sábado, 2 de outubro de 2004

9000 atestados médicos

«(...) Fiquei algo magoado com o que escreveu no "post" com o título em epígrafe. (...) Concordo consigo que é absolutamente inaceitável que se tente a colocação de proximidade com atestados que afirmam, como li algures, que o portador sofre de alergia às proteínas do leite de vaca. Concordo consigo que quem escreve isto e quem disto se serve devem ser objecto de punição. Mas, por favor, resista à tentação fácil de meter tudo no mesmo saco. (...) Não enfio o barrete geral, estabeleça fronteiras, por favor!»
(Rui S. Santos, Médico de Família)

Comentário
Entre os 9000 casos haverá obviamente muitas situações justificadas. A condenação não pode ser geral. Mas enquanto a generalidade dos médicos e a sua Ordem continuarem a tolerar abusos profissinais e infracções deontológicas tão escandalosas como estas é o crédito público e o prestígio da profissão em geral que ficam afectados. Uma profissão que goza de poderes de auto-regulação e de autodisciplina e que não sanciona moralmente nem pune disciplinarmente os seus prevaricadores está condenada a ser genericamente enlameada pelas vigarices deles.

«A trapaça compensa?»

«Pela primeira vez desde o primeiro ano de trabalho, cerca de 24 anos volvidos, não fui colocado no quadro da zona pedagógica de Bragança. Do número 89 da lista graduada no ano lectivo anterior passei neste para cerca de 500. Razão: opus-me a usar métodos incorrectos, isto é, apresentar um atestado médico de uma doença incapacitante, como o apontam ter feito cerca de 70% dos meus colegas de 1.º Ciclo no distrito. (...) Colegas tão ou mais saudáveis, com muito menor graduação profissional, ultrapassaram-me. (...) Imperdoável! Do Ministério da Educação, a garantia de fiscalização redundou em nada, pois os destacamentos prosseguiram normalmente. O que interessava era começar o ano lectivo (...). Dos sindicatos nem uma palavra para esta abominável situação, numa atitude corporativista e intolerável. Da ordem dos médicos nem o mais pequeno passo para uma investigação, quando os indícios são mais que óbvios. Acresce o facto de (...) ser possível a recondução por um período de 3 anos dos docentes colocados neste ano lectivo o que poderá prolongar este atropelo e tornar a injustiça quase insuportável
A trapaça compensa? Este malfadado concurso de professores foi coroado por uma indignidade perversa (...).»

(José Alegre Mesquita, Carrazeda de Ansiães)

sexta-feira, 1 de outubro de 2004

"O princípio de Sócrates"

«(...) Hoje os políticos, na sua grande maioria, não se regem pelos princípios de que se dizem depositários e que tão alto apregoam. Regem-se pelo acesso ao poder, qualquer que ele seja e que possa estar ao seu alcance. Não há lugar a valores, quanto mais princípios sociais.
É por isso que uma renúncia ou demissão, como no caso de Vicente Jorge Silva, merece destaque, porque rara. É um acto nobre, mas que deveria ser normal quando há projectos diferentes. Provavelmente VJS advoga valores e trilha caminhos utópicos que não são compagináveis com a actualidade politica.
Não há lugar à saudável utopia que norteia um caminho. Há sim o navegar à vista para o porto mais próximo, desde que nesse porto se tenha abrigo (...); e há, também, o poder mediático criado para venda da comunicação social.
O "princípio de Sócrates", no seu realismo, arrola seguidores e esmaga (em termos de valores de votos) o último romântico e utópico, personalizado por Manuel Alegre. (...)».

(Rui S.)

O PS de Sócrates

A opinião de Vicente Jorge Silva na sua habitual crónica semanal do Diário Económico (link), também reproduzido no Aba da Causa (link na coluna da direita).

Entre a China e a prisão

Eis um contributo para uma reflexão de fim-de-semana sobre a sorte que nos poderá estar reservada.

Luís Nazaré

Nove mil !?

Nove mil -- isso mesmo, 9000 --, tal é o incrível número de atestados médicos que foram apresentados no recente concurso de colocação de professores, para obtenção de um "destacamento específico", por motivo de doença própria ou de familiar próximo. Obviamente a maior parte deles são fraudulentoss.
Quatro perguntas:
a) Que crédito merece hoje um atestado médico? Nenhum!
b) Como caracterizar um ministério que se propôs confiar em simples atestados médicos para uma questão tão grave? Incompetente!
c) Como qualificar uma "cultura cívica" em que tantos milhares de professores e de médicos se dispõem assim a vigarizar um concurso para obtenção ilícita de vantagens pessoais? Inexistente!
d) E como entender que todos os prevaricadores, nomeadamente professores e médicos, fiquem impunes? A impunidade é apenas uma faceta da generalizada irresponsabilidade nacional.

Recuperação de Kerry?

Visto de fora, o primeiro frente-a-frente entre Bush e Kerry foi claramente ganho pelo segundo, em todos os planos (clareza, consistência, políticas). É isso que dizem também os inquéritos de opinião nos Estados Unidos.
Poderá isto significar o princípio da recuperação de John Kerry nas intenções de voto, a um mês das eleições? Prouvera que assim fosse!

O teste de Lula

As eleições municipais no Brasil, cuja primeira volta ("primeiro turno", na nomenclatura brasileira) ocorre neste domingo, são o primeiro grande teste político para o PT e para o Presidente Lula da Silva. Caindo a meio do seu mandato, um sucesso eleitoral poderá abrir caminho para uma nova vitória presidencial em 2006; uma derrota poderia complicar tudo. As perspectivas do Governo são boas, com a economia a recuperar, as finanças públicas em bom estado, e algumas reformas em vias de realização. A tão contestada ortodoxia da política económica e financeira começa a render politicamente.
É certo que o PT pode perder algumas cidades muito importantes, como Porto Alegre e São Paulo (onde o "challenger" da actual prefeita Marta Suplicy, do PT, é José Serra, o candidato presidencial do PSDB derrotado por Lula). Mas ele vai seguramente aumentar substancialmente o número de prefeitos eleitos, ampliando muito a sua implantação nacional. Globalmente o resultado pode ser um sucesso.

Atolado na guerra do Iraque


(Fonte: The Economist)

É agora seguro que em 2005 haverá eleições parlamentares no Reino Unido. O Partido Trabalhista tem pela frente a possibilidade única na história de ganhar um terceiro mandato. Por outro lado, Blair precisa de uma vitória confortável, para ter alguma chance de poder vencer o já prometido referendo sobre a Constituição Europeia, sem o que o futuro desta ou da posição britânica na UE podem estar em risco.
Tudo pareceria apontar para uma nova e merecida vitória: economia de boa saúde, baixa taxa de desemprego, serviços públicos melhores do que antes, etc. A ajudar ainda o mau estado da oposição conservadora. Mas um espectro ameaça a felicidade trabalhista: a guerra no Iraque. A crescente condenação da guerra na opinião pública tem sido acompanhada pelo afundamento das intenções de voto no Labour (ver gráfico acima). Ora no Iraque as coisas não dão mostras de melhorar, antes pelo contrário...

quinta-feira, 30 de setembro de 2004

Criminalizar os cartéis?

No meu artigo de hoje no Diário Económico (link) abordo a hipótese da criminalização dos cartéis, que foi recentemente aventada pelo presidente da Autoridade da Concorrência. Como é habitual, o meu texto vai ser coligido também no Aba da Causa (link ao lado).

O inferno

Voltei a recordar as imagens que a TV italiana passou durantes os dias de cativeiro das duas Simonas: miúdos brincando à roda numa escola. Só que agora não foi uma jovem professora que foi raptada. Foram 37 crianças que hoje morreram trucidadas no Iraque. Muito mais do que aquela roda toda. E não haverá apelos, manifestações, negociações. É o horror a tornar-se trivial.

Centro & esquerda

A propósito das eleições no PS, Pedro Adão e Silva acha que o centro político é essencialmente um mito, não tendo sentido tentar construir uma alternativa política à direita mediante uma deriva centrista.
A verdade, porém, é que uma esmagadora maioria das pessoas se auto-posiciona globalmente entre o centro-direita e o centro-esquerda (podendo combinar posições mais à direita nuns temas e mais à esquerda noutros), havendo uma considerável proporção disponível para se inclinar eleitoralmente num ou noutro sentido, de acordo com o "mainstream" de cada momento e a capacidade de atracção de cada um dos dois grandes partidos. A questão importante, no que respeita ao PS, é saber se a tentação da conquista eleitoral do centro político é feita à custa de um discurso político oportunista (que pode pôr em causa o sucesso do próprio exercício) e/ou da alienação maciça do eleitorado de esquerda (o que se pode saldar num exercício de "soma zero"). Ganhar o centro sem perder a esquerda é o segredo e a arte do polissémico "centro-esquerda", que tanto pode significar o desvio da esquerda para o centro como a atracção do centro para a esquerda...

Privilégios (2)

Nenhuma situação corresponde melhor à noção de privilégio (= regalia, prerrogativa, isenção) do que aquela que permite à Igreja Católica beneficiar de um estatuto singular, acordado por si mesma, distinto da lei geral, ou seja, a lei da liberdade religiosa, que vale para as demais religiões.
A nova Concordata com o Vaticano, que prolonga e substitui o regime da Concordata de 1940, celebrada em pleno Estado Novo, é hoje aprovada na Assembleia da República numa sessão sumária, depois de ter sido negociada em sigilo, à margem de qualquer conhecimento da opinião pública.
Não se trata propriamente de um ponto alto do regime democrático.

"A Nobre casa de Guedes", ou o ministerial truque da ruína

Ao mesmo tempo que anunciava via Expresso o início da demolição de casas não licenciadas no parque natural da Arrábida (Setúbal), o mesmo ministro Nobre Guedes tratava de licenciar uma casa sua na mesma zona, construída supostamente em substituição de uma ruína preexistente no terreno. Ora, entretanto vem a saber-se que (ver aqui e especialmente aqui):
a) Não existe prova no processo administrativo de que a dita ruína ocupava uma área equivalente ou sequer próxima da da casa que veio a ser construída (supondo que as ruínas davam direito à nova edificação);
b) Existem pelo contrário fortes indícios (quer no terreno, quer, principalmente, em fotografias aéreas anteriores à construção da casa) de que uma minúscula ruína ocupava apenas um quarto da área da nova casa do ora ministro (aliás construída em sítio diferente...).
Se isto é verdade, então será de concluir que:
a) O ministro prevaleceu-se de falsas informações no processo de licenciamento;
b) Na falta dos pressupostos invocados, o licenciamento só pode ter sido dado por conivência ou favoritismo dos serviços do Parque e serviços municipais competentes;
c) A casa é afinal ilegal, por o licenciamento ser resultado de dolo do interessado;
d) E portanto, para ser coerente, o Ministro deve começar por mandar demolir a sua própria casa, antes das demais, para dar o exemplo.
Se não contraditar convincentemente os embaraçosos indícios contra ele existentes, o ministro coloca em causa a seriedade mínima que se exige a um membro do Governo da República. Poucas coisas são mais comprometedoras para a confiança democrática do que ver armado em justiceiro um ministro com "esqueletos no armário".

Privilégios

O Governo vai avançar finalmente com a introdução de portagens nas auto-estradas até agora gratuitas (as SCUT), garantindo porém uma isenção de pagamento aos residentes na respectiva região, num raio de algumas dezenas de quilómetros.
Como está escrito, sempre fui favorável ao pagamento de taxas de utilização em todas as auto-estradas, sem excepção. Mas a isenção anunciada para os residentes, embora seja obviamente destinada a "dourar a pílula" do fim da gratuitidade, levanta um problema de igualdade com os residentes próximos das outras auto-estradas, que não gozam de tal isenção. Por que é que os residentes de Coimbra, por exemplo, têm de pagar cada quilómetro nas duas auto-estradas que servem a região, enquanto os residentes em Aveiro podem utilizar gratuitamente, numa certa distância, as duas auto-estradas que também a servem agora? Ou há moralidade, ou as isenções devem valer para toda a gente nas mesmas condições, ou para ninguém.

Adenda
Pior do que errar é insistir no erro, como sucede com o PS, persistindo na manutenção das SCUT. Aparentemente a eleição de José Sócrates não modificou esta posição, embora não surpreendesse uma diferente sensibilidade à questão da racionalidade económica e da sustentabilidade financeira das auto-estradas de uso gratuito para o utente (mas de peso apreciável para o contribuinte...).
Impõe-se uma resposta à seguinte pergunta: se voltar ao Governo dentro de dois anos, o PS vai repor a gratuitidade dessas auto-estradas?

Old values die hard

Segundo informa o Guardian, numa votação realizada na conferência anual do Partido Trabalhista, 60% dos delegados votaram a favor da renacionalização dos caminhos de ferro. Para além de exprimir a grande insatisfação social com o mau desempenho dos transportes ferroviários desde a privatização, este resultado (que não tem obviamente efeitos vinculativos sobre o Governo trabalhista) revela que, pelo menos no Reino Unido, há antigos e arreigados valores do velho socialismo que resistem a morrer.

Imprevisibilidade

Ainda a propósito da Constituição Europeia ninguém parece ter ficado intrigado com a notícia dada pelo Expresso de sábado passado, segundo a qual o PSD estaria a considerar a hipótese de uma nova revisão constitucional para permitir sujeitar a referendo a aprovação do Tratado constitucional no seu conjunto, em vez de questões concretas nele contidas, como exige a Constituição portuguesa.
Ora, se nos lembrarmos que a CRP foi mudada há pouco, desde logo para a compatibilizar com a Constituição Europeia, sem que o PSD tivesse sequer sugerido a modificação do regime de referendo de tratados internacionais, só há duas explicações para essa estranha notícia (supondo que ela tem fundamento): (i) O PSD está a tentar encontrar pretextos para afastar ou pelo menos adiar o referendo; (ii) o PSD de Santana Lopes dá mostras de preocupante imprevisibilidade mesmo nas questões institucionais mais graves.

Adenda
Em artigo no Diário de Notícias de ontem (de que me não dei conta), Jorge Bacelar Gouveia, conhecido militante do PSD, vem tentar justificar a pretendida excepção deste referendo. Mas é tudo menos convincente. Para além da quebra do princípio constitucional, que é grave em si mesma, as dificuldades invocadas em relação à formulação da(s) pergunta(s) do referendo sobre a Constituição europeia podem surgir no referendo de quase todas as leis e tratados internacionais.

O Presidente pelo "sim"

Pela segunda vez em poucos dias o Presidente da República fez questão de pôr em relevo a importância da Constituição Europeia e de tornar pública a sua intenção de apoiar activamente o sim no previsto referendo do próximo ano sobre ela. Isto quer dizer duas coisas: (i) que Sampaio já decidiu convocar o referendo que lhe vai ser proposto pela Assembleia da República (mas que só a ele compete convocar); (ii) que ele não vai manter-se fora do debate, anunciando desde já uma intervenção activa pela aprovação do Tratado (o que quer dizer que o Presidente não considera aplicável aos referendos a regra constitucional sobre a imparcialidade das entidades públicas em processos eleitorais...).

quarta-feira, 29 de setembro de 2004

O Curriculum

Quem já fez ou já teve de ler um Curriculum vitae profissional ou académico sabe que são sempre textos longos e aborrecidos, meros registos telegráficos de diversas actividades soltas. Ou pelo menos quase sempre.Ontem e hoje participei nas provas de agregação de um professor da Escola Nacional de Saúde de Pública, Constantino Sakellarides . O seu CV era uma história de vida, de uma vida especialmente rica e movimentada, tão interessante que lhe foi recomendada a sua publicação imediata. Não resisto em registar (com a autorização do autor) uma pequena passagem de abertura (o título é meu).

COMO A ÁFRICA E A GRÉCIA VIVERAM MISTURADAS

"Nasci em Lourenço Marques (agora Maputo). O meu pai nasceu no Norte da Grécia. Emigrou com a família para África ainda era criança; a minha mãe nasceu no Cairo, também de origem grega. Deles recebi, para além de uma infância relativamente despreocupada e dos afectos que me fazem recordar com prazer esse desafogo, conhecimentos e gostos próprios da sua cultura - a língua, os sabores, laços familiares dispersos e distantes - fragmentos de reminiscências de outros tempos e lugares, destinados a ligar com algum sentido o presente ao passado. Daí vieram também as histórias da emigração, premiando tudo o que fosse esforço para superar as limitações das origens e justificar os sacrifícios do exílio, assim como alguma disposição para aceitar com alguma naturalidade os desafios de novos ambientes e circunstâncias. (...)
No decorrer dos anos, voltei, por vezes, a olhar, com mais distanciamento, para o que era a vida em Moçambique nos anos 50 do século passado (...). Foi como se aquela ilha de algum desafogo e inocência em que crescemos, nos tivesse emprestado um pequeno capital de utopia e encantamento em relação à vida e ao futuro, porventura próprio daqueles que um dia, nos primeiros anos, puderam sonhar sem ameaças e fantasiar sem sofrimento.
"

Constantino Theodor Sakellarides, CV, 2004

A Itália saiu do pesadelo

Quando na quinta-feira passada desembarquei em Roma, o destino das duas Simonas (Simona Pari e Simona Torretta) era o tema exclusivo de conversa em todo o lado. Tão paralisante era o choque dos italianos, considerando as notícias de um possível linchamento do dia anterior, que o Presidente se viu obrigado a fazer a um apelo: preocupem-se, mas por favor não deixem de trabalhar!
Bonitas, jovens, com espírito missionário - uma delas trabalhava no apoio a crianças iraquianas desde 1994 (as imagens da rodinha no recreio passavam repetidamente na TV) - tudo nos conduzia ao arrepio. Rapidamente todos nós, os que chegámos de fora, nos transformámos em italianos. Ontem, um final feliz e uma sensação de alívio. Coisa rara, no que ao Iraque diz respeito.

Maria Manuel Leitão Marques

Elogio das origens

«Estes nossos políticos não param de me surpreender. Desta vez, foi o doutor Relvas, Secretário-Geral do PSD, [que] elogia José Sócrates (será elogio?), dizendo que, "o facto de ele ter militado na JSD é uma prova da grandeza dos sociais-democratas".
Senhor Doutor Relvas, por essa ordem de ideias, será que, "o facto de Durão Barroso ter militado no PCTP/MRPP é uma prova da grandeza dos maoistas"?»

O princípio de Sócrates

Embora com atraso (há dias em que não sobra um minuto para o blogue...), aqui fica notícia do meu artigo de ontem no Público, com o título em epígrafe (também coligido no Aba da Causa: link na coluna da direita).

segunda-feira, 27 de setembro de 2004

PS sobre demissão do PS

Com a generosidade que lhe é peculiar (e com a compreensão que lhe advém de ter tido uma experiência de vida partidária muito mais intensa do que a minha) o Vital Moreira tem vindo aqui a defender a legitimidade da minha demissão do PS e a minha permanência como deputado independente no Parlamento. Gostava apenas de acrescentar um ponto: quando me inscrevi no PS, na sequência das eleições de 2002,acreditei sinceramente que o processo de renovação anunciado por Ferro Rodrigues poderia conduzir a uma mudança no modo e na lógica de funcionamento de um partido que representa em Portugal a esquerda democrática, espaço onde sempre me reconheci. A desilusão que experimentei com aquilo que depois se passou só me compromete a mim (embora o autismo com que Ferro geriu o partido e a campanha miserável de que ele foi alvo no processo Casa Pia tenham contribuído para esvaziar aquilo que havia de genuíno no seu propósito inicial).

Há muito que me sentia incomodado, desconfortável e estrangeiro como militante partidário. Não saí antes por duas razões. Porque não quis que o meu gesto fosse interpretado como uma falta de solidariedade para com Ferro (que sempre apoiei expressamente, durante essa campanha miserável, como tantas vezes deixei claro neste blogue). E porque não desejei ir a reboque do seu gesto de demissão de secretário-geral (por razões que politicamente não me pareceram aceitáveis, nos termos e no contexto em que ele as colocou). Saí do PS na véspera de ter começado um novo ciclo na vida do partido e antes de serem conhecidos os resultados da eleição do novo secretário-geral. Um novo ciclo que já não tinha nada a ver com a situação, o momento e as razões que me haviam levado à filiação. É certo que nunca deveria ter dado esse passo inicial, pelas razões que avanço na minha carta de demissão aqui divulgada, mas isso não significa que não devesse corrigi-lo. Foi o que, em consciência, fiz.

Vicente Jorge Silva

PS: lições de uma vitória

O resultado das eleições para secretário-geral do PS surpreendeu toda a gente, incluindo o próprio vencedor. Ora, a dimensão «soviética» do triunfo de José Sócrates revelou, quer se queira quer não, a realidade profunda do que é e do que pretende essa entidade difusa chamada Partido Socialista. Também eu, confesso, me deixei iludir sobre a contradição entre o corpo e a alma do partido -- entre o funesto e terrível aparelho e os puros e generosos militantes. Sejamos francos: essa divisão é um puro produto da nossa imaginação ou das fantasias ideológicas e míticas que projectamos (como fez e insiste em fazer Manuel Alegre).

O esmagador triunfo de Sócrates não se explica por uma qualquer chapelada eleitoral, mas porque é um retrato do que é e do que visa o PS, este PS (e não há outro, pelo menos por enquanto -- e por muito que isso que nos desgoste). Um partido em que o apelo e a nostalgia do poder e do governo, em que o chão pragmatismo dos objectivos a curto prazo (o comércio de influências e mordomias do «centrão» político) são incomparavelmente mais fortes do que qualquer paixão ideológica ou firmeza de convicções na defesa de um quadro de valores históricos da esquerda democrática. Devemos chorar por causa disso ou extrair, de uma vez por todas, as necessárias ilações?

Vicente Jorge Silva

Medicamentos genéricos e monopólio das farmácias

«(...) Porque será que NINGUÉM se preocupa com os "métodos" que são usados para divulgar os medicamentos genéricos?
Em vez de serem preferencialmente promovidos junto dos médicos, são "promovidos" nas farmácias em campanhas tipo "Leve 10 e paga 3... ou se comprar 10 ainda lhe oferecemos 5 destes + 3 daqueles + 4 de outros". Este tipo de campanhas (à dúzia é mais barata) que todos conhecem a não ser a Ordem dos Farmacêuticos não incomoda ninguém, nem têm qualquer significado... quanto à QUALIDADE ?
Se a Farmácia não fosse um monopólio do sistema corporativo em que ainda se vive neste sector, acha que os (i)responsáveis pelo medicamento ignorariam tudo isto? Qual a diferença entre a ANF e a Ordem ? São sempre os mesmos, só rodam entre si, não é?
Para os liberais e sobretudo para os ultra liberais do governo, incluindo A. Mexia, que defendem todos os dias que a indústria privada deve resolver os seus próprios problemas, a única indústria que "não deve ser liberal nem privada" é o fornecimento de medicamentos? Será que existe algum sector produtivo onde haja maior regulamentação do que neste sector?
(...) Sabe quando custa a distribuição nas farmácias, mercê do actual monopólio? Qual o sector empresarial onde o Estado "garante" cerca de 30% de margem de comercialização? Será por isso que o trespasse de uma farmácia chega a custar mais de 500.000 CONTOS!!!»

(Nelson H.)

saudade nossa

Já sei que o próximo comentário me valerá, pelo menos, uma semana de correio insultuoso (de "graxista" para baixo). Contudo, acho que é tempo de o fazer, passados 10 meses desde o início do CN e pelo menos um ano desde as primeiras conversas em que tive oportunidade de conhecer as pessoas do cabeçalho.
Nunca, desde o primeiro encontro, senti em relação a mim algo que teria achado perfeitamente natural da parte deles: condescendência e/ou paternalismo. O que seria tão absolutamente normal (e até próprio da condição humana) se pensarmos que sou, na idade e em tantas coisas mais, o benjamin do grupo. Nunca. E se faço este carinho aos meus companheiros cá de casa, é sobretudo porque já não nos vemos todos desde a nossa Festa do Solstício.
Esta noite, ao jantar, conto mitigar as saudades.

mais um dia nas URGÊNCIAS

"Status quo ante"

Houve quem criticasse Vicente Jorge Silva por se ter desfiliado do PS mantendo-se na AR como deputado independente. Para um juízo isento, parece-me útil esclarecer que: (i) Vicente foi eleito como independente nas listas do PS e só depois se filiou no partido, voltando agora à situação originária; (ii) existem outros deputados independentes eleitos nas listas do PS, que mantêm esse estatuto.

Ninguém explicou ...

... à novel Ordem dos Enfermeiros que as ordens profissionais não possuem funções sindicais e que não podem utilizar nem discutir a utilização de greves ou outros meios de luta sindical para promover interesses colectivos dos seus membros?