Já não é possível iludir o facto de que o processo de reconstrução e pacificação no Iraque descarrilou. Que a situação no Iraque é explosiva. Que a resistência armada aumenta no Iraque. Que, segundo as últimas sondagens, aumenta preocupantemente a desconfiança dos iraquianos nas forças da coligação. Desconfiança, que as recentes notícias de casos de tortura perpetrada pelas forças americanas (e ao que parece também britânicas) não ajudam a dissipar. Nem os sinais, no mínimo perturbadores, que são dados pelas forças da coligação ao reinvestir no poder militar iraquiano antigos generais às ordens de Saddam Hussein, como foi o caso do General Saleh em Falluja (agora, ao que parece, uma decisão em curso de revisão).
Que a ameaça da tomada de reféns se mantém, num Iraque antes terreno infértil para o terrorismo e agora fertilizado para acções desta natureza e onde proliferam grupos armados do tipo Brigadas verdes de Maomé. Que, a dois meses da transferência do poder, ainda não se sabe para quem este se transfere, parecendo os Estados Unidos confiar para esse efeito cegamente no representante das Nações Unidas, o Embaixador Brahimi, ao mesmo tempo que de igual forma olham com desconfiança para as mesmas Nações Unidas quanto ao seu papel no futuro imediato do Iraque.
Que, a tão pouco tempo da transferência do poder, o Iraque parece mais inseguro e menos pacificado do que há um ano atrás, quando o Presidente americano anunciou, do famoso porta-aviões, o fim das hostilidades principais;
Que a situação no Médio Oriente, desde sempre explosiva, se tem agravado seriamente desde a intervenção no Iraque, com atentados assassinos bárbaros sucessivos, numa lógica de retaliação mútua servida a frio.
Que o «road map» continua a não passar de um papel, enquanto Bush e Blair decidem apoiar um novo plano de Sharon. Plano, agora rejeitado pelo Likud. Apoio, entretanto criticado por mais de meia centena de diplomatas que serviram a Coroa britânica no Médio Oriente e que, numa iniciativa inédita, escreveram uma carta a Blair acusando a sua política no Iraque e naquela região de ser errada, danosa e contraproducente.
Perante este cenário,
a próxima resolução do Conselho de Segurança surge como a grande oportunidade, senão a última oportunidade, de encarrilar o processo de reconstrução e pacificação do Iraque neste período de transição. E, para tal, é necessário que as Nações Unidas ganhem um papel político central nesse processo. Se este for este o papel reconhecido pelo Conselho de Segurança às Nações Unidas, a autoridade e legitimidade da força multinacional no terreno sairá reforçada. E assim se poderá estimular uma participação mais ampla dos Estados Membros das NU e das Organizações Internacionais no processo de pacificação e reconstrução do Iraque. Só que isso implica uma alteração da posição dominante, exclusiva e de controlo total da transição do poder por parte dos Estados Unidos, que até agora pouco ou nada quiseram ceder nos seus interesses e linha estratégica. Não obstante a reacção da comunidade internacional e os avisos dos seus aliados. E ainda de parte importante da opinião política americana, hoje bem reflectida no editorial do
New York Times “Another Vision of Iraq”, em apoio da posição que vem sendo defendida por J. F. Kerry de internacionalização do referido processo, passando pelo envolvimento do Conselho de Segurança, das Nações Unidas e da NATO.
João Madureira