quinta-feira, 1 de setembro de 2005

E o candidato que falta é...

Já existe uma sugestão para o papel de "candidato-fantasma" da direita à direita de Cavaco Silva; é Paulo Portas, diz um comentador preocupado com a falta de comparência do CDS nas presidenciais.
Acho pouco provável, porém. Primeiro, porque quem deixou a política daquela maneira há seis meses não pode regressar assim; depois, porque não é fácil ver Portas no papel de "batedor" do seu eleitorado para a rede de Cavaco Silva...

Correio dos leitores: Eleições presidenciais

«No texto «Apoios» que publicou no «Causa Nossa», refere os apoios já anunciados às eventuais candidaturas presidenciais de Cavaco Silva e de Mário Soares, estabelecendo uma comparação entre os mesmos. Tal exercício, apesar de redutor (nesta fase), é perfeitamente legítimo, e percebo o objectivo.
Contudo, recorda-se certamente dos inúmeros intelectuais e artistas que apoiaram Maria de Lourdes Pintasilgo em 1985/86 e da percentagem de votos que a sua candidatura (infelizmente) obteve. Dito isto, não quero deixar de referir que sou de esquerda, que sentiria um enorme orgulho em ver um homem como Manuel Alegre na Presidência da República e que, com a sua desistência de Manuel Alegre (...), provavelmente votarei em Mário Soares (que, em minha opinião, foi um excelente Presidente da Republica).»

Carlos Azevedo

Comentário
O problema não é a falta de pessoas à esquerda que dariam excelentes presidentes da República. Há várias. O problema está em conseguirem ser eleitas (o que não seria seguramente o caso de Manuel Alegre). Se Soares o consegue ou não, quem o pode assegurar? Oferece pelo menos boas perspectivas de o ser...

quarta-feira, 31 de agosto de 2005

O regresso

Soares é fixe!

Lugares de encanto

«Anywhere on the coasts of Asia, America and Africa you can find a fort, a church, a geographical name or a family name, that come from Portugal». Assim começa a introdução a um website sobre a história colonial holandesa e portuguesa, com muita informação histórica (cuja qualidade não sou competente para avaliar) e muitas ilustrações dos monumentos e dos vestígios da presença colonial portuguesa.
Quem se sente atraído pelo Brasil colonial ou pelo antigo Oriente português -- como é o meu caso --, dará por bem empregue a visita a este site.

Cada um no seu papel

É bem-vinda a anunciada revisão da política de imigração, atenuando o excessivo restritivismo das opções tomadas no Governo anterior, que o PS censurou na altura própria. Mas será que cabe ao director-geral do serviço de Estrangeiros e Fronteiras "anunciar" essa importante mudança de políticas? Ou é ao Governo, e ao ministro competente, que incumbe esse papel?

Uma revolução improvável

Acabo de ler Gente do Milénio, de J. G. Ballard, livro que recomendo com entusiasmo. O que aconteceria se, de repente, a classe média resolvesse fazer uma revolução para pôr em causa o equilíbrio estabelecido e a sua vida de aparente comodidade? Uma viagem ao nascimento de uma conciência de classe e de uma revolta improvável. Um aviso: se a ficção se transformasse em realidade eu estaria ao lado dos contra-revolucionários.

A desistência de Alegre

O discurso de Manuel Alegre foi uma traição ao seu passado. O que disse de Soares, e a forma como o disse, é reveladora de um autismo agudo. Perturbante, sem dúvida, mas revelador. Tudo o que disse sobre o passado de Soares, directa e indirectamente, disse-o também sobre si próprio. Aparentemente não o terá percebido. E ainda com uma agravante. É que Soares está afastado da vida partidária, que Alegre responsabizou pela decadência da República, há vinte anos e o poeta continua embrenhado nas questões dos partidos e da política que diz execrar.
Hoje Soares terá o seu primeiro banho de multidão. Em casa, já mais calmo, Alegre deverá meditar sobre o que disse e a forma como o disse. Ontem à hora dos telejornais mais pareceu um amante despeitado pela traição a confessar os seus psicodramas num qualquer reality show.

"Distinguo"

Não, Paulo Gorjão, eu não condenei a campanha para exigir a publicação, para além dos já conhecidos, dos estudos que fundamentam os investimentos no novo aeroporto internacional de Lisboa e do TGV (eu próprio critiquei aqui o inexplicado adiamento da sua divulgação). (Julgo, aliás, que não são questionáveis as minhas credenciais pessoais em questões de exigência de transparência e "accountability" do poder político...). O que eu censurei foi a condenação liminar desses mesmos investimentos por parte de muitos dos que integraram essa campanha (nem todos, valha a verdade), mesmo sem conhecimento dos estudos que eles próprios reclamam. É completamente diferente.
Se, desde então, tenho vindo a apontar casos de grandes investimentos públicos em infra-estruturas que não têm levantado a oposição nem suscitado a reclamação do mesmo escrutínio por parte das mesmas pessoas, tal visa obviamente pôr em relevo a inconsistência e o uso de "double standards" por banda de muitos dos militantes anti-Ota e anti-TGV. Do que se tratou não foi de um caso de "vigilância aleatória", mas sim de "vigilância selectiva", o que, de novo, não é a mesma coisa.

Isolamento

Entre os argumentos para a sua desistência Manuel Alegre mencionou o de não querer provocar uma "fractura no PS" (consequência que também eu admiti há dias, como razão para ele não se candidatar). Contudo, à vista dos escassíssimos apoios que ele encontrou no PS desde o seu "apelo" de Faro, mesmo no sector minoritário que ele representou na luta pela liderança interna do partido (só Maria de Belém e José Leitão apareceram em Viseu, e não se sabe se o acompanhariam na sua aventura...), parece evidente que a consequência mais provável de uma hipotética candidatura seria o seu confrangedor isolamento.
É mesmo muito provável que tenha sido essa constatação de desamparo a razão decisiva para o seu recuo, o que aliás lhe retira a dimensão "sacrificial" e a grandeza que o próprio lhe quis emprestar. E o ressentimento que trasnpareceu nas suas referências a Soares só o apoucam a si próprio, culminando sem elevação nem brilho este malogrado episódio da sua vida política.
(revisto)

Apoios

Reina nos meios hostis à candidatura de Mário Soares uma esperança de que ele não conseguirá reunir desta vez o opoio de personalidades públicas com o peso e amplitude das suas candidaturas de 1986 e 1991. Ora, deixando de lado o facto de em 1991 o PSD o ter apoiado (para se poupar uma derrota humilhante), não sendo de esperar que muitas pessoas dessa área surjam agora ao seu lado, ninguém pode duvidar, porém, de que Soares goza de uma inigualável capacidade de atracção no campo da cultura, das artes, da literatura, da ciência, do trabalho, etc., que em muito supera o previsível maior apelo de Cavaco Silva entre empresários e gestores. O que, aliás, corresponde ao diferente perfil, humano e político, dos dois candidatos: "diz-me quem te apoia, dir-te-ei quem és»...

Adenda
O facto de os primeiros grandes nomes de apoiantes anunciados serem o empresário Belmiro de Azevedo, no caso de Cavaco Silva, e os cientistas Manuel Damásio e Sobrinho Simões, no caso de Mário Saores, não poderia ser mais expressivo dessa substancial diferença de perfil, e da própria imagem que os candidatos querem transmitir.

Desconsolo

Com a desistência -- embora em termos arrevesados -- da sua putativa candidatura presidencial, Manuel Alegre deixou desconsolada a direita, como se vê nos seus blogues mais representativos, onde granjeou uma data de súbitos e interesseiros "admiradores". Como era de esperar, prevaleceu o bom senso.

Correio dos leitores: Fogos florestais

1. «Espero que no estudo que exige [sobre a aquisição pelo Estado de meios aéreos de combate a incêndios florestais] sejam considerados os militares da Força Aérea Portuguesa, bem como os do Exército, que custaram milhares de Euros em formação e que estão em vias de perderem (alguns já as perderam) as licenças, por não estarem a cumprir os mínimos obrigatórios de voo.
Espero igualmente que sejam considerados os benefícios da utilização desses meios aéreos no combate ao contrabando, ao tráfico de droga, ao salvamento e prevenção tanto em terra como no mar (só para dar alguns exemplos).
Esses meios aéreos terão rentabilização nos doze meses do ano e não somente na "época oficial dos fogos" e serão também objecto de trabalho português tanto nas oficinas de material aéreo como na formação de especialistas de manutenção. (...)»

Luís Novaes Tito (http://tugir.blogspot.com)

2. «A sua pergunta [sobre as vantagens de meios aéreos públicos] tem pertinência e confesso-lhe que eu suspeito que a resposta será "sim". Se os meios aéreos estiverem confiados a organismos públicos - forças militares, p.e. -, creio que a eficácia será bem maior se, para além do combate directo do fogo, lhes forem cometidas as acções de vigilância. E se assim se evitar a propagação de incêndios (dificilmente se evitará o seu início porque hoje até com um telemóvel será possível provocar incêndios), creio que, pelo menos teoricamente, contabilizados os custos e os prejuízos, (a ausência deles), o saldo será positivo.(...)»
(Agostinho Pereira)

3. «Se o Estado quer estimular a limpeza das florestas, não deveria também promover a criação de centrais térmicas com ramas e lenha miúda como combustível, estrategicamente localizadas nas regiões de floresta, para tornar menos onerosa a "limpeza" e compensar a factura energética importada?
Facilitaria a vida aos que querem e não podem ou não sabem como.»

Henrique C. Mota

terça-feira, 30 de agosto de 2005

Sobre a traição

Manuel Alegre é um poeta importante. A sua extraordinária voz foi um instrumento que se instalou nos corações de quem sonhava um país diferente. Muitos corações pareciam estar sintonizados na Rádio Voz de Argel e na voz que era o mapa imaginário de todas as utopias.
Depois de 1974 o poeta quis contribuir de forma directa. Além das palavras escritas e ditas entrou para o palácio onde se negoceiam compromissos que, tantas vezes, são contraditórios com a utopia de que era profeta. Alegre tornou-se um aliado de Mário Soares, um amigo próximo, a prova de que o líder histórico do PS, apesar do canto doce do poder, continuava a ser uma espécie de cavaleiro da esperança.
Soares tinha uma voz romântica como alterego, Alegre ganhava um palco de acção. Na verdade, a carreira política de Alegre deve-se a Mário Soares. Sem ele Manuel Alegre não existiria. É por isso que este amuo vaidoso do poeta de Argel é uma traição ao seu passado. Se avançar, coisa em que não acredito, terá que se dilacerar com a culpa de ter avançado.
Alegre pode gostar de D. Quixote, rever-se inclusive na extraordinária figura de Cervantes. Mas o que está a fazer não é digno de um fiel escudeiro que, pelos vistos, tem agora como aliado mais próximo o espelho enfeitiçado da bruxa das histórias de infância. Os apoios que diz fantasiosamente ter tornam-no num personagem menor. E Alegre não merece isso.

Não podia ser melhor, a notícia...

... do regresso do Luís Osório às lides do Causa Nossa (ver post precedente), depois da sua passagem pela direcção de "A Capital". Bem-vindo, Luís!

Regresso

Regressado de um pequeno exílio é tempo de aceitar o repto dos meus companheiros de Causa. Voltar a casa e à segurança dos afectos. A partir de hoje aqui estarei junto dos que caminham na mesma estrada.

Luís Osório

"Perfeita comunhão" de ideias?

Relata o El País de ontem:
«El Papa Benedicto XVII y el líder del movimiento ultraconsevador Fraternidad de San Pío X, fundado por el arzobispo rebelde francés Marcel Lefebrve, han expresado hoy su deseo de trabajar juntos para terminar con los 17 años de cisma en la Iglesia Católica y llegar a una "perfecta comunión", durante un histórico encuentro en la residencia de verano del pontífice.»
Esta inesperada aproximação entre o novo Papa e o sector mais reaccionário da Igreja, conhecido pela sua oposição fanática ao espírito do Concílio Vaticano II e cujos líderes foram excomungados em 1988, pode ser um elemento crucial na confirmação das tendências conservadoras do novo pontífice, dando razão aos piores receios antes expressos a esse respeito pelos sectores mais liberais e mais ecuménicos do catolicismo.

O Estado-paga-tudo

«Secretário de Estado garante CRIL até ao final da legislatura».
Eis aqui um investimento em infra-estruturas de transportes que não incorre na ira da LCGIPIT, ou seja, a "Liga Contra os Grandes Investimentos Públicos em Infra-Estruturas de Transportes" (ou não tivesse lugar em Lisboa...) Tampouco colhe a minha oposição, tão evidente é a sua necessidade. Mas sempre me interrogo sobre que critério é que distingue, nos investimentos de transportes urbanos, os que devem caber aos municípios beneficiários e os que devem incumbir ao Estado. Por que é que a CRIL (mas a pergunta pode fazer-se em relação a outras obras noutras cidades) é responsabilidade do Estado? A descentralização não vale nas infra-estruturas rodoviárias urbanas? Custa muito dinheiro, logo paga o Estado?

Como é possível?

«Fisco deixa caducar imposto de 800 000 euros» -- se esta notícia (link por via do Diário da República) tiver fundamento, não haverá ninguém que responsa pelo prejuízo causado ao Estado? Será que já caducou o regime da responsabilidade civil e disciplinar dos funcionários públicos? E como é que certas pessoas gradas conseguem estar entre os beneficiários destes "esquecimentos" do Fisco, apesar do gritante montante dos impostos em dívida, enquanto noutros casos não se poupam esforços nem despesas para cobrar míseras quantias em falta?

É a minha vez...

...de exigir ao Governo um estudo prévio de impacto financeiro sobre a anunciada aquisição, pelo Estado, já para o ano que vem, de meios aéreos próprios de combate a incêndios (em vez de os alugar), o que significa não só comprá-los (e pagá-los), mas também mantê-los durante todo o ano (para servirem dois meses) e recrutar e treinar os seus tripulantes e pessoal de apoio, etc. Era uma ideia tradicional do PCP.
Julguei que estávamos em tempo de contenção das tarefas directas do Estado e do pessoal do sector público, em favor da "externalização" de tarefas de execução para operadores privados (substituição do Estado operador pelo Estado comprador de serviços). Afinal, em que ficamos?

Estado a menos

A questão dos fogos florestais tornou mais evidente que: (i) a propriedade privada e o mercado não garantem um ordenamento racional da floresta; (ii) o interesse privado não assegura a prevenção dos fogos florestais (nem o combate contra eles); (iii) a garantia de rendimentos privados implica enormes, e desproporcionados, custos públicos; (iv) a resposta ao flagelo impõe a intervenção do Estado, restringindo mais ou menos severamente o uso da terra para efeitos florestais ou impondo obrigações onerosas aos proprietários florestais.
Para desconforto dos ultraliberais, existem áreas onde há Estado a menos, e não a mais...

Correio dos leitores: Fogos florestais

«(...) Que influência tem para a degradação da situação o facto de a floresta portuguesa ser sobretudo privada (cerca de 95%) enquanto, por exemplo, na América é sobretudo pública, o mesmo acontecendo em países europeus, como a Alemanha? Fará algum sentido na actual situação falar de um recurso estratégico? Será possível existir uma política florestal, fundamentalmente determinada pelos poderes públicos, quando a posse da floresta é sobretudo privada?
Que influência tem a nossa política de Parques e Reservas, com uma manifesta escassez de afectação de recursos e uma "sacralização" da natureza que impede até trabalhos de limpeza e de abertura de acessos, como tem sido denunciado pelos bombeiros, para a actual situação? Até que ponto essa política, contrariamente aos seus objectivos iniciais, não alterou a forma de ocupação do território, substituindo os pequenos agricultores, que praticavam uma agricultura de subsistência e tratavam do território, por urbanos domingueiros e veraneantes -- os da segunda habitação --, cuja relação com o território é puramente lúdica, não envolvendo o trabalho e a atenção que ele exige?

José Carlos Guinote (http://pedradohomem.blogspot.com)

Correio dos leitores: Contra a despenalização do aborto

«(...) Susan J. Lee, uma das autoras do estudo [sobre a ausência de dor no feto até um estádio tardio da gestação], é aluna de medicina e antiga empregada da NARAL (http://www.naral.org/). Uma das principais médicas investigadoras, Eleanor Drey, é directora de uma clínica de aborto em S. Francisco e faz parte do Center for Reproductive Health Research and Policy um lobby "pro-choice" da universidade da California. A própria editora da revista em que o "estudo" foi publicado afirmou que, se soubesse dos conflitos de interesse, não os teria publicado.
(...) Isto tudo para não falar no facto de me parecer completamente indiferente a possibilidade do feto sentir dor, em relação à moralidade ou não da IVG/Aborto.»

Filipe d'Avillez

Comentário
1. Mesmo que entre os investigadores do controverso estudo se contem algumas pessoas com possível interesse nas conclusões, isso não basta para aniquilar o resultado: é preciso refutar os seus dados...
2. Se as conclusões do estudo não forem refutadas, cai por terra esse argumento, que se inclui entre os usados nos Estados Unidos contra o direito à realização de abortos tardios (o que não sucede aliás na Europa, onde os prazos da licitude do aborto são em geral muito curtos, e onde tal problema nem sequer se chega a colocar).
3. Na questão da despenalização do aborto é irrelevante a sua "moralidade, ou não" (mesmo que não houvesse alguma relatividade nisso, conforme as circunstâncias de cada caso). São duas ordens diferentes. Há muitas coisas "imorais" que não são crime.

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Nem as pensam...

Lê-se no "lead" de uma reportagem de Alexandra Lucas Coelho, sobre a situação na Palestina, hoje no Público (link disponível só para assinantes):
«Cisjordânia cortada ao meio. Palestinianos de Jerusalém num gueto. É o que resultará da expansão do colonato Ma"ale Adumim, uma bolha maior que Telavive. É para ligar a Jerusalém, é para sempre, confirma Sharon.»
Poucos dias depois da retirada de Gaza, ficam claros os verdadeiros propósitos de Israel: intensificar a colonização da Cisjordânia. E depois desta "declaração de guerra", ainda querem que os palestinianos abandonem a resistência contra a ocupação e aceitem aplicadamente a anexação das suas terras? E que se resignem a ver sobrar para eles o semideserto de Gaza e uns "bantustões" na Cisjordânia?
Ensandeceram!

Aditamento

«Enquanto 8 500 Israelitas deixaram Gaza, foram 12 000 os que se instalaram na Cisjordânia em menos de um ano» (Le Monde de hoje).

O candidato-mistério

Se, por um lado, as fortes candidaturas do PCP e, espera-se, do BE empurram virtualmente Mário Soares para o centro, permitindo-lhe lutar favoravelmente por esse eleitorado decisivo, elas também tornam mais visível a falta de candidatos à direita de Cavaco Silva (da área do CDS, concretamente), o que contribui para o tornar como "o" candidato de toda a direita, diminuindo o seu apelo ao centro. Fica assim em cheque a estratégia que ele vinha ensaiando tentativamente de se apresentar como candidato de largo espectro, desde a direita ao centro-esquerda, contra adversários previsivelmente bem encostados à esquerda (do BE, do PCP e presumivelmente Manuel Alegre, como se perspectivava antes de Soares).
Ou eu me engano muito, ou ainda assistiremos ao oportuno aparecimento de um candidato assumidamente à direita de Cavaco Silva (se necessário com assinaturas proporcionadas por apoiantes deste...), que cumpra nessa área o papel dos candidatos do PCP e do BE à esquerda de Soares. O problema é encontrar uma pessoa disponível e credível para o efeito...

Descuido

No seu comentário político dominical, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou compreensão pela "corrida" à aposentação de funcionários públicos que preenchem os respectivos requisitos à face da lei actual, pelo facto de alegadamente o novo regime legal implicar para eles um regime menos favorável. Ora, não é assim, pois quem já atingiu as condições para a reforma mantém esse direito para o futuro, nas mesmas condições, independentemente do momento em que decidir fazê-lo. Mais um dispensável descuido de informação...

Diz quem sabe

«Os ministros das Finanças das maiorias PSD/PP foram os responsáveis pela instabilidade criada na CGD, por falta de competência técnica e por incapacidade de actuarem como accionistas. A dr.ª Ferreira Leite apadrinhou um modelo para a CGD que não fazia qualquer sentido...» (Mira Amaral, antigo ministro do PSD e ex-administrador da CGD, em declarações ao Diário de Notícias).

domingo, 28 de agosto de 2005

O referendo

Não considero fundada a tese de que, ao propor a convocação do referendo da despenalização do aborto para depois das eleições autárquicas, a intenção do PS é «atrapalhar» a candidatura presidencial de Cavaco Silva.
Primeiro, o PS já propôs, há vários meses, a realização do referendo antes do Verão (tendo essa proposta sido rejeitada pelo Presidente da República); e anunciou logo nessa altura o propósito de revalidar a proposta de referendo no início da nova legislatura, em Setembro. Portanto, o que os factos indiciam é que se trata de uma questão a que o PS atribuiu grande prioridade desde o princípio, independemente das eleições presidenciais, que até agora estavam fora da agenda política. (Além da sua importância intrínseca, o tema da despenalização do aborto pode "desviar" os eleitores de outros temas adversos ao Governo, como as medidas de austeridade, a situação económica e, nessa altura, o orçamento para 2006...).
Segundo, não vejo em que é que o referendo pode atrapalhar Cavaco Silva. Não é precisa grande imaginação para ele encontrar uma saída assaz airosa: «Como candidato a PR entendo não dever participar no debate referendário, nem pronunciar-me sobre o tema, até para não influenciar os meus possíveis eleitores, e garanto obviamente que, se for eleito PR, respeitarei e farei cumprir, na parte que me tocar, o resultado do referendo, qualquer que ele seja». É o que se chama "dar a volta por cima"...

Correio dos leitores: Fogos florestais

«(...) O meu pai tem 97 anos. Na sua folha de cadastro tem 37 prédios rústicos espalhados por 2 freguesias. Destes, cerca de 60% são charnecas (matos e pinhais); os restantes ex-terras de cultivo. A dimensão média de cada prédio é seguramente inferior a um hectare (o prédio maior tem 22 000 metros - 2.2 hectares). Eu sou filho único (futuro herdeiro?) e deixei a casa de meus pais há mais de 40 anos para desenvolver a minha vida em Lisboa. Neste momento todas as terras se encontram há longo tempo abandonadas. Mas serão só as da minha família? Infelizmente não: todo o concelho -- Pombal, um dos mais atingidos pela emigração nos anos 60 e 70 -- está assim. Tenho a quem ceder o cultivo? Mesmo gratuitamente? Não, e isto porque, bem vistas as coisas, é difícil encontrar alguém que viva exclusivamente da agricultura (...). Então a solução é vender. Mas a quem? (...)
Quais os rendimentos que um cadastro assim gera? As terras de cultivo só geram silvas e mato: rendimento zero; os pinhais sempre geram algum pequeno rendimento mas muito longe daquele que seria necessário para os manter limpos. (...) Será que para se cumprir a obrigatoriedade de limpeza das propriedades da minha família (como falou o Senhor Presidente da República) tenho de vender a minha casa de Lisboa onde vivo com a minha família para pagar os custos? (...)
Certamente que tem de haver uma solução para este problema nacional cujas causas têm a ver com a desertificação rural ocorrida nos anos 60 e 70 e com as alterações do modo de vida ocorridas desde então: Onde estão os rebanhos de cabras e ovelhas que devastavam os matos? Onde estão as pessoas que disputavam a lenha nos pinhais para cozinhar regularmente e guardar para o Inverno? Onde estão os camponeses que roçavam (e até compravam ) os matos para os currais do gado e que depois eram o fertilizante da terra ? (...)»

Fernando Abreu

sábado, 27 de agosto de 2005

"Free rider"

«Ribeiro e Castro acha que Cavaco tem perfil desejado para PR.» Ora qui está quem poupa problemas nas eleições presidenciais. A oportuna boleia de um possível candidato vencedor esconde a evidência das fraquezas próprias. Resta saber se o beneficiário não preferiria que o CDS contribuísse com uma candidatura própria...
(revisto)

Manuel Alegre

A poucos dias do lançamento oficial da candidatura de Mário Soares -- com o apoio oficial do PS --, as declarações de Manuel Alegre, no Expresso de hoje, a manter em aberto a possibilidade de se candidatar, com decisão definitiva somente depois das eleições autárquicas, só podem ser produto, na melhor das interpretações, de uma incomensurável teimosia romântica.
Manuel Alegre poderia ter predeterminado os dados das eleições presidenciais à esquerda, se, à maneira de Sampaio dez anos atrás, tivesse avançado decididamente para a candidatura no primeiro momento propício, logo que se tornou evidente a auto-exclusão de António Guterres. Isso teria condicionado, porventura irreversivelmente, o PS, que teria tido muita dificuldade em contrariar a iniciativa e em promover uma candidatura alternativa para lhe opor. Faltou-lhe, porém, arrojo suficiente para tal rasgo.
Por mais que se possa agora pretender o contrário, Alegre não tinha obviamente nenhumas condições para vencer Cavaco Silva, mas o PS (e não só) parecia conformado com a fatalidade da derrota nas presidenciais. Com Alegre, contudo, a esquerda socialista teria pelo menos um excelente candidato para travar um "combate de princípios" e para vender o mais caro possível uma "derrota honrosa". Mas a sua hesitação pessoal, porventura à espera de um improvável chamamento do partido, deitou por terra as suas possibilidades, vindo a manifestar a sua disponibilidade, já em puro reactivismo extemporâneo, somente quando se apercebeu que entretanto estava consumado, à margem dele, um entendimento entre Sócrates e Soares, em favor da candidatura deste. «Inês era morta», então.
É evidente que as candidaturas presidenciais, como actos de responsabilidade individual que são (desde que haja pelo menos 7500 eleitores que as subscrevam...), não têm de obedecer a regras de racionalidade política. Contudo, depois do avanço de Soares, com todo o apoio do PS atrás de si, deixou de haver qualquer espaço político para outra candidatura na área socialista. A possível expectativa que Alegre pudesse ter de um movimento de fundo, no PS ou fora dele, de apoio à sua candidatura -- o que aliás pressuporia uma fractura no PS -- releva de uma inesperada ingenuidade ou obstinação política, estando condenada a uma inevitável frustração.
Por admirável que possa ser a bravura de quem se vê abandonado "só no seu quadrado", a demora em tirar as irrefutáveis ilações políticas desse reconhecimento não lhe acrescenta mais honra ou mérito.