quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Na massa do sangue

Por mais que se esforce, Cavaco Silva não consegue esconder que vê no Presidente da República o piloto e o condutor dos destinos nacionais. No debate com Mário Soares, apesar do seu grande esforço para não sair da pauta, em certo momento de distracção escapou-lhe que, caso seja eleito, terá como objectivo "fixar algumas orientações estratégicas", para mais tarde tentar emendar para uma fórmula mais soft mas equivalente, de "tentar consolidar prioridades correctas" [no seu ponto de vista, claro está!..].
Salta à vista que, em vez de se ver como regulador, árbitro e moderador do sistema político -- que tal é a função constitucional do Presidente --, o candidato da direita se vê como protagonista e condutor da política nacional, o que só pode ser uma receita para o conflito político e institucional com a maioria parlamentar e o Governo, a quem está confiada constitucionalmente a definição e execuação das políticas públicas. Definitivamente, está-lhe na massa do sangue!

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Revisão, pois claro

O interpelação do deputado do CDS, Nuno Melo, sobre se o Governo irá proceder a uma "revisão" da decisão relativa ao aeroporto da Ota, caso Cavaco Silva venha a ser eleito -- dado que este este se terá oposto a tal investimento --, é bem reveladora de que a direita pretende transformar as eleições presidenciais numa "revisão" das eleições parlamentares. E é evidente que o mesmo "raciocínio" pode ser utilizado em relação a qualquer política em que presumivelmente o candidato da direita possa divergir do Governo. A solução seria, pelos vistos, sobrepor uma suposta "maioria presidencial" superveniente à maioria parlamentar que suporta o Governo.
Ora, no nosso regime constitucional as eleições que importam para a escolha do Governo e para a definição das políticas públicas são as eleições parlamentares, e não as presidenciais. Pretender que o Governo reveja as suas políticas e o seu programa de governo em função das reais ou putativas ideias do Presidente da República significa subverter não somente o sentido das eleições e do cargo presidencial, mas também o sentido do próprio sistema de governo constitucional.
E ainda dizem que não há motivo para inquietação quanto a uma possível eleição de Cavaco Silva!

Nunca há crise para os mais ricos

«Marcas de automóveis de luxo vão terminar o ano de 2005 com um aumento das vendas, em relação ao ano passado».

para o Luís, filho mais novo

CARTA AOS FILHOS DOS MEUS AMIGOS

O Princípio
Queridos rapazes e duas meninas, é o "tio". Não sei escrever cartas - desculpem. Os vossos pais ensinarão como se deve fazer. Ou não, que agora - com o e-mail e o msn e o sms - já se perde muito esse hábito da correspondência escrita. Se eles forem conservadores ou românticos ou as duas coisas ao mesmo tempo, dir-vos-ão que se poderá começar uma carta por "Meu caro", "Meu querido", "Exmo. Senhor", enfim, tudo dependendo do grau de proximidade e de afectos com o interlocutor em causa. Pessoalmente, não me agrada o "caro", que é pomposo, nem o "querido" antecedido de pronome possessivo nem, obviamente, os excelentíssimos senhores (que, na verdade, não há). Adoptei, nas poucas cartas escritas e enviadas, um princípio bem mais simples: o nome do destinatário, e depois vírgula, mais linha em branco, e aqui vamos nós para o texto propriamente dito. Assim sendo, leiam -

André,

Rodrigo,

Miguel,

Beatriz,

Inês,

escrevo, em primeiro lugar, para vos dar os parabéns pelos espantosos pais que têm. Como conservador romântico que sou, digo-vos já (antes de mais conselhos): confiem neles, ouçam-nos, não tenham medo de lhes fazer toda e qualquer pergunta, mesmo que já tenha passado a idade dos porquês -- e, sobretudo, não se esqueçam, por favor, de lhes perguntar pela vida que tiveram antes de vocês chegarem ao mundo. É fundamental não deixar fugir quem se ama sem conhecer tudo o que ele amou e odiou, todos os passos certos e os tropeções que deu. Vocês, em boa parte, resultaram desses acasos e desse livre-arbítrio para vir cá ter. Há coincidências, não há coincidências, importante é perceber o passado dos nossos pais para que nos sirva de exemplo.

O pão

Comprar pão todas as manhãs. Essencial. Não o comprem à noite. O pão que vale a pena é feito de madrugada e deve comer-se antes que endureça. Uma carcaça fria e seca pode estragar um dia e a vida é demasiado curta para desperdiçar horas preciosas. Evitem as baguetes francesas - os tipos estão convencidos de que sabem fazer pão mas aquilo não é comida que se preze, é uma arma branca ou de arremesso. Comprem nas padarias lisboetas ou dos subúrbios. Pão branquinho, com mais volume, consistência, perfume. Sem um pão bem escolhido pela manhã não se consegue um pequeno-almoço como deve ser e, por muitas voltas que se dêem, essa continuará a ser a refeição mais importante do dia. Acreditem no que vos digo, tenho quase 28 anos e a última vez que tomei dois pequenos-almoços seguidos, era a minha mãe que os fazia para tomar antes de ir para a escola. Tenho saudades desse tempo, quando as manhãs existiam e eram produtivas. Façam o que vos digo, não como eu fiz. Comprar pão pela manhã é a melhor forma de garantir que se goza o dia na sua plenitude e que saímos da cama a horas consideradas decentes pela sociedade. É importante sentir a luz do dia. O nosso corpo precisa disso. Pode até ser que, na altura em que lerem isto, vários anos depois deste dia em que vos escrevo, tenha mudado o meu rumo, perdido as olheiras e recuperado o prazer das manhãs. Assim espero.

A adolescência

Vocês são agora bebés. Bela época, sobretudo para os vossos pais e para quem os visita e brinca convosco. Também já fui bebé mas não me lembro nada bem. É chato. Se me lembrasse talvez não tivesse acordado os meus pais tantas vezes a meio da noite mas, por muito que eles se queixem, vão ter saudades do tempo em que vocês eram pequeninos, gatinhavam e ainda não tinham memória. Porquê? Porque, mais tarde ou mais cedo, chega a adolescência. Meus amigos, deixem-me dizer-vos isto do fundo do coração, até porque é muito provável que me estejam a ler já nessa fase das vossas vidas: não sejam cretinos. A adolescência é uma época parva mas um mal necessário. Vejam-na como uma doença suportável com remédio certo - o tempo. A adolescência passa e o importante é que retenham algumas das seguintes informações: arranjem um grupo de amigos, comprem Clearasil, evitem vestir roupas oferecidas por familiares, estudem (não custa nada no Liceu, por amor da santa!), leiam alguns clássicos, vários jornais e muitas coisas escritas por vocês próprios, e não discutam com os vossos pais excepto se notarem sobranceria ou condescendência. Pais, amigos, cuidado: a adolescência é uma etapa estúpida na vida mas onde a maioria dos traumas com consequências para o futuro se acumulam. Simulem, sejam actores, façam das tripas coração mas nunca demonstrem menosprezo ou indiferença pelos "terríveis" problemas dos filhotes.

O sexo

Evitem os conselhos do Papa Bento XVI, que provavelmente já foi substituído entretanto por outro menos radical e mais progressista (queira Deus, literalmente); evitem animais, professores e menores - excepto se também vocês forem menores. Prefiram o ar livre às pensões rascas. Frase a partir da qual poderia, aliás, começar uma manif.

A política

Evitem o Bloco e o PP. Aliás, ignorem todo o tipo de extremismos. Mantenham-se independentes. Recordem-se que estão em Portugal, onde tudo é 8 ou 80. Aprendam, por isso, a relativizar. Desprezem a mentalidade reinante. Procurem os méritos existentes nas barricadas opostas e participem em discussões que possam perder. Aprende-se muito. Clubismo bacoco, só no futebol, claro. Escolham, se puderem e já agora, o Benfica. Precisamos desesperadamente de pessoas bonitas nas bancadas da Luz. Comprem jornais de orientações ideológicas diversas. Esclareçam as dúvidas com os pais e, sobretudo, com os vossos avós. Leiam muito sobre História. Votem.

O amor

Ouçam Caetano, Mew e Tindersticks. Depeche Mode, James, Go-Betweens, Smiths, Lloyd Cole, Jorge Palma e Nick Cave. Devorem concertos. Comprem discos - só saquem da net se a FNAC não os tiver disponíveis. Coisa que sucederá amiúde, estou em crer. Leiam poesia portuguesa. Aliás, emprestem discos e livros aos amigos, num intercâmbio permanente com a serena consciência de que os objectos podem não mais voltar às vossas mãos. Sejam fiéis depositários das pedras preciosas que os vossos amigos decidirem partilhar convosco. Aprendam a tocar um instrumento. Apontem o máximo possível dos pormenores dos vossos sonhos, mal acordem e poucos minutos antes de sair de casa para comprar pão. Telefonem muitas vezes aos vossos pais. Vão ao cinema pelo menos uma vez por semana. Escrevam cartas aos mais próximos e aos mais distantes. Contem o vosso maior sonho à pessoa perto de vós que mais desesperada parecer estar. Talvez a inspire. O mundo, neste século, muda-se pessoa a pessoa. Uma de cada vez, numa lenta mas eficaz cadeia de afectos. Despeçam-se dos empregos onde reinar o cinismo. Se nada disto resultar, comecem de novo pelas vossas próprias regras. O amor - sobre o qual tantos artistas já escreveram, pintaram, compuseram, esculpiram, morreram, etc -, estará sempre disponível num sítio enigmático qualquer onde, misteriosamente, os bilhetes já esgotaram mas ainda há lugares para VIP's e para felizes contemplados com acesso aos bastidores. O importante é partir e fazer por merecê-lo. Acho.

[publicado em A Capital (antes de o Luís nascer)]

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

De mal a pior

O regime iraniano vai-se tornando cava vez mais fundamentalista, nacionalista e reaccionário. Agora é a vez da proibição da música e do cinema ocidentais, acusados de serem produções "decadentes".
O que virá a seguir neste arremedo de "revolução cultural" à iraniana? A proibição de trajes ocidentais? A interdição da literatura ocidental? A extinção do ensino do Inglês?

Afundamento

O afundamento da candidatura de Manuel Alegre -- que era previsível e que as últimas sondagens eleitorais confirmam -- são produto exclusivo da sua inconsistência, do carácter errático da sua linha política e da fragilidade dos seus apoios. Mas entendo que não faz nenhum sentido qualquer tentativa de a humilhar por parte do PS nem, muito menos, por parte da candidatura de Mário Soares. Quanto mais não seja, em caso de 2ª volta, Mário Soares precisa dos votos de Alegre, pelo que são de evitar todos os factores que possam causar ressentimento entre os seus apoiantes.
[Reproduzido do Super Mário]

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Ligeireza

A ideia de Manuel Alegre de dissolver a AR e convocar novas eleições em caso de privatização do sector das águas revela a ligeireza com que ele encara os mais eminentes poderes presidenciais, deixando pairar sérias preocupações sobre a estabilidade política, caso viesse a ser eleito.
De resto, mais grave do que a privatização das águas -- que aliás não está na agenda política do Governo -- parece-me ser o caso da REN, que detém as redes de transporte de electricidade e de gás natural, sendo de importância estratégica para a nossa economia. A sua privatização já foi anunciada pelo Governo, sem que se conheça nenhuma reserva de Manuel Alegre sobre o assunto.
[Reproduzido do Super Mário]

Semipresidencialismo

Ja se encontra na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, sobre os poderes do Presidente da República.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Antologia da cegueira

«Um destes dias José Sócrates vai ter de começar a governar. Até agora, não aconteceu. Formalmente há primeiro-ministro empossado, mas tem-se, estrategicamente, limitado a anunciar um conjunto de intenções. Acções concretas são poucas, com excepção das mais fáceis: cortar nos benefícios da exaurida classe média. O primeiro-ministro tem estado de férias governativas.»
Eduardo Oliveira e Silva, Diário Económico.

Investimentos públicos

Embora abalada, por causa da credibilidade dos estudos apresentados e dos projectos anunciados, a fronda contra o novo aeroporto e o TGV -- investimentos de importância crucial para os transportes nacionais e para a modernização do País --, continua a insistir, à falta de melhor, na tecla dos seus grandes custos, mesmo que só uma parte deles recaia sobre as finanças públicas.
A mim preocupam-me muito mais as despesas improdutivas, como por exemplo, a compra dos submarinos, decidida pelo anterior governo sem estudos que os justificassem (e sem o alarido dos que agora contestam os referidos investimentos), uma abissal despesa pública literalmente afundada sem nenhuma necessidade nem proveito, salvo para os fornecedores estrangeiros, para as comissões dos intermediários nacionais e para a megalomania de alguns comandos militares.
O dinheiro gasto em investimentos ao menos não vai para consumos supérfluos.

Pudera!

A CAP acha que é melhor não haver nenhum acordo em Hong-Kong sobre a redução dos subsídios agrícolas europeus. Pudera! Os principais beneficiários dos subsídios são os grandes proprietários, algumas centenas a receberem centenas de milhões de euros. Uma verdadeira situação de enriquecimento sem causa!
Só é pena os consumidores e os contribuintes europeus não poderem dizer o mesmo...

domingo, 11 de dezembro de 2005

A escola e a religião

O meu artigo desta semana no Público (título em epígrafe) está disponível na Aba da Causa.

Base das Lages

Alguém sabe o que se passa na Base das Lages ?
Podia saber-se porque há um comandante português da Base.
Porque o Acordo Luso-Americano sobre a utilização da Base das Lages prevê controlo português.
Mas alguém controla realmente?
Num país onde as mais altas autoridades prescindiram até de exigir a invocação do Acordo quando permitiram que a vergonhosa Cimeira da guerra tivesse lugar nas Lages em 2003?

Tortura: quem cala, colabora.

Administração Bush visa tentar convencer a opinião pública mundial de que os EUA agem dentro da legalidade internacional no tratamento de prisioneiros.
Vergonhosamente não têm agido, como revelações sucessivas têm demonstrado, inclusivé as do cidadão alemão de origem libanesa que foi raptado, torturado e finalmente libertado pela CIA, que admitiu finalmente que ele nada tinha a ver com redes terroristas.
Mas esta súbita abundância de esclarecimentos também revela que a pressão da opinião pública internacional começa a ter efeito sobre a administração americana.
Em contrapartida, os governos europeus estão a esconder-se por detrás de um silêncio que revela má consciência.
As suspeitas em torno dos voos da CIA e os «black sites» na Europa só se adensam com o já confirmado na Polónia.
Faltará coragem política a responsáveis que não estavam no governo em 2003 e 2004 para descobrir o que se passou? Terão dado cobertura a práticas dessas em 2005? Estarão à espera que a onda passe? Desenganem-se.
Estão em causa os mais elementares fundamentos do Estado de direito democrático e dos valores europeus.
È também a credibilidade europeia em matéria de direitos humanos que está em cheque.
Por isso o Parlamento Europeu não vai largar.
Quem teve responsabilidades vai ter de responder.
Quem está no poder actualmente vai ter de ajudar a esclarecer. Se não, é conivente no encobrimento.

A tortura nem sempre é tortura? - II

"A tortura nem sempre é tortura. Mas nós não torturamos. E se torturarmos é só porque eles são terroristas. E nunca magoamos muito."

Nos EUA, a Casa Branca tenta desesperadamente convencer o Senador John McCain, Republicano, herói da guerra do Vietname, torturado como prisioneiro de guerra, a retirar uma emenda legislativa para proibir "o tratamento cruel ou desumano de prisioneiros por parte de forças americanas (incluindo a CIA) em território americano e no estrangeiro". Será por zelo humanista desmesurado, que o Senador McCain vê a necessidade de introduzir aquela emenda?
Condoleezza Rice declarou na véspera da reunião ministerial da NATO, na semana passada, que a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura vincula as forças americanas em todo o mundo e não só em território nacional ? o contrário do que vinha sendo defendido pela Casa Branca até agora. No mesmo dia, John Bellinger, conselheiro jurídico do Departamento de Estado dos EUA, admitiu que a Cruz Vermelha não tem acesso a muitos prisioneiros nas mãos de forças americanas.
São esfarrapados os subterfúgios que a Administração Bush usa para camuflar aquilo que revelações diárias na imprensa americana confirmam: que os EUA fazem uso da tortura - às mãos de americanos, ou então recorrendo ao 'outsourcing' securitário.
Claro que a guerra contra o terrorismo impõe escolhas difíceis às democracias: mas a tortura não é, não pode ser, uma dessas escolhas.
Para além de constituir um comportamento inaceitável do ponto de vista moral e legal, a tortura é um método de eficácia duvidosa, como justamente aponta o Senador John McCain.
O caso do quadro da Al Qaeda Ibn al-Shaykh al-Libi é esclarecedor: capturado no Afeganistão, entregue ao Egipto em Janeiro de 2002 através do processo de rendition, submetido a tortura, al-Libi falou que se fartou. E o que disse aos carrascos egípcios veio a calhar para os neo-cons na Administração Bush: o Iraque de Saddam teria dado treino em explosivos e armas químicas à al-Qaeda. Bush usou essa informação num dos seus discursos de ardor belicista em Outubro de 2002. Em Março de 2004 a CIA considerou inválida a informação revelada por al-Libi, acima de tudo porque este entretanto admitiu ter dito o que disse para escapar a mais sevícias por parte dos guardas egípcios. Mas então já o Iraque tinha sido invadido...
A seguir à invasão do Iraque, às imagens dantescas de Abu Ghraib e à degradação de de Guantanamo, a polémica sobre os voos da CIA e os «black sites» incide sobre mais um marco vergonhoso da 'guerra ao terrorismo' à la neo-con: além de fazer multiplicar terroristas por todo o mundo, devasta a credibilidade ocidental na defesa dos direitos humanos e do Estado de direito.

Corrupção

Obrigatória a leitura desta entrevista sobre a corrupção em Portugal.
Há quem tente desvalorizar a dimensão da corrupção entre nós. Mas com depoimentos como este de alguém que deve saber do que fala -- e que aliás corresponde à nossa percepção das coisas --, como podemos dormir descansados?

«Leiam os blogues jurídicos...»

«Numa manifestação de um tremendo autismo, os magistrados também não percebem que só podem ser maltratados impunemente pelo poder político devido ao seu descrédito junto da opinião pública. Não percebem que a sua greve, com ou sem pagamento dos dias de greve, só serviu para os fazer descer ainda mais na estima pública e reforçar a margem de manobra do Governo.
A outra componente básica do seu discurso é que são vítimas de uma conspiração que passa pelos colunistas. Vital Moreira e Miguel Sousa Tavares são os corifeus dessa medonha cabala contra o poder judicial. Solidamente unidos e com objectivos comuns (quais?), encabeçam uma poderosa falange de escribas a soldo (de quem?) que se dedicam militantemente a desacreditar o poder judicial. Leiam os blogues jurídicos e verão como este retrato é pálido. A mentalidade dominante entre os magistrados portugueses, expressa com muita eloquência nos seus espaços de opinião, chega para tirar o sono a qualquer cidadão responsável. Quem depois disto achar que tudo se pode resolver com mudanças do Código Penal ou com mais uma reforma do Código do Processo Civil, é, pelo menos, tolo.»
(J. L. Saldanha Sanches, "O beco sem saída judicial", semanário Expresso de ontem.)

Correio dos leitores: Votos brancos

«O seu esclarecimento sobre a irrelevância dos votos brancos deixa-me preocupada. Quer dizer que se eu quiser contribuir para impedir a vitória de Cavaco na 1ª volta, não posso votar em branco e tenho de votar noutro candidato, mesmo que nenhum me entusiasme e tenha dificuldade em optar?»
(M. A. Mendes)

Resposta:
Assim é. Se o objectivo é o indicado, então serve o voto em qualquer outro candidato. Outra coisa será, se tiver preferência quanto ao candidato que haja de disputar a 2ª volta com Cavaco Silva, caso ela venha a ter lugar.

Cavaco por conta

Nem o oficioso Expresso pode deixar de notar (mesmo que seja numa envergonhada página interior par) aquilo que é evidente: «PSD toma conta de Cavaco», «(...) a sua estrutura de campanha está nas mãos do PSD».
«Suprapartidário», proclama ele, porém! Se no resto houver esta mesma "correspondência" entre o que CS diz e a realidade, com que credibilidade e confiança é que pode ser encarada a sua candidatura? E com que legitimidade é que ele invoca o lema «restituir a confiança» como leit motiv da sua candidatura?
[Reproduzido do Super Mário]

sábado, 10 de dezembro de 2005

Lugares de encanto

Igreja de Santa Cruz, Coimbra.

Justiça?!

«As instituições judiciais vivem num mundo fechado sobre si mesmo, bloqueadas por uma cultura de irresponsabilidade e impunidade corporativa que desaconselha a autocrítica e auto-regulação dos erros, arbitrariedades e abusos cometidos pelos seus membros. Por isso, quando o Tribunal da Relação põe em causa os resultados de uma investigação, o PGR apressa-se a absolver os seus subordinados de qualquer falha comprometedora e a chutar a bola para canto. Por isso, também, quando são públicas e notórias as inconfidências de um magistrado que dirigiu a PJ, lançando suspeitas graves sobre dirigentes políticos e violando o segredo de justiça, o CSM limita-se a arquivar o caso. É incontestável que sem independência da justiça não existe Estado de direito. Mas haverá Estado de direito onde a justiça é o único sector da vida nacional que não é sancionável - pelos outros ou por si mesma?»
(Vicente Jorge Silva, Diário de Notícias)

Correio dos leitores: Votos brancos

«Permita-me ocupar-lhe, mais uma vez parte do seu tempo, mas esta questão dos votos em branco não contar para absolutamente nada é um absurdo, na minha opinião. O voto em branco, por norma, penso que é de alguém que, embora não escolhendo um candidato ou um partido, pode ser um cidadão activamente consciente e participativo na sociedade.
Já votei em branco mais do que uma vez e custa-me que esse voto seja considerado igual ao voto nulo ou até à abstenção. Sou um cidadão que acredita na democracia, que participa na sua comunidade activamente, mas que por vezes não se revê em candidatos. Não será este menosprezar do voto em branco um convite à abstenção? Ou o sistema partidário acha que se esgota nas propostas e então quem não vota nele é de excluir como analfabeto ou ignorante? Repare que há jovens que não se revêem em candidaturas e o que se lhes diz é que se for votar em branco, que para mim é um voto de confiança no regime, é igual a um nulo. Estamos a convidá-lo a não votar. Isto não é tão despiciendo como se julga. É um debate que julgo importante, que fica muita para além da forma redutora como Saramago tratou esta questão no seu romance.»

P. J. Santos

Negócios da China...

Náuseas.
É o que eu sinto ao ouvir José Sócrates considerar uma questão «de justiça» levantar o embargo de armas da UE à China.
«Justiça» para quem?
Para as centenas de mortos nunca admitidos sequer pelo regime chinês no massacre de Tienanmen?
Para os milhares de presos nesses dias que ainda hoje continuam detidos e que nunca foram julgados?
Para os milhares de desaparecidos sobre quem o governo chinês nunca deu qualquer informação às suas famílias?
É que o embargo de armas imposto à China pela Europa em 1989 teve e tem uma razão precisa: o massacre das forças pró-democracia na Praça Tienanmen e a necessidade de pressionar o regime chinês a prestar contas por aquela grosseira e massiva violação dos direitos humanos, que a China, como membro das Nações Unidas, está vinculada a respeitar. Prestar contas sobretudo ao povo chinês e às famílias dos mortos, presos e desaparecidos.
Promete ainda o PM que Portugal se empenhará na UE por esse levantamento.
Não o meu Portugal. (Vd. «Negócios da China» que aqui escrevi a 30.11.05, além de outros escritos alusivos anteriores).
Não quem tiver a decência de emprestar significado às palavras «direitos humanos», «democracia» e «justiça».
Não quem não se venda por promessas de relações económicas mirabolantemente multiplicadas - que só não se multiplicaram, para um país que esteve 500 anos em Macau, por incapacidade e falta de visão estratégica dos agentes económicos, incluindo o Estado português.
Não quem tiver presentes as declarações ameaçadoras para Taiwan que o regime chinês tem reiterado e ainda recentemente tornou mais ominosas.
Não quem tiver o bom-senso de atentar nas implicações políticas e estratégicas de uma tal medida e nas reacões epidérmicas que provoca do outro lado do Atlântico em quadrantes muito mais esclarecidos que a Administração Bush.
Como no episódio da visita do PM à tenda de Kadhaffi, Portugal volta a ficar manchado pelo posicionamento oportunista e inconsequente do Governo. Que logo adverte os interlocutores chineses de que, apesar do seu empenho, o assunto «está a ser discutido ao nível da UE e nunca poderá ser uma decisão unilateral».
Julgará alguém que os chineses assim levam Portugal a sério?
E quem levará Portugal a sério, assim?

A tortura nem sempre é tortura ?

«A tortura nem sempre é tortura. Mas nós não torturamos. E se torturarmos é só porque eles são terroristas. E nunca magoamos muito».

Ontem em Bruxelas, num encontro da Aliança Atlântica, Condoleezza Rice aparentemente esclareceu tudo o que havia a esclarecer sobre as prisões da CIA na Europa. O novo MNE alemão Frank-Walter Steinmeier sublinhou que «o encontro foi extremamente satisfatório para todos nós».
Assunto encerrado? Não.
É difícil imaginar que os voos da CIA, em que prisioneiros eram transportados de e para o Afeganistão, Guantanamo, Paquistão, Bagdad etc., tivessem tido lugar sem o conhecimento das autoridades dos países onde aterravam; é difícil de imaginar que as prisões secretas na Roménia e na Polónia tivessem sido criadas às escondidas de toda a gente.
E, acima de tudo, era difícil de imaginar uma reacção europeia à altura da gravidade da situação, quando a ameaça velada da Sra. Rice tornou claro para toda a gente que tudo se passou com a cobertura tácita das capitais europeias. Uma vergonha!
Mas independentemente do que as capitais de ambos os lados do Atlântico nos querem fazer querer, este debate adquiriu uma dinâmica própria. E só vai aumentar de intensidade.
O Grupo Socialista no PSE decidiu no passado dia 7 pedir a instauração de um inquérito do Parlamento Europeu.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Votos nulos e brancos

Perguntam-me sobre a relevância dos votos nulos e brancos na eleição presidencial. A Constituição resolve expressamente a questão no art. 126º. Na 1ª volta só haverá eleição se um dos candidatos obtiver "mais de metade de votos validamente expressos". Quanto aos votos nulos, não pode haver dúvidas de que estão excluídos, visto não serem votos válidos. Quanto aos votos brancos, a Constituição estabelece que também não contam, seguramente por considerar que não são votos expressos. Portanto, nem os votos nulos nem os votos brancos contam para o apuramento da maioria absoluta; só contam os votos válidos num dos candidatos. Por isso, para que um candidato seja eleito à 1ª volta, basta que tenha mais votos do que os demais candidatos juntos.
Numa eventual segunda volta, que é disputada apenas entre os dois candidatos mais votados na primeira volta, ganha o candidato que tiver mais votos. Ficando de novo fora da contagem os votos nulos e os brancos, o vencedor tem sempre mais de metade dos votos validamente expresos.
Em suma, tal como sucede nas demais eleições, os votos nulos e brancos são irrelevantes na eleição presidencial, salvo o seu significado político, se o seu número for anormalmente elevado.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Blair não vem a Lisboa. E nós, vamos a parte alguma?

A última proposta da Presidência britânica sobre as perspectivas financeiras da UE é inaceitável, contraditória, contra-natura, etc... disseram várias vozes, entre elas Freitas do Amaral e Durão Barroso.
É, de facto, dar o ouro ao Xerife de Nottingham, para recorrer à apropriada metáfora que Durão Barroso finalmente ousou usar, depois de tanto tardar a envolver-se na disputa (no Conselho do Luxemburgo ninguém o ouviu). E, no entanto, a proposta de base era da Comissão (Prodi...).
A proposta britânica põe em causa a coesão, prejudica os novos membros e sobretudo faz os velhos países da coesão - e Portugal em particular - pagar a factura do alargamento. Em compensação, poupa os ricos.
Não toca no imoral «cheque britânico» (Blair diz que só o revê, se a França ceder na reforma da PAC; em compensação acena aos novos membros com mais uns trocos de contribuição de TVA britânica).
Na PAC - cuja necessidade de reforma Blair invocou para inviabilizar o compromisso proposto pela presidência luxemburguesa - a proposta britânica não toca significativamente. Diminui sobretudo o fundo para o desenvolvimento rural, onde Portugal poderia e deveria beneficiar mais, minorando os efeitos nocivos da actual PAC, de que Portugal não é beneficiário liquido (e mais de metade do que recebe vai para o bolso de cerca de 2.000 grandes proprietários).
Uma PAC absurda, que leva mais de 40% do orçamento comunitário a pagar a agricultores em muitos casos para não produzirem ou produzirem a preços inflaccionados para o consumidor - dinheiro de que a Europa precisa desesperadamente para investir na competitividade, qualificação e inovação tecnológica prescritas pela Estratégia de Lisboa. Uma PAC grotesca, que distorce o comércio internacional e frusta as capacidades de desenvolvimento de boa parte dos países mais pobres do mundo. 40% do orçamento comunitário sobretudo para sustentar ricos agricultores franceses. Uma PAC com essa leonina fatia do orçamento congelada até 2013 por um indecente acordo arranjado entre Chirac e Schroeder - e endossado de cruz por Blair e Barroso em Outubro de 2002. Em suma, uma PAC que não serve Portugal e não serve a Europa.
Que atitude adoptar então agora pelos negociadores portugueses ? Há dias ainda se alimentavam ilusões de que era possível defender a proposta do Luxemburgo e investia-se tudo em manter coeso o «grupo da coesão» (isto é, estimular os novos membros a bater o pé connosco, sendo que a Espanha já não faz o jogo, porque sabe que já não está nessa liga).
A lógica era umbiguista - género «que se lixe o que melhor serve a Europa, venham mas é a nós os vossos carcanhóis...». E ingénua.
Era não conhecer as albiónicas caracteristicas dos nossos mais velhos aliados... Eles querem mesmo a reforma da PAC. Se calhar pela Europa, possivelmente também por outros motivos (inclusivé da peleja interna entre Blair e Brown). Acordaram foi tarde: Blair podia não ter dado o OK ao acordo da PAC de 2002 e já podia, muito tempo antes da Cimeira do Luxemburgo,ter anunciado que faria finca pé na reforma da PAC: desde que saiu a primeira proposta de perspectivas financeiras da Comissão, em finais de 2003 (em vez de assinar a «carta dos seis» a pedir redução do tecto orçamental para 1%); ou, mais recentemente, desde que Chirac perdeu o referendo à Constituição Europeia (e algum preço devem pagar os agricultores franceses que maioritariamente votaram contra a mão que os alimenta).
Mas mais vale tarde do que nunca. Porque, quaisquer que sejam as motivações da Presidência britânica, a verdade é que ela tem razão: rever o financiamento da PAC é condição essencial para financiar minimamente a Estratégia de Lisboa - em tempo de alargamento e de avareza dos Estados ricos que não se dispõem a aumentar o tecto orçamental da União.
Por isso era míope a lógica umbiguista. Ainda por cima era de prever que os novos membros acabariam por sucumbir ao canto de sereia de Blair - e ele sabe-a toda, bastou acenar com a facilitação e extensão das condição de acesso aos fundos, e o «grupo da coesão» começou a desmoronar-se a Leste e Centro...
Para conseguirmos um acordo que segure um máximo de fundos para Portugal (e o máximo é possivelmente abaixo do que nos atribuia o acordo frustrado do Luxemburgo), será preciso agarrar Blair na sua própria armadilha: é preciso que Portugal exija a revisão do financiamento da PAC. E a revisão do «cheque britanico», igualmente. Fazer ceder Chirac é possível - Schroeder foi à vida, a esquerda francesa até agradece (fica com Chirac o ónus político de quebrar o tabu, poupando-se assim o PSF a que venha a ensombrar os seus dias, se chegar ao poder em 2007).
Anuncia-se que Sócrates vai a Londres amanhã a consultas sobre o orçamento com a Presidência. Não sei porquê. Normalmente é a Presidência que vai às capitais dos Estados membros (Blair acaba mesmo de dar uma volta pelo Leste).
Mas já que Blair não vem, convém a Sócrates mostrar que sabe bem ao que vai. Insistir na coesão já não leva a parte nenhuma - eles já deram para esse peditório... Exigir a reforma da PAC e do «rebate» britânico para financiar a Estratégia de Lisboa é o que pode impedir que nos baratinem. A Portugal e à União.

O inacreditável Inimputável

Espero ver se não são desmentidas as últimas pérolas que ouvi na TV imputar ao Inimputável-Geral da República.

Imigrantes ilegais têm direitos. Humanos.

Inqualificável o que a SIC Noticias revelou ontem sobre a situação de um grupo de imigrantes ilegais, incluindo quatro mulheres, uma das quais grávida e um bébé, retidos durante mais de 50 dias em condições degradantes e perigosas.
Os obstáculos processuais que demoravam o repatriamento daquelas pessoas resolveram-se num ápice, mal a situação foi mostrada na televisão.
Assim vai a nossa cidadania. Mal! Uma catrefa de funcionários do SEF, da ANA e possivelmente de outras entidades não tem consciência de que, colaborando naquela detenção e noutras medidas degradantes que são infligidas a imigrantes ilegais ou candidatos a asilo político, estão a ser coniventes com tremendas violações de direitos humanos. Não admira - a formação não deve ser exemplar, as pressões e falta de condições serão imensas e a impunidade tem sido total. Resta a consolação de que algum deles se terá indignado, terá desesperado ... e chamado a SIC Notícias.
Se houvesse Procuradoria-Geral da República que ligasse à Constituição da República e ao normativo de Direito Internacional dos Direitos Humanos a que Portugal está vinculado e que vigora directamente na ordem interna por força da Constituição, o caso já estaria a ser judicialmente accionado.
SEF, ANA - quem quer que sejam os superiores hierárquicos e funcionários que deixaram arrastar aquela situação têm de ser identificados e, no mínimo, disciplinarmente responsabilizados. Para ver se eles e outros aprendem.
Se não, na próxima terão de se apurar responsabilidades políticas. É para isso que serve haver um Ministro da Administração Interna, um Ministro dos Transportes, um Ministro da Justiça.
Já imaginaram a comoção nacional se as imigrantes ilegais em vez de serem brasileiras e romenas fossem portuguesas num barracão de um qualquer aeroporto no estrangeiro?
Assim vai a nossa democracia - funciona de sopetão, mal se sabe do escândalo. E é preciso que ele seja televisionado...
Valha-nos a SIC Notícias.

Lugares de encanto

Siena, Itália.

A contestação do semipresidencialismo...

... em França. O antigo primeiro-ministro socialista francês Lionel Jospin veio defender a adopção de um sistema presidencialista, propondo a supressão do primeiro-ministro e a passagem da chefia do governo directamente para o presidente da República. O sua principal justificação é a ambiguidade do executivo bicéfalo do semipresidencialismo francês e a irresponsabilidade política do presidente da República pelas orientações que dá ao governo e pelas quais este acaba por ser o único responsável.
É evidente que, para dar congruência ao novo sistema, seria necessário importar toda a lógica do presidencialismo, incluindo a separação entre o executivo e o parlamento, sem possiblidade de censura parlamentar ao governo e de dissolução parlamentar pelo presidente, à maneira dos Estados Unidos. Será que a proposta de Jospin assume essas implicações, bem como as suas dificuldades no caso de divergência entre a maioria presidencial e a maioria parlamentar? Faz sentido um sistema presidencialista em França, com o sistema de partidos ideologicamente estruturado que aí existe?
E porque não superar as contradições do semipresidencialismo "à francesa", adoptando -- como outros propõem -- um sistema parlamentar, com eliminação dos poderes presidenciais na esfera governativa?