terça-feira, 11 de maio de 2004

Morte aos blogues!?

No Expresso online lê-se esta delirante passagem:

"A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) pretende acabar com a existência dos chamados «blogs», páginas de opinião muito em voga na Internet, alegando que estes sítios são frequentemente utilizados para difamação, afirmou ao EXPRESSO Online Pedro Amorim, especialista em direito para as novas tecnologias da informação.
O jurista falava à saída do seminário «Ciberlaw'2004», organizado pelo Centro Atlântico, que decorreu na terça-feira no Centro Cultural de Belém
«Os blogs estão cada vez mais a ter uma relação com o jornalismo, e prevê-se uma grande tendência para a difamação. O objectivo da ANACOM é acabar com a criação de "blogs" e espero que seja cumprido», disse Pedro Amorim."

É evidente que isto não pode ter sido dito! Delírio do "Expresso" ou exemplo vivo da tal "difamação"!? E para o caso improvável de tal desatino ter sido efectivamente proferido, será que o alegado autor não confundiu a País em que vive e a instituição reguladora em causa?

Actualização
O deputado José Magalhães oferece uma explicação/correcção benévola para a estranha declaração imputada ao referido jurista. Mas não será caso de o próprio interessado directo vir desmentir/esclarecer as incríveis palavras que lhe foram atribuídas? E a direcção da Anacom, cuja autoridade ele invocou, também não devia varrer a sua testada?

Fim à vista para os cartéis profissionais?

Quem sabe se inspirada na proposta de directiva europeia sobre liberalização de serviços, a Autoridade da Concorrência (AC) anunciou esta semana que vai prestar uma especial atenção à fixação de preços (máximos, mínimos ou tabelados) pelas associações profissionais. Tratando-se de práticas mais frequentes e graves nas ordens profissionais e outras organizações profissionais obrigatórias, devido à sua unicidade e capacidade para vincular toda a profissão, esta medida vem na sequência de outras iniciativas da Comissão Europeia no mesmo sentido (investigando por exemplo, a fixação de preços máximos e mínimos pela Ordem dos Arquitectos belga).
Oxalá este anúncio da AC tenha os efeitos preventivos desejados. E, caso isso não venha a acontecer, é de esperar que ela reúna as condições necessárias para uma investigação séria e eficaz desta violação tão frequente do direito da concorrência.

Cinco regiões

Pela voz de Jorge Coelho, o PS defende agora o modelo das cinco regiões administrativas, correspondentes às actuais NUTS II (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve), quando o dossier da regionalização voltar à agenda política, o que sucederá já na próxima legislatura, se os socialistas vencerem as eleições gerais de 2006.
Nunca é tarde para ganhar juízo. Ainda hoje me causa espanto como é que em 1998 se pôde ter congeminado o mapa exótico das 9 regiões, saído não se sabe de que cabeça. Não quer dizer que com o modelo já tradicional das cinco regiões se tivesse ganho o referendo; mas seguramente que não se teria assistido à bizarra situação de ter contra ele quase todos os principais adeptos da regionalização à esquerda e à direita.
Por minha parte devo dizer que tenho as mais sérias dúvidas sobre a possibilidade de ganhar um referendo da regionalização "a frio", como se tentou em 1998. Devem primeiro criar-se as respectivas infra-estruturas territoriais e institucionais, para que esta não surja como algo no escuro, mas sim como metamorfose institucional de algo que já existe no terreno, como o resultado natural de uma evolução precedente. Por isso entendo que a via correcta passa pela transformação gradual das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em órgãos territoriais representativos (numa primeira fase por via indirecta) ou então pela agregação das entidades supramunicipais que acabam de ser criadas, no espaço correspondente a cada uma das cinco NUTS II.

A tecnologia ao serviço dos direitos humanos

Os casos de tortura dos prisioneiros iraquianos viriam provavelmente a ser conhecidas mais tarde ou mais cedo, mesmo sem as incríveis imagens que hoje todo o mundo conhece. Embora não divulgados, já havia relatórios da Cruz Vermelha internacional e pelo menos um relatório interno do próprio exército norte-americano. Mas seguramente que o conhecimento público não seria tão rápido como foi, nem teria causado o devastador efeito que causou se não fossem duas inovações tecnológicas dos últimos anos, a saber a câmara fotográfica digital e a Internet. Foi o exibicionismo de alguns militares, que quiseram documentar as suas proezas "macho", que os levou a registar fotograficamente as cenas de humilhação dos prisioneiros; e foi a Internet que permitiu a sua transmissão imediata por meio do e-mail e depois e a sua "fuga" para a Net.
Uma imagem vale mais do que mil palavras, diz a sabedoria popular. Sucede que hoje é muito mais fácil fazer imagens e levá-las ao conhecimento público. É essa a diferença essencial entre as guerras do passado, em que a comunicação se limitava à via postal e ao telefone, em comunicações mais ou menos censuradas pelos militares, e as guerras de hoje, em que a imagem se vulgarizou e a comunicação é proporcionada instantaneamente pelo correio electrónico e pela divulgação pela Internet.

A Brisa em falta

A Brisa não está a cumprir as suas obrigações de concessionária da auto-estrada do Norte (Lisboa-Porto) --, eis o que resulta do artigo de Rui Rodrigues, ontem publicado no suplemento de "Carga & Transportes" do Público (indisponível on-line). O autor mostra que vários troços dessa via (com excepção de Torres Novas - Condeixa e Coimbra Norte - Albergaria) já ultrapassaram folgadamente o tráfego de mais de 35 000 veículos por dia, limite a partir do qual a concessionária tem a obrigação de adicionar uma terceira faixa de rodagem. Ora, apesar de essa situação já se verificar estavelmente em vários troços ainda com duas vias, a Brisa só agora iniciou as obras de ampliação no troço Aveiras - Santarém. Demorando indevidamente o necessário investimento, a concessionária realiza substanciais mais-valias à custa da qualidade do serviço e da segurança dos utentes.
O Instituto de Estradas de Portugal (IEP) está à espera de quê para fazer cumprir o contrato de concessão?

segunda-feira, 10 de maio de 2004

Pruridos

Ver a pertinente observaçãode J. Vasconcelos Costa sobre os laboriosos eufemismos que a imprensa tem usado para evitar usar o termo «tortura» a propósito das violências sobre os prisioneiros iraquianos. Não vá a delegação ideológica do Pentágono entre nós reagir mal...

Aditamento: Está já online o texto completo do Relatório oficial do General Taguba, onde refere as sevícias sobre os prisioneiros iraquianos, bem como a falta de comando na gestão das prisões.

Comércio justo

«Promover a Democracia e o comércio justo é necessário para concretizar os benefícios potenciais da globalização.»
(Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia)

Pouco a pouco o "comércio justo" começa a organizar-se profissionalmente para entrar nos circuitos comerciais. Só assim, assegurando a continuidade nos abastecimentos e a rastreabilidade dos produtos, ele poderá sair da marginalidade e atingir os objectivos que se propõem a organizações que o promovem. Em 2003, estima-se que 11% dos franceses compraram pelo menos um produto do comércio justo e a sua notoriedade passou, nesse país, para 51% (9% em 2000). Tão importante como oferecer profissionalismo à distribuição é sensibilizar os consumidores. Como afirmava na semana passada um gestor do grupo Auchan à LSA: existe um mercado, os clientes procuram esses produtos, por isso temos que prestar atenção fenómeno.
Café, bananas, chá ou chocolate encontram-se hoje, com efeito, em várias das grandes cadeias comerciais europeias com a etiqueta Fair Trade Label Organisation International (FLO)/Max Havelaar.
Trata-se de uma organização independente sem fins não lucrativos que se limita a gerir a etiqueta do comércio justo. Esta etiqueta é colocada em produtos que respeitem as normas internacionais de produção e distribuição deste tipo de comércio (justa remuneração dos produtores, respeito pelos direitos fundamentais e pela protecção do ambiente, entre outras).
Basicamente, o movimento procura oferecer uma alternativa para os produtores do sul, melhorando as suas condições de trabalho e de vida, e garantir simultaneamente a qualidade dos produtos oferecidos. Por isso o seu lema é: «Para vocês qualidade, Para eles dignidade e Para todos equilíbrio».

Maria Manuel Leitão Marques

A Madeira fora da União Europeia!?

No encerramento do congresso do PSD - Madeira, Alberto João Jardim afirmou que em 2008 a Madeira terá de decidir se lhe interessa continuar na União Europeia ou não, dependendo isso da continuidade da atribuição de fundos comunitários. Para além da insólita ideia de a Região poder decidir sobre tal assunto, a simples ligação da permanência na UE ao recebimento de fundos deixa entender bem a natureza da adesão europeia de Jardim, puramente venal, como se vê.
Embora ele não o tenha dito, é evidente que com a mesma lógica ele poderia dizer também que algures no futuro a Madeira decidirá se lhe interessa continuar ou não integrada na República Portuguesa, dependendo isso da continuidade da recebimento dos chorudos fundos do orçamento do Estado, como até agora...
Se fosse permitido um pensamento cínico seria caso para dizer: antes cedo do que tarde!

domingo, 9 de maio de 2004

Diálogo de Gerações

É o título de um livro em cuja apresentação participei esta semana em Coimbra, o qual reúne uma conversa entre Mário Soares e Sérgio Sousa Pinto. Aliás, neste livro dialogam muito mais do que duas gerações - a daquele que tinha dois anos no 25 de Abril e a do outro que já tinha 49. Pela voz de um e de outro, são aqui chamados os liberais oitocentistas, os marxistas do princípio e do meio do século XX, os republicanos e os monárquicos, os democratas de hoje e os de então, os socialistas de todas as gerações, entre muitos outros que fizeram a história contemporânea da Europa ou de Portugal ou que marcaram tão só a história pessoal de cada um dos interlocutores deste diálogo «A minha mãe foi determinante quando me dissuadiu de me inscrever na juventude comunista», conta-nos Sérgio Sousa Pinto; «Fui muito marcado pelo meu Pai. Não só por ele, também pelos seus amigos. O meu Pai andou quase sempre fugido à polícia. Via-o em locais estranhos onde o visitava com a minha Mãe. A minha Mãe recomendava-me para não esquecer o nome que o meu Pai usava: senhor Araújo, africanista em férias» relata Mário Soares.
O diálogo é vivo, fresco e sempre problematizante. E os temas que discutiram são muitos e variados: a construção europeia, a globalização, a cidadania, os partidos, a homossexualidade ou a despenalização do aborto, entre muitos outros que os inquietam a eles e a nós também.

Maria Manuel Leitão Marques

Crimes de guerra

Há quem pretenda desvalorizar as chocantes cenas da humilhação de prisioneiros de guerra iraquianos, porque não evidenciam lesões físicas. Deixando de lado o facto de haver notícia e estarem sob investigação numerosos casos de sevícias, violência física e mortes (várias dezenas reportadas), as fotografias sadicamente aviltantes, que aliás obedecem a técnicas sofisticadas de degradação moral de prisioneiros, configuram para todos os efeitos cenas de tortura e não deixam de ser aquilo que são, ou seja, crimes de guerra de acordo com o direito internacional, que devem ser punidos como tal e não com uma simples sanção disciplinar militar.
Agora compreende-se melhor por que é que os Estados Unidos se furtaram à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. É que caberia a este justamente ocupar-se de crimes destes, se os culpados não fossem adequadamente julgados e punidos pela justiça norte-americana. Agora que os terríveis factos não podem ser mais escondidos e arruinaram a autoproclamada reputação moral da ocupação e dos Estados Unidos, o mínimo que se pode exigir é que o seus autores não fiquem impunes e que os responsáveis políticos não permaneçam nos seus lugares.

Desconchavos

Até os espíritos normalmente assisados se descomandam por vezes. Os ditirambos que o dirigente nacional do PSD Dias Loureiro emitiu na Madeira acerca do reino de Alberto João Jardim são uma provocação à inteligência e ao bom senso nacional. Dizer que a Madeira é um exemplo do “melhor que há na democracia” e que gostaria de fazer de “Portugal uma imensa Madeira” desafia a nossa capacidade para aceitar desconchavos. Mesmo para elogiar correligionários há excessos inadmissíveis!
A Madeira representa em muitos aspectos o pior que há na democracia, designadamente, o autoritarismo pessoal, um sistema eleitoral que favorece o partido no poder, o desrespeito pela oposição, o populismo desbragado, a patética demagogia anti-Continente, o clientelismo sistémico e a generalizada dependência da sociedade em relação ao poder, o controlo partidário da administração pública e do sector público empresarial, o domínio da comunicação social, a promiscuidade entre o poder político e o poder económico (sem esquecer o futebol), o descontrolo financeiro, a permanente chantagem financeira sobre a República, a dependência de financiamentos externos, a submissão do poder local.
A entusiástica cobertura dada pela direcção nacional do PSD ao atrabiliário domínio político do PSD regional na Madeira é um insulto gratuito à comunidade política nacional, em especial aos titulares de órgãos de soberania da República, frequentemente ofendidos de forma soez pelo chefe político regional da Madeira e seus próximos, e aos contribuintes continentais, que lhe pagam a prodigalidade e que vêem utilizado o seu dinheiro para perpetuar na Madeira um regime que viola elementares cânones do Estado de direito e do regime democrático.

sábado, 8 de maio de 2004

«Ministro da Ofensa»

É assim que o Detroit Free Press chama a Rumsfeld -- «Secretary of Offense» --, tirando partido da proximidade fonética, em inglês, entre “defense” e “offense”, e pedindo também a sua demissão.

«Donald Rumsfeld has to go. The secretary of Defense should tender his resignation to President George W. Bush, and if he doesn't, the president ought to fire him.
Neither step would absolve Bush of ultimate accountability as commander in chief for the outrageous treatment of prisoners that has eroded the moral high ground beneath U.S. forces in Iraq. But Rumsfeld's casual attitude toward human rights, his poor planning for the management of post-war Iraq, and his arrogance about American power make him a liability for the difficult task ahead of securing a new Iraqi democracy.»


(com o agradecimento a HM pelo link)

Farmácias

Está em discussão no parlamento um projecto de lei do BE para liberalizar a propriedade das farmácias, desde há muito reservada aos licenciados em farmácia. Estranhamente o projecto não propõe também a eliminação das actuais limitações demográficas e territoriais à instalação de farmácias, decorrentes da capitação mínima por município e da distância mínima em relação a uma farmácia preexistente, que constituem limitações óbvias à concorrência neste sector, ainda mais injustificadas do que o monopólio da propriedade. Sobre este ponto ver por último o meu recente artigo no Público.
Como era de esperar o PSD, embora adepto do mercado e da liberdade económica, já anunciou rejeitar o projecto (o apoio da ANF vale ouro…). Menos compreensível é a anunciada reserva do PS, que se limita a defender a criação de farmácias sociais, preservando no mais o monopólio corporativo vigente. Como se recordará, mesmo essa tímida proposta de abertura ao "sector social" suscitou o ataque selvagem da ANF na véspera das eleições de 2002.
A indefinição do PS neste assunto é notória. Na legislatura de 1995-2000 foram apresentados dois projectos de lei por deputados socialistas tendentes a liberalizar a propriedade das farmácias. Mas, depois de algumas audições de grupos de interesse sobre o assunto, esses projectos nunca chegaram sequer a ser debatidos, tendo sido “congelados” sem qualquer explicação. Aparentemente valores mais altos se levantaram.
É estranho o tácito consenso partidário entre os dois principais partidos num assunto como este. Há grupos de interesses poderosos e de largo espectro quando se trata de influenciar ou condicionar partidos políticos…

Todo o poder à UE!

Um candidato da CDU às eleições europeias incluiu na respectiva agenda política o matadouro e a universidade de Viseu. Ora aí estão dois temas bem fadados para serem tratados em Bruxelas e em Estrasburgo! E ainda dizem que o PCP é contrário à expansão das atribuições da UE em prejuízo dos Estados-membros – puro engano, como facilmente se vê por esta amostra!

Cuba e Iraque

«(...) Gostaria que em relação a Cuba, por respeito ao sofrimento " musical e sorridente" daquele povo, dos seus sonhos que também foram nossos, se alertasse a opinião pública não só para os nefastos efeitos da ditadura "fidelista" mas também para o manifesto perigo que representam os seus vizinhos americanos, sempre interessados naquela belíssima ilha e nada preocupados com as limitações dos direitos dos cubanos. Não estarão os E.U. interessados em transformar Cuba num mini-Iraque?»
(CD)

Acesso aos tribunais supremos

«Esta, a do desleixo, traz-me aqui porque penso que talvez não seja destituído de interesse esta nota. De facto, não estou certo de que o mecanismo encontrado pelo Conselho Superior da Magistratura, através do respectivo regulamento, para dar expressão “ao que está previsto na Constituição para os tribunais supremos nacionais, ou seja, um concurso aberto a juízes, magistrados do Ministério Público e outros juristas qualificados” seja o que é suposto ser, ou seja, aberto a todas essas categorias ou transparente, qualidade que deverá andar associada à outra, se é que não são uma e a mesma coisa.
Neste contexto, atrevia-me a sugerir que talvez o desleixo da eleição tenha sido facilitado pela tranquilidade com que o lobby dominante nessa instância (sentir-me tentado a identificá-lo com uma corporação) gere assunto tão relevante, com a segurança da cumplicidade activa ou passiva de outros que dela fazem parte. De facto, tratando-se de arranjos internos, que importância têm outros requisitos se os eleitos são os apropriados, segundo a avaliação dessa suprema instância?
O escolho apenas impressiona porque é exterior ao sistema.
Entre nós não impressiona que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça sejam invariavelmente magistrados (Meneres Pimentel foi a excepção…), segundo uma regra de preenchimento que obedece a quotas previamente definidas, que juízes anteriormente nomeados pelo CSM inspectores judiciais tenham uma impressionante “sub-quota” na sua graduação, que o júri da eleição seja constituído, não por sábios desinteressados de carreiras próprias ou alheias, mas na sua maioria por juízes em actividade, interessados nas suas próprias carreiras (os de 1ª instância e 2ª instância, obviamente, os do STJ por menos confessável interesse em chegar ao cargo de seu Presidente) e por advogados também em actividade.
Entre outras coisas, ainda mais graves.
(...) Talvez seja tempo de transformar o sistema de acesso ao STJ numa coisa séria, prestigiada, aberta e transparente. Pergunto-me mesmo se isso não se torna imperativo, para adequar os tribunais à Constituição… »

(JC)

Mar Salgado

Hoje é o Mar Salgado (um achado esta tautologia pessoana...) que faz um ano. Um sénior da nossa blogosfera. Inclinado à direita mas plural, inteligente e sério, é um dos blogues com quem mantive alguns diálogos frutuosos. Congratulations!

sexta-feira, 7 de maio de 2004

«Resign, Rumsfeld»

O semanário liberal-conservador britânico The Economist, que apoiou a invasão do Iraque, vê bem o que os demais campeões da ocupação não querem ver: sob pena de total descrédito da coligação, alguém tem de ser responsável pela vergonha dos Estados Unidos no infame tratamento dos prisioneiros iraquianos:

«(...) The scandal is widening, with more allegations coming to light. Moreover, the abuse of these prisoners is not the only damaging error that has been made and it forms part of a culture of extra-legal behaviour that has been set at the highest level. Responsibility for what has occurred needs to be taken—and to be seen to be taken—at the highest level too. It is plain what that means. The secretary of defence, Donald Rumsfeld, should resign. And if he won't resign, Mr Bush should fire him. (...)»

(The Economist, ed. de hoje)

Adenda:
O New York Times de hoje é da mesma opinião. O editoral, intitulado «Donald Rumsfeld Should Go», defende:

«It is time now for Mr. Rumsfeld to go, and not only because he bears personal responsibility for the scandal of Abu Ghraib. That would certainly have been enough. The United States has been humiliated to a point where government officials could not release this year's international human rights report this week for fear of being scoffed at by the rest of the world. The reputation of its brave soldiers has been tarred, and the job of its diplomats made immeasurably harder because members of the American military tortured and humiliated Arab prisoners in ways guaranteed to inflame Muslim hearts everywhere. And this abuse was not an isolated event, as we know now and as Mr. Rumsfeld should have known, given the flood of complaints and reports directed to his office over the last year.»

«Tudo errado!»

Comentando o anunciado negócio entre a PT e os CTT – uma empresa pública –, pelo qual durante dez anos a primeira passa a gerir as infra-estrutura de comunicações da segunda, e cujos valores envolvidos são desconhecidos, Sérgio Figueiredo observou: «Nem tudo o que é bom para a PT é bom para o País».
Mas parece, efectivamente...

Santana Lopes em S. Bento?

Gozando os municípios de autonomia na condução das suas funções, no quadro da lei, e cabendo a fiscalização da legalidade aos serviços de inspecção do Estado, ao Governo e aos tribunais, pode a AR pedir contas a um presidente de Câmara municipal em matérias de atribuição municipal e chamá-lo a prestar esclarecimentos numa comissão parlamentar? E a assembleia municipal de Lisboa para que serve? Tratando-se de uma iniciativa ao que julgo inédita, vai a AR doravante ocupar-se do controlo do governo local das centenas de municípios e milhares de freguesias e chamar perante as suas comissões os respectivos presidentes?

Ao ataque

Em entrevista publicada no Jornal de Negócios de ontem [link somente para a abertura da entrevista], o primeiro candidato da lista do PS às eleições europeias, Sousa Franco, afirma que a previsível vitória é um passo «para começar a construir uma alternativa» ao actual Governo. Sem deixar por mãos alheias os seus créditos de clareza e frontalidade, o antigo Ministro das Finanças defende o referendo sobre a Constituição europeia e a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, desvalorizando a relevância do défice orçamental.
No plano da política interna pronuncia-se pelo desrespeito do limite do défice, para estimular o investimento público, e contra o corte dos impostos directos. Mas considera «o desmantelamento do sistema de saúde como o aspecto mais negativo dos últimos dois anos».
Tudo isto numa linguagem muito forte, como é timbre seu, onde não faltam termos como «disparate» (sobre o congelamento de entradas na função pública) e «erro criminoso» (sobre a criação de entidades supramuniciapis em curso).
Para começar a disputa eleitoral, não está nada mal. Se a coligação governamental adoptar o mesmo registo, vivacidade é o que não vai faltar na breve campanha eleitoral que aí vem.

quinta-feira, 6 de maio de 2004

30 anos de PPD-PSD

Pequeno grupo de “quadros” profisssionais e universitários na sua origem há trinta anos, o então PPD viria, porém, a obter rapidamente um considerável substrato sociológico nas profissões liberais, na Administração pública, no mundo empresarial, nos comerciantes, nos pequenos e médios agricultores e mesmo em certos estratos das classes trabalhadoras (vindo mais tarde a compartilhar com o PS a criação da UGT), o que lhe conferiu uma composição moderadamente interclassista. Herdou também uma boa parte das estruturas de poder de base do Estado Novo, sobretudo na Administração local e nas organizações da incipiente sociedade civil.
Adoptando inicialmente uma postura declaradamente social-democrata e de centro-esquerda, ele derivou depois para posições aguerridamente contrárias à herança revolucionária no campo económico e social e à respectiva expressão constitucional, à luz de uma proclamada vocação “reformista”, num registo cada vez mais liberal nesse campo e mais conservador noutros (por exemplo, a questão do aborto). Desde os anos 80 adoptou uma boa parte da chamada “agenda neoliberal”, posicionando-se no essencial na direita do espectro político.
Disputando a liderança política do País com o PS após a institucionalização do regime democrático (1976), veio a conquistar o poder logo em 1979 (ainda com Sá Carneiro), numa coligação com o CDS, tendo ocupado o Governo a maior parte do tempo desde então, sozinho ou em coligação. Em 28 anos de governo democrático, depois da Constituição de 1976, só esteve na oposição durante 9 anos. Nas regiões autónomas a sua permanência no poder tem sido ainda mais dominante (salvo ultimamente nos Açores). Em contrapartida, tirando o apoio inicial ao primeiro Presidente da República pós-constitucional (Ramalho Eanes), em 1976, o PSD falhou sempre a conquista desse cargo.
Mesmo com essa “falha”, se existe algo como um “partido do regime”, no sentido de partido relativamente dominante no “establishment” democrático pós-constitucional até agora, embora ainda em relação conflitual com alguns dos seus traços, esse é indubitavelmente o PPD-PSD.

Causas minhas

Para a semana, como disse Vital Moreira, começo uma nova viagem. Para alguém que abomina viajar não me parece que esteja pessimista, na verdade estou muito feliz por poder participar num projecto com tanta história e, sobretudo, com uma enorme vontade de devolver ao jornal o respeito que teve durante a maior parte da sua vida de mais de trinta anos.
A minha presença no Causa Nossa tem sido demasiado errática. Por vários motivos não contribuí em nada para a construção deste espaço de referência virtual. No próximo dia 26 de Maio faremos seis meses de vida, tempo para se fazer um balanço. Tempo mais do que suficiente para me despedir a preceito. Isto é: para me despedir com a noção de ter prestado alguma contribuição mais. Até já.

Luís Osório

Outra visão do Iraque e do Médio Oriente: Precisa-se!

Já não é possível iludir o facto de que o processo de reconstrução e pacificação no Iraque descarrilou. Que a situação no Iraque é explosiva. Que a resistência armada aumenta no Iraque. Que, segundo as últimas sondagens, aumenta preocupantemente a desconfiança dos iraquianos nas forças da coligação. Desconfiança, que as recentes notícias de casos de tortura perpetrada pelas forças americanas (e ao que parece também britânicas) não ajudam a dissipar. Nem os sinais, no mínimo perturbadores, que são dados pelas forças da coligação ao reinvestir no poder militar iraquiano antigos generais às ordens de Saddam Hussein, como foi o caso do General Saleh em Falluja (agora, ao que parece, uma decisão em curso de revisão).
Que a ameaça da tomada de reféns se mantém, num Iraque antes terreno infértil para o terrorismo e agora fertilizado para acções desta natureza e onde proliferam grupos armados do tipo Brigadas verdes de Maomé. Que, a dois meses da transferência do poder, ainda não se sabe para quem este se transfere, parecendo os Estados Unidos confiar para esse efeito cegamente no representante das Nações Unidas, o Embaixador Brahimi, ao mesmo tempo que de igual forma olham com desconfiança para as mesmas Nações Unidas quanto ao seu papel no futuro imediato do Iraque.
Que, a tão pouco tempo da transferência do poder, o Iraque parece mais inseguro e menos pacificado do que há um ano atrás, quando o Presidente americano anunciou, do famoso porta-aviões, o fim das hostilidades principais;
Que a situação no Médio Oriente, desde sempre explosiva, se tem agravado seriamente desde a intervenção no Iraque, com atentados assassinos bárbaros sucessivos, numa lógica de retaliação mútua servida a frio.
Que o «road map» continua a não passar de um papel, enquanto Bush e Blair decidem apoiar um novo plano de Sharon. Plano, agora rejeitado pelo Likud. Apoio, entretanto criticado por mais de meia centena de diplomatas que serviram a Coroa britânica no Médio Oriente e que, numa iniciativa inédita, escreveram uma carta a Blair acusando a sua política no Iraque e naquela região de ser errada, danosa e contraproducente.
Perante este cenário, a próxima resolução do Conselho de Segurança surge como a grande oportunidade, senão a última oportunidade, de encarrilar o processo de reconstrução e pacificação do Iraque neste período de transição. E, para tal, é necessário que as Nações Unidas ganhem um papel político central nesse processo. Se este for este o papel reconhecido pelo Conselho de Segurança às Nações Unidas, a autoridade e legitimidade da força multinacional no terreno sairá reforçada. E assim se poderá estimular uma participação mais ampla dos Estados Membros das NU e das Organizações Internacionais no processo de pacificação e reconstrução do Iraque. Só que isso implica uma alteração da posição dominante, exclusiva e de controlo total da transição do poder por parte dos Estados Unidos, que até agora pouco ou nada quiseram ceder nos seus interesses e linha estratégica. Não obstante a reacção da comunidade internacional e os avisos dos seus aliados. E ainda de parte importante da opinião política americana, hoje bem reflectida no editorial do New York Times “Another Vision of Iraq”, em apoio da posição que vem sendo defendida por J. F. Kerry de internacionalização do referido processo, passando pelo envolvimento do Conselho de Segurança, das Nações Unidas e da NATO.

João Madureira

O 30 de Junho

Em 30 de Junho altera-se o modelo estabelecido pela resolução 1511 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que legitimou a presença das forças da coligação no Iraque. A resolução não avança datas. Foi o Presidente Bush, como se sabe, que marcou a data de 30 de Junho.
A resolução limita-se a dizer que as responsabilidades da Autoridade Provisória da Coligação (CPA) e o Conselho Governativo Iraquiano (Governing Council) são reconhecidas até que um governo internacionalmente reconhecido tome posse num Iraque totalmente soberano. É o que diz o parágrafo 1. E o parágrafo 4.
Ora a constituição do Iraque recentemente aprovada estabelece que até 30 de Junho de 2004 deve ser constituído um governo iraquiano totalmente soberano e apto a ser reconhecido internacionalmente (artigo 2 B(1)). E diz mais. Tal como a resolução 1511, diz que a transferência da soberania e autoridade para os Iraquianos em 30 de Junho dissolve a Autoridade Provisória da Coligação e Conselho Governativo (artigo 29).
Acresce ainda que o mandato conferido à força multinacional pela resolução 1511 parece terminar já em 30 de Junho. É o que decorre de uma possível leitura do artigo 15 da referida resolução: “…e que, de qualquer forma, o mandato da força multinacional cessará uma vez completada o processo político” de transferência do poder.
Portanto, no mínimo, é preciso esclarecer a situação. Sob que mandato, ou sob que autoridade, ficarão as forças actualmente no Iraque? E é preciso que seja o Conselho de Segurança a esclarecer estas questões e não, naturalmente, o Presidente americano. Por isso se trabalha agora num projecto de resolução no Conselho de Segurança. Não porque seja desejável. Mas porque é absolutamente necessário para garantir que a legitimidade internacional da presença das forças no terreno se mantém e para que esta última se reforce.
Por outro lado não sabemos qual o papel que será reconhecido às Nações Unidas a partir de 30 de Junho. O tal papel central que lhe continua a ser recusado. Papel de que a resolução 1511 também fala (parágrafos 8, 13), mas que tarda a ser reconhecido. A próxima resolução decerto não deixará de desenvolver este aspecto, cada vez mais crucial face aos problemas crescentes que enfrentam as forças no terreno. Forças, que inicialmente se apelidaram de libertação mas que hoje são cada vez mais olhadas como forças de ocupação.

João Madureira

Petróleo

Segundo o Miami Herald, se não houvesse especuladores de ouro preto, o preço do barril seria de 33 dólares em vez dos 38 dólares que recentemente atingiu nos mercados internacionais. O que é interessante é que a maioria dos especuladores são particulares abastados – ou, mais precisamente, fundos dirigidos a esse segmento -, desiludidos com o mercado accionista e ávidos de retornos rápidos. Bastam 100 mil dólares para entrar no clube. É o mercado livre a funcionar.
Luís Nazaré

Outsourcing

“(…) Quanto mais postos de trabalho exportarmos, mais a classe média se transformará a breve trecho numa espécie em risco. Só que a democracia americana assenta precisamente no vigor da classe média, sem a qual não teria condições para sobreviver. Por isso, sempre que exportamos trabalho, exportamos um pedaço das nossas fundações democráticas.

(…) Não existe maior ameaça para o papel dos Estados Unidos, enquanto democracia mais forte do planeta, do que a insistência do mundo dos negócios no paradoxo extremo: uma classe média desempregada. Se a deslocalização industrial prosseguir, legaremos aos nossos descendentes uma classe média fragilizada que não estará apta a suportar uma democracia viável.

É esta a bottom line da deslocalização industrial.”


(Carta de um leitor californiano, Dennis Clausen, à revista The Nation, de 10 de Maio)

Assim não vale!

No seu artigo de hoje no Público, José Pacheco Pereira critica o meu artigo de 3ª feira passada sobre as coligações eleitorais com pequenos partidos mais ou menos inexistentes, como a CDU, afirmando que eu vim “defender Os Verdes”.
Mas não é verdade! A primeira condição para uma crítica honesta é não imputar indevidamente uma posição facilmente criticável a quem queremos criticar.
Na verdade, dando eu de barato a «duvidosa representatividade política» dos Verdes e a sua natureza instrumental na coligação com o PCP, o único propósito do meu artigo foi objectar contra a sugestão do chefe do governo de tomar medidas legislativas, aliás não explicitadas, contra tais coligações. Conclui o meu artigo deste modo: «Mas num Estado de direito constitucional nem tudo o que é politicamente censurável [caso da CDU] pode ser licitamente proibido». Era só isso que estava em causa, independentemente da minha avaliação política da situação, que é obviamente condenatória, mesmo que não coincida em tudo com a apreciação de Pacheco Pereira (por exemplo, não vejo qual é a diferença entre não se saber o que vale um partido, porque nunca foi a votos sozinho, e saber-se que ele vale por exemplo 0,5% ou menos, como sucedeu com algumas coligações do passado, em que partidos desses acabaram com representação da AR em virtude de coligações com o PSD e com o PS....).

Actualização (7 de Maio):

Pacheco Pereira já me deu razão (aqui). Tudo bem, assim.

Parabéns...

... a J. Pacheco Pereira pelo primeiro ano do Abrupto. Ele contribuiu como poucos para a relevância pública da blogosfera postuguesa. Longa vida!

Desleixo

Passou praticamente despercebido, mesmo por parte das oposições, mais um disparate do Governo na área da justiça. Na candidatura a juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em consequência do próximo termo do mandato no actual juiz Português, Ireneu Cabral Barreto – que bem merece ser reconduzido –, Portugal deveria ter indicado três candidatos elegíveis, nos termos da normas em vigor. Ora, segundo foi noticiado, com base numa selecção pedida pelo Governo ao Conselho Superior da Magistratura, os dois juízes indicados a par do actual juiz em funções não preenchiam os necessários requisitos, pelo que a lista foi rejeitada na Assembleia Parlamentar do Conselho de Europa e a eleição teve de ser adiada! Uma vergonha!
De resto, continuo a defender que a selecção de candidatos a juízes de tribunais internacionais deve ser feito de modo desgovernamentalizado, público e transparente, mediante um procedimento equiparado ao que está previsto na Constituição para os tribunais supremos nacionais, ou seja, um concurso aberto a juízes, magistrados do Ministério Público e outros juristas qualificados. A escolha dos juízes dos tribunais internacionais não deve ser uma tarefa do Governo nem ficar reservada a juízes de carreira da ordem judicial comum.