quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Etíopes em Washington

(Debre Birhan, 12.5.05)
Em Addis Ababa, o Governo desencadeou uma feroz campanha contra mim, a Missão de Observação Eleitoral Europeia e a UE, por causa do relatório que ali apresentei em 25 de Agosto explicando porque é que, apesar do povo mostrar querer e estar preparado para a democracia, as eleições não podiam considerar-se à altura dos padrões internacionais, designadamente devido à opacidade da contagem e ao contexto de repressão violenta e outras violações de direitos humanos.
O PM Meles Zenawi, himself, deu-se ao trabalho de escrever em inglês uma carta de 14 páginas (!...), publicadas em três edições sucessivas do jornal oficioso, o «Ethiopian Herald», a desancar-nos. A carta em si é um mimo - diz tudo sobre o PM e o regime!
«Obliging», os escribas do partido no poder esmifram-se agora a denegrir-me pessoalmente. A última que inventaram é que eu sou racista, com raízes no...salazarismo. Não sabem o que me divertem. E como me sensibilizam as manifestações de repúdio desses ataques que estou a receber em catadupa de etíopes desconhecidos, via e-mail e via os diversos sites etíopes que fogem ao controlo governamental.
E hoje senti-me especialmente compensada por ter de suportar a má-criação de um autocrata de cabeça perdida: num táxi entre o aeroporto de Washington e a cidade, o motorista etíope (há cerca de 100.000 em Washington, diz-se que amahric é a segunda língua in town) pergunta-me de onde venho, onde trabalho. Quando ouve mencionar o Parlamento Europeu, pergunta-me se eu conheço uma Ana Gomes. O resto da viagem passa-se com ele a telefonar a amigos e os amigos a quererem falar-me, todos a agradecer o papel da UE nas eleições e a sublinhar a ânsia do povo por democracia. No final, tive um trabalhão para fazer o motorista aceitar o pagamento da corrida.

O Estado corporativo

Sabia que os magistrados do Ministério Público -- vá-se lá saber porquê -- estão isentos do pagamento das derramas municipais!? Eis as coisas extraordinárias que se fica a saber neste novo blogue, Câmara Corporativa, que não podia ser mais oportuno.

Correio dos leitores: Tribunal de Contas

«(...) Trata-se de uma gigantesca argolada [a escolha do novo presidente do Tribunal de Contas], que descredibiliza ainda mais o governo Sócrates aos olhos de todos aqueles que, como eu, não conhecem pessoalmente Oliveira Martins e que, portanto, não podem assegurar-se das suas virtudes, quais a tal "independência pessoal". Um ex-ministro das finanças de Guterres - o governo mais estouvado com as contas públicas que Portugal teve nos últimos tempos - a fiscalizar as contas do Estado? Aos meus inocentes olhos, isto é pôr a raposa a guardar o galinheiro.»
Luís Lavoura

Vira o disco...

Ao confirmar a proibição da manifestação dos militares, a justiça administrativa entendeu duas coisas: (i) que, de acordo com a lei, nem os militares nem as suas associações podem convocar manifestações, e que também não podem promover nem participar em manifestações de natureza sindical, como era o caso; (ii) que tais restrições são compatíveis com a Constituição, a qual permite a restrição legal do direito de manifestação dos militares, "na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções".
Nestes termos, parece evidente que a decisão dos militares, entretanto anunciada, de fazer convocar uma nova manifestação por intermédio das suas mulheres, não tem condições para contornar a referida decisão judicial. Primeiro, porque se trata de uma óbvia fraude à lei (mesmo por via uxórica, é evidente a autoria real da convocação, anunciada na própria reunião dos militares); segundo, porque isso não alteraria a substância da manifestação, que continuaria a ser uma manifestação de militares com reivindicações de natureza sindical (pois tem por objecto o estatuto sócio-profissional dos interessados). Na verdade, o que, no fundo, o tribunal veio dizer é que não pode haver manifestações especificamente militares e que os militares só podem participar juntamente com outras pessoas em manifestações sem natureza militar. O que não seria obviamente o caso.
Resta saber como é que as chefias militares e o Governo vão reagir a este ostensivo desafio da sua autoridade.

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Venha a candidatura

Pensando bem, que mal maior é que poderá vir ao mundo com uma eventual candidatura de Manuel Alegre?
Aos poetas tudo deve ser permitido, até tirar teimas. Acabem-se portanto os equívocos e venha a candidatura!

O fenómeno da blogosfera

Números colhidos no site Blogpulse (link via O Insurgente):
Número de blogues identificados: mais de 16 milhões.
Numerode blogues criados nas últimas 24 horas: mais de 38 000.
Número de posts registados nas últimas 24 horas: mais de 280 000.
Impressionante (os números aliás crescem continuamente)! Só falta a estimativa do número de leitores desta fenomenal massa comunicacional...

Brincar às candidaturas

O não-candidato que quer parecer que o é, e ser considerado como os que o são realmente: «Alegre e as sondagens«.

Cantar vitória antes do tempo

As últimas sondagens eleitorais na Alemanha, a poucos dias das eleições, revelam a diminuição das possibilidades de uma vitória da direita, que há um mês era dada como certa. A soma de votos da CDU/CSU com os liberais deixou de lhes assegurar a maioria parlamentar; encurta-se a distância entre a CDU e o SPD, neste momento reduzida a 7 pontos, mercê da descida daquela e da subida do segundo; a soma dos votos dos sociais-democratas, dos verdes e dos esquerdistas supera os da direita mais os liberais.
Afinal, não eram favas contadas...

«O poder local como problema»

Por que é que o poder local passou do elogio consensual, como conquista maior do regime democrático, para a acusação de responsável por muitos dos males do país? Um ensaio de resposta pode ser visto no meu artigo de hoje no Público (versão electrónica disponível só para assinantes).

A anedota do ano

«Soares não tem perfil para presidente», diz Marques Mendes.
Há momentos em que mesmo pesssoas sensatas perdem a noção do ridículo.

Tribunal de Contas (2)

A primeira missão do novo presidente, indigitado, do TC deveria ser cortar nas regalias excessivas e injustificadas nele existentes. Quando de trata de disciplinar as despesas públicas é bom que o exemplo venha da própria instância superior que vela pela sua legalidade e "economicidade"...

Tribunal de Contas

Guilherme de Oliveira Martins é uma pessoa cuja competência, qualificações e independência pessoal são inatacáveis, e que exercerá - não haja dúvidas acerca disso -- o cargo de presidente do Tribunal de Contas com impecável autoridade e isenção. Mas o Governo, ao nomear um deputado da sua bancada parlamentar, mesmo se independente, para tal cargo, expõe-se facilmente à crítica das oposições. Por princípio, deveriam ser evitadas as transferências directas do campo governamental para órgãos independentes cuja função principal é controlar... o Governo.

Adenda
Na sua crítica à nomeação, o presidente do PSD, Marques Mendes, acrescentou que «o Tribunal de Contas é um tribunal e acho (...) que à frente de um tribunal deve estar um magistrado». Não acompanho esta posição. O TC não é um tribunal comum, não tendo somente funções judiciais. A Constituição não exige que os juízes do TC sejam magistrados de carreira (tal como não o exige para o Tribunal Constitucional, nem sequer para o STJ ou o STA...). Os tribunais superiores não estão, nem devem estar, reservados aos juízes de carreira.

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

R. Koeman, futuro plantador de tulipas

7 argumentos breves para aliviar a azia e provar que Koeman deve partir quanto antes:

1) Carlitos a titular contra o Sporting. Um artista de circo inconsequente que não era titular há um ano e nem precisa de marcação para perder a bola sozinho;

2) Karagounis a titular. Após um jogo pela Grécia no Casaquistão, 16 horas de avião, duas escalas, duas horas de sono, e um dia de treinos em Óbidos. Saberia sequer os nomes dos colegas de equipa?

3) Mantorras fora dos convocados. Um avançado que valeu 6 ou 7 pontos ao Benfica campeão de Trapattoni e que, quando entra, galvaniza a equipa, ganha cantos e sofre faltas perto da área;

4) Miccoli só no ataque. Um anão de 1,68m entre dois lagartos gigantes, Tonel e Polga. Um jogador que toda a vida foi segundo avançado e que na conferência de imprensa em que foi apresentado assumiu ser melhor "a assistir para golo do que a finalizar";

5) Beto, um rude trinco brasileiro, a entrar na segunda parte para ficar responsável por todo o corredor direito (!) - só voltou à posição de raiz quando Ricardo Rocha foi expulso;

6) Geovanni, jogador de grandes jogos e verdadeiro talismã contra os leões, sentado no banco e nem sequer considerado para entrar em campo;

7) a repetição de uma táctica - 3-4-3 - que deu resultados desastrosos contra o Gil Vicente, na Luz (!), e que nenhuma equipa conhecida neste mundo utiliza, pelo menos desde o Barcelona do princípio dos anos 90.

Nota de rodapé: 3 jogos para o campeonato = 1 golo/1 ponto.

Conclusão: Ronald Koeman ou é louco, ou alcoólico, ou pura e simplesmente imbecil. E nenhum desses requisitos, suponho, costuma aparecer nos perfis dos treinadores desejados. Já não via impreparação e incompetência semelhantes desde a selecção de Oliveira no Mundial do Oriente. Se não ganhar ao Lille - hipótese mais do que provável - Koeman perde definitivamente o balneário e os adeptos. Corram com ele enquanto é tempo. E pronto, já me sinto melhor.

Polémica serôdia

Não vejo que vantagem é que pode ter Mário Soares em alimentar uma polémica com Manuel Alegre.

Adenda
Pelo menos confirma-se que Alegre anunciou a sua disponibilidade para se candidatar já depois de saber que o apoio do PS iria para Soares....

Sondagens

Adeptos de Cavaco Silva e alguns comentadores continuam a "puxar" pelas primeiras sondagens feitas para as eleições presidenciais, que colocam aquele muito à frente de Mário Soares. Ora, importa ter em conta o seguinte: (i) a única sondagem que "entra" com os quatro prováveis candidatos (a da Universidade Católica) não dá vitória à primeira volta a Cavaco, que fica abaixo dos 50% e obtém menos votos do que o conjunto dos 3 candidatos de esquerda; (ii) as previsões para uma possível segunda volta têm uma reduzida credibilidade. Como diz Pedro Magalhães, «a segunda volta ainda não existe».
Quem conhece algo de sistemas eleitorais sabe que existe uma diferença considerável entre o sistema de duas voltas, de tipo francês (que é o nosso), e o sistema de voto duplo alternativo, com uma única votação, em que o eleitor vota no seu candidato preferido e vota logo também num candidato alternativo, para a hipótese de o seu candidato preferido não ganhar e ninguém obtenha maioria absoluta nas primeiras preferências.

Ministros & deputados

Não me parece ser de acolher a ideia de restringir o recrutamento dos ministros ao parlamento, que J. Pacheco Pereira sugere entre as medidas para contrariar a crescente partidarização do Estado.
O princípio da responsabilidade governamental perante o parlamento não o exige. A experiência, nossa e alheia, prova que muitos bons governantes podem vir de fora do parlamento, inclusive de fora da esfera política (actualmente são mais os ministros com essa origem do que os que provêm do aparelho partidário). O recrutamento obrigatório dentro do parlamento, com entrada de deputados substitutos, empobreceria ainda mais o parlamento.
É certo que tal é a regra no Reino Unido e em outros sistemas parlamentares de tipo britânico. Mas a experiência não é importável, por vários motivos: pelo número de deputados em Westminster, muito maior, o que torna muito amplo o campo de recrutamento ministerial; pela tradição do gabinete-sombra, que permite antecipar o provável governo e assegurar a eleição parlamentar dos indigitados; etc.

Correio dos leitores: Direitos dos militares

«Desde sempre o espírito direitista nacional pretendeu impor condições demasiado estritas à polícia e aos militares, entendidos, como antes o eram todos os funcionários públicos, como "servidores" (talvez fosse melhor dizer "servos") do Estado. Lembre-se, por exemplo, as dificuldades criadas aos sindicatos de polícias - instituições perfeitamente corriqueiras noutros países.
É evidente que "a coesão e a disciplina das Forças Armadas" não devem nunca ser postas em causa. Mas, supondo que não o são, porquê impedir os militares de participar em manifestações de caráter político ou sindical? (...) Não são quase todas as manifestações de caráter, directa ou indirectamente, político ou sindical?
A Lei da Defesa Nacional proíbe, pura e simplesmente, o direito de manifestação aos militares. Sem justificação, uma vez que os militares são trabalhadores como os outros, têm expectativas laborais e de progresso pessoal e familiar como os restantes. (...) Compete a um governo de esquerda mudar a lei.»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Benefícios fiscais

«Foi o presidente de um banco -- José Silva Lopes -- quem disse que ninguém poupa mais por causa dos benefícios fiscais. Coisa que me parece evidente.
Os benefícios fiscais são de facto, basicamente, benefícios aos bancos. (...) Os produtos bancários que beneficiam de benefício fiscal oferecem, invariavelmente, taxas de retorno do capital investido inferiores a produtos análogos que não beneficiam de benefício fiscal. Os bancos ficam com a mais-valia.
Ou seja, na prática, os benefícios fiscais "à poupança" são uma transferência de dinheiro do Estado para os bancos. Não beneficiam nem os clientes dos bancos nem a poupança.»

Luís Lavoura

Escrutinar os partidos

Terá seguramente interesse saber o peso das relações familiares na vida política, bem como o peso dos aparelhos partidários nas nomeações para cargos políticos. Os partidos políticos têm de estar sujeitos ao escrutínio público, sem reservas. Resta, porém, saber se tal investigação pode ser fecunda e minimamente credível, se realizada de forma espontâneae selectiva, sem os recursos e os instrumentos metodológicos adequados.
Há ainda outra questão: mais do que as redes familiares e as redes clientelares dos partidos, que pelo menos são públicas, não serão muito mais relevantes as redes de promiscuidade, em geral bem menos visíveis, entre a política e os negócios, para não falar nas ligações bem resguardadas, mas não menos influentes, como as da maçonaria e da opus dei, sobre as quais não conhecemos mais do que impressões e especulações?

The end of empire?

«Message from Katrina: come home, America.» (Patrick J. Buchanan, The Spectator)

"The grim lessons of Katrina"

«The American Right, meanwhile, is lost in denial. It denies that its invasion of Iraq was at best muddle-headed; it denies that poverty is stalking the nation and that the emergence of de facto apartheid (as in New Orleans) has resulted in the cultural Balkanisation of the Republic. Much of the denying is done by George Bush and his White House entourage, but there are echoes up and down the country.» (The Spectator)
Mais anti-americanismo primário, obviamente...

Manifestações militares

Estabelece o art. 31º da Lei de Defesa Nacional que os militares, «desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentação de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, têm o direito de participar em qualquer manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não sejam postas em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.»
A Constituição permite a restrição dos direitos dos militares, «na estrita medida das exigências próprias das suas funções», cabendo à lei a delimitação dessas restrições. Utilizando a lei conceitos relativamente indeterminados -- nomeadamente os de «coesão e disciplina das Forças Armadas» --, é evidente que a invocação desses limites em cada caso concreto necessita de adequada fundamentação.

Desautorização?

Ao fazer publicar no prestimoso "Expresso" um texto de há três anos sobre o papel do Presidente da República, Cavaco Silva pretendeu claramente contrariar as teorizações de alguns dos seus apoiantes no sentido de associar a sua candidatura a uma presidencialização do regime. Fiquemos atentos à reacção deles...

Correio dos leitores: As reformas de Cavaco

«Ao acabar de ler o artigo no PÚBLICO sobre o valor das várias reformas que Cavaco Silva foi acumulando fiquei surpreendido. É que, se bem fizermos o somatório dos anos de trabalho, verificamos que o ex-primeiro ministro já trabalhou cerca de 75,5 anos, que, se adicionarmos à idade com que provavelmente se iniciou no mundo do trabalho (suponhamos aí uns 23 anos), já perfaria hoje a bonita idade de 98,5 anos. Não está mal para quem se presta a ser candidato presidencial. E falam da idade de Mário Soares!
Mas passando por cima desta forma muito peculiar de determinar a idade das pessoas muito eu folgaria em saber a forma como Prof. CS conseguiu trabalhar no Banco de Portugal como Técnico (o que pressuporia um trabalho a tempo integral como funcionário do banco) e ao mesmo tempo como funcionário docente da universidade onde é suposto que praticasse o seu horário normal. Este dom de ubiquidade é de salientar e pode ser que até constitua um estímulo para a sua candidatura.»

Fernando Barros

domingo, 11 de setembro de 2005

As pombinhas do Katrina

11 de Setembro. Passaram quatro anos da noite, em Jacarta, em que emudeci de horror, indignação, fúria, desespero, diante de um televisor, vendo gente atirar-se das torres do WTC, que eu tratara por tu das minhas janelas em Nova Iorque, e assistindo em directo ao desmoronamento das torres. Rebentaram depois mais guerras insanas, mais prédios, comboios e autocarros cheios de cidadãos inocentes, espalharam-se ódios e, como não podia deixar de ser, proliferaram terroristas. Nasceram netos, também, para vincar mais a preocupação pelo mundo que lhes deixamos e a responsabilidade de tudo tentar para travar a loucura de quem desgoverna, governando, de quem empurra para o abismo, supostamente liderando.
Hoje, 11 de Setembro de 2005, é «Ground Zero» em New Orleans, na Louisiana afogada em água podre, viscosa, envenenada. Para além da destruição e do sofrimento, tal como o 11 de Setembro de 2001, também o furacão Katrina não pode deixar de ter consequências profundas para a América e para o Mundo.
Emmanuel Todd em 2000 já antecipava no «Après l'Empire» o «imperial overstreching» dos EUA. Mas o Katrina é que veio realmente mostrar a verdadeira face da América governada pelos «falcões» neo-conservadores e mudar o modo como o resto do mundo olha para a única, mas subitamente vulnerável hiperpotência, com uma Administração alheada dos interesses dos seus cidadãos e flagrantemente incompetente.
Reagan tornou-se Presidente alegando que o Estado, o governo, não eram a solução mas o problema. Bush pai, embora reluctante, e Bil Clinton, embora Democrata, não conseguiram resistir à vaga. Que com George W. Bush cresceu, cresceu e... rebentou com a força arrasadora dum tsunami, insuflado pelo sopro furioso do Katrina. Desde 2001, só as despesas militares não sofreram cortes no orçamento desta América, com um Presidente que passou a vida a salivar pela guerra, a invocar Deus e a desdenhar do Estado. Mas o Katrina, o mais previsto e anunciado dos desastres naturais na história americana, expôs os limites e consequências catastróficas do «conservadorismo com compaixão» dos defensores do «small government»: depois de décadas a desmantelar o Estado, não admira que ele não funcionasse quando mais era preciso.
O incompetente Bush desviou agulhas do Afeganistão sem acabar o trabalho e apanhar Osama Bin Laden nem Al-Zawahari, que atacaram no 11 de Setembro. Mas quer que os americanos vivam na fantasia de que tudo está no bom caminho no Iraque e no Afeganistão, de que espalhar democracia é encenar eleições-farsa (como no Egipto, onde o povo nem se maçou a ir votar), ou legitimar eleições falseadas (como na Etiópia, apesar do povo ter votado massivamente pela democracia, contra a ditadura). Uma fantasia criminosa onde cortes nos impostos são receita de governação, Estado de direito e direito internacional são para mandar às urtigas, direitos humanos um luxo só para ricos, o aquecimento global uma abstracção, a pobreza e a miséria uma fatalidade.
Mas o Katrina e a resposta calamitosa do Governo de George W. Bush mudaram tudo.
Na América, onde as raízes da liberdade e da democracia vão mais fundo do que a propaganda da oligarquia no poder, o Congresso começa a agitar-se para avaliar os colossais falhanços desta Administração. Sinal de que o povo, indubitavelmente, vai exigir mais e melhor Governo, mais e melhor Estado, das Administrações seguintes.
E no Mundo, a América que tudo sabe melhor, a América que prega moral e dita soluções (à bomba se for preciso), a América que põe e dispõe sem cuidar dos sentimentos e interesses dos outros, tem os dias contados. Porque o Katrina está a mudar a forma como a própria América se olha a si mesma e a ideologia politica de dominação mundial dos falcões no poder. O Katrina pôs a nu, para americanos e todo o mundo (terroristas incluidos), que os EUA, sob a Administração incompetente de Bush, aumentaram a vulnerabilidade ao terrorismo: se não estão preparados para evitar um desastre anunciado e socorrer as populações afectadas, como lidarão com mais ataques traiçoeiros como o 11/9 ? O Katrina também pôs a nu, à vista dos americanos e de todo o mundo, diferenças abismais de riqueza, de classe, de cor de pele, de protecção, de acesso que envergonham a América e a sua magnífica história de luta pelos direitos e liberdades cívicas e pela igualdade dos cidadãos. O sentimento de superioridade que os EUA exibiam na política externa, e que tantos pelo mundo fora acatavam servil e acríticamente, ficou esfrangalhado pelo Katrina.
Como escrevia há dias Tom Friedman no NYT «o Katrina destruiu New Orleans, mas terá ajudado a restaurar a América». Ao pedir «ajuda, amor e compaixão» para as vítimas do Katrina, Bush profetizou «out of the darkness will come some light». Já vejo: as pombinhas do Katrina estão a afogar os falcões. Talvez o mundo dos netos ainda possa salvar-se.

sábado, 10 de setembro de 2005

Novas Fronteiras almariam SIC (ou sick?)

Telejornal das 8 da noite de hoje. Por acaso a TV está sintonizada na SIC. Reportagem sobre as «Novas Fronteiras», sessão do PS aberta a independentes e público em geral, para fazer o balanço dos primeiros seis meses de governação.
Estive lá, do princípio ao fim. E por isso constato que a SIC parece estar sick, doente, enjoada, transtornada, almeriada.... É que a reportagem do telejornal resumiu as «Novas Fronteiras» ao balanço autista de José Sócrates, fazendo auto-avaliação e dando-se nota máxima. E passou rapidamente ao final da sessão - umas imagens da intervenção do Dr. Mário Soares e... já está.
Qualquer que seja a avaliação que a SIC faça da intervenção de José Sócrates (e tem todo o direito de a fazer negativa - tanto como eu, de a fazer positiva), é demasiado mau profissionalismo ignorar por completo, nem sequer referir, que houve outras intervenções que complementaram criticamente o balanço feito pelo Primeiro-Ministro. Em especial a intervenção de Vital Moreira, que não apenas elencou decisões e medidas prometidas e já tomadas pelo Governo (incluindo nomeações descredibilizantes), como as que o Governo se comprometeu a tomar e resistências emperram(o referendo sobre a descriminalização do aborto, por exemplo) e ainda outras que deveria urgentemente ter a coragem de adoptar para ser consequente com as reformas que está a lançar - como as referentes à descentralização e regionalização, revisão da lei eleitoral para criação de círculos uninominais, controlo democrático das autarquias, escrutínio parlamentar e transparência das posições governamentais quanto às decisões tomadas em Bruxelas, etc..
Críticas, sugestões, propostas, exigências de um independente, que muitos outros independentes subcrevem (e muitos militantes do PS também, como eu) e que o Primeiro-Ministro ouviu ali nas «Novas Fronteiras», à frente de toda a gente e das câmaras da TV (e é inegável o mérito de se ter disposto a ouvi-las assim).
E não é isto notícia? E não são as críticas e recomendações produzidas o mais relevante para quem deva informar a opinião pública?
Só que a SIC não reparou. Passou uma esponja. Obnubilou. Porque não convinha à tese autista ?
Mas de que almeriamentos anda padecendo o jornalismo SIC?

Repor benefícios fiscais

«Governo vai reintroduzir incentivos fiscais» à poupança. Os benefícios fiscais à poupança no IRS têm três efeitos negativos: tornam o sistema fiscal mais complexo e mais difícil de fiscalizar, têm elevados custos fiscais (redução da receita) e favorecem os titulares de mais altos rendimentos, que são quem mais deles aproveita, diminuindo a progressividade real do imposto. Será que as vantagens em matéria de incentivo à poupança superam os aspectos negativos? Esperemos pelo estudo referido pelo Ministro para ter uma resposta a essa pergunta.

Boa notícia

«'Ciberdúvidas' regressa com apoio dos CTT e da Vodafone».

Correio dos leitores: Anonimato

«É muito fácil dizer mal do anonimato quando (...) se tem uma profissão segura e não sujeita a pressões políticas. Mas muita gente não está nessas circunstâncias. Há muitas profissões em que os patrões não toleram - em certos casos porque não podem mesmo tolerar - que os funcionários exprimam certas opiniões, ou digam certas coisas que sabem. Ou então podem nem ser os patrões, podem ser as pessoas com quem se tem contactos profissionais, etc.
É claro que quem é anónimo pode ter a tentação de abusar desse anonimato. (Tal como quem não é anónimo pode ter a tentação de exibir arrogância moral para quem o é.) Mas, se não houvesse anonimato, muitos blogues não poderiam, pura e simplesmente, existir. E muitas verdades (e mentiras, claro) ficariam por dizer.
Dito isto, é claro que eu detesto o anonimato.»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Gestores públicos

«Estou 200% de acordo com a necessidade de publicitação das remunerações dos gestores públicos. Também me parece inaceitável que haja remunerações fixadas pelos beneficiários (mas haverá?; e se houver, não seria caso para reclamar devoluções?).
É para mim evidente que se não justifica a multiplicação ou mesmo a continuação de muitos "fringe benefits", a começar pelos automóveis.
Mas tudo isso não me leva a deixar de ver como lamentável a forma como os gestores foram nesta campanha apresentados como sanguessugas sociais a uma sociedade que tem mais inveja do que seria desejável. A verdade é que os ordenados de um administrador de uma empresa pública está porventura abaixo dos vencimentos de muitos jornalistas ou de um modesto engenheiro técnico responsável por qualquer frente de obra de um empreiteiro de média dimensão.
Grave me parece que o Estado tenha um limitado campo de recrutamento para poder seleccionar os responsáveis por muitas entidades públicas. Se a qualidade é cara, a ignorância e a incompetência são mais. Por isso, eu gostaria de ver o Estado a instituir o recrutamento dos responsáveis das empresas públicas por forma profissional (publicitação atempada da vaga, dos requisitos técnicos e das condições de retribuição, apreciação técnica de candidaturas e definição de "short lists", selecção final do gestor pelo Estado-accionista, que obviamente responderá politicamente pelo acerto da opção que fizer ). A ser assim, as nomeações da D. Celeste ou do Sr. Vara ou mesmo do Eng. Mira Amaral dificilmente seriam possíveis!»

AMF, Lisboa