos estados mais politicamente “abertos”, como o Maryland. Tal como na Europa, os defensores desta extensão dos direitos políticos dos imigrantes argumentam sobretudo com o potencial de participação e inclusão cívica dessa medida.
Como é sabido, em Portugal o direito de voto dos residentes estrangeiros nas eleições locais é reconhecido aos cidadãos dos demais estados-membros da UE (“cidadania europeia”) e aos cidadãos de outros países, a começar pelos países lusófonos (“cidadania lusófona”), mas desde que em condições de reciprocidade, ou seja, desde que os respectivos países reconheçam os mesmos direitos aos cidadãos portugueses neles residentes. É relativamente reduzido o número de imigrantes que beneficiam dessa regalia.
A ideia está longe de ser nova na tradição política dos Estados Unidos, havendo vários municípios onde ela vigora, designadamente nos estados mais politicamente “abertos”, como o Maryland. Tal como na Europa, os defensores desta extensão dos direitos políticos dos imigrantes argumentam sobretudo com o potencial de participação e inclusão cívica dessa medida.
Como é sabido, em Portugal o direito de voto dos residentes estrangeiros nas eleições locais é reconhecido aos cidadãos dos demais estados-membros da UE (“cidadania europeia”) e aos cidadãos de outros países, a começar pelos países lusófonos (“cidadania lusófona”), mas desde que em condições de reciprocidade, ou seja, desde que os respectivos países reconheçam os mesmos direitos aos cidadãos portugueses neles residentes. É relativamente reduzido o número de imigrantes que beneficiam dessa regalia.
"Forum Comunitário"
Publicado por
Vital Moreira
Benvindo o novo blogue de Walter Rodrigues, Fórum Comunitário, incluindo uma análise da blogosfera portuguesa («O elogio da blogosfera» de 5 de Abril), com uma benévola referência ao Causa Nossa.
Já agora, a propósito do seu comentário («A democracia e as fronteiras entre negócios e política», de 8 de Abril) sobre o meu post acerca do sucesso económico de certos políticos (não o contrário), devo esclarecer que na minha opinião numa democracia deve ser especialmente forte a exigência de transparência e de explicação das fortunas não originárias dos políticos. Não preciso explicar porquê, pois não?
Já agora, a propósito do seu comentário («A democracia e as fronteiras entre negócios e política», de 8 de Abril) sobre o meu post acerca do sucesso económico de certos políticos (não o contrário), devo esclarecer que na minha opinião numa democracia deve ser especialmente forte a exigência de transparência e de explicação das fortunas não originárias dos políticos. Não preciso explicar porquê, pois não?
Más notícias de Bruxelas
Publicado por
Vital Moreira
Ao contrário do que tinha sido insinuado pelo Governo, são muito más as notícias vindas da Comissão Europeia sobre as perspectivas económicas e financeiras do País nos próximos dois anos. Embora superada a recessão do ano passado, o crescimento económico previsto (0,8% este ano e 2,2% em 2005) fica bem aquém do esperado, sendo o pior de todos os países da UE, incluindo os novos membros. Portugal continuará a distanciar-se da média europeia pelo sexto ano consecutivo, recuando à situação de 1997. O défice orçamental previsto, já com a incorporação de receitas extraordinárias, vai ficar acima do limite dos 3%, tanto em 2004 como em 2005, obrigando portanto a medidas excepcionais adicionais e revelando que a consolidação orçamental está longe de estar alcançada. A dívida pública voltará a superar pela primeira vez desde 1966 o tecto de 60% do PIB, previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. O desemprego mantém-se em alta no corrente ano, com estabilização no próximo.
Perante estes números, compreende-se o nervosismo dos círculos governamentais, bem como a súbita mudança de agulha no discurso oficial para a segunda metade da legislatura. Posta em termos prosaicos, a questão é a seguinte: a atrasada e anémica retoma económica ainda virá a tempo de inverter o clima político a favor da coligação governamental a tempo do ciclo eleitoral que se inicia com as eleições locais do Outono de 2005, das presidenciais do início de 2006 e das eleições parlamentares do Outono de 2006?
Perante estes números, compreende-se o nervosismo dos círculos governamentais, bem como a súbita mudança de agulha no discurso oficial para a segunda metade da legislatura. Posta em termos prosaicos, a questão é a seguinte: a atrasada e anémica retoma económica ainda virá a tempo de inverter o clima político a favor da coligação governamental a tempo do ciclo eleitoral que se inicia com as eleições locais do Outono de 2005, das presidenciais do início de 2006 e das eleições parlamentares do Outono de 2006?
Arrependimento?
Publicado por
Vital Moreira
No anúncio comercial profusamente difundido na imprensa com o balanço da actividade governamental, em que o Governo alista as suas providências na primeira metade da legislatura, ministério a ministério, é notório que no capítulo respeitante ao departamento do ensino superior foi omitida a referência à reforma da lei de financiamento do dito, vulgo “lei da propinas”. Tratando-se de uma das mais relevantes reformas governamentais do sector, é pelo menos intrigante a lacuna, que só pode ter sido deliberada.
O que quer isto dizer? Arrependimento? Aplicação retroactiva da nova “onda” da propaganda governamental, que só prevê medidas “positivas”, isto é, que não causem descontentamento social em nenhum sector? "Requiem" pelo impulso reformista do Governo, já com os olhos postos no ciclo eleitoral que se aproxima?
O que quer isto dizer? Arrependimento? Aplicação retroactiva da nova “onda” da propaganda governamental, que só prevê medidas “positivas”, isto é, que não causem descontentamento social em nenhum sector? "Requiem" pelo impulso reformista do Governo, já com os olhos postos no ciclo eleitoral que se aproxima?
quarta-feira, 7 de abril de 2004
Negócios & política
Publicado por
Vital Moreira
«Manuel Dias Loureiro, presidente da Plêiade, da Ericson Portugal e do Congresso Nacional do PSD, será o novo presidente da assembleia geral do grupo Jerónimo Martins».
(Diário Económico, 7-4-2004)
Um dos prodígios da democracia é o fulgurante sucesso de certos políticos nos negócios...
(Diário Económico, 7-4-2004)
Um dos prodígios da democracia é o fulgurante sucesso de certos políticos nos negócios...
Volta Guterres...
Publicado por
Vital Moreira
...estás perdoado! É o que parece poder deduzir-se dos resultados do inquérito de opinião ontem publicado no Jornal de Negócios. Cerca de 47% dos inquiridos acham que Guterres governou melhor do que Durão Barroso, com somente 25% a achar o contrário, sendo os restantes sem preferência. O curioso é que o actual Governo só é considerado melhor pelos votantes do PSD (mesmo assim com mais de 25% com opinião mais favorável a Guterres), pois mesmo entre os votantes do PP ele é considerado pior do que o seu antecessor!
Mesmo tendo em conta a fase depressiva do actual ciclo governamental, estes dados são de molde a preocupar o actual primeiro-ministro e, sobretudo, a animar os que desejam ver o antigo primeiro-ministro como candidato presidencial.
Mesmo tendo em conta a fase depressiva do actual ciclo governamental, estes dados são de molde a preocupar o actual primeiro-ministro e, sobretudo, a animar os que desejam ver o antigo primeiro-ministro como candidato presidencial.
tampouco o puk
Publicado por
LFB
Quando ligo o telemóvel, o écran ilumina-se com a frase "A vida é maravilhosa quando não se tem medo", de Chaplin. Infelizmente, a minha vida não tem código PIN.
Ainda o voto em branco
Publicado por
Anónimo
Considero o voto em branco perfeitamente legítimo, tal como o voto nulo ou a abstenção. Reconheço, no entanto, que o acto de votar em branco ou anular o voto pode ter um significado político mais activo e interveniente do que o acto passivo de abster-se. Se eu voto em branco ou se risco o meu voto isso poderá significar que a minha negação do que existe não se resume a estar indiferente – a “estar-me nas tintas” – perante o resultado da votação.
Acontece que a democracia representativa é construída a partir das alternativas existentes e não daquelas que eu gostaria legitimamente que existissem. Pelo que se recuso as que existem, deverei procurar e construir uma alternativa fora delas. Se ao votar em branco pretendo apenas interpelar aqueles cuja prática política recuso, isso leva-me a uma contradição insanável: eles não merecem a minha confiança, mas quero todavia obrigá-los a um acto de contrição e regeneração. Rejeito-os mas ainda tenho esperança neles? Como? Porquê?
Critiquei já José Saramago por esta razão, mas ainda por uma outra que me parece decisiva em termos éticos (e estéticos): a de que ele se serviu da sua teoria – nada original, diga-se – sobre o voto em branco para fazer o “marketing” de uma obra de ficção literária, como se a literatura se resumisse a um pretexto ilustrativo de uma atitude política (foi o que outrora aconteceu com o neo-realismo).
Ainda por cima, Saramago não é coerente nem consequente com a sua tese sobre o voto em branco, uma vez que participa na lista do PCP para o Parlamento Europeu. E só por uma pose de egocentrismo aristocrático, como já escrevi no “Diário Económico”, a coberto do seu estatuto de prémio Nobel, ele pode caprichar na representação simultânea de dois papeis contraditórios, advogando uma atitude e praticando o seu oposto. Só quem se julga acima do comum dos mortais assume um comportamento tão displicente. E esta é uma questão de ética política e cívica que não pode passar sem reparo.
A democracia representativa é um sistema imperfeito – e ainda bem que o é, ao contrário do que sucede com as utopias totalitárias. Acabamos de constatar, em Espanha e França, as virtualidades do voto democrático de protesto. Imaginemos que o voto em branco se tinha substituído, aí, ao voto nas principais forças de oposição ao “statuo quo”, ou que, em Novembro, nos Estados Unidos, um voto maciço em branco acabaria por favorecer a permanência de Bush na Casa Branca (amplificando uma já crónica e banalizada abstenção eleitoral). Que resultaria daí? Não se abririam portas suplementares às tentações populistas e autoritárias que hoje se manifestam com tanta intensidade face às disfuncionalidades dos regimes democráticos?
Não sou especialmente adepto do “voto útil” de protesto. Prefiro-o, porém, mil vezes, à “brancura”, sem dúvida legítima mas improdutiva, displicente e “aristocrática”, de uma opção que, nas circunstâncias presentes, tenderá a favorecer o clima de cepticismo e descrença que já afecta a democracia representativa. Se quero mudar o que existe, devo trabalhar dentro do que existe para suscitar um sobressalto – como em Espanha, em França ou nos Estados Unidos – ou, então, batalhar pela emergência de outras alternativas políticas e eleitorais a partir da sociedade civil. Votar em branco apenas para ficar bem com a minha consciência altaneira face à miséria política ambiente e esperar que os responsáveis por essa miséria acordem para o meu aviso, constitui, convenhamos, uma atitude que, embora legítima – não é isso que está em causa –, não resiste às suas contradições intrínsecas. E não me parece, apesar de legítima – insisto! –, um contributo efectivo para a melhoria e reforma do sistema democrático.
Vicente Jorge Silva
Acontece que a democracia representativa é construída a partir das alternativas existentes e não daquelas que eu gostaria legitimamente que existissem. Pelo que se recuso as que existem, deverei procurar e construir uma alternativa fora delas. Se ao votar em branco pretendo apenas interpelar aqueles cuja prática política recuso, isso leva-me a uma contradição insanável: eles não merecem a minha confiança, mas quero todavia obrigá-los a um acto de contrição e regeneração. Rejeito-os mas ainda tenho esperança neles? Como? Porquê?
Critiquei já José Saramago por esta razão, mas ainda por uma outra que me parece decisiva em termos éticos (e estéticos): a de que ele se serviu da sua teoria – nada original, diga-se – sobre o voto em branco para fazer o “marketing” de uma obra de ficção literária, como se a literatura se resumisse a um pretexto ilustrativo de uma atitude política (foi o que outrora aconteceu com o neo-realismo).
Ainda por cima, Saramago não é coerente nem consequente com a sua tese sobre o voto em branco, uma vez que participa na lista do PCP para o Parlamento Europeu. E só por uma pose de egocentrismo aristocrático, como já escrevi no “Diário Económico”, a coberto do seu estatuto de prémio Nobel, ele pode caprichar na representação simultânea de dois papeis contraditórios, advogando uma atitude e praticando o seu oposto. Só quem se julga acima do comum dos mortais assume um comportamento tão displicente. E esta é uma questão de ética política e cívica que não pode passar sem reparo.
A democracia representativa é um sistema imperfeito – e ainda bem que o é, ao contrário do que sucede com as utopias totalitárias. Acabamos de constatar, em Espanha e França, as virtualidades do voto democrático de protesto. Imaginemos que o voto em branco se tinha substituído, aí, ao voto nas principais forças de oposição ao “statuo quo”, ou que, em Novembro, nos Estados Unidos, um voto maciço em branco acabaria por favorecer a permanência de Bush na Casa Branca (amplificando uma já crónica e banalizada abstenção eleitoral). Que resultaria daí? Não se abririam portas suplementares às tentações populistas e autoritárias que hoje se manifestam com tanta intensidade face às disfuncionalidades dos regimes democráticos?
Não sou especialmente adepto do “voto útil” de protesto. Prefiro-o, porém, mil vezes, à “brancura”, sem dúvida legítima mas improdutiva, displicente e “aristocrática”, de uma opção que, nas circunstâncias presentes, tenderá a favorecer o clima de cepticismo e descrença que já afecta a democracia representativa. Se quero mudar o que existe, devo trabalhar dentro do que existe para suscitar um sobressalto – como em Espanha, em França ou nos Estados Unidos – ou, então, batalhar pela emergência de outras alternativas políticas e eleitorais a partir da sociedade civil. Votar em branco apenas para ficar bem com a minha consciência altaneira face à miséria política ambiente e esperar que os responsáveis por essa miséria acordem para o meu aviso, constitui, convenhamos, uma atitude que, embora legítima – não é isso que está em causa –, não resiste às suas contradições intrínsecas. E não me parece, apesar de legítima – insisto! –, um contributo efectivo para a melhoria e reforma do sistema democrático.
Vicente Jorge Silva
O regresso de Cunha Rodrigues
Publicado por
Anónimo
Quando Cunha Rodrigues era procurador-geral da República critiquei-o muitas vezes pela sua gestão política e maquiavélica dos processos judiciais mais mediáticos. Mas perante a forma absolutamente desastrada como o seu sucessor, Souto Moura, geriu o processo Casa Pia, cheguei a questionar se a imagem da Justiça e do Ministério Público não sofrera, entretanto, uma degradação maior. Afinal, Cunha Rodrigues sempre tinha algum controlo e autoridade sobre os processos, por mais enviesados, sibilinos e opacos que fossem os seus critérios. Com Souto Moura instalou-se uma ideia de caos e arbitrariedade total.
Ora, depois de um longo silêncio, Cunha Rodrigues regressou do seu dourado exílio europeu para intervir num colóquio sobre o 25 de Abril. Aí mostrou que continua mais igual a si próprio do que nunca e que não temos nenhum motivo para ter saudades dele. Não porque não diga coisas justas – como, de resto, sempre disse – mas porque, mesmo quando as diz, o seu raciocínio é de tal modo tortuoso e corporativo que ficamos sempre com a impressão de que as culpas da crise da justiça são sempre dos “outros” e nunca dos chamados operadores judiciários. Para ele, a justiça é uma vestal puríssima, aparentemente tocada pela graça divina, num mundo sombrio de políticos incapazes e medias tabloidizados.
Segundo Cunha Rodrigues, a culpa do recurso abusivo à prisão preventiva – que atinge em Portugal recordes dignos do Guinness – é atribuível exclusivamente aos políticos que não souberam resolver os problemas sociais relacionados com a prevenção da criminalidade. E os numerosos acidentes de percurso do caso Casa Pia devem-se fundamentalmente ao frenesim do jornalismo de investigação e à tabloidização dos media. O ex-procurador não parece temer, por um segundo sequer, que a sua visão maniqueísta seja desmentida, nomeadamente, pelos atentados aos direitos constitucionais que alguns tribunais superiores têm detectado no comportamento do Ministério Público.
Para Cunha Rodrigues, se a capa do segredo protegesse todas as arbitrariedades judiciais, ninguém teria razões para queixas porque ninguém teria acesso à fortaleza inexpugnável desse arbítrio. Ou seja: se a justiça funcionasse num sistema absolutamente fechado e impenetrável, os motivos dos procedimentos judiciais nunca seriam questionados. Acabaríamos mergulhados em plena atmosfera kafkiana ou orwelliana, em que a pureza das razões da justiça atingiria proporções verdadeiramente totalitárias.
Vicente Jorge Silva
Ora, depois de um longo silêncio, Cunha Rodrigues regressou do seu dourado exílio europeu para intervir num colóquio sobre o 25 de Abril. Aí mostrou que continua mais igual a si próprio do que nunca e que não temos nenhum motivo para ter saudades dele. Não porque não diga coisas justas – como, de resto, sempre disse – mas porque, mesmo quando as diz, o seu raciocínio é de tal modo tortuoso e corporativo que ficamos sempre com a impressão de que as culpas da crise da justiça são sempre dos “outros” e nunca dos chamados operadores judiciários. Para ele, a justiça é uma vestal puríssima, aparentemente tocada pela graça divina, num mundo sombrio de políticos incapazes e medias tabloidizados.
Segundo Cunha Rodrigues, a culpa do recurso abusivo à prisão preventiva – que atinge em Portugal recordes dignos do Guinness – é atribuível exclusivamente aos políticos que não souberam resolver os problemas sociais relacionados com a prevenção da criminalidade. E os numerosos acidentes de percurso do caso Casa Pia devem-se fundamentalmente ao frenesim do jornalismo de investigação e à tabloidização dos media. O ex-procurador não parece temer, por um segundo sequer, que a sua visão maniqueísta seja desmentida, nomeadamente, pelos atentados aos direitos constitucionais que alguns tribunais superiores têm detectado no comportamento do Ministério Público.
Para Cunha Rodrigues, se a capa do segredo protegesse todas as arbitrariedades judiciais, ninguém teria razões para queixas porque ninguém teria acesso à fortaleza inexpugnável desse arbítrio. Ou seja: se a justiça funcionasse num sistema absolutamente fechado e impenetrável, os motivos dos procedimentos judiciais nunca seriam questionados. Acabaríamos mergulhados em plena atmosfera kafkiana ou orwelliana, em que a pureza das razões da justiça atingiria proporções verdadeiramente totalitárias.
Vicente Jorge Silva
terça-feira, 6 de abril de 2004
25 de Abril, sempre!
Publicado por
Vital Moreira
O link do sítio dos 30 anos do 25 de Abril, com um grato abraço ao Paulo Querido, pela excelente ideia.
A tentação da abstenção
Publicado por
Vital Moreira
No meu artigo de hoje no Público tento reabilitar a legitimidade democrática do voto em branco, verificados os pressupostos que o podem justificar, em contraste com a abstenção.
Devo declarar que nunca votei em branco e que raramente tive dificuldades em decidir o sentido do meu voto. Mas aos que me manifestam a determinação de se absterem argumentado com a irrelevância do voto, com o desapontamento ou discordância dos partidos políticos, etc., digo-lhes que o voto em branco é o modo democrático de manifestarem a sua posição, evitando misturarem-se na irrelevância indefinida da abstenção. Mas confesso que não tenho tido muito êxito nesse virtuoso proselitismo. O sucesso da abstenção está justamente em ficar de fora...
Devo declarar que nunca votei em branco e que raramente tive dificuldades em decidir o sentido do meu voto. Mas aos que me manifestam a determinação de se absterem argumentado com a irrelevância do voto, com o desapontamento ou discordância dos partidos políticos, etc., digo-lhes que o voto em branco é o modo democrático de manifestarem a sua posição, evitando misturarem-se na irrelevância indefinida da abstenção. Mas confesso que não tenho tido muito êxito nesse virtuoso proselitismo. O sucesso da abstenção está justamente em ficar de fora...
Memórias do fascismo: os “tribunais plenários”
Publicado por
Vital Moreira
Visão do Plenário de Lisboa num desenho do arquitecto José Dias Coelho, assassinado pela PIDE
(Arquivo Mário Soares)
Mesmo nos raros casos de absolvição, por manifesta falta de provas, a PIDE tinha o poder de manter os arguidos presos, mediante aplicação de “medidas de segurança”, por ela mesma aplicadas, que podiam ser indefinidamente renovadas, sem qualquer controlo judicial!
Os tribunais plenários são um dos aspectos menos estudados do regime fascista, talvez por testemunharem a estreita aliança entre a justiça e a PIDE.
Vital Moreira
segunda-feira, 5 de abril de 2004
Presa funcionária da PGR por corrupção
Publicado por
AG
Em 13.2.04 escrevi no Causa Nossa um post a propósito do livro de Maria José Morgado e José Vegar «O Inimigo sem Rosto» sobre corrupção. Repito uma passagem, agora que a PGR acaba de anunciar a prisão de uma funcionária por suspeitas de implicação numa rede chantagista que se valia do acesso e ameaça de divulgação de processos judiciais:
“Fiz um teste à minha amiga – ‘achas inocentes e inofensivas as teias de dependências que se criam por essas repartições públicas fora, incluindo as mais estratégicas, por exemplo no Ministério das Finanças e nas Polícias, entre uns personagens, em regra mulheres, que aparecem regularmente a vender jóias de ouro ou prata, roupa, quadros, antiguidades, electro-domésticos, etc… às prestações e que assim mantêm agrilhoados a contas-correntes, de montantes por vezes superiores a vários anos de salários, milhares de funcionários do Estado?’ Resposta: «Mas isso é o que há de mais banal e normal, há anos que lá na Procuradoria e em todos os tribunais por onde passei toda a gente compra assim coisas a umas senhoras que aparecem a vender!»…
(Para quem deva e possa investigar, desde logo à PGR - porque não começar pela própria PGR? Quem deve a quem, quanto deve, o que se compra, quem vende, quem está por detrás de quem vende, como se paga?).»
As perguntas mantêm-se. Agora talvez mais compreensivelmente pertinentes.
Ana Gomes
“Fiz um teste à minha amiga – ‘achas inocentes e inofensivas as teias de dependências que se criam por essas repartições públicas fora, incluindo as mais estratégicas, por exemplo no Ministério das Finanças e nas Polícias, entre uns personagens, em regra mulheres, que aparecem regularmente a vender jóias de ouro ou prata, roupa, quadros, antiguidades, electro-domésticos, etc… às prestações e que assim mantêm agrilhoados a contas-correntes, de montantes por vezes superiores a vários anos de salários, milhares de funcionários do Estado?’ Resposta: «Mas isso é o que há de mais banal e normal, há anos que lá na Procuradoria e em todos os tribunais por onde passei toda a gente compra assim coisas a umas senhoras que aparecem a vender!»…
(Para quem deva e possa investigar, desde logo à PGR - porque não começar pela própria PGR? Quem deve a quem, quanto deve, o que se compra, quem vende, quem está por detrás de quem vende, como se paga?).»
As perguntas mantêm-se. Agora talvez mais compreensivelmente pertinentes.
Ana Gomes
O caso da Nazaré
Publicado por
Vital Moreira
«(...) O que sucede [a propósito da Nazaré], e já escrevi em colaboração regular que mantenho com o Jornal de Leiria, é que considero que a Nazaré não é um colonato de Alcobaça... De facto, está circundada por todos os lados, menos o mar, por Alcobaça.
Para mim, e salvo melhor opinião, a regra da continuidade geográfica [para efeito de integração nas novas entidades supramunicipais] pode conter excepções. É o caso, previsto na Lei, de um qualquer município poder vir a sair após 5 anos e dessa forma retirar contiguidade geográfica aos remanescentes...
No caso em concreto, a partir da decisão de Alcobaça, a Nazaré é arrastada pela decisão do município envolvente. Não tem qualquer outra opção que não seja virar em "aldeia de Astérix", não aderindo a lado nenhum. Tal situação fere a meu ver o princípio da igualdade...
E por isso escrevi que a Nazaré, atenta a excepcionalidade, poderia ter duas opções quanto à "comunidade urbana" a integrar: Oeste ou Leiria, neste caso não obstante a descontiguidade.(...)
Como será do teu conhecimento, pelo menos V. R. Sto. António e Montijo não têm contiguidade geográfica entre todas as suas freguesias...
O que defendo é que a Nazaré não pode ser obrigada a conformar-se com a votação do concelho circundante..., especialmente por ser, dizem-me, o único concelho em tais condições, o que ainda mais favorece a excepcionalidade!
Portanto, não faço parte de qualquer grupo de trabalho que defenda o esoterismo marítimo... A tal ideia da continuidade territorial pelo mar, dizem-me, foi usada, por puro gáudio, por um nazareno numa reunião em Alcobaça entre PSDs.
Acho que se ganhava mais tempo se, atenta a situação da Nazaré, se pusessem os olhos na lei e se verificasse da conformidade constitucional de uma lei que só lhe (à Nazaré) permite o "voto por arrastamento" do concelho envolvente!
De todo o modo, seria prudente que os meus amigos não glosassem sobre notícias falsas, e inventadas por pura guerra entre PSDs, que só envolvem o meu nome para as tentar credibilizar...(...). É óbvio que já tentei desmentir a notícia, mas ainda não consegui ver o desmentido... Mas o Público também erra e acolhe notícias "plantadas"...»
(Osvaldo Castro, deputado do PS pelo círculo de Leiria)
Para mim, e salvo melhor opinião, a regra da continuidade geográfica [para efeito de integração nas novas entidades supramunicipais] pode conter excepções. É o caso, previsto na Lei, de um qualquer município poder vir a sair após 5 anos e dessa forma retirar contiguidade geográfica aos remanescentes...
No caso em concreto, a partir da decisão de Alcobaça, a Nazaré é arrastada pela decisão do município envolvente. Não tem qualquer outra opção que não seja virar em "aldeia de Astérix", não aderindo a lado nenhum. Tal situação fere a meu ver o princípio da igualdade...
E por isso escrevi que a Nazaré, atenta a excepcionalidade, poderia ter duas opções quanto à "comunidade urbana" a integrar: Oeste ou Leiria, neste caso não obstante a descontiguidade.(...)
Como será do teu conhecimento, pelo menos V. R. Sto. António e Montijo não têm contiguidade geográfica entre todas as suas freguesias...
O que defendo é que a Nazaré não pode ser obrigada a conformar-se com a votação do concelho circundante..., especialmente por ser, dizem-me, o único concelho em tais condições, o que ainda mais favorece a excepcionalidade!
Portanto, não faço parte de qualquer grupo de trabalho que defenda o esoterismo marítimo... A tal ideia da continuidade territorial pelo mar, dizem-me, foi usada, por puro gáudio, por um nazareno numa reunião em Alcobaça entre PSDs.
Acho que se ganhava mais tempo se, atenta a situação da Nazaré, se pusessem os olhos na lei e se verificasse da conformidade constitucional de uma lei que só lhe (à Nazaré) permite o "voto por arrastamento" do concelho envolvente!
De todo o modo, seria prudente que os meus amigos não glosassem sobre notícias falsas, e inventadas por pura guerra entre PSDs, que só envolvem o meu nome para as tentar credibilizar...(...). É óbvio que já tentei desmentir a notícia, mas ainda não consegui ver o desmentido... Mas o Público também erra e acolhe notícias "plantadas"...»
(Osvaldo Castro, deputado do PS pelo círculo de Leiria)
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