quarta-feira, 28 de abril de 2004

Vêem-nos decadentes

Aeroporto de Lisboa, sala de espera do voo para Barcelona, conversa ouvida pelo rabo da orelha entre um comerciante italiano do ramo do trapo e um cabo-verdiano instalado há largos anos na cidade condal: “Há algum tempo que não passava por Lisboa e achei-a simpática mas decadente. Já reparou nas lojas do aeroporto? No de Barcelona, há mais marcas de prestígio do que em toda zona comercial lisboeta. E o centro da cidade? Que pobreza, que falta de alma! O centro do Mindelo é mais vivo do que o de Lisboa”, concluiu o transalpino, para suprema satisfação do conviva cabo-verdiano.

Tive vontade de me meter na conversa, de dizer ao italiano que não era bem assim, que a alegria dos tugas se concentrava nos centros comerciais, que não tínhamos o gosto mediterrânico da rua, que o dinamismo de um povo não se media pelo número de lojas chiques, que a Baixa lisboeta, enfim, tinha um charme muito seu. Mas calei-me. Não por educação (afinal tinha estado a cuscar uma conversa alheia), mas por profunda falta de convicção nos meus argumentos.

Luís Nazaré

«A crise existe apenas para alguns...»

«A "retoma" chegou à Câmara Municipal de Lisboa! Entre Março de 2003 e Março de 2004, o Município Lisboeta adquiriu 11 viaturas topo da gama no valor de 600.000 euros, cerca de 120 000 contos. Nove da marca Peugeot a quase 50.000 euros cada, um Lância Thesis de igual valor e um Audi A8 4.2 V8 Quattro de 115.000 euros. Acresce registar que o Audizito consome 19,6 litros de gasolina em circuito urbano!
Segundo Santana Lopes foi um bom negócio, visto que, e segundo ele, o seu antecessor gastou mais dinheiro. Os carros substituídos estavam velhos, tinham três anos! Porquê este despesismo, estando o país na situação económica em que está? Carros topo da gama com três anos são carros velhos? João Soares deixou um Volvo S80. Será que este carro com três anos não está em condições de circulação? Porquê a necessidade de um Presidente de Câmara circular num Audi A8 4.2 V8 Quattro? Ainda por cima num país que está de tanga! O Lância Thesis foi para a vereadora do PSD Teresa Maury e os Peugeot para os outros colegas de partido. O vereador do PS, Vasco Franco continua com o seu Laguna de 99 e o seu colega do PCP, António Abreu também continua com o seu Laguna de 98!
Giro não é?
Sabem qual é o slogan da Audi para promover este carro?
"Os sonhos não têm preço".»


(HM)

Declaração de voto sobre a revisão constitucional

Na minha qualidade de deputado eleito pelas listas do Partido Socialista, apresentei a seguinte declaração de voto sobre a última revisão constitucional.

Votei globalmente a favor da revisão constitucional, não apenas por disciplina partidária mas também porque me revejo no essencial das alterações aprovadas. Votei, todavia, contra outras, nomeadamente no que se refere às autonomias insulares. E tenho dúvidas de fundo relativamente à filosofia e aos procedimentos que presidiram à adaptação da Constituição portuguesa ao futuro texto constitucional europeu.

Sobre este último ponto, e apesar da minha identificação plena com um projecto federal europeu – diferenciando-me, por isso, das posições assumidas pelo Partido Comunista Português, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista Os Verdes –, não me conformo com o défice democrático actualmente existente no funcionamento das instituições europeias. Encarar a Europa como uma fatalidade e não como um desígnio assumido e desejado voluntariamente pelos portugueses constitui uma contradição e uma perversão do contrato estabelecido entre as partes. Qualquer alteração do pacto anterior, a nível constitucional, entre os portugueses e a Europa, deveria ser precedido de um referendo.

Quanto ao princípio das autonomias insulares, sempre o defendi, antes mesmo do 25 de Abril. E precisamente por coerência com esse princípio considero que a experiência vivida do regime autonómico, especialmente na Madeira, deveria ter suscitado uma atitude menos condescendente, menos táctica e menos eleitoralista do que aquela que foi adoptada nesta revisão constitucional, nomeadamente pelo Partido Socialista.

Sempre fui a favor da autonomia como um valor em si, mas constato que a prática autonómica na Madeira se tem traduzido num exercício de poder autocrático que desvirtua e corrompe não apenas o princípio da própria autonomia mas também regras essenciais do funcionamento do Estado de direito democrático.

A autonomia é um direito que tem de ser assumido em pleno. Não pode ser algo que caucione a fuga aos deveres e às responsabilidades para com a Constituição e o todo nacional. E muito menos algo que exista numa mera base de conflito e crispação permanente com as instituições da República, como ainda agora o Presidente do Governo da Madeira e outros responsáveis regionais acabam de confirmar.

Na Madeira, ao antigo autoritarismo do poder central sucedeu um autoritarismo regional e pessoal que, em muitos aspectos, chega a ser tão antidemocrático e opressivo como o que vigorava durante o salazarismo. O poder local encontra-se claramente instrumentalizado pela subserviência ao poder “centralista” de quem protagoniza o Governo da Região. E sob a bandeira do poder autonómico, na Madeira, praticamente toda a sociedade se encontra governamentalizada e asfixiada por uma liderança política vigente há mais de um quarto de século. É a autonomia virada do avesso e convertida no oposto do que deveria ser.

As liberdades, os direitos e as garantias que sustentam a Constituição da República não podem ser sacrificados no altar de abstracções ou tacticismos conjunturais, motivados por qualquer cedência a inegociáveis chantagens políticas ou interesses eleitorais de curto-prazo. É fundamental reflectir sobre a perversão do regime autonómico na Madeira e sobre as condições que têm impedido um verdadeiro pluralismo político e uma efectiva alternância democrática naquela região.

A atribuição de direitos acrescidos às autonomias insulares não deveria ser feita sem a ponderação, a clarificação e a concretização dos correspondentes deveres e responsabilidades políticas, sejam quais forem as cautelas e reservas introduzidas na presente revisão constitucional (em particular no que se refere às futuras leis eleitorais das Regiões Autónomas). Aliás, as atitudes agora reafirmadas pelos principais responsáveis do poder político regional madeirense constituem – se acaso ainda fosse necessário – um inequívoco desmentido à boa-vontade dos deputados que viabilizaram as alterações introduzidas nesta revisão.

Lisboa, 25 de Abril de 2004

Vicente Jorge Silva

terça-feira, 27 de abril de 2004

VPV e o 25 de Abril

De Henrique Jorge, cibernauta, a transcrição integral da sua opinião sobre o ensaio de Vasco Pulido Valente (VPV) a que me referi no post "25 de Abril new look":

"O texto de VPV é vinagre azedo despejado no papel, onde se salva a ideia incontestável de que Mário Soares foi uma figura central da institucionalização da democracia. De resto é chamar mentecaptos, ignorantes, estúpidos, anormais, a todos os outros. Sobretudo se forem militares. Não serve para nada e nem sequer Mário Soares merecia estar metido no meio de tanto azedume. Nem sei como é que Vasco Pulido Valente tem a lata de dizer que Melo Antunes era arrogante. Melo Antunes!... Eram todos maus e fizeram o 25 de Abril porque eram medrosos. Um absurdo. Uma linguagem igual à dos pides que falaram na televisão".

O buraco do túnel

Estou dividido quanto à utilidade da bandeira eleitoral de Pedro Santana Lopes. Nesta altura, de pouco adianta recapitular argumentos favoráveis e desfavoráveis, há que esperar para ver o resultado final e o impacto na vida da cidade. Por mim, concedo o benefício da dúvida ao presidente da câmara, mas não mais do que isso. Se os efeitos forem contra-producentes e o investimento se revelar inútil – coisa que não desejo – estarei na primeira linha da denúncia ao desperdício de fundos públicos, de tempo e de paciência dos lisboetas. Não porque cultive a lógica pequenina do “ora toma lá”, mas porque seria inconcebível que uma tal empreitada não tivesse sido antecedida de um estudo minimamente sério sobre os efeitos e os benefícios esperados.

Ao que sei, e sei pouco, a obra merece as maiores reservas dos pontos de vista técnico, ambiental e de segurança. Ao que sei, o túnel foi iniciado sem se saber onde iria acabar – ainda hoje os motoristas de táxi fazem apostas como no bingo sobre a localização das futuras saídas – nem qual seria o seu traçado subterrâneo. Não é, assim, de espantar que a Comissão Europeia tenha lançado sérios avisos aos donos da obra e que um tribunal português tenha mesmo ordenado a suspensão da empreitada por falta de estudo ambiental. É lamentável que a obra seja interrompida? É. A juíza que o decretou revelou-se insensata? Não. Com a segurança das pessoas não se brinca.

Luís Nazaré

segunda-feira, 26 de abril de 2004

Deslumbramento

Assomar à janela do meu quarto de hotel no Lido e avistar do outro lado da laguna o perfil de Veneza, com o campanário de São Marcos em destaque. Apesar de familiar ao fim destes anos de frequente convívio e por mais que se repita, não diminui o deslumbramento.

domingo, 25 de abril de 2004

25 de Abril new look

1 Pois bem, já que nunca fui entrevistado pelo Baptista-Bastos, aqui vai de moto próprio a resposta à sua proverbial pergunta (que me escuso de relembrar): ia apanhar o comboio, pelas oito da manhã, para o liceu de Queluz (um dos raros existentes na linha de Sintra, sucessor de uma antiga secção do liceu Passos Manuel), quando soube. Com outros dois amigos, o Luís Chasqueira e o Zé Martins, invertemos de pronto o sentido da viagem e fomos para Lisboa. Na Baixa, convivemos com os soldados, tocámos as metralhadoras da insurreição, saudámos o heroísmo do MFA e demos vivas à democracia.

Tinha 16 anos, os meus companheiros 17. Cada um a seu jeito, havíamos dado bicadas estudantis no velho regime. Éramos seniores, estávamos no último ano do liceu e a gestão da nossa escola, tradicionalmente liberal, permitia-nos múltiplos atrevimentos, na forma de peças de teatro “subversivas”, jornais “provocatórios” e outras manifestações contestatárias. Ávidos de democracia, exultámos com os cravos, os cantos livres e as utopias de Abril.

2 Foi bonita a festa, pá. Só quem não viveu em ditadura, ou com ela lucrou, poderá alguma vez desprezar o valor supremo da liberdade. Do que imediatamente se seguiu, Vasco Pulido Valente faz uma ajustada leitura (embora com uma vantagem de 30 anos) no seu ensaio de hoje no Diário de Notícias. Quanta causa ilusória, quanto desconhecimento, quanta energia perdida!

Não tenhamos ilusões. Por mais que custe aos espíritos mais puros e genuinamente saudosos dos ideais de então, há que dar a volta ao 25 de Abril enquanto produto de mobilização de consciências. Se não houver um rasgo de marketing (isso mesmo, marketing público), a data não subsistirá sequer como uma recordação histórica feliz. Será mais um dia feriado, que bom!, com tanto significado para os portugueses como o 15 de Agosto ou o 1º de Dezembro. Para que o 25 de Abril seja sempre sentido como a celebração da Liberdade, há que lhe dar um cunho de festa popular, como os franceses fizeram do 14 de Julho (dia da tomada da Bastilha) e os americanos do 4 de Julho (dia da Independência). Caso contrário, transformar-se-á numa espécie de dia dos combatentes da 1ª Guerra, com meia dúzia de gerontes valorosos em nostálgico e triste desfile pela Avenida da Liberdade.

Luís Nazaré

Outro 25 de Abril

Ausente de Portugal neste 25 de Abril por motivos profissionais, celebro entretanto outro 25 de Abril, por coincidência o dia da libertação da Itália em 1945.
Foi o fim da guerra e da ocupação nazi do Norte do País, o fim do fascismo e o início de uma era de transição democrática que passou pelo referendo que implantou a República em 1946 e pela aprovação da Constituição de 1947, a primeira grande constituição democrática do após-guerra, e que desencadeou o movimento de regeneração democrática italiana, que no plano cultural foi protagonizado pelo neo-realismo na literatura, no cinema, nas artes plásticas, etc.. Na frente cultural a esquerda europeia nunca mais seria a mesma.

«Coup d’Etat in Portugal»

Não, não foi esta primeira página do República que eu li no dia 25 de Abril de 1974. Era em Londres que eu me encontrava desde o ano anterior, preparando um doutoramento em ciência política na London School of Economics (LSE). Ao sair de casa nessa manhã fui surpreendido pela manchete de um dos jornais londrinos – o Evening Standard, se bem recordo (devo tê-lo guardado algures) –, que anunciava o “golpe de Estado em Portugal”.
Dois ou três dias depois estava de regresso, a tempo de celebrar a festa do primeiro 1º de Maio após a revolução. Ainda voltei para Londres para retomar os trabalhos académicos. Mas poucos dias após a constituição do primeiro Governo provisório, recebi do respectivo ministro do Trabalho, Avelino Gonçalves – um dirigente sindical com quem eu colaborara poucos anos antes em lides sindicais –, um telegrama que dizia algo como isto: «Precisamos de ti, vem». Arrumei os papéis e vim.
Mal podia antecipar nessa altura que os papéis de Londres haveriam de ficar definitivamente na gaveta e que os meus projectos académicos iriam permanecer de remissa durante os 15 anos seguintes. Com toda a propriedade posso dizer que o 25 de Abril mudou radicalmente a minha vida...

sábado, 24 de abril de 2004

«Netescrita»

A minha amiga Emília – «Mimi» para os amigos (“mi chiamano Mimi”, brinco eu com ela de vez em quando, trauteando a conhecida área de Puccini) –, que vive em Leça e é professora de Português, é uma apóstola da missão de cultivar nos seus alunos o gosto da leitura e da escrita. Vai daí, criou e coordena um blogue original, inserido num projecto mais vasto da Universidade do Minho, onde insere as produções da sua tribu juvenil. Chama-se apropriadamente “netescrita” e é um testemunho de zelo e amor profissional.


sexta-feira, 23 de abril de 2004

Revisão constitucional

«As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Esta é uma das normas introduzidas na CRP pela revisão constitucional “blitz” que acaba de ser debatida e aprovada na AR. Trata-se porventura da mais importante alteração da Constituição desde a sua aprovação em 1976. A partir de agora a CRP deixa de ser a Lei suprema do País no sentido tradicional do termo, visto que o direito comunitário, a começar pela futura Constituição Europeia, passa a prevalecer sobre ela.
Pode não se contestar a solução em si mesma, que é imposta pela própria lógica da construção supranacional da UE, e que desde há muito era sustentada pela jurisprudência e pela doutrina comunitárias. Sem essa cláusula de “autoderrogação” constitucional seria impossível ratificar a Constituição Europeia, a qual verbaliza expressamente o princípio da supremacia do direito comunitário sobre o direito interno, sem excluir as constituições nacionais. O que é menos curial, porém, é o procedimento expedito que permitiu aprovar uma alteração tão importante da Constituição de maneira tão célere, à margem dos requisitos procedimentais de uma “democracia deliberativa”.

Educação para a Cidadania, precisa-se

Muito mais que não saberem ciências, literatura, história ou geografia, onde os conhecimentos dos jogadores do concurso «Um contra todos» da RTP1, previamente seleccionados e em geral licenciados, são até, muitas vezes, acima do esperado, é impressionante a falta de cultura de cidadania. Com medo, raramente alguém ousa passar do nível mais fácil e ouvem-se as respostas mais incríveis, mesmo sobre questões que ocupam os jornais ou são debatidas em programas de televisão. Esta semana, uma concorrente interrogada sobre a quem se referia Humberto Delgado quando disse “Obviamente demito-o”, entre Oliveira Salazar, Américo Thomaz ou Marcelo Caetano, escolheu este último. E quando o animador do concurso, algo intrigado, lhe perguntou quem tinha sido Humberto Delgado, respondeu com alguma hesitação: «Presidente da República». É caso para dizer que, embora tarde, fez-se justiça e que os resultados viciados das eleições presidenciais de 1958 foram corrigidos!

MMLM

Paridade onde não se espera

Ontem, as equipes do FCP e do Dep. da Corunha entraram no campo acompanhadas de 22 crianças, como acontece com frequência. Dois pormenores marcaram, contudo, alguma diferença: eram 11 rapazes e 11 raparigas; e foram seleccionados os/as jovens escritores/as do Netescrita e os/as melhores alunos/as de língua portuguesa. Não se vão esquecer tão depressa da professora que organizou esta iniciativa. Só o jogo é que não foi à medida de tão importante companhia!

MMLM

quinta-feira, 22 de abril de 2004

Notas da Catalunha

Da Catalunha, onde me encontro e nunca me canso de estar, quatro breves notas:

1. Apesar do fortíssimo incremento no uso do catalão desde que a Espanha regressou à democracia, o Governo regional não está satisfeito com a prevalência do castelhano no mundo dos negócios. Além de um novo plano de normalização linguística, a Generalitat vai instruir os serviços oficiais no sentido de darem prioridade aos fornecedores que utilizem o catalão nos seus catálogos, embalagens e documentação comercial. Ao nível político, Pasqual Maragall vai solicitar formalmente ao Governo de Espanha que, à imagem do flamengo, o catalão passe a ser considerado uma língua oficial pelas instituições europeias. É um bom exemplo de apego ao idioma utilizado desde há séculos pela maioria da população catalã e de afirmação de independência face à propensão expansionista do verbo castelhano.

2. A questão do financiamento aos governos regionais de Espanha continua vibrante, como o havia sido durante a recente campanha eleitoral. Catalunha, Andaluzia e Galiza tomaram a dianteira de um processo negocial com Madrid tendente a ampliar as competências e os recursos atribuídos às regiões. O novo Governo central já se declarou disposto a encetar um “debate de princípios” sobre as pretensões autonómicas, embora remeta para a próxima legislatura a implementação de uma nova lei orgânica sobre a matéria. E se lhes procurássemos vender o extraordinário PREC (Processo de Regionalização Em Curso) lusitano?

3. A resposta ao peregrino editorial do Wall Street Journal, onde a decisão de retirar as tropas espanholas do Iraque era qualificada de “franquista”, não se fez esperar. Num artigo publicado hoje no el Periódico de Catalunya, a escritora Ana Maria Moix contra-ataca: “Decisão própria do general Franco foi a de Aznar ao aliar-se a W. Bush sem dar explicações, numa guerra que a sociedade rejeita”. Não fora a insignificância política de Portugal e os opositores à política americana no Iraque já teriam sido catalogados de salazaristas pela imprensa conservadora norte-americana.

4. Sou fã do Barça. No grande embate do próximo sábado ante o Real Madrid, no Santiago Bernabéu, espero que a equipa “blaugrana” bata os “merengues”. Demano disculpes a Queiroz i Figo.

Luís Nazaré

Vintage

Miguel Veiga, o já histórico militante do PSD, não deixa por mãos alheias os seus créditos de independência e orientação social-democrata (e há poucos como ele nesse partido de nome enganador). Depois de ter declarado há dias ao “Jornal de Notícias” que nas próximas eleições europeias vai anular o voto (por causa da aliança com o PP), ele subscreve hoje na “Visão” um esclarecido artigo sobre o que o que deve ser o perfil do presidente da República no regime democrático português, no qual, entre outras coisas, traça uma devastadora crítica do populismo e onde é fácil ver uma rejeição frontal de candidaturas como a de Santana Lopes.
Tratando-se de um homem do Porto, é caso para dizer que Miguel Veiga pertence a uma estirpe de democratas a que o tempo só reforça a firmeza e a convicção.

Demencial

O presidente dos EUA, George W. Bush, afirmou ontem que o mundo deve um ‘obrigado’ ao primeiro-ministro de Irsael, Ariel Sharon, pelos seus planos de pacificação para os territórios ocupados.
Com efeito, os cemitérios palestinianos (e israelitas) estão cheios de testemunhos do êxito desses "planos de pacificação". Bush quer tomar o mundo por parvo, ou ensandeceu?

quarta-feira, 21 de abril de 2004

Empatia

«Sculpture is an act of faith in life, in its continuity. We all do things like this; we have a stone that we keep in our pocket which is a guarantee of life's continuity, and it has to do with hoping that things will work out, that life will be okay.»

O escultor Antony Gormley nasceu em Londres em 1950 e está agora na Fundação Gulbenkian até ao dia 16 de Maio (Mass and Empathy). No andar de baixo, preparado para as suas pesadas esculturas (Critical Mass), sendo o corpo do escultor o único modelo, a sensação é de peso e arrepio. Ela vem dos corpos negros de chumbo pendurados no tecto e sobretudo do conjunto dos corpos contorcidos deitados no chão, lembrando os desastres de algumas guerras de África. Mas o andar de cima – Domain Field - (sugiro que seja visto depois) é o oposto: leve e deslumbrante. Cento e oitenta silhuetas feitas de pequenas peças metálicas, inspiradas nos habitantes de New-Castle-Gateshead. Estão lá todos: as mulheres e os homens; os magros e os gordos; os altos e os baixos; os novos e os velhos; os densos e os leves; os transparentes e os mais opacos; os direitos e os arqueados; os que se movimentam e os que estão parados; e ainda mais alguns que lá quisermos ver. Se olharmos a partir do fundo, com outros visitantes pelo meio, ainda sentiremos mais profundamente o intrigante encanto destas figuras.

Maria Manuel Leitão Marques

«A fraude da transferência de poderes no Iraque»

«1. Gostaria de chamar a atenção para o trabalho do professor Nathan Brown, da George Washington University, sobre o Iraque
Segundo ele, após a transferência de poderes em 30 de Junho, a Coalition Provisional Authority continuará a ter um papel muito importante no processo, nomeadamente em questões de segurança, na escolha de candidatos às eleições, e no poder judicial, que se regerá por leis criadas por este poder ocupante.
Pode-se ler aqui a sua tradução da Constituição Provisória Iraquiana, com comentários. Para facilitar o trabalho, sugiro uma busca de "Coalition Provisional Authority" no texto, para ver que poderes é que a coligação não vai passar aos iraquianos.
Como é possível que estas informações não sejam do conhecimento do público, como é possível que andemos todos enganados por essa data mítica que não passa de um embuste? Perante uma escândalo destes, quem se pode admirar que haja um levantamento geral contra os ocupantes?
Aliás, o que admira é que os iraquianos tenham sido tão pacientes.

2. Esta semana recebi notícias do Iraque. Quase nem acredito no que contam, embora parte dessa informação venha confirmada nas entrelinhas do Público.
Os iraquianos acusam o poder ocupante de os tratar como ralé, cuja vida não vale nada. Os americanos mataram centenas de mulheres e crianças em Fallujah como retaliação pelas cenas macabras do esquartejamento de 4 "seguranças" privados americanos, fecharam hospitais ou vedaram o respectivo acesso, dispararam sobre ambulâncias. Parte da população de Fallujah foi evacuada para o deserto, onde ficou encurralada porque não podia entrar em Bagdad e, ainda segundo o relato, foi bombardeada pelos americanos.
E depois, nos jornais ocidentais, ainda há quem tenha a hipocrisia de chamar "terrorismo" ao movimento de resistência iraquiano.»


(Helena Araújo, Alemanna)

Os submarinos e a NATO

«(...) O facto da NATO não apoiar financeiramente a compra de submarinos por Portugal quer apenas dizer que a presença de submarinos em Portugal não se enquadra na estratégia geral da NATO, e não que Portugal não precise de submarinos olhando e pensando a sua própria situação estratégica.
(...) Não me parece lógico que se argumente que não se deve sujeitar uma estratégia nacional aos desígnios da NATO e, logo a seguir, vir clamar contra uma medida nacional, invocando que a NATO não é dessa opinião.
Repare que a NATO concordou com submarinos e fragatas ASW enquanto durou a guerra fria. Agora tem outros planos. Mas Portugal deve ter uma estratégia própria, apesar da sua integração na Aliança Atlântica. Ou não será assim?...
O importante era mesmo ter discutido os submarinos, mas a participação foi pouca. É mais fácil ignorar e mandar bocas à medida do objectivo político do momento. Mas posso dizer-lhe que essa discussão até passou pela Universidade de Coimbra, estava devidamente anunciada e contou com a presença do Almirante Matias a falar aos alunos e professores que o quizeram ouvir, num anfiteatro da Faculdade de Letras, por alturas de Maio ou Junho de 2000, se não me falha a memória. Eu estive presente até ao fim e não foi lá ninguém dizer-lhe que isso era um capricho de almirante.»


(JSM)

Seis dígitos

Cem mil vistas ! É o que nos diz o contador da Bravenet que monitoriza a frequência do Causa Nossa desde o seu início, a 28 de Novembro do ano passado, há menos de cinco meses (o Sitemeter foi instalado mais tarde).
Só temos razões para satisfação.

Milhões ao fundo

«A NATO considerou um desperdício o investimento de centenas de milhões de euros na compra de submarinos novos para a Armada portuguesa, revelaram ao DN fontes aliadas. A posição da NATO acompanhou a recusa, em Novembro passado, de um pedido da Marinha portuguesa para que a organização aliada apoiasse e justificasse a existência daquele programa – que é assinado hoje e vai custar apenas 770 milhões de euros – com as suas necessidades operacionais, adiantaram as fontes. "Portugal tem pouco dinheiro e o pouco que tem será desperdiçado na compra de submarinos, tendo-nos pedido que justificássemos tal opção. Não o faremos", escreveu a NATO num dos documentos classificados acerca dessa matéria e citado pelas fontes.»

Esta notícia vem confirmar em toda a linha as fundadas críticas feitas oportunamente. São muitos milhões deitados ao fundo do mar, em homenagem ao capricho de alguns almirantes e à megalomania de um Ministro. O caso é demasiado grave para poder ficar em silêncio, ainda por cima na situação de dificuldades das finanças públicas em que se encontra o País.
Vai a oposição abdicar de accionar os mecanismos de efectivação da responsabilidade governamental de que dispõe?

Futebol & partidos políticos

O que fazem três conhecidos dirigentes partidários na direcção de um clube de futebol? Não vale adivinhar à primeira!
O que esperam os partidos para decretar a separação entre o poder político e o mundo do futebol, com as incompatibilidades apropriadas e as sanções adequadas?

Mistura letal

«Segundo informações recolhidas pelo EXPRESSO Online, os agentes da PJ retiraram da Câmara [Municipal], para posterior análise, uma grande quantidade de documentos relativos a subsídios atribuídos pelo executivo presidido por Ferreira Torres ao Futebol Clube do Marco.
A documentação recolhida abrange ainda as relações com as empresas de construção civil "Vieira & Esposa" e "Ferraz & Teixeira", cujos responsáveis, além de terem sido directores do FC do Marco, mantêm fortes conexões com a câmara marcoense.»
(no Expresso online )

Os parceiros do costume: câmara municipal, clube de futebol local, construtores civis. Só falta acrescentar o financiamento ilegal dos partidos para completar o quadro. Quando usados em conjunto, a combinação deles mata.

Arábia Saudita e EUA

«A questão da Arábia Saudita e as suas ligações, quer aos Estados Unidos, quer ao terrorismo, é muito complexa e tem uma história com cerca de 250 anos que levou a dinastia saudita ao poder numa ligação estreita com o wahhabismo. O wahhabismo não se explica em duas palavras, mas pode ver-se como uma espécie de fundamentação religiosa de uma família reinante na Arábia. O seu fundo religioso é sunina hambalita com uma interpretação muito restrita dos textos sagrados.
(...) A dinastia saudita teve as vicissitudes que são conhecidas, após a morte de Abdelaziz e a aliança americana obrigou a cedências a que não são estranhos os hábitos de luxo alimentado à custa do petróleo. A direcção religiosa continua a ser dos descendentes de Mohammed bin Abdelwahab (o que dá o nome ao wahhabismo), mas com grandes contorcionismos religiosos para justificar algumas dessas cedências (como foi a autorização da presença de tropas americanas durante a primeira guerra do golfo). Estes facvtos não têm aceitação plena numa sociedade que tem uma inspiração religiosa muito restrita e que tem a faca sempre na mão. Bin Laden é um dos contestatários wahhabitas do poder instituído e das cedências do rei e dos actuais ulemas, proclamando (como muitos outros) o argumento sublime de que foi o modelo de vida ocidental que corrompeu o espaço sagrado da Arábia e a dinastia que tem como missão a protecção dos lugares santos. É por causa desta dualidade que a Arábia Saudita surge como um aliado oficial dos Estados Unidos e uma fonte de financiamento do terrorismo. (...)


(JSM)

Amigos de peito, com cheiro a petróleo

«Woodward told 60 Minutes [CBS] that Saudi Prince Bandar has promised the president that Saudi Arabia will lower oil prices in the months before the election to ensure the U.S. economy is strong on election day.»

Esta revelação feita ao conhecido programa "60 Minutos" da CBS por Bob Woodward – o prestigiado e credível autor do livro “Plano de Ataque”, sobre como Bush foi para a guerra no Iraque –, acerca do compromisso do governo da Arábia Saudita para baixar o preço do petróleo antes das eleições presidenciais norte-americanas, de modo a favorecer a reeleição de Bush, é verdadeiramente comprometedora. De facto, a monarquia saudita é provavelmente a mais reaccionária ditadura árabe da região, onde prevalece uma versão militantemente fundamentalista do Islão e onde existem mais que provadas ligações ao financiamento da Al-Qaeda ao nível da própria família real.
Quando, para além das famosas “armas de destruição massiva”, Bush justificou a invasão do Iraque também em nome da luta contra o terrorismo (que se sabia nada ter a ver com o Iraque) e em nome da democratização do mundo islâmico (quando o Iraque era o mais secular dos países muçulmanos) e depois cultiva alianças e faz negociatas obscenas com a oligarquia saudita, consabidamente filoterrorista e superfundamentalista, só podemos espantar-nos com tamanho monumento de farisaísmo e hipocrisia.
De facto, o petróleo gera estranhas alianças...

Aditamento (com um agradecimento ao JHJ pela referência): Sobre as ligações perigosas entre a Casa Branca de Bush e a Casa real Saudita ver a notícia deste livro.

terça-feira, 20 de abril de 2004

Memórias de Abril

Uma oportuna reprodução das primeiras páginas dos jornais de Lisboa no dia 25 de Abril de 1974: um serviço público prestado pelo Memória Virtual nos últimos dias. A revolução também passou por ali. Excelentes memórias de Abril.

O roble de Guernica

A célebre “árvore de Guernica” morreu. Considerada o símbolo tradicional da identidade e da autonomia basca, foi debaixo dela que em 1936, com o reconhecimento da autonomia basca pela II República espanhola, o primeiro “lehendakari” (chefe do governo autónomo) tomou posse, tradição retomada com o novo estatuto da autonomia basca, de 1979 (“Estatuto de Guernica”), em consequência da transição democrática espanhola consubstanciada na Constituição de 1978.
Terceiro exemplar de uma série de robles centenários, desde o século XIV, a velha árvore, com quase 150 anos de didade, tinha escapado ao destruidor bombardeamento alemão da povoação biscaína em 1937, durante a guerra civil (a que Picasso dedicou a sua muito conhecida obra homónima), mas não resistiu agora a uma doença de vários anos. Já tinha sucessor designado, pronto a ocupar o seu lugar....

Democracia e desenvolvimento

No meu artigo de hoje no Público abordo alguns temas controversos sobre a revolução do 25 de Abril. Entre outros que merecem ser discutidos conta-se o da relação entre a instauração do regime democrático e o desenvolvimento económico-social. Existe uma ideia corrente de uma correlação positiva entre democracia e desenvolvimento, tal como antes se sustentava uma correspondência entre a ditadura e o atraso económico e social. Não era por acaso que a oposição sublinhava os dados da pobreza e do subdesenvolvimento durante o Estado Novo, imputando-os ao regime autoritário, tal como é natural que hoje se apontam as estatísticas do desenvolvimento económico e social desde 1974 como prova da superioridade da democracia.
Sem esquecer que a relação entre desenvolvimento e democracia – que tem afinidade com a relação entre democracia e economia de mercado, mas que não se confunde com ela – constitui um dos temas clássicos da ciência política e da teria da democratização, importa lembrar que no caso português o 25 de Abril surge em pleno surto de crescimento económico do País, que vinha desde os anos 60 e que porventura um dos fundamentos da revolução foi justamente a abertura social e as expectativas sociais que esse crescimento trouxe, às quais o regime do Estado Novo não estava em condições de corresponder. Por outro lado, é indesmentível que sem a instauração do regime democrático Portugal não poderia ter entrado na então CEE e não poderia ter beneficiado das ajudas e das condições favoráveis que dela resultaram e que explicam o grande salto de desenvolvimento posterior, o qual em muitos aspectos não tem paralelo com nenhum outro período da nossa história.

Vital Moreira

Sentimento antiparlamentar

Sobre o tema do sentimento antiparlamentar do PCP ver a nota de João Tunes em retrospectiva histórica no Bota Acima:

« (...) Mas, na concepção marxista-leninista, a Solução não passa por aí [pelo Parlamento]. Sabe-se onde está: na classe operária, nas Comissões de Trabalhadores, nos Sindicatos, nas greves, nas manifestações, na revolta, em todas as revoltas, que crescerão até chegarem à Revolução. A intervenção parlamentar é, apenas, uma “frente”, uma frente visível mas transitória e precária. A base de fé é sempre “isto não vai lá com votos”, mas e apenas até lá, quantos mais votos melhor. O brilho, quando excessivo, do trabalho parlamentar dos deputados comunistas sempre foi olhado internamente com desconfiança. (...)»

segunda-feira, 19 de abril de 2004

«A verdade não é anti-semita»

Se Tanya Reinhart, professora nas Universidades de Utrecht e de Telavive, autora do livro «Destruir a Palestina - A segunda metade da guerra de 1948» – que acaba de ser editado entre nós –, não fosse, como é, judia e israelita, o mínimo de que seria acusada pelos representantes ideológicos da direita israelita seria de “anti-semitismo”, que é o chavão com que eles pretendem inibir e silenciar toda a crítica da ocupação dos territórios e da opressão dos palestinianos. Sucede porém que, independentemente do juízo crítico da autora, há os factos, que não podem ser apagados, tão notórios eles são, mesmo se os falcões israelitas não hesitem negá-los (nisso imitando a tentativa negacionista pró-nazi em relação ao holocausto).
Como ela diz em entrevista ao Público: «Porque os judeus foram perseguidos, não só durante o século XX mas ao longo de toda a História, deveriam mais do que ninguém ser sensíveis ao sofrimento que é infligido a outros pelo seu próprio povo.» Infelizmente é este juízo moral que falta em tantas das manifestações de defesa da política palestinicida de Israel.