sexta-feira, 9 de julho de 2004

A fotografia dos Açores

«Quando penso em Barroso, vejo-o sempre com Bush e Aznar, nos Açores», salientou Martin Schultz, o presidente do grupo socialista no Parlamento Europeu, exprimindo as suas objecções ao presidente designado da Comissão Europeia (segundo o Diário de Notícias de hoje).
A objecção é sem dúvida pertinente. Mas a citada observação suscita uma interrogação: Blair não estava também na fotografia dos Açores? Ou Schultz esqueceu-se convenientemente dele só por ele ser presidente de um partido que é membro do PSE e cujos deputados também integram o grupo parlamentar a que ele preside?

Distinções

Populismo tem tão pouco a ver com popular como demagogia com democracia, nacionalismo com patriotismo, PSD com social-democracia, etc.

ESPLANAR por aí

Já tinha saudades de dar boas notícias. Nasceu há duas horinhas o blog linkado no título - uma mesa de esplanada onde se sentam o Rui Branco, Filipe Nunes, Alexandre Borges e Nuno Costa Santos. Meus queridos amigos, sim, mas isso não vem ao caso. É bem mais interessante constatar que se trata do encontro feliz de dois membros do extinto Desejo Casar(um regresso que muito se saúda, de AB e NCS!) com dois dos melhores bloggers nacionais - o Cristiano Ronaldo e o Deco do País Relativo - FN e RB, respectivamente. Seguramente, um local para visitar todos os dias. Vai direitinho para a coluna de preferidos aqui do Causa, mal acabe de curar a ressaca.

LFB, feliz da vida, às 6 e meia da manhã

«PS pisca o olho a Manuel Monteiro»...

...diz o Diário de Notícias de hoje. Não deve ser verdade, mas se o fosse seria caso para dizer que o PS começa mal a corrida para as esperadas eleições antecipadas, com uma manifestação do mais rasteiro oportunismo político.

quinta-feira, 8 de julho de 2004

Marlon Marco Brando António

Tendo eu relembrado há dias o meu fascínio juvenil pelo papel de Marlon Brando no Marco António do "Júlio Cesar" de Mankiewics, de 1953, apraz-me ler no Economist esta passagem sobre o mesmo filme:
«Then he [Brando] played Mark Antony in "Julius Caesar" (1953) and the cynics were silenced. The scene in which he enters the senate after Caesar's murder, acknowledging none of the conspirators but gliding regally past as if they did not exist, points vividly to the play's denouement. For this, credit Marlon Brando, not Shakespeare. Ask if Rod Steiger, James Dean or Paul Newman, who all, like Brando, graduated from the Method school of acting, could have matched his Mark Antony, and the answer is a definite no.»

A angústia da democracia

Para descomprimir, eis o meu artigo de hoje no Jornal de Negócios, arquivado na Aba da Causa.

Luís Nazaré

E, nesse caso, que fazer?

Se houver eleições, «o PS vai bater-se por uma maioria absoluta» --, diz Ferro Rodrigues. Eis uma diferença de ousadia em relação a António Guterres, que, mesmo depois de andar a trabalhar para a tal maioria absoluta durante 4 anos, foi depois incapaz de a reclamar explicitamente nas eleições de 1999, tendo ficado manifestamente desapontado por os eleitores não terem "percebido" que era essencial tê-la (quem se não lembra da sua reacção na noite das eleições, como se tivesse sofrido uma derrota, apesar de ser o melhor resultado eleitoral de sempre do PS?). Mas não basta vontade e determinação para conseguir os 44,5% de votos necessários para ter mais de 50% de deputados. Por isso, a pergunta seguinte precisa de resposta tão depressa quanto possível: e se obtiver outra vez somente uma maioria relativa? Volta a optar por um governo minoritário ou equaciona agora a hipótese de coligação com outro(s) partido(s)?

Lembram-se da "moção de censura construtiva"?

Desde há muitos anos que o PS defende entre nós a moção de censura construtiva (MCC), existente na Alemanha e na Espanha, segundo a qual as moções de censura parlamentar aos governos -- com a sua consequente demissão -- têm de incluir um programa de governo e o nome de um primeiro-ministro alternativo. Essa proposta tem sido rejeitada nas sucessivas revisões constitucionais, por se entender -- com toda a razão, diga-se -- que ela dificulta a censura aos governos, obrigando as oposições a entenderem-se previamente sobre um governo alternativo, e corta a liberdade do Presidente da República para decidir as saídas da crise governamental decorrente de uma moção de censura, obrigando-o a nomear tal primeiro-ministro.
Para os que defendem agora que os primeiros-ministros são eleitos pelos cidadãos nas eleições parlamentares e que portanto não pode haver a sua substituição sem novas eleições, essa figura da MCC é obviamente uma heresia, tanto mais que ela pode levar à formação de governos contra o partido e o primeiro-ministro que ganharam as eleições (como poderia ter acontecido entre nós em 1987, após o derrube do primeiro governo Cavaco Silva). Mas parece evidente que quem defende a MCC não pode aderir àquele argumento.
Existem na actual situação razões políticas bastantes para convocar eleições antecipadas (embora também haja argumentos contra). Mas trata-se de uma faculdade e não de uma obrigação do PR, pois nada na Constituição nem na lógica do sistema político a impõe (nem tampouco proíbe). Para haver dissolução parlamentar e novas eleições não é preciso subverter a lógica constitucional e política do nosso sistema de governo. Basta usar os bons argumentos e não os maus.

O regime "governamentalista"?

Num artigo de hoje na revista Visão o Professor Freitas do Amaral volta a defender o recurso a eleições como saída necessária para a presente crise política, defendendo que a "escolha do primeiro-ministro pertence ao povo".
Por mim, embora entenda que o Presidente da República pode invocar razões mais do que suficientes para convocar eleições em vez de nomear um novo governo da actual maioria parlamentar, penso porém que isso se deve a uma livre opção presidencial e não a uma obrigação de entregar a escolha do novo chefe do Governo aos eleitores. Este entendimento não decorre da Constituição nem é uma imposição política do nosso sistema de governo. O líder do Governo não é eleito, sendo nomeado pelo Presidente no quadro da composição parlamentar existente. É dessa nomeação presidencial e desse apoio parlamentar que decorre a sua legitimidade democrática, não de eleições. Suponho que nunca nenhum primeiro-ministro se considerou eleito para o cargo.
Defender que a escolha do primeiro-ministro deve resultar necessariamente de eleições teria pelo menos as seguintes implicações: (i) as eleiçõs parlamentares seriam definitivamente desviadas da sua função constitucional, que é a de formar uma assembleia representativa das correntes e forças políticas do Pais; (ii) o Presidente da República deixaria de ter qualquer margem de decisão para escolher o Primeiro-ministro em cada situação concreta, poder que a Constituição inequivocamente lhe concede; (ii) sempre que o primeiro-ministro morre, fica impedido ou se demite, teria de haver novas eleições; (iii) deixaria de ser possível constituir um segundo governo na mesma legislatura, mesmo que na base da mesma maioria parlamentar; (iv) o primeiro-ministro passaria a ter a mesma legitimidade eleitoral do Presidente da República e da AR, tornando-se dificilmente justificável a possibilidade da sua demissão por qualquer deles, como prevê a Constituição.
Enfim o nosso sistema de governo deixaria de ser de tipo parlamentar ou semipresidencialista, como se tem entendido (conforme a perspectiva), para passar a ser um regime "governamentalista". A Constituição teria de ser reescrita.

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Sem escrúpulos

No longo tempo de antena que a RTP 1 ontem deu ao CDS-PP à porta do palácio de Belém, depois da audiência presidencial, Paulo Portas invocou um livro do Presidente da República em que este teorizava sobre os possíveis fundamentos de dissolução parlamentar e convocação antecipada de eleições, entre as quais não cabia alegadamente a presente crise política. Por isso -- rematou Portas --, para ser fiel ao seu pensamento, o PR não poderia deixar de reconduzir a coligação no Governo.
Só que, verificado o livro em causa (vol. VI da série "Portugueses"), encontra-se esta passagem:
«A não ser nessas situações, ela [a dossolução parlamentar] só deve verificar-se em circunstâncias excepcionais e muito estritamente delimitadas. Será esse o caso em que a sua avaliação pessoal e maduramente ponderada, o PR conclua que o interesse nacional exige a relegitimação da representação parlamentar, quando se convença que a representação parlamentar deixou definitivamente de corresponder à vontade do eleitorado ou quando considere que ela não permite a formação de um Governo capaz de mobilizar adequadamente as energias nacionais para as tarefas que se colocam ao país.»
Esse texto, que confere plena justificação para uma eventual convocação de eleições antecipadas nas circunstâncias presentes, e que obviamente destrói a tentativa do CDS-PP para "encostar o PR à parede" e enganar a opinião pública, foi porém omitido pela arenga de Portas, como revela hoje o Público.
Uma pura vigarice, é evidente, para além do agravo institucional ao PR. Esta gente não tem escrúpulos. E o Governo só deveria ser composto por gente politicamente séria. Uma razão adicional para despedir este Governo!

Pergunta preventiva (II)

No caso de haver convocação de eleições e de o PS as ganhar sem maioria parlamentar absoluta, as fórmulas de governo possíveis são três (excluindo um entendimento com os partidos de direita): (i) um governo minoritário do PS sem garantia de apoio parlamentar maioritário; (ii) um governo minoritário com um acordo parlamentar de garantia de apoio à sua esquerda (PCP e/ou BE); (iii) um governo de coligação à esquerda, com um ou ambos dos referidos partidos.
Não é provável que o PS queira repetir a primeira fórmula, depois do seu insucesso nos governos Guterres. A pergunta que se coloca é a de saber se é possível um acordo de governo, sobretudo na fórmula de coligação, havendo divergências tão profundas num dossier fundamental como é o da UE, designadamente no que se refere à Constituição Europeia. Estando previsto um referendo para o início do próximo ano, será possível imaginá-lo com posições diametralmente opostas dos parceiros governamentais (o PS pelo "sim", o PCP e o BE pelo "não")?

Pergunta "preventiva"

Segundo o "Público" de hoje o Bloco de Esquerda teria garantido ao Presidente da República, na audiência de ontem, que em caso de eleições antecipadas e de maioria somente relativa do PS, o BE asseguraria a estabilidade governativa, mesmo não fazendo parte do Governo, comprometendo-se a votar os diplomas fundamentais, incluindo o orçamento de Estado.
A pergunta que exige uma resposta inequívoca é a seguinte: essa garantia do BE manter-se-ia mesmo que o PS decidisse continuar -- como a meu ver deve -- uma política de rigor e disciplina orçamental, com todas as implicações em matéria de contenção da despesa pública, remunerações da função pública, financiamento dos serviços públicos, etc.?

Actualização - Francisco Louça já veio desmentir que tivesse dado garantias de sustentação parlamentar de um governo minoritário do PS. Pois claro, não há apoios grátis!

Kerry & Edwards

Está completo o "ticket" democrático para as eleições presidencias nos Estados Unidos em Novembro próximo, com a escolha do candidato a vice-presidente, que recaiu no senador John Edwards, que já tinha disputado a nomeação democrática para a candidatura a presidente, tendo perdido para Kerry, que agora o foi "repescar". Ao progressista rico do nordeste junta-se um candidato mais jovem, sulista, de origem modesta, "self made man", politicamentre mais moderado, pessoalmente atraente e de discurso empolgante. Deu já as suas provas na campanha para a nomeação democrática. Eis uma equipa para vencer a parelha Bush & Cheney. Eu "voto" neles.

Incongruência

Parece que os deputados do PS no Parlamento Europeu (PE) vão apoiar a indigitação de Barroso para presidente da Comissão (assim o diz, pelo menos, o Correio da Manhã, que descobri via o Jumento).
Aparentemente haveria boas razões para o não fazerem. Ele foi designado no seguimento da imposição do Partido Popular Europeu (PPE), o mais representado no PE, de que o presidente da Comissão tinha de ser um dos seus, inviabilizando por isso a candidatura de António Vitorino. Como presidente da CE, Barroso vai naturalmente defender e implementar na UE orientações políticas muitos diferentes das do Partido Socialista Europeu (PSE). O PSE definiu uma orientação de voto contra. Foi em disputa e contra o ramo nacional do PPE, ou seja, o PSD, presidido por Barroso, que os socialistas ganharam as eleições europeias em Portugal. Não foi seguramente para votarem em Barroso que os eleitores portugueses do PS os elegeram. Barroso não precisa dos seus votos para ser confirmado no PE.
A posição favorável só pode significar que o "factor nacional" (como se o presidente da Comissão fosse representante de Portugal, o que seguramente não é) prevalece sobre todas as demais considerações, mesmo à custa da solidariedade política devida aos seus colegas do PSE, em cujo grupo parlamentar se integram. Porquê?

Desconfiança

Segunda-feira passada. Reunião em Bruxelas no novo edifício do Comité Económico e Social da UE (ao lado do Parlamento Europeu, sobranceiro ao Parque Leopoldo). Participantes oriundos de quase todos os Estados-membros. Procuram saber da minha decepção pela derrota da selecção nacional no Euro 2004, mas sobretudo há surpresa e curiosidade sobre o indigitado presidente da Comissão. Procuro explicar o mais objectivamente que posso (nem sequer tenho nenhuma antipatia pessoal por Barroso). Mas ou me engano muito ou ele vai ter de provar muito. Se fosse alemão, francês ou britânico, sucederia o mesmo?

Sofia e Marlon, o sol e a lua

Há tempos a esta parte (não sei exactamente dizer quando) evito escrever sobre mortes, sobre mortos, especialmente os que me são mais queridos. Por isso não escrevi sobre Marlon Brando e Sophia de Mello Breyner, mortos no mesmo dia, ele aos oitenta anos, ela aos oitenta e quatro. Mas li no Causa Nossa belos posts sobre eles, sobretudo o que o Jorge Wemans escreveu sobre Sophia. Bastaria isso para resgatar o meu silêncio que, todavia, me ficou atravessado como um remorso. Que espantoso casal, esse, desaparecido num mesmo dia. Ela que aspirava à luz, ao mar, ao sol, à manhã, trespassada pela sua vertigem helénica, mediterrânica. Ele mergulhado na sombra, na noite, na ambiguidade crepuscular das suas personagens sobre as quais pairava uma lua negra e densa de presságios. Talvez um fantasma os unisse a ambos, não saberei dizer porquê: o de Camus.
V.J.S.

terça-feira, 6 de julho de 2004

O outro lado da questão

A melhor argumentação contra a solução das eleições antecipadas é da autoria de Paulo C. Rangel, no seu artigo de hoje no Público. Pode não ser convincente nem sequer desinteressado, mas não pode passar despercebido para quem deseja conhecer os diversos lados da questão.

Parcerias improváveis

O Público anuncia que vai distribuir um destes dias, juntamente com o jornal, o mais recente número da revista Nova Cidadania, publicação que exprime as posições da direita religiosa em Portugal. Quem diria?

Descoesão territorial

Sabia que há municípios deste País que estão em risco de perderem as carreiras de transportes rodoviários de passageiros? Tal é o tema do meu artigo de hoje no Público (também arquivado aqui na Aba da Causa.

Bendita blogolândia

O Santanório acabou de ser criado, dizem-me. É um blog de acesso livre - coisa que nem sabia ser possível. E para quê? Para dizer o que pensamos de Santana Lopes. Uma boa alternativa para quem não tem pachorra para as manifs.

Tempus fugit

A blogosfera nacional está a ficar adulta. Parabéns a Alexandre Monteiro, a Ivan Nunes, a Paulo Gorjão e a Rui Branco, pelo primeiro aniversário dos seus blogues ocorrido por estes dias (todos entre os nossos preferidos).

Advogado do diabo

«Se o Presidente da República convocar eleições parlamentares antecipadas, essa decisão, qualquer que seja a sua justificação, será sempre vista como um acto de hostilidade contra o PSD e Santana Lopes. Ora admitindo por um momento que eles viessem a ganhar as eleições (a vitória da Grécia também era improvável, não era?...), é evidente que quem sairia fortemente desautorizado seria o Presidente. Não é assim?
E, depois, seria a vez de o PSD pedir eleições presidenciais antecipadas?»


(PL, Coimbra)

Comentário - O mafarrico, ele mesmo, não faria observação mais venenosa...

O "populismo" de PSL

«O "Causa Nossa" tem vindo, nos últimos tempos, a passar a imagem de que o PSD se está a tornar cada vez mais parecido com o PP, no sentido de que faz do populismo o seu estilo ou "imagem de marca", agora ainda mais vincada depois da eleição de Santana Lopes para líder do PSD.
Ora, interessa perceber o que é isto do populismo, tão criticado pelas hostes socialistas. Será que não é populismo fazer campanha eleitoral em lotas de peixe, numa tentativa de mostra nas televisões peixeiras aos gritos de apoio ao candidato visitante? Será que não é populismo participar em manifestações populares em frente à casa oficial do Presidente de República gritando contra um líder de um partido oposto e mostrando desconfiança e falta de respeito pelo Presidente da República? Será que não é populismo querer passar a imagem de que um partido está unido em torno do seu líder, quando dois dias antes várias personalidades desse mesmo partido afirmavam que o referido líder não tinha uma ideia para o País? Será que não é populismo termos um partido que critica uma coligação PSD/PP, mas que não coloca de parte fazer uma coligação com o Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista?
Se bem sei populismo significa "simpatia pelo povo" e, não querendo questionar se Santana Lopes é ou não igual a Paulo Portas no estilo de fazer política, acho mais importante fazer valer as regras da democracia e respeitar a Constituição enquanto pilar da democracia, do que vir com especulações acerca do populismo do PSD.»


(Pedro Peixoto)

Comentário - Como categoria política, o populismo não é propriamente "simpatia pelo povo", mas sim a exploração demagógica de sentimentos populares, sobretudo dos menos esclarecidos, para fins políticos. Não existe somente populismo de direita. Mas não se pode misturar alhos com bugalhos.

Come on, George! (III)

Há boas notícias, mesmo após a nossa derrota ante os gregos - ainda resta um grande número de individualidades disponível para aconselhar Jorge Sampaio sobre a crise José Barroso. Dizem-me que as colectividades também não regatearão esforços na busca de uma solução patriótica e que estão prontas para organizar um novo encontro no Beato. Haja esperança!...

Luís Nazaré

Come on, George! (II)

Meia hora depois de o analista Marcelo se ter declarado disponível para o lugar de primeiro-ministro, o presidente Santana Lopes veio dizer ao povo e a Jorge Sampaio para tirarem o cavalinho da chuva - PM só haverá um, Santana e mais nenhum. Que alívio!...

Luís Nazaré

segunda-feira, 5 de julho de 2004

Come on, George! (I)

Em directo na TVI, o analista Marcelo Rebelo de Sousa não excluiu a hipótese de vir a ser o primeiro-ministro de Pedro Santana Lopes. Basta Jorge Sampaio querer...

Luís Nazaré

A impossível derrota

Não sei se é melhor perder-se bem contra um antagonista manifestamente superior, ou perder-se mal ante um adversário ao nosso alcance. Pouco importa. A verdade é que desbaratámos uma oportunidade irrepetível de nos sagrarmos campeões europeus.

O texto de VJS, Fatalidades mediterrânicas, mais abaixo, traduz fielmente o estado de espírito que acompanhou a Selecção até ao seu último combate e os previsíveis efeitos do desaire na psique nacional. Só discordo da análise "técnica" da partida - o nosso erro não foi a mistura fatal de auto-confiança e ansiedade mórbida. Pelo contrário, pecámos por falta de ambição, pelo medo de vencer, pela atitude fatalista nos momentos cruciais.

Eu, que estive na Luz, vi uma claque grega tão forte quanto o bloco defensivo da sua selecção. Em clara minoria, numa proporção de um para quatro, os cânticos helénicos calaram o mole público português, visivelmente apático e falho de dotes canoros. Aí começou a desgraça. À minha volta, estrangeiros de todas as nacionalidades perguntavam a cada instante se os adeptos portugueses estavam a poupar a voz para o prolongamento. Lá lhes dizíamos que não, cantarolando uns breves "olé, Portugal, olé", mas a coisa não era convincente. Ainda antes do início da partida, pressenti o pior.

Depois veio o medo. Traumatizada pela derrota na partida inaugural, a nossa Selecção refugiou-se na contenção táctica e acomodou-se ao jogo cínico dos gregos, numa atitude incompatível com a atmosfera de confiança e com a superioridade futebolística que vínhamos revelando. O nosso mal foi não termos caído em cima deles "que nem tarzões" desde o primeiro minuto, não lhes dando tempo para respirar nem espaço para evidenciar o seu pobre (mas honrado) futebol. A estratégia é isso mesmo - saber tirar partido das vantagens próprias. Pensar que se vence o adversário utilizando as mesmas armas do que ele é meio caminho andado para a desgraça. Como se viu.

Luís Nazaré

As "desgrécias" nacionais

1. Foi pena, mas o esforço não foi suficiente ou a ele não se juntou a sorte que também conta nestas coisas de jogos, como, aliás, em tantas outras. Mas raramente conta só. Organização, estratégia, trabalho e rigor tornam a sorte mais próxima. Auto-estima e apoio colectivo fazem-lhe muita falta. O que não faz de todo falta são as gravatas às riscas e outros amuletos equivalentes. Valem, afinal, aquilo que já sabíamos que valiam: nada. "Desgrécia" a de quem acreditou!
2. A chantagem que Alberto João Jardim faz sobre o Presidente é inqualificável. «Desgrécia» a nossa que temos de o ouvir. Resta a esperança que no meio do dito cujo contra-golpe se esqueça também de candidatar-se às próximas eleições regionais.

Sampaio prisioneiro na sua teia

Ignoro, como toda a gente, qual irá ser a decisão final de Jorge Sampaio: se aceita Santana Lopes como primeiro-ministro com, segundo consta, um ministro das Finanças credível (mas o que será, no fundo, inquestionavelmente, um ministro das Finanças credível?); ou se dissolve o Parlamento e convoca eleições antecipadas. Permito-me até duvidar se Sampaio saberá já qual a melhor decisão a tomar. Certo é que nenhuma será boa e satisfatória e qualquer delas o enredará numa teia de responsabilidades políticas directas na gestão da crise, com prejuízo do seu estatuto e da sua autoridade.

O que parece certo é que o dilema do Presidente foi, em grande parte, criado por ele e pela sua incapacidade de ver claro desde o momento em que se tornou evidente a apetência de Durão Barroso em fugir para Bruxelas. Ora, imagine-se que o Presidente, em vez de deixar-se aprisionar na sua habitual indecisão e ambiguidade, colocava desde o início Durão Barroso perante as suas responsabilidades e não lhe facilitava o abandono da chefia do Governo.

Imagine-se que Sampaio dizia a Barroso o seguinte: «Senhor primeiro-ministro, compreendo que o convite que lhe é feito constitui uma honra para si e para o país. Não ponho isso em causa nem a legitimidade da opção que entender tomar. Mas a sua saída do Governo numa altura tão crucial, a meio do seu mandato, interrompendo o objectivo que se propôs de recuperar a confiança nas finanças públicas e na economia nacional, abre uma grave crise política e institucional que provocará uma enorme instabilidade no país. Por outro lado, não há memória de que nenhum outro primeiro-ministro em funções na Europa (até em países que não atravessam uma situação tão difícil como a nossa) tenha aceite demitir-se das suas responsabilidades políticas internas para aceder a convite tão honroso. Peço-lhe que reflicta nisso e nas suas responsabilidades, sendo certo que não deixarei de tomar a decisão que melhor salvaguarde os interesses nacionais e de dar conhecimento imediato dela aos portugueses».

Não acredito que se Sampaio tivesse tido um comportamento tão claro com Barroso, este alimentaria as ilusões que se conhecem sobre a aceitação pacífica do Presidente de uma sucessão ao gosto pessoal do primeiro-ministro cessante (ou de uma alternativa Santana Lopes). Além disso, Sampaio e Barroso deviam desde logo ter concertado a necessidade de ambos explicarem imediatamente ao país o que estava em jogo, assumindo cada um deles as respectivas posições e responsabilidades. Como nenhum deles o fez, Sampaio ficou prisioneiro das notícias entretanto divulgadas pelos media e Barroso tratou de apressar a sua fuga para Bruxelas.

Finalmente, não se compreendem os critérios selectivos das personalidades convidadas por Sampaio a deslocar-se a Belém para consultas (porquê Rui Machete, João Salgueiro, Miguel Cadilhe ou Artur Santos Silva, por exemplo, e não outros com semelhante estatuto?) Porquê tanto tempo para ganhar tempo e arrastar uma (in)decisão que poderia ter sido evitada se o Presidente tivesse ideias claras e não mostrasse um comportamento tão errático desde o início da crise?

Agora, com o país político dividido a meio e o país económico entregue a estados de alma contraditórios, qualquer solução será sempre uma má solução. Tudo porque Sampaio não confrontou visivelmente Durão Barroso com as suas responsabilidades. A partir de agora, o Presidente ver-se-á enredado e fragilizado na opção que acabar por tomar. O que se traduzirá inevitavelmente num enfraquecimento da sua autoridade institucional, com reflexos preocupantes na grave situação em que o país se encontra e na parte final do seu mandato em Belém.

Vicente Jorge Silva

Fatalidades mediterrânicas

Como toda a gente, fiquei triste por não termos sido campeões da Europa, até porque confiava que aquele início desastrado contra a Grécia nos levaria a aprender a lição e tirar conclusões para a final. Havia mesmo um elemento de superstição complementar: quem perde no princípio ganha no fim. E não é suposto, apesar das provas em contrário, que a história se repita duas vezes.

Mas o fado (esse fado mediterrânico que deveria funcionar a nosso favor, numa inédita coincidência circular a nível futebolístico) foi linear, repetitivo. Os gregos resgataram-se da sua secular vocação da tragédia e os portugueses morderam, novamente, o velho pó da sua melancolia.

Depois da onda crescente de euforia que nos transportou até ao jogo decisivo, confiantes no engenho de Scolari e no talento dos nossos jogadores, acabámos outra vez traídos por essa mistura fatal de auto-confiança e ansiedade mórbida que o calculismo greco-germânico aproveitou em pleno. Mas, para consolação nossa, sempre poderemos dizer que há males que vêm por bem.

O Euro 2004 tornara-se uma nuvem de fumo que servira para ocultar a fuga de Durão Barroso para a Europa. A partir de ontem, voltámos a cair «na real» e acordámos da ilusão que o futebol tece. Apesar da gravata às riscas verde-rubras do primeiro-ministro cessante, tornou-se claro que ele queria mesmo escapar de um clássico destino trágico à grega (mas, de facto, à portuguesa). Agora, a evidência está à mostra. Fatalidades mediterrânicas...

Vicente Jorge Silva