sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Júbilo prematuro

Como era de esperar, Cavaco Silva está à frente, à partida. Os seus adeptos rejubilam. Prematuramente o fazem, porém. Deveriam esperar para ver se ele se mantém na frente à chegada...

O que é que os eleitores votam?

Costuma dizer-se que nas democracias parlamentares contemporâneas as eleições deixarem de consistir na escolha dos deputados ou dos partidos, para passarem a constituir a eleição do primeiro-ministro. Mas essa ideia não é confirmada no caso nas próximas eleições alemãs. As previsões eleitorais apontam para que a CDU vai ganhar as eleições com grande avanço sobre o SPD (neste momento a vantagem é estimada em 8-10%), mas as mesmas sondagens de opinião indicam que nas preferências para o cargo de chefe do governo (chanceler) o líder do SPD leva a melhor sobre a candidata da direita.
O que as eleições alemãs parecem revelar é que elas vão ser essencialmente um referendo de rejeição do governo SPD/Verdes, o que confirma outra das linhas de leitura das eleições parlamentares na actualidade.

Entre os piores

Mais preocupante do que a queda de um lugar no ranking do desenvolvimento humano da ONU -- ainda assim uma posição que não envergonha -- é o aprofundamento do fosso entre ricos e pobres em Portugal, ao pior nível na Europa.
E lembrar que há entre nós quem, ecoando as políticas de Bush nos Estados Unidos, condene as prestações sociais públicas (que minoram a pobreza) e advogue uma substancial diminuição do IRS para os mais ricos...

quinta-feira, 8 de setembro de 2005

Moralização e transparência

Depois do escândalo das turbopensões e megapensões de alguns gestores de empresas públicas e das notícias sobre as suas elevadas remunerações e regalias acessórias, o Governo não podia tardar em estabelecer novas regras nessa área. As medidas hoje tomadas -- obrigatoriedade de publicação pelas empresas de todas remunerações e regalias existentes e forte limitação das pensões e outras regalias -- vão no bom sentido da transparência e da morigeração.
Nisto o principal não é a poupança de gastos que assim se obtém, mas antes uma questão de moralidade e responsabilidade no sector empresarial do Estado. O mínimo que se deve exigir é que idênticas regras, a começar pela transparência, sejam aplicáveis igualmente ao sector empresarial das regiões autónomas e dos municípios.

Stand-up Tragedy



7, 8, 9 e 10 de Setembro | 21h30 | No NEGÓCIO
Novo Spot ZDB para artes performativas, R. de O Século, nº 9, porta 5
Bairro Alto - Lisboa

Entrada: 6 Euros.
Venda de bilhetes pelo tel. 21 343 02 05 ou e-mail: tania@zedosbois.org
Reservas até às 18h.
Os bilhetes podem ser levantados entre as 20h45 e as 21h25, no NEGÓCIO.

Stand-up Tragedy é um ensaio sobre o riso e o público, explorando a
exposição do actor e a manipulação da plateia, enquanto se constrói e desmonta uma personagem durante uma hora e meia de monólogo.
Este espectáculo estreou no Teatro Maria Matos, em Lisboa, em Novembro de 2003 e fez digressão por Coimbra, Tomar, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada, Torres Vedras, Gouveia e Amadora. Ao longo da sua carreira por mais de 4500 espectadores.
Dois anos depois, Luís Filipe Borges e Nuno Costa Santos, autores do texto original, colaboraram com Tiago Rodrigues numa recriação desta obra onde os motivos e efeitos do humor são dissecados, produzindo um diálogo de provocação e cumplicidade permanentes entre actor e público.
Stand-up Tragedy foi a primeira criação do Mundo Perfeito, estrutura
responsável por espectáculos como "Vagabundos de nós", de Daniel Sampaio, "Urgências", em colaboração com as Produções Fictícias e "Berenice", em
co-produção com a companhia belga STAN.

Ficha técnica e artística:
Concepção cénica e interpretação de Tiago Rodrigues.
Texto de Luís Filipe Borges, Nuno Costa Santos e Tiago Rodrigues.
Desenho de luz e cenografia - Tiago Costa Gonçalves.
Música - Pedro Almeida.
Voz Off - Alfredo Brito.
Apoio técnico - João José Gomes e Rui Capitão.
Grafismo - Digiscript.
Produção executiva e fotografia - Magda Bizarro.
Uma criação Mundo Perfeito.

O candidato que falta

Diz o Diário de Notícias de hoje:«A estratégia presidencial do CDS [apoiar Cavaco Silva à partida] está a merecer reservas entre muitas das suas principais figuras. Face ao quadro de candidatos já definido, a ideia de que o partido deve apresentar um candidato próprio a Belém está a ganhar adeptos.»
Como já disse aqui (e aqui), a ideia de uma candidatura autónoma na "direita da direita" parece ser de uma lógica elementar (mesmo sob o ponto de vista dos interesses do próprio Cavaco Silva). Resta saber se existe alguém disponível para a "ir ao sacrifício"...

"Associação de comerciantes"

A Ordem dos Médicos Dentistas, sancionada pela Autoridade da Concorrência pelo facto de ter fixado preços mínimos pelos serviços dos seus membros, veio contestar a competência da referida autoridade, dizendo que ela não é uma "associação de comerciantes".
Sucede que, quando se dedicam, ilegalmente, a actividades de regulação económica, as ordens equiparam-se a si mesmas a associações de agentes económicos. Se, em vez de restringirem a concorrência na prestação dos serviços profissionais sob sua jurisdição, para as quais são incompetentes (desde logo por que a lei não lhes atribui tais poderes), as ordens desempenhassem bem as tarefas de que estão realmente incumbidas, nomeadamente a fiscalização e punição das infracções das "leges artis" e da deontologia profissional, seguramente que não seriam importunadas pela Autoridade da Concorrência, que se limita a desincumbir-se da sua missão de velar pelo respeito das regras da concorrência leglamente estabelecidas.

Dedicação ao serviço público

O Presidente da República alertou para que as reformas em curso na função pública devem ter em conta a «dedicação ao serviço público». Ora a principal reforma da função pública consiste justamente em criar mecanismos que permitam diferenciar apropriadamente entre quem se move por essa dedicação no exercício de funções públicas e quem se está "marimbando" para elas. Infelizmente, a dedicação ao serviço público não se desenvolve universalmente por geração espontânea...

A rentrée socialista

Quem quiser consultar o meu artigo desta semana no Público -- um balanço de meio ano do Governo de Sócrates e uma análise das perspectivas para o novo ano político -- pode encontrá-lo também, como habitualmente, na Aba da Causa (com correcção de algumas gralhas do original).
Termina assim:
«Ai dos governos que, em circunstâncias adversas e com um programa de reformas exigente e susceptível de criar descontentamentos sectoriais, governarem em função das sondagens eleitorais de cada momento ou das perdas de popularidade transitórias. Dificilmente chegarão ao fim da viagem, e sem a missão cumprida.»

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

Correio dos leitores: Colégio Militar

«Mas qual é o mal de o Estado ser proprietário de uma escola que se rege pelos princípios da escola privada? O Colégio Militar é um colégio como qualquer outro - sujeito a propinas - a única diferença é que, em vez de ser propriedade de um particular, de uma cooperativa, de uma IPSS, ou de uma igreja, é propriedade do Estado. Tal como o Estado fornece, nas suas Universidades, mestrados que se regem pelos princípios do utilizador-pagador - ou seja, que não são gratuitos - também pode perfeitamente fornecer Colégios que se regem pelos mesmos princípios. (...)»
Luís Lavoura

Comentário
O "mal" está na violação dos princípios constitucionais da gratuitidade, igualdade e universalidade do sistema público de ensino básico. O pretenso paralelismo com as actividades "de valor acrescentado" das universidades públicas não é procedente, visto que o ensino universitário nem é universal nem gratuito, havendo um mercado de pós-graduações com operadores públicos e privados sujeito às regras do mercado.
O Colégio Militar podia compreeender-se no século XIX, quando não havia sistema de ensino público universal e quando ele funcionava como instrumento de formação da "classe militar". Não tem nenhum sentido hoje, salvo como sobrevivência de um privilégio de casta do passado.

Correio dos leitores: Militares

«Esquece que ser militar, para os militares de carreira desde sempre, e agora - com o fim do Serviço Militar Obrigatório - para todos os militares, é uma PROFISSÃO. As pessoas decidem, ou não, ser militares largamente em função dos benefícios salariais e extra-salariais que daí esperam obter. Os militares de carreira esperam, como quaisquer trabalhadores, uma remuneração adequada. Têm as suas expectativas, tal como quaisquer trabalhadores, tal como Você e eu. E, tal como Você e eu temos o direito de protestar se nos cortarem subitamente regalias, também os militares devem ter esse direito. (...)»
Luís Lavoura

Comentário
Em nenhum país os militares gozam de direitos sindicais dos trabalhadores comuns. No nosso caso está legalmente vedada (aliás de acordo com a Constituição), entre outras restrições, a manifestação de militares fardados. Quem é militar sabe desde o início dessas limitações. Isso faz parte da "condição militar". Quem violar esta limitação incorre em responsabilidade disciplinar, devendo ser punido por isso.

Cinismo

É pelo menos chocante o cinismo com que a maior parte dos adoradores da America de Bush tentou ignorar a "outra América" -- a da pobreza, da desorganização, do atraso indesculpável nas operações de socorro, do falhanço rotundo da protecção civil, etc. -- que a tragédia de Nova Orleães escancarou perante o mundo. Afinal, atrás da imagem do paraíso pode existir o inferno. Mas como o paraíso da nação "abençoada por Deus" não pode ter mácula, pior para a realidade...

O triunfo da União Europeia

Segundo o inquérito de opinião Transatlantictrends, realizado anualmente em vários países europeus e nos Estados Unidos, uma considerável maioria de europeus -- com a excepção esperada da opinião britânica (e da norte-americana, bem entendido...) -- deseja a representação da UE como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em substituição dos actuais Estados europeus nele representados (Reino Unido e França). Essa opinião é partilhada mesma na França, um dos membros permanentes originários do CS, e na Alemanha, que integra os candidatos a sê-lo nas propostas de reforma da ONU.
Trata-se de um fenómeno de notável significado quanto à identificação dos europeus com a UE como realidade política autónoma, sobrepondo-se à sua pertença nacional. O falhanço da constituição europeia é porventura mais transitório e conjuntural do que os adversários da integração europeia concluíram...

"O furacão da pobreza"

Impressionantes os dados fornecidos, a propósito da tragédia de Nova Orleães, neste artigo de Nicholas D. Kristof no New York Times, sobre a pobreza e as carências sanitárias nos Estados Unidos.

«Hurricane Katrina also underscores a much larger problem: the growing number of Americans trapped in a never-ending cyclone of poverty. (...)
The U.S. Census Bureau reported a few days ago that the poverty rate rose again last year, with 1.1 million more Americans living in poverty in 2004 than a year earlier. After declining sharply under Bill Clinton, the number of poor people has now risen 17 percent under Mr. Bush.
If it's shameful that we have bloated corpses on New Orleans streets, it's even more disgraceful that the infant mortality rate in America's capital is twice as high as in China's capital. That's right - the number of babies who died before their first birthdays amounted to 11.5 per thousand live births in 2002 in Washington, compared with 4.6 in Beijing.
Indeed, according to the United Nations Development Program, an African-American baby in Washington has less chance of surviving its first year than a baby born in urban parts of the state of Kerala in India.
Under Mr. Bush, the national infant mortality rate has risen for the first time since 1958. The U.S. ranks 43rd in the world in infant mortality, according to the C.I.A.'s World Factbook; if we could reach the level of Singapore, ranked No. 1, we would save 18,900 children's lives each year.
Nationally, 29 percent of children had no health insurance at some point in the last 12 months, and many get neither checkups nor vaccinations. On immunizations, the U.S. ranks 84th for measles and 89th for polio.
(...) That's the larger hurricane of poverty that shames our land
Na verdade, uma vergonha mais própria de países do 3º mundo...

Em causa própria

O presidente Bush instituiu uma comissão de inquérito, presidida por si mesmo, para analisar as falhas, a nível federal, estadual e local, na resposta às destruições do furacão Katrina. Como ele próprio é apontado por muita gente como o primeiro responsável pelas falhas a nível federal, parece óbvio que há um juízo em causa própria...
Brilhante, como exercício de desresponsabilização!

Como a história mostra...

... um Governo que tolere a rebelião entre os militares deixará de ter condições para exercer a autoridade civil. Espera-se que a mensagem que as chefias militares ontem colheram em Belém tenha sido a de que têm a obrigação de garantir a cadeia de comando nas forças armadas no cumprimento das decisões do poder civil respeitantes ao estatuto dos militares.
Fora das suas missões, o lugar das fardas é nos quartéis.

Correio dos leitores: Colégio Militar

«No seu blogue "Causa Nossa" afirma (11-08-2005):
«A propósito de escolas militares, o que é que justifica hoje a existência de escolas de ensino básico e secundário, como o Colégio Militar, se não um deslocado espírito de casta (aliás reservado a rapazes)?»
Em resposta aos protestos de alguns leitores publica um segundo post:
«Não vejo onde é que se enquadra, constitucional e legalmente, a possibilidade do Estado manter Colégios "privados"».
Desconhecerá o Prof. Vital Moreira a história e a excelência do ensino do Colégio Militar? Não creio! Insurge-se contra aquilo que chama "espírito de casta". Mas que casta? A casta dos que promovem essa excelência: a instituição militar, os professores, os funcionários, os antigos alunos e os pais que pagam um ensino com um elevado padrão de qualidade, procurando incutir nos jovens valores e levando à prática a máxima grega, "mente sã em corpo são".
O Prof. Vital Moreira questiona a constitucionalidade e a própria legalidade de "o Estado manter Colégios "privados"". Ora, o Colégio Militar não é uma escola "privada". É um colégio público. As elevadas propinas são suportadas pelos pais. O Prof. Vital Moreira defende a ideia da gratuitidade absoluta do ensino, com propinas praticamente inexistentes. Nesse caso o que poderia propor era a igualização das propinas do Colégio Militar ao valor das propinas das demais escolas públicas!
(...) Escola Pública, tutelada pelo Ministério da Defesa e com tutela pedagógica do Ministério da Educação, é frequentada por rapazes a partir dos 10 anos. Com regras mais exigentes de que as demais escolas públicas no que tange ao aproveitamento escolar, é um exemplo de excelência no ensino. (...) Neste enquadramento, o que explica a existência de algumas vozes questionando a existência do Colégio Militar? Desejo de nivelar o ensino por baixo? (...)».


Comentário
O que eu disse, e mantenho, é que não cabe ao Estado manter escolas pagas (como se fossem escolas privadas), à margem do sistema nacional de ensino. Por uma simples questão de universalidade e igualdade. Seria o mesmo que o Estado manter clínicas de luxo, pagas, ao lado dos hospitais do SNS. Quem quiser escolas de elite, exclusivas, crie-as e pague-as -- é para isso que existe a liberdade de escolas privadas --, em vez de colocar o Estado ao serviço de privilégios de grupo.
O que eu defendo é a separação entre a lógica da escola pública e a lógica da escola privada. O Estado não deve invadir a esfera própria dos privados.
É a Constituição que estabelece a gratuitidade para o ensino básico obrigatório público e é a lei que o estabelece para o ensino secundário. E bem, por que se trata de níveis de ensino que são, ou deveriam ser, de frequência universal, incluindo para quem não tem dinheiro para frequentar o Colégio Militar...

terça-feira, 6 de setembro de 2005

Nem tudo é belo visto do céu

Eis uma fotografia de satélite de Coimbra depois do recente grande incêndio florestal que investiu a cidade e povoações limítrofes com uma devastadora frente de chamas, sobretudo do lado nascente e do sul, penetrando na zona urbana em diversos locais (incluindo o "pinhal de Marrocos", adjacente ao pólo II da Universidade, perto da curva do rio). Impressionante imagem, na verdade (pode ampliar-se, clicando nela).

Falso paralelismo

No Prós & Contras de ontem, Helena Matos referiu, a despropósito, que Jorge Sampaio tinha recebido Marcelo Rebelo de Sousa, quando este comentador saiu da TVI no ano passado, mas não fez o mesmo agora que um administrador da empresa proprietária dessa estação se demitiu, em alegado protesto contra a compra da empresa por um grupo de media espanhol (a Prisa), tido por ligado ao PSOE.
Não vejo qual é o parelismo. No primeiro caso estava em causa uma patente violação da liberdade de expressão e opinião do referido comentador, que a empresa pretendia condicionar (por isso a questão foi também objecto de análise pela entidade reguladora dos media); o segundo caso não tem nada a ver com a liberdade de opinião e expressão na estação mas somente com a liberdade comercial da empresa detentora e dos seus accionistas, sobre a qual o poder público não tem poder legal para interferir (não existe hoje, como houve no passado, nenhum limite à detenção de media pelo capital estrangeiro).

Correio dos leitores: Katrina

«(...) Estou farto de ver comentários no sentido de desculpabilizar a administração Bush do que se passou em Nova Orleães. Trata-se, para mim, de política consciente, donde, responsável e responsabilizável, coerente e sistemática:
- Em 2001, a FEMA [agência federal para as emergências] alertou que um furacão atingindo NO era um dos 3 mais prováveis desastres nos EUA, juntamente com um ataque terrorrista a NY. A administração Bush cortou os fundos para o controle de cheias de NO em 44%.
- Há 1 ano, o U.S. Army Corps of Engineers propôs fazer um estudo sobre como proteger New Orleans de um furacão catastrófico. A administração Bush ordenou que o estudo não fosse feito.
- Em 2004, a administração Bush cortou os fundos pedidos por NO para proteger a cidade das águas do lago Pontchartrain em mais de 80%.
A decisão da administração Bush de anular em 2003 a política iniciada em 1990 por Bush pai e reafirmada por Clinton de proteger os pântanos que cercam a cidade não pode ser ignorada: mais de 80 mil km quadrados foram desprotegidos e entregues a urbanizadores. Cada 2 milhas de pântano reduz a altura das águas das cheias em 15 cm. Em resposta, um estudo de 2004 previu que NO seria devastada por furacões de nível 2 ou 3. O comentário da Casa Branca foi: "highly questionable" e gabaram-se: "Everybody loves what we're doing." (...)»

Antonio Inglês (http://ribatejo.blogspot.com)

Militarização

«Mas, para além dos problemas [provocados pelo Katrina], é importante ver a atitude que foi adoptada para os resolver: a entrega da sua resolução aos militares.
A militarização dos EUA e da sua política, a nível interno e externo, é um facto, triste e preocupante. É um sinal dessa militarização que não só a reposição da ordem nas ruas de Nova Orleães mas também a organização dos socorros e das obras de emergência tenha sido entregue não a agências civis como a FEMA mas principalmente aos militares. Os americanos têm uma dificuldade crescente em encontrar projectos comuns e heróis que não sejam do foro militar. Um tique pouco auspicioso.»

(J. Vítor Malheiros, Público de hoje)

Correio dos leitores: Crendices

«Desde que o homem existe, se acredita que a vontade do divino serve para explicar terramotos, inundações, tufões, secas e outras calamidades que tais. Proliferam as explicações dos factos naturais pelo recurso ao sobrenatural e eles acontecem como fenómenos justificativos da ira de Deus que assim pretende castigar o pecado e a Sua desobediência. (...)
Também uma nova casta de "religiosos", muitos ambientalistas, vem para os órgãos de comunicação social atribuir as culpas da tragédia à potência mundial por ter sabotado o acordo internacional sobre emissões de gases [com efeito de estufa] e as obras efectuadas ao longo do Mississipi. Muitos destes rituais e discurso tem um paralelismo gritante nos grupos fundamentalistas religiosos. Como sejam, as acções folclóricas de rua e as dissertações inflexíveis. (...)»

José Alegre Mesquita, Carrazeda de Ansiães

Comentário
Penso que não podem identificar-se as duas situações. Independentemente deste caso concreto, a associação entre os gases com efeitos de estufa e as alterações climáticas (designadamente o aquecimento do clima) está hoje fortemente estabelecida na comunidade científica, estando na base do protocolo de Quioto.

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

Minimax

Ao contrário do que aqui se argumenta indevidamente, a alternativa ao "Estado mínimo" não é o "Estado omnipresente" que os ultraliberais esgrimem contra os seus críticos. Entre o 8 e o 80 vão muitas gradações. E eu diria que uma das tarefas mínimas de qualquer Estado (por "mínimo" que seja) em cujo território ocorrem normalmente furacões de grande intensidade é atenuar preventivamente os seus efeitos e ter serviços de protecção civil eficazes e prontos a actuar (até porque os furacões fazem-se anunciar). Nem uma coisa nem outra se verificou no caso de Nova Orleães -- cinco dias depois ainda havia milhares de pessoas sitidas pelas águas na cidade, sem comida nem água potável --, como sustenta a generalidade dos observadores norte-americanos (que não devem ser propriamente todos adoradores do Leviatão...). Mas em Portugal há quem seja mais papista que o papa...

Adenda
Colocar no mesmo pé a posição dos que defendem que a devastação do Katrina poderia ter sido menor com melhor actuação dos poderes públicos e a posição dos extremistas religiosos que consideram a catástrofe um "castigo de Deus"-, eis um tropo mais próprio do estilo "marialva", que não cabe em qualquer discussão séria. Se é "crendice" a defesa do papel do Estado na segurança dos cidadãos contra catástrofes naturais, o "Estado mínimo" da bíblia dos ultraliberais o que é? A verdade divina revelada?

Hostilidade ideológica

«But the federal government's lethal ineptitude [no caso do furacão Katrina] wasn't just a consequence of Mr. Bush's personal inadequacy; it was a consequence of ideological hostility to the very idea of using government to serve the public good. For 25 years the right has been denigrating the public sector, telling us that government is always the problem, not the solution. Why should we be surprised that when we needed a government solution, it wasn't forthcoming? (...) That contempt, as I've said, reflects a general hostility to the role of government as a force for good. And Americans living along the Gulf Coast have now reaped the consequences of that hostility.» (Paul Krugman, New York Times)

Presidenciais

Eu estou obviamente de acordo com Pedro Magalhães, quando ele diz que o facto de ser o candidato apoiado pelo Governo vai pesar contra Soares, em confronto com Cavaco. Onde não convirjo é na tese de que esse "handicap" será agravado com a divisão de candidaturas à esquerda. A meu ver, uma candidatura única de Soares não o tornaria menos "candidato do Governo", antes o tornaria mais candidato de (toda a) esquerda, prejudicando a sua capacidade de atracção ao centro, onde a disputa com o candidato de (toda a) direita vai ser decisiva.
Seja como for, há duas notas que me parecem incontroversas. A separação, ou não, de candidaturas à esquerda é um dado que não depende de Soares. A presumível vantagem na pluralidade de candidaturas à esquerda pode não ser suficiente para contrariar as condições vantajosas de Cavaco. O único problema consiste em saber se, ceteris paribus, ele é beneficiado, ou não, com a separação de candidaturas à esquerda. Continuo a pensar que não (mas não considero indefensável a tese contrária...).

Experimentemos viver sem eles

Respondendo a este óbvio sofisma (em que o autor imputa ao ordenamento urbanístico os malefícios da sua violação e das suas insuficiências), proponho um sofisma idêntico:
«Considerando o aumento dos acidentes e das vítimas em acidentes rodoviários, por que é que os automobilistas hão-de estar sujeitos às restrições/obrigações do Código da Estrada, se a existência desse ordenamento tem os nefastos resultados que estão à vista de todos?»
Este fecundo exercício de "lógica" ultraliberal poderia ser aplicado a muitos outros ordenamentos com alta propensão para o incumprimento, desde as leis ambientais ao... Código Penal. Por que não experimentar viver sem eles!

Castigo divino

A seguir ao grande terramoto de 1755, provocou grande agitação um folheto que "provava" ser a catástrofe um castigo de Deus, escrito pelo padre Gabriel Malagrida (jesuíta de origem italiana, com longa obra missionária no Brasil, que depois foi desterrado pelo Marquês de Pombal, acabando condenado pelo crime de lesa-magestade e executado pela Inquisição).
A ira divina sempre fez parte das explicações populares das grandes catástrofes, naturais ou não. Hoje, numa época de fanatismos religiosos, a tragédia do furacão Katrina fez proliferar os partidários do castigo de Deus. Como relata hoje o Público (link só para assinantes), os fundamentalistas cristãos norte-americanos consideram-na uma punição divina pelos pecados do aborto e do homosexualismo. Os fundamentalistas islâmicos vêem nela a vingança de Alá pelas ofensas dos Estados Unidos contra o Islão. Em Israel, os zionistas consideram-na um castigo pela pressão dos Estados Unidos para a retirada dos colonatos israelitas de Gaza.
Não havendo agora punição humana para os partidários do castigo de Deus (que, aliás, recai sempre sobre inocentes...), a virtuosa omnipotência divina não seria melhor empregada na punição dos próprios autores destas lucubrações? Haja Deus!

O falhanço do "Estado mínimo"

Nada melhor para verificar o precioso valor do Estado do que as grandes catástrofes naturais. A responsabilidade pública na degradação e insuficiência das defesas de Nova Orleães contra as águas, bem como a indesculpável demora e ineficiência no socorro da cidade após a catástrofe, mostram os efeitos nefastos das políticas de desinvestimento público em infra-estruturas e no serviço público de protecção civil.
A principal tarefa de toda a colectividade política organizada -- a que chamamos Estado -- sempre foi a segurança dos seus membros. A lição do furacão Katrina é a de que o "Estado mínimo" pode ser sinónimo de segurança mínima.

Lapsos populistas

Numa tirada demagógica, o líder do PSD, Marques Mendes, acusa o Governo de se preparar para autorizar "à socapa" a venda da TVI a um grupo espanhol, afirmando que a «TVI é um bem público». Que se saiba, a estação de televisão pertence a uma empresa privada (a Média Capital), que aliás já tem há muito participação de capital estrangeiro, e o eventual negócio não precisa de autorização do Governo. De resto, uma proibição governativa, além de não ter base legal, seria contrária ao direito comunitário.
Os lapsos populistas acabam sempre no disparate.

Ordenamento florestal

Não há razão para as extrapolações que J. A. Maltez tirou aqui sobre este meu post acerca do ordenamento florestal. Não penso em nada que já não exista por exemplo no ordenamento urbanístico, como a proibição de edificação em certos tipos de terrenos, a limitação do tipo de ocupação urbanística, a obrigação de loteamento e de edificação em certos casos, o dever de obras de manutenção e de reparação, etc. Por que é que os terrenos florestais não hão-de estar sujeitos aos mesmos tipos de restrições/obrigações, se a ausência desse ordenamento tem os nefastos resultados que estão à vista de todos?