terça-feira, 6 de setembro de 2005

Militarização

«Mas, para além dos problemas [provocados pelo Katrina], é importante ver a atitude que foi adoptada para os resolver: a entrega da sua resolução aos militares.
A militarização dos EUA e da sua política, a nível interno e externo, é um facto, triste e preocupante. É um sinal dessa militarização que não só a reposição da ordem nas ruas de Nova Orleães mas também a organização dos socorros e das obras de emergência tenha sido entregue não a agências civis como a FEMA mas principalmente aos militares. Os americanos têm uma dificuldade crescente em encontrar projectos comuns e heróis que não sejam do foro militar. Um tique pouco auspicioso.»

(J. Vítor Malheiros, Público de hoje)

Correio dos leitores: Crendices

«Desde que o homem existe, se acredita que a vontade do divino serve para explicar terramotos, inundações, tufões, secas e outras calamidades que tais. Proliferam as explicações dos factos naturais pelo recurso ao sobrenatural e eles acontecem como fenómenos justificativos da ira de Deus que assim pretende castigar o pecado e a Sua desobediência. (...)
Também uma nova casta de "religiosos", muitos ambientalistas, vem para os órgãos de comunicação social atribuir as culpas da tragédia à potência mundial por ter sabotado o acordo internacional sobre emissões de gases [com efeito de estufa] e as obras efectuadas ao longo do Mississipi. Muitos destes rituais e discurso tem um paralelismo gritante nos grupos fundamentalistas religiosos. Como sejam, as acções folclóricas de rua e as dissertações inflexíveis. (...)»

José Alegre Mesquita, Carrazeda de Ansiães

Comentário
Penso que não podem identificar-se as duas situações. Independentemente deste caso concreto, a associação entre os gases com efeitos de estufa e as alterações climáticas (designadamente o aquecimento do clima) está hoje fortemente estabelecida na comunidade científica, estando na base do protocolo de Quioto.

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Minimax

Ao contrário do que aqui se argumenta indevidamente, a alternativa ao "Estado mínimo" não é o "Estado omnipresente" que os ultraliberais esgrimem contra os seus críticos. Entre o 8 e o 80 vão muitas gradações. E eu diria que uma das tarefas mínimas de qualquer Estado (por "mínimo" que seja) em cujo território ocorrem normalmente furacões de grande intensidade é atenuar preventivamente os seus efeitos e ter serviços de protecção civil eficazes e prontos a actuar (até porque os furacões fazem-se anunciar). Nem uma coisa nem outra se verificou no caso de Nova Orleães -- cinco dias depois ainda havia milhares de pessoas sitidas pelas águas na cidade, sem comida nem água potável --, como sustenta a generalidade dos observadores norte-americanos (que não devem ser propriamente todos adoradores do Leviatão...). Mas em Portugal há quem seja mais papista que o papa...

Adenda
Colocar no mesmo pé a posição dos que defendem que a devastação do Katrina poderia ter sido menor com melhor actuação dos poderes públicos e a posição dos extremistas religiosos que consideram a catástrofe um "castigo de Deus"-, eis um tropo mais próprio do estilo "marialva", que não cabe em qualquer discussão séria. Se é "crendice" a defesa do papel do Estado na segurança dos cidadãos contra catástrofes naturais, o "Estado mínimo" da bíblia dos ultraliberais o que é? A verdade divina revelada?

Hostilidade ideológica

«But the federal government's lethal ineptitude [no caso do furacão Katrina] wasn't just a consequence of Mr. Bush's personal inadequacy; it was a consequence of ideological hostility to the very idea of using government to serve the public good. For 25 years the right has been denigrating the public sector, telling us that government is always the problem, not the solution. Why should we be surprised that when we needed a government solution, it wasn't forthcoming? (...) That contempt, as I've said, reflects a general hostility to the role of government as a force for good. And Americans living along the Gulf Coast have now reaped the consequences of that hostility.» (Paul Krugman, New York Times)

Presidenciais

Eu estou obviamente de acordo com Pedro Magalhães, quando ele diz que o facto de ser o candidato apoiado pelo Governo vai pesar contra Soares, em confronto com Cavaco. Onde não convirjo é na tese de que esse "handicap" será agravado com a divisão de candidaturas à esquerda. A meu ver, uma candidatura única de Soares não o tornaria menos "candidato do Governo", antes o tornaria mais candidato de (toda a) esquerda, prejudicando a sua capacidade de atracção ao centro, onde a disputa com o candidato de (toda a) direita vai ser decisiva.
Seja como for, há duas notas que me parecem incontroversas. A separação, ou não, de candidaturas à esquerda é um dado que não depende de Soares. A presumível vantagem na pluralidade de candidaturas à esquerda pode não ser suficiente para contrariar as condições vantajosas de Cavaco. O único problema consiste em saber se, ceteris paribus, ele é beneficiado, ou não, com a separação de candidaturas à esquerda. Continuo a pensar que não (mas não considero indefensável a tese contrária...).

Experimentemos viver sem eles

Respondendo a este óbvio sofisma (em que o autor imputa ao ordenamento urbanístico os malefícios da sua violação e das suas insuficiências), proponho um sofisma idêntico:
«Considerando o aumento dos acidentes e das vítimas em acidentes rodoviários, por que é que os automobilistas hão-de estar sujeitos às restrições/obrigações do Código da Estrada, se a existência desse ordenamento tem os nefastos resultados que estão à vista de todos?»
Este fecundo exercício de "lógica" ultraliberal poderia ser aplicado a muitos outros ordenamentos com alta propensão para o incumprimento, desde as leis ambientais ao... Código Penal. Por que não experimentar viver sem eles!

Castigo divino

A seguir ao grande terramoto de 1755, provocou grande agitação um folheto que "provava" ser a catástrofe um castigo de Deus, escrito pelo padre Gabriel Malagrida (jesuíta de origem italiana, com longa obra missionária no Brasil, que depois foi desterrado pelo Marquês de Pombal, acabando condenado pelo crime de lesa-magestade e executado pela Inquisição).
A ira divina sempre fez parte das explicações populares das grandes catástrofes, naturais ou não. Hoje, numa época de fanatismos religiosos, a tragédia do furacão Katrina fez proliferar os partidários do castigo de Deus. Como relata hoje o Público (link só para assinantes), os fundamentalistas cristãos norte-americanos consideram-na uma punição divina pelos pecados do aborto e do homosexualismo. Os fundamentalistas islâmicos vêem nela a vingança de Alá pelas ofensas dos Estados Unidos contra o Islão. Em Israel, os zionistas consideram-na um castigo pela pressão dos Estados Unidos para a retirada dos colonatos israelitas de Gaza.
Não havendo agora punição humana para os partidários do castigo de Deus (que, aliás, recai sempre sobre inocentes...), a virtuosa omnipotência divina não seria melhor empregada na punição dos próprios autores destas lucubrações? Haja Deus!

O falhanço do "Estado mínimo"

Nada melhor para verificar o precioso valor do Estado do que as grandes catástrofes naturais. A responsabilidade pública na degradação e insuficiência das defesas de Nova Orleães contra as águas, bem como a indesculpável demora e ineficiência no socorro da cidade após a catástrofe, mostram os efeitos nefastos das políticas de desinvestimento público em infra-estruturas e no serviço público de protecção civil.
A principal tarefa de toda a colectividade política organizada -- a que chamamos Estado -- sempre foi a segurança dos seus membros. A lição do furacão Katrina é a de que o "Estado mínimo" pode ser sinónimo de segurança mínima.

Lapsos populistas

Numa tirada demagógica, o líder do PSD, Marques Mendes, acusa o Governo de se preparar para autorizar "à socapa" a venda da TVI a um grupo espanhol, afirmando que a «TVI é um bem público». Que se saiba, a estação de televisão pertence a uma empresa privada (a Média Capital), que aliás já tem há muito participação de capital estrangeiro, e o eventual negócio não precisa de autorização do Governo. De resto, uma proibição governativa, além de não ter base legal, seria contrária ao direito comunitário.
Os lapsos populistas acabam sempre no disparate.

Ordenamento florestal

Não há razão para as extrapolações que J. A. Maltez tirou aqui sobre este meu post acerca do ordenamento florestal. Não penso em nada que já não exista por exemplo no ordenamento urbanístico, como a proibição de edificação em certos tipos de terrenos, a limitação do tipo de ocupação urbanística, a obrigação de loteamento e de edificação em certos casos, o dever de obras de manutenção e de reparação, etc. Por que é que os terrenos florestais não hão-de estar sujeitos aos mesmos tipos de restrições/obrigações, se a ausência desse ordenamento tem os nefastos resultados que estão à vista de todos?

domingo, 4 de setembro de 2005

Fernando Távora

A memória do grande arquitecto vai perdurar connosco, aqui na Universidade de Coimbra, no belo auditório que ele concebeu para a vetusta Faculdade de Direito, conseguindo harmonizar a arquitectura moderna com os vizinhos arcos de pedra medievais e manuelinos.

A equação do Bloco de Esquerda

Nos últimos anos o balanço do papel desempenhado pelo Bloco de Esquerda tem sido muito positivo. No Parlamento são activos e profissionais, marcam várias vezes as agendas mediáticas e têm ideias e pessoas com energia e qualidade acima da média. Não é novidade que, apesar dessas virtualidades, tenho sido um crítico do Bloco. Em vários momentos irrito-me com a sua superioridade moral, obviamente herdada da cartilha do PCP, arrogantemente provada em várias ocasiões. Entre a classe média revoltada e bem pensante e os operários ortodoxos comunistas sempre preferi a genuidade dos segundos.
Com o crecimento do Bloco, que provavelmente não parará por aqui, coloca-se o problema do futuro. Optarão os bloquistas por continuar à margem dos compromissos e a apresentar uma agenda própria sem pensar na conquista do poder mesmo a longo prazo ou, segunda hipótese, passarão a jogar pela mesma cartilha dos partidos tradicionais podendo assim crescer e tornar-se, numa primeira fase, um partido equilibrador do sistema e depois, quem sabe, aspirar à concretização da utopia do poder? É claro que a opção inevitável pela segunda hipótese tem o risco óbvio de transformar o Bloco num partido igual aos outros e assim trair a sua base eleitoral de apoio. Uma equação difícil mas interessante.
Na minha opinião, o Bloco de Esquerda ao escolher Francisco Louçã para candidato à Presidência da República optou já pela segunda vertente.
Talvez os seus eleitores não percebam o porquê de não terem escolhido alguém independente da lógica partidária e suficientemente credível para marcar a diferença. E se Soares perder à primeira volta para Cavaco, o Bloco pagará o ónus de ter viabilizado a vitória do candidato da direita. O grande problema da extrema-esquerda é ter como principal adversário, agora como no PREC, o PCP. Um falso problema.

Correio dos leitores: Contas presidenciais

«(...) Mas o que é que leva o Professor a estar tão convicto de que Cavaco não ganha logo à 1ª volta, mesmo contra o conjunto das 3 candidaturas da esquerda? E se Soares perder, como é que o PS vai depois justificar a preterição de Alegre? (...)»
A. J. Marques, Lisboa

Comentário
1. Eu não dou por adquirido nenhum resultado eleitoral (longe de mim tal ideia). Ainda nem sequer há sondagens de opinião com o quadro dos candidatos mais importantes (dando por assente o avanço de Cavaco Silva). Parece-me que vai ser uma disputa renhida. É evidente que uma das possibilidades é a eleição de Cavaco Silva, e à 1ª volta. A única coisa que eu disse, e mantenho, é que as candidaturas separadas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louça, a par da de Mário Soares, não só não favorecem a eleição de Cavaco como a podem dificultar. Mas, claro, isso de pouco valerá se a vantagem deste for muito folgada...
2. Devo dizer que se Manuel Alegre fosse o candidato da área socialista eu votaria naturalmente nele, embora sem nenhuma ilusão sobre o resultado. Soares pode obviamente perder, mas -- para além das suas inigualáveis qualidades para o cargo, como já mostrou -- é um forte candidato à vitória, ao contrário de Alegre. Isto não pode "provar-se", mas penso que releva da evidência política...

O prédio Coutinho

O prédio Coutinho, um monstro arquitectónico na frente riberinha de Viana do Castelo, tornou-se desde há muito num ícone nacional, tanto do urbanismo assassino que muitas câmaras municipais autorizaram como da incapacidade do Estado para recorrer a medidas radicais contra essas situações. Incluída no programa Pólis de Viana a sua eliminação, o mostrengo vai finalmente ser expropriado e demolido.
Por vezes a virtude triunfa, mesmo que com custos pesados para o erário público (lucros privados, custos públicos...). Infelizmente, há muitos prédios coutinhos por esse país fora.

Jornalismo de serviço

No sábado passado o Expresso -- que treina para ser órgão oficioso da candidatura presidencial de Cavaco Silva -- anunciava em manchete de 1ª página a apoio do empresário Belmiro de Azevedo a essa candidatura. Pela sua verosimilhança e relevância, a notícia foi ecoada nos media.
Afinal, não passava de uma completa invenção (oriunda provavelmente de círculos afectos ao antigo primeiro-ministro). Na edição de hoje, na secção de "cartas do leitor" (!), é publicado um veemente desmentido do empresário, assegurando que não tomou nenhuma posição sobre o assunto e reclamando do semanário a correcção da notícia com o mesmo relevo desta e um pedido de desculpas aos leitores.
Contudo, em vez do mesmo relevo, o jornal limitou-se a uma diminuta e quase despercebida nota na 1ª página, que não vai ter um décimo do impacto da notícia desmentida. O mesmo se passará com os demais meios de comunicação que a multiplicaram. Chama-se a isto "jornalismno responsável"?

sábado, 3 de setembro de 2005

Bem os percebemos

«Por exemplo porque são negros, negros pobres, muito pobres, aqueles que vemos perdidos entre águas e ruínas [de Nova Orleães]? Ou porque não consegue a América rica, a tal que vai à Lua, alimentar, socorrer, alojar os desgraçados que se acolhem num estádio-pocilga ou vagueiam por uma auto-estrada tornada inútil?» (João Morgado Fernandes, Diário de Notícias de hoje).
É evidente que nem a solerte forma interrogativa esconde o nefando anti-americanismo que tresanda deste editorial do director interino do DN. Aqui fica a devida denúncia...

Heróis

Atrás do anonimato todos os biltres são heróis para si mesmos.

Reciprocidade

Sou desafiado aqui a dizer o que achariam os apoiantes da recandidatura de Mário Soares, se fosse Cavaco Silva a candidatar-se a um terceiro mandato presidencial. Respondo por mim. Seguramente que lutaria contra a sua reeleição, mas não vejo nenhum motivo para lhe contestar a mesma legitimidade jurídica e política que reconheço a Soares. A Constituição só proíbe a acumulação de mais do que dois mandatos presidenciais consecutivos, mas não de interpolados.
A razão de ser da proibição da acumulação de mandatos consecutivos não consiste somente em proporcionar a renovação de titulares, mas também (se não principalmente) em impedir que um Presidente se perpetue no cargo explorando as vantagens do exercício do cargo (visibilidade, conhecimentos, dependências alheias, inércia, etc.) para se fazer reeleger. Porventura, sem a proibição de reeleição consecutiva, Mário Soares ainda hoje seria presidente da República, quem sabe se a caminho de um 5º mandato... Essa lógica não se aplica, porém, à reeleição interpolada, a partir de fora do exercício do cargo, onde já não existem vantagens de partida.
Mas a pergunta pode ser devolvida. Os que, em nome da "renovação", censuram a disponibilidade de Soares para um terceiro mandato (apesar de passados 10 anos sobre os dois anteriores), manteriam essa atitude crítica, se se tratasse de Cavaco Silva?

Sectarismo

Há pessoas que passaram estas semanas a catar todas as oportunidades, ou mesmo sem elas, para condenar as falhas (as reais e as imaginárias) da luta contra os fogos florestais em Portugal, mas quando alguém, ecoando aliás os media norte-americanos, critica entre nós as monumentais falhas da entidades responsáveis em relação ao furação Katrina, logo surge a inevitável acusação de "antiamericanismo"! Haja paciência para tanta duplicidade...

sexta-feira, 2 de setembro de 2005

"Para além de Gaza"

O meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, está agora também na Aba da Causa.

Duas Américas

Como sempre, as principais vítimas das grandes catástrofes naturais, seja na Indonésia seja nos Estados Unidos, são os pobres. Sucede que no Sul dos Estados Unidos dizer pobres significa dizer negros. A enorme tragédia do furacão Katrina veio confirmá-lo dramaticamente. Há quem gostasse piamente de escondê-lo. Mas nos Estados Unidos a miséria tem cor.

Contas presidenciais

Não percebo o argumento de Ricardo Costa hoje no Diário Económico sobre a desvantagen de haver três candidatos de esquerda, o que aumentaria o risco de Cavaco Silva ser eleito à 1ª volta.
É evidente que Cavaco só ganhará na 1ª volta se tiver mais de metade dos votos (ou seja, mais votos do que todos os demais candidatos somados). Todavia, essa possibilidade só será potenciada pelas candidaturas separadas à esquerda, se os três candidatos das esquerdas tiverem menos votos em conjunto do que teria Mário Soares como candiato único à esquerda. Ora, não vejo nenhuma razão para isso suceder. Pelo contrário, estou convicto de que a separação de candidaturas na 1ª volta pode ser mais abrangente -- tanto à esquerda (para os candidatos do PCP e do BE) como ao centro (para Mário Soares) -- do que sucederia com uma única candidatura deste. Se tal ocorrer, então as candidaturas separadas à esquerda não facilitarão, antes dificultarão as hipóteses de Cavaco Silva.

Correio dos leitores: Diferenças

«Desde sempre me pareceu que aos olhos do votante distanciado que no fundo constitui o voto que fará a diferença nas urnas, o que distingue verdadeiramente Mário Soares de Cavaco Silva é que o primeiro sente-se plenamente à vontade e feliz no seu próprio corpo, enquanto que este dá a entender um permanente desconforto, como se tivesse vestido um fato de número abaixo.
Julgo que mais que as ideias, as concepções, a vivência e os objectivos, a "exploração" desta diferença será decisiva para a escolha.»

JCB

Correio dos leitores: Desprezo

«A má-criação é uma constante no nosso dia-a-dia e um atavio dos portugueses. As pessoas insultam-se e berram em qualquer circunstância independentemente da gravidade do facto, do lugar em que se encontram ou da pessoa a atingir. Porque alguém teve uma condução menos correcta o(a) outro(a) abre o vidro e lança obscenidades ao(à) faltoso(a). Porque a polícia se sente lesada nos seus privilégios, chama "gatuno" a um ministro. Porque os universitários não querem pagar as propinas, chamam "ladrão" ao reitor. Porque há uma arruaça as televisões estão lá e transmitem os palavrões dos arruaceiros. Porque o árbitro decidiu mal, insultam-no à exaustão. O palavrão e o insulto são usados por pais em frente às crianças, por "cavalheiros" a senhoras, por polícias a ministros, pelo presidente da região autónoma da Madeira a quem o incomode. A provocação ou a arruaça surgem por "dá cá aquela palha".
A minha visceral repulsa ao palavrão cedeu lugar, ao longo da minha vida, a uma atitude racional de que de tanto ser dito e repetido por qualquer um, não importa o posto, o palavrão já não tem significado nem produz efeito.
Nos meus 12, 13 anos, recordo-me de ir a correr com os meus irmãos à janela para ouvir os impropérios que lançava à sua volta uma pobre mulher demente e alcoólica que subia diariamente a minha rua por volta do meio-dia.
- Vem aí a Amelinha, dizíamos uns aos outros.
(...) De facto os impropérios eram inócuos: a mulher disparava-os sem direcção. Até que um dia, um cãozito num portal, assustado talvez com a algazarra, ladrou-lhe. No seu desbragamento grita-lhe a desgraçada com o dedo em riste: "E bocê?! O qué que bocê quer também?". Lembro-me que o bicharoco não meteu o rabo entre as pernas nem sequer ripostou: quedou-se a olhar espantado.
Transpondo a história, há por aí muitas "Amelinhas" que vociferam obscenidades para o ar e o melhor é de facto não fazer como o cão: responder ao insulto nivela humanos e animais.»

Maria José Miranda

quinta-feira, 1 de setembro de 2005

A primeira fila

Soares, na apresentação da sua candidatura, esteve acompanhado de uma parte significativa dos amigos de sempre. Teve algo de tocante assistir ao regresso do velho general e ao reencontro com a maioria dos seus lugares-tenente. Também eles mais velhos, aparentemente sem força para mais uma batalha, mas dizendo presente contra a lógica. No entanto, aquilo que é bonito pode tornar-se num problema delicado.
Mário Soares sabe que só poderá ter uma hipótese de ganhar, e é o único candidato à esquerda que a tem, se tiver nas suas mãos as mãos do futuro. Se os seus fiéis soldados de sempre insistirem em estar na primeira fila, em nome de uma amizade de sempre, Soares perderá sem resistência para Cavaco Silva.
Mas se ele descer às ruas na companhia de um exército jovem e optimista então o resultado das eleições poderá ser imprevisível para Cavaco Silva.

Correio dos Leitores: O Alento e o Futuro

«O rigor orçamental é a sombra da política. A política é o corpo e nunca a sombra. Se rigor for um elemento da solução para Portugal, só a política o poderá enobrecer e fazer com que o rigor seja abraçado pelas pessoas. Mas envolto num desígnio, em algo muito maior do que cada um de nós e do que próprio rigor. Algo que queremos pelo sonho, pelos nossos filhos, isso a que chamamos o futuro.
A economia real não fará a mudança sem paixão, sem novos comportamentos, sem novas e renovadas esperanças, sem novas gerações a irromper de detrás da cena. E a vida não pulsa pelo rigor. A vida pulsa pelo alento, pela criatividade e pela paixão.
É a paixão de Soares por Portugal que o país vai reconhecer e abraçar. Sim, é no braço de um sonhador que Portugal se vai levantar. Só os sonhadores amam em simultâneo a vida e os segredos da vida. O alento e o futuro começam sempre com uma ajuda. Cada um de nós começou com a ajuda. De alguém.
O nome do Presente será, para Portugal, Cavaco.
O Alento e o Futuro chamam-se Soares. »

J. Elias de Freitas

Desprezo

Há para aí, na blogosfera, uns mabecos (como diria o saudoso Joaquim Namorado), por vezes anónimos, que se dedicam regularmente a tentar morder-me as canelas. Em vez de criticarem ideias e refutarem argumentos (para o que lhes falta estofo), chamam nomes feios aos adversários. Como não recorro aos mesmos métodos, ignoro-os. Voto-os ao desprezo que eles merecem.

As diferenças

«O dr. Soares já avisou que não quer uma batalha ideológica. Prefere uma simples comparação de personalidades. Confia que a sua descontracção, previsibilidade e disposição para falar com toda a gente prevaleçam sobre a crispação, os "tabus" e a reserva do seu adversário.» (Rui Ramos, no Diário Económico de ontem).
Não acho nada que Soares queira restringir a disputa presidencial com Cavaco Silva a uma simples "comparação de personalidades", visto que na agenda vai estar pelo menos a questão das funções e do papel do Presidente. Mas também penso que a comparação de personalidades vai pesar consideravelmente, a meu ver em favor de Soares. De facto, se às suas apontadas qualidades (descontracção, previsibilidade e simpatia), contra as enunciadas características de Cavaco Silva (crispação, tabus e reserva), juntarmos o cosmopolitismo, a cultura e o espírito humanista para o primeiro, contra a falta de dimensão internacional, a estreiteza cultural e o espírito economicista do segundo, então teremos um desenho assaz aproximado do diferente perfil dos candidatos.

E o candidato que falta é...

Já existe uma sugestão para o papel de "candidato-fantasma" da direita à direita de Cavaco Silva; é Paulo Portas, diz um comentador preocupado com a falta de comparência do CDS nas presidenciais.
Acho pouco provável, porém. Primeiro, porque quem deixou a política daquela maneira há seis meses não pode regressar assim; depois, porque não é fácil ver Portas no papel de "batedor" do seu eleitorado para a rede de Cavaco Silva...

Correio dos leitores: Eleições presidenciais

«No texto «Apoios» que publicou no «Causa Nossa», refere os apoios já anunciados às eventuais candidaturas presidenciais de Cavaco Silva e de Mário Soares, estabelecendo uma comparação entre os mesmos. Tal exercício, apesar de redutor (nesta fase), é perfeitamente legítimo, e percebo o objectivo.
Contudo, recorda-se certamente dos inúmeros intelectuais e artistas que apoiaram Maria de Lourdes Pintasilgo em 1985/86 e da percentagem de votos que a sua candidatura (infelizmente) obteve. Dito isto, não quero deixar de referir que sou de esquerda, que sentiria um enorme orgulho em ver um homem como Manuel Alegre na Presidência da República e que, com a sua desistência de Manuel Alegre (...), provavelmente votarei em Mário Soares (que, em minha opinião, foi um excelente Presidente da Republica).»

Carlos Azevedo

Comentário
O problema não é a falta de pessoas à esquerda que dariam excelentes presidentes da República. Há várias. O problema está em conseguirem ser eleitas (o que não seria seguramente o caso de Manuel Alegre). Se Soares o consegue ou não, quem o pode assegurar? Oferece pelo menos boas perspectivas de o ser...