Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
Geografia do referendo
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Vital Moreira
Foi no Sul que a vitória do "sim" teve mais expressão, como era esperado. Mas foi no Centro e no Norte e nas ilhas que o "sim" subiu mais em relação a 1998, em alguns casos com diferenças superiores a 15 pontos percentuais. O triunfo nacional da despenalização também passou por aí, incluindo nos terrenos onde o "não" ganhou. (Quanto ao distrito de Coimbra, apesar da sua geografia mista -- litoral e interior --, não deixou os seus créditos políticos por mãos alheias, tendo o sim ficado bem acima da média nacional, com 63%.)
"Aborto livre"
Publicado por
Vital Moreira
Os derrotados do "não" estão agora muito preocupados com a regulamentação da interrupção da gravidez, insistindo na necessidade de um mecanismo obrigatório de reflexão das mulheres decididas a abortar (medida que, aliás, os defensores da despenalização anunciaram há muito...).
Mas não eram eles que asseveravam que a pergunta do referendo garantia o "aborto livre" e o "aborto a pedido"?! Afinal, agora que o "sim" venceu, já não era isso que estava no referendo?
Mas não eram eles que asseveravam que a pergunta do referendo garantia o "aborto livre" e o "aborto a pedido"?! Afinal, agora que o "sim" venceu, já não era isso que estava no referendo?
E a grande derrotada é ...
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Vital Moreira
... a Igreja Católica. Não somente pelo protagonismo de bispos e sacerdotes, mas também do domínio de personalidades alinhadas com ela nos partidos e movimentos do "não" e, sobretudo, pela omnipresença das suas numerosas organizações subsidiárias na campanha (associação dos médicos católicos, opus dei, etc.).
Nisso também o resultado do referendo constitui um feito histórico: desde a implantação da República que a Igreja Católica não sofria uma derrota política tão profunda. E desta vez directamente às mãos do voto popular.
Decididamente, a Igreja deixou de comandar a consciência moral dos portugueses e as opções políticas do Estado. A separação do Estado e das igrejas deu um decisivo passo em frente.
Nisso também o resultado do referendo constitui um feito histórico: desde a implantação da República que a Igreja Católica não sofria uma derrota política tão profunda. E desta vez directamente às mãos do voto popular.
Decididamente, a Igreja deixou de comandar a consciência moral dos portugueses e as opções políticas do Estado. A separação do Estado e das igrejas deu um decisivo passo em frente.
E o grande vencedor é...
Publicado por
Vital Moreira
...José Sócrates. Não apenas pelo seu empenhamento na vitória do sim e na mobilização do PS para a campanha (que diferença em relação a 1998!). Mas também pelo triunfo da sua estratégia de apostar no referendo e de comprometer-se em respeitar o seu resultado, rejeitando sempre a ideia de votar a lei sem consulta popular (como insistia o PCP), e correndo o respectivo risco.
A despenalização por via parlamentar era obviamente inatacável em termos de legitimidade constitucional. Mas a aprovação referendária confere-lhe uma legitimidade política super-reforçada.
[revisto]
A despenalização por via parlamentar era obviamente inatacável em termos de legitimidade constitucional. Mas a aprovação referendária confere-lhe uma legitimidade política super-reforçada.
[revisto]
domingo, 11 de fevereiro de 2007
Laicidade...
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Vital Moreira
...é quando o Código Penal deixa de imitar o Código de Direito Canónico.
Comparações
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Vital Moreira
É certo que ficámos bem atrás da Suíça, onde a despenalização ganhou com 72% num referendo idêntico, há alguns anos trás.
Mas ninguém poderá negar que é uma vitória impressionante.
Mas ninguém poderá negar que é uma vitória impressionante.
Para a história da liberdade em Portugal
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Vital Moreira
A expressão do triunfo da despenalização do aborto (quase 60% contra pouco mais de 40%) ultrapassou as expectativas mais optimistas.
Uma vitória histórica!
Uma vitória histórica!
SIM! Finalmente!
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AG
Quem ganhou? As portuguesas. Os portugueses. O Portugal europeu, moderno, consciente, com futuro. O PS. Os movimentos cívicos e partidos que se bateram inteligentemente pelo SIM.
Quem foi decisivo na campanha? O Gato Fedorento (obrigada, meus! incluindo o Prof. Marcelo) e José Sócrates.
O que importa a AR fazer rapidamente? Regulamentar a lei, designadamente quanto a período de reflexão e a objectores de consciência.
Onde importa que o Governo invista seriamente? Na educação sexual nas escolas e no planeamento familiar.
Quem foi decisivo na campanha? O Gato Fedorento (obrigada, meus! incluindo o Prof. Marcelo) e José Sócrates.
O que importa a AR fazer rapidamente? Regulamentar a lei, designadamente quanto a período de reflexão e a objectores de consciência.
Onde importa que o Governo invista seriamente? Na educação sexual nas escolas e no planeamento familiar.
Quem ganha, se o sim vencer?
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Vital Moreira
Ganha a despenalização limitada e moderada da interrupção voluntária da gravidez; o direito das mulheres a uma maternidade consciente e responsável; o PS (com José Sócrates em destaque) e demais forças políticas de esquerda, bem como a ala liberal do PSD; os médicos e os católicos "pela escolha"; o Portugal laico, moderno e liberal.
Também serão eles os principais derrotados, se o não vencer...
Também serão eles os principais derrotados, se o não vencer...
Quem ganha, se o não vencer?
Publicado por
Vital Moreira
Ganha o "status quo" penal do aborto e o aborto clandestino; o "direito à vida do feto"; a Igreja Católica, a Associação dos Médicos Católicos; o CDS-PP e a demais direita política; o PSD conservador (com Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa em destaque); o Portugal católico, tradicional e iliberal.
Também serão eles os principais derrotados, se o sim vencer...
Também serão eles os principais derrotados, se o sim vencer...
Um teste civilizacional
Publicado por
Vital Moreira
Como expus num artigo publicado ontem no El País, o referendo à despenalização do aborto também era um "teste civilizacional" (versão original portuguesa na Aba da Causa).
Um pouco mais de rigor, pf.
Publicado por
Vital Moreira
Ao contrário do que já ouvi hoje algumas vezes, o facto de a votação no referendo ficar abaixo dos 50% -- o que neste momento parece seguro -- não afecta a "validade" do referendo, mas sim somente a sua eficácia vinculativa.
Qualquer que seja o seu resultado, o Primeiro-Ministro já anunciou que respeitará a vontade dos cidadãos: o aborto voluntário até às 10 semanas deixará de ser crime, se o "sim" vencer; e continuará como crime, como hoje, se o "não" vencer. Não de pode ser mais claro, nem mais transparente.
Qualquer que seja o seu resultado, o Primeiro-Ministro já anunciou que respeitará a vontade dos cidadãos: o aborto voluntário até às 10 semanas deixará de ser crime, se o "sim" vencer; e continuará como crime, como hoje, se o "não" vencer. Não de pode ser mais claro, nem mais transparente.
Não há maneira de aprenderem
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Vital Moreira
Esta manhã, em muitas ruas de Coimbra apareceram colados nos postes e paredes pequenos cartazes a apelar ao não (com a inevitável imagem de uma criança). Decididamente, há gente que não consegue conformar-se com as regras democráticas...
sábado, 10 de fevereiro de 2007
O Diplomata
Publicado por
Vital Moreira
Ou me engano muito, ou esta escrita de O Diplomata não é desconhecida na blogosfera...
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007
Desvergonha
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Vital Moreira
A ideia de que votando contra a despenalização se pode contribuir para a despenalização é seguramente uma das mais pedestres mistificações políticas de que há memória no Portugal democrático.
Na dúvida, vote Sim
Publicado por
Vital Moreira
Se tiver dúvidas sobre como votar no próximo referendo, vote sim, pela despenalização.
Ao votar sim não está a contribuir para ao aumento do número de abortos. Pelo contrário, poderá contribuir para a sua diminuição. Em países onde o aborto foi despenalizado - e isso já aconteceu na maioria dos países da União Europeia - verifica-se que o número de abortos tem vindo progressivamente a decrescer e que uma mulher aconselhada sobre os métodos de planeamento familiar, após ter feito um aborto num estabelecimento de saúde, raramente volta a recorrer a esse processo de interrupção da gravidez. Pelo contrário, há estimativas de que isso acontece no caso dos abortos clandestinos, a que mulheres recorrem uma, duas e mais vezes.
Mesmo para aqueles, médicos ou não, que se julgam capazes de convencer uma mulher que pretende abortar a não o fazer, é mais fácil poderem atingir esse objectivo, no cumprimento das suas convicções, se essa mulher se dirigir a um hospital e não a um qualquer local clandestino, onde à porta não me consta que se encontrem os militantes do não.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, apenas vota pela despenalização de uma prática social que muito pouca gente considera como um crime.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, não fecha os olhos a uma realidade que está aí, goste ou não dela, que é a de milhares de abortos clandestinos por ano, praticados por mulheres de todas as condições sociais e convicções religiosas.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, mostra a sua solidariedade para com muitas famílias de menores recursos, onde as mulheres praticam o aborto em condições de grande risco, pondo em causa a sua saúde ou mesmo a sua vida.
Ao votar sim, apenas afirma sua tolerância para com a diferença. O voto sim pela despenalização não exclui o não ao aborto, enquanto o voto contra mantém o aborto clandestino. Na dúvida, vote sim.
PS - Este texto foi publicado em 1998, no Diário de Coimbra. O que se passou desde então reforçou a minha convicção nos argumentos nele defendidos. Tomara que não tivesse sido assim!
Maria Manuel Leitão Marques
Ao votar sim não está a contribuir para ao aumento do número de abortos. Pelo contrário, poderá contribuir para a sua diminuição. Em países onde o aborto foi despenalizado - e isso já aconteceu na maioria dos países da União Europeia - verifica-se que o número de abortos tem vindo progressivamente a decrescer e que uma mulher aconselhada sobre os métodos de planeamento familiar, após ter feito um aborto num estabelecimento de saúde, raramente volta a recorrer a esse processo de interrupção da gravidez. Pelo contrário, há estimativas de que isso acontece no caso dos abortos clandestinos, a que mulheres recorrem uma, duas e mais vezes.
Mesmo para aqueles, médicos ou não, que se julgam capazes de convencer uma mulher que pretende abortar a não o fazer, é mais fácil poderem atingir esse objectivo, no cumprimento das suas convicções, se essa mulher se dirigir a um hospital e não a um qualquer local clandestino, onde à porta não me consta que se encontrem os militantes do não.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, apenas vota pela despenalização de uma prática social que muito pouca gente considera como um crime.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, não fecha os olhos a uma realidade que está aí, goste ou não dela, que é a de milhares de abortos clandestinos por ano, praticados por mulheres de todas as condições sociais e convicções religiosas.
Ao votar sim, mesmo com dúvidas, mostra a sua solidariedade para com muitas famílias de menores recursos, onde as mulheres praticam o aborto em condições de grande risco, pondo em causa a sua saúde ou mesmo a sua vida.
Ao votar sim, apenas afirma sua tolerância para com a diferença. O voto sim pela despenalização não exclui o não ao aborto, enquanto o voto contra mantém o aborto clandestino. Na dúvida, vote sim.
PS - Este texto foi publicado em 1998, no Diário de Coimbra. O que se passou desde então reforçou a minha convicção nos argumentos nele defendidos. Tomara que não tivesse sido assim!
Maria Manuel Leitão Marques
Homenagem aos meus professores de Direito
Publicado por
Vital Moreira
Àqueles que me ensinaram o que era um crime e o que não era. Que há comportamentos que outrora foram qualificados como crime (o adultério, a prostituição, a homossexualidade) e que saíram do Código Penal quando a sua incriminação deixou de fazer sentido. Que me fizeram acreditar que o Direito Penal é para ser levado a sério e não para ser instrumentalizado ao serviço de dogmas morais ou das conveniências políticas ou sociais!
Maria Manuel Leitão Marques
Maria Manuel Leitão Marques
O que se decide no referendo
Publicado por
Vital Moreira
Numa impressionante manifestação de falta de rigor, a generalidade dos media insistiu até ao último dia em usar a tendenciosa expressão "referendo ao aborto", favorecendo assim a campanha do Não.
De nada valeu explicar, uma e outra vez, que o referendo não é (nem poderia ser) sobre o aborto, mas sim sobre a despenalização do aborto, o que não é a mesma coisa. Que o voto "sim" não é a favor do aborto, mas sim a favor da revogação da punição penal do aborto. E que o voto contra não é só contra o aborto mas sim contra a descriminalização do aborto.
Quanta confusão e desorientação, sobretudo nos meios sociais menos esclarecidos, não se fica a dever a esta irresponsabilidade dos órgãos de comunicação social, incluindo os do serviço público de rádio e televisão (perante a passividade da Comissão Nacional das Eleições e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social)?
PS - Fiz atempadamente uma reclamação sobre esta falta de rigor ao Provedor dos ouvintes da RDP. Fora o registo da recepção da minha queixa, não cheguei a obter resposta quanto à questão colocada.
De nada valeu explicar, uma e outra vez, que o referendo não é (nem poderia ser) sobre o aborto, mas sim sobre a despenalização do aborto, o que não é a mesma coisa. Que o voto "sim" não é a favor do aborto, mas sim a favor da revogação da punição penal do aborto. E que o voto contra não é só contra o aborto mas sim contra a descriminalização do aborto.
Quanta confusão e desorientação, sobretudo nos meios sociais menos esclarecidos, não se fica a dever a esta irresponsabilidade dos órgãos de comunicação social, incluindo os do serviço público de rádio e televisão (perante a passividade da Comissão Nacional das Eleições e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social)?
PS - Fiz atempadamente uma reclamação sobre esta falta de rigor ao Provedor dos ouvintes da RDP. Fora o registo da recepção da minha queixa, não cheguei a obter resposta quanto à questão colocada.
Mentira e manipulação
Publicado por
Vital Moreira
Foram precisos quatro anos depois da invasão do Iraque, que ele apoiou entusiasticamente, para que o antigo primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar viesse finalmente reconhecer que não havia "armas de destruição maciça" no Iraque. Mas desculpou-se: «toda a gente pensava que existiam»...
Toda a gente!? Uma mentira não deixa de o ser por ser muitas vezes repetida. Valerá a pena lembrar mais uma vez: (i) que muitos países questionaram as alegações americanas sobre as ADM; (ii) que não havia uma única prova concludente das tais AMD; (iii) e que a missão de inquérito internacional não encontrara nenhum indício delas, tendo a guerra sido desencadeada antes de aquela dar por terminada a sua missão!?
Toda a gente!? Uma mentira não deixa de o ser por ser muitas vezes repetida. Valerá a pena lembrar mais uma vez: (i) que muitos países questionaram as alegações americanas sobre as ADM; (ii) que não havia uma única prova concludente das tais AMD; (iii) e que a missão de inquérito internacional não encontrara nenhum indício delas, tendo a guerra sido desencadeada antes de aquela dar por terminada a sua missão!?
Despenalização com legalização e regulação não é liberalização
Publicado por
Vital Moreira
A proposta submetida a aprovação no referendo de despenalização do aborto implica três coisas: (i) a descriminalização do aborto voluntário até às 10 semanas, pois num Estado de direito democrático não pode haver despenalização sem que o acto a despenalizar deixe de ser considerado crime; (ii) a legalização do aborto nesses limites, devendo a interrupção da gravidez ser praticada, para ser lícita, num estabelecimento de saúde legalmente reconhecido; (iii) a regulação dos actos de interrupção da gravidez, tanto a nível da ponderação da decisão da mulher (aconselhamento, etc.) como a nível da organização dos serviços de saúde.
Isto é o contrário de uma alegada "liberalização", no sentido corrente da expressão, a qual só existiria se se ficasse pela descriminalização, como sucedeu, por exemplo, com a prostituição, que foi despenalizada mas não foi legalizada nem regulada.
O que é uma espécie de liberalização é, sim, a "semidespenalização" (sem descriminalização) que alguns adversários da despenalização propriamente dita vieram apresentar precipitadamente à beira do referendo. Na verdade, uma tal proposta não passa de uma liberalização do aborto clandestino, visto que ele continuaria a ser crime, não podendo por isso ser legalizado nem regulado, mas deixaria de ser punível, podendo portanto florescer à vontade (com o inevitável descrédito da lei penal).
Contradições do oportunismo e da falta de seriedade...
Isto é o contrário de uma alegada "liberalização", no sentido corrente da expressão, a qual só existiria se se ficasse pela descriminalização, como sucedeu, por exemplo, com a prostituição, que foi despenalizada mas não foi legalizada nem regulada.
O que é uma espécie de liberalização é, sim, a "semidespenalização" (sem descriminalização) que alguns adversários da despenalização propriamente dita vieram apresentar precipitadamente à beira do referendo. Na verdade, uma tal proposta não passa de uma liberalização do aborto clandestino, visto que ele continuaria a ser crime, não podendo por isso ser legalizado nem regulado, mas deixaria de ser punível, podendo portanto florescer à vontade (com o inevitável descrédito da lei penal).
Contradições do oportunismo e da falta de seriedade...
A trapaça (2)
Publicado por
Vital Moreira
Lembram-se da ira dos adversários da despenalização do aborto, quando em 2005 descobriram que o PS tinha apresentado um projecto de lei, onde, além da despenalização até às dez semanas por decisão da mulher -- a submeter a referendo --, também se previa um alargamento dos casos de licitude do aborto estabelecidos na lei de 1984, destinados a ser aprovados sem submissão a referendo? "Alargamento da despenalização só por referendo", clamaram!
Qual não é o nosso espanto quando os mesmos cidadãos, a poucos dias do referendo em que se batem contra a desspenalização, tiram da cartola uma proposta de despenalização "sui generis" (renúncia ao julgamento dos crimes de aborto!), a apresentar em caso de hipotética vitória do não, ou seja, contra o resultado referendário!? Se era isso que queriam, por que é que se não lembraram de propor essa solução no referendo, em alternativa à que foi submetida a consulta popular (pergunta que eles, aliás, não contestaram)?
Será que se pode esperar alguma coerência destes senhores?
Qual não é o nosso espanto quando os mesmos cidadãos, a poucos dias do referendo em que se batem contra a desspenalização, tiram da cartola uma proposta de despenalização "sui generis" (renúncia ao julgamento dos crimes de aborto!), a apresentar em caso de hipotética vitória do não, ou seja, contra o resultado referendário!? Se era isso que queriam, por que é que se não lembraram de propor essa solução no referendo, em alternativa à que foi submetida a consulta popular (pergunta que eles, aliás, não contestaram)?
Será que se pode esperar alguma coerência destes senhores?
A trapaça (1)
Publicado por
Vital Moreira
A tentativa de última hora de alguns adversários da despenalização do aborto de lançar a confusão no referendo, com base numa sugestão de não julgamento dos crimes de aborto ("despenalização" sem descriminalização), não só não teve o sucesso desejado pelos seus congeminadores (a julgar pelas sondagens de opinião mais recentes) como se traduziu num evidente descrédito das posições e argumentos do não.
Pois se, afinal, os adversários da despenalização abdicam da ameaça de punição das mulheres que abortem, onde fica a intransigente "defesa da vida", na qual basearam todo o seu discurso moral contra a despenalização? E onde fica o argumento anterior de que a despenalização eliminaria qualquer limitação ao aborto?
Pois se, afinal, os adversários da despenalização abdicam da ameaça de punição das mulheres que abortem, onde fica a intransigente "defesa da vida", na qual basearam todo o seu discurso moral contra a despenalização? E onde fica o argumento anterior de que a despenalização eliminaria qualquer limitação ao aborto?
Sociologia dos média
Publicado por
Vital Moreira
Compare esta capa da edição de hoje do Correio da Manhã com esta notícia com a sondagem do referendo, na mesma edição, perdida no interior do jornal e com um título que esconde a prevista vitória da despenalização. Se a sondagem desse vitória ao não, qual seria a manchete do jornal? Não vale adivinhar à primeira!
Por aqueles lados, chama-se a isto, porventura, rigor e imparcialidade na informação....
Por aqueles lados, chama-se a isto, porventura, rigor e imparcialidade na informação....
As manipulações do NÃO
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AG
"A Campanha do NÃO diz que o aumento do número de IVGs demonstra a: 'relação entre o número de abortos e a alteração do quadro legal' mas não há qualquer relação entre esta evolução e a alteração no quadro legal como o NÃO pretende fazer crer."
...
"A Campanha do NÃO diz que os registos de IVG mostram o: 'aumento generalizado do número de abortos após liberalização' mas os dados demonstram o oposto."
São estas as conclusões principais de um estudo minucioso sobre a Evolução do número de interrupções voluntárias da gravidez (IVGs) na Europa da Eurodeputada socialista Elisa Ferreira.
Não deixam margem para dúvidas - nem para mais manipulações dos números pela campanha do NÃO.
...
"A Campanha do NÃO diz que os registos de IVG mostram o: 'aumento generalizado do número de abortos após liberalização' mas os dados demonstram o oposto."
São estas as conclusões principais de um estudo minucioso sobre a Evolução do número de interrupções voluntárias da gravidez (IVGs) na Europa da Eurodeputada socialista Elisa Ferreira.
Não deixam margem para dúvidas - nem para mais manipulações dos números pela campanha do NÃO.
Qual é o efeito jurídico e político do referendo?
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Vital Moreira
1. Ganhando o sim, o legislador parlamentar fica obrigado ou autorizado (conforme o referendo seja vinculativo ou não) a legislar no sentido proposto, ou seja, despenalizando o aborto, mediante a alteração do Código Penal, no prazo de 90 dias.
Caso vença o não, parece evidente que os votantes recusam a despenalização, ou seja, rejeitam pelo menos que o aborto deixe de ser penalmente punido. Pode eventualmente alterar-se a moldura penal, por exemplo reduzindo a pena prevista para o crime, mas mesmo aí pode entender-se que isso defrauda a vontade daqueles que votaram contra a despenalização justamente por apoiarem a punição que está em vigor. Seja como for, não se pode eliminar a punição penal nem adoptar uma medida de efeito equivalente, pois tal seria desrespeitar a vontade expressa no referendo.
Por isso, não faz o mínimo sentido político nem constitucional o apelo ao voto contra a despenalização do aborto para depois fazer o contrário, como sucede com a proposta feita à última da hora por alguns movimentos e personalidades antidespenalização, através de uma solução legislativa destinada a "despenalizar" na prática o aborto, afastando à partida qualquer punição, ainda que mantendo o crime no Código Penal ("despenalização" sem descriminalização)!
O essencial na pergunta do referendo é a despenalização, e não as suas circunstâncias adjectivas. Logo, se o não vencesse, não se poderia depois tentar conseguir um resultado similar, embora de diferente maneira.
2. É evidente que, se o referendo não for vinculativo, por falta de quórum, o legislador não fica juridicamente limitado nos seus poderes de decisão, podendo alterar, acto contínuo, o regime penal do aborto como desejar (incluindo, mesmo, implementar a despenalização derrotada no referendo...). E a mesma liberdade existe mesmo em caso de referendo vinculativo, quando se esgotar a sua força vinculativa, pois esta só perdura até ao fim da legislatura em que ocorre o referendo. No caso concreto, até às eleições de 2009. Depois disso, o legislador recupera formalmente a sua inteira liberdade decisória, independentemente do resultado do referendo.
Porém, sob o ponto de vista da legitimidade política, mesmo que o referendo não seja vinculativo, parece evidente que, caso triunfasse o não, não haveria autoridade política (muito menos por parte dos que se opuseram à despenalização) para proceder a uma despenalização do aborto, ainda que só de facto, pelo menos durante um período equivalente ao da duração da força vinculativa do referendo, se a tivesse. Não seria ilícito fazê-lo, mas seria bem pouco democrático, além de defraudador das expectativas de muitos votantes.
Como é lógico, quem vota contra a despenalização não pode pretender... a despenalização. Por conseguinte, só uma vitória do sim no referendo pode assegurar a despenalização do aborto.
3. De resto, independentemente do referendo, não se afigura compatível com o Estado de Direito afastar em termos gerais e abstractos a punição de um facto punível como crime, o que seria uma espécie de amnistia antecipada. Na verdade, há aí uma contradição nos termos, um verdadeiro contra-senso. Não se pode renunciar antecipadamente a punir um tipo de crime. O direito penal existe para punir os casos de ilícito criminal. Se há crime, pune-se; se não se quer punir, só resta a despenalização propriamente dita, ou seja, a descriminalização.
Caso vença o não, parece evidente que os votantes recusam a despenalização, ou seja, rejeitam pelo menos que o aborto deixe de ser penalmente punido. Pode eventualmente alterar-se a moldura penal, por exemplo reduzindo a pena prevista para o crime, mas mesmo aí pode entender-se que isso defrauda a vontade daqueles que votaram contra a despenalização justamente por apoiarem a punição que está em vigor. Seja como for, não se pode eliminar a punição penal nem adoptar uma medida de efeito equivalente, pois tal seria desrespeitar a vontade expressa no referendo.
Por isso, não faz o mínimo sentido político nem constitucional o apelo ao voto contra a despenalização do aborto para depois fazer o contrário, como sucede com a proposta feita à última da hora por alguns movimentos e personalidades antidespenalização, através de uma solução legislativa destinada a "despenalizar" na prática o aborto, afastando à partida qualquer punição, ainda que mantendo o crime no Código Penal ("despenalização" sem descriminalização)!
O essencial na pergunta do referendo é a despenalização, e não as suas circunstâncias adjectivas. Logo, se o não vencesse, não se poderia depois tentar conseguir um resultado similar, embora de diferente maneira.
2. É evidente que, se o referendo não for vinculativo, por falta de quórum, o legislador não fica juridicamente limitado nos seus poderes de decisão, podendo alterar, acto contínuo, o regime penal do aborto como desejar (incluindo, mesmo, implementar a despenalização derrotada no referendo...). E a mesma liberdade existe mesmo em caso de referendo vinculativo, quando se esgotar a sua força vinculativa, pois esta só perdura até ao fim da legislatura em que ocorre o referendo. No caso concreto, até às eleições de 2009. Depois disso, o legislador recupera formalmente a sua inteira liberdade decisória, independentemente do resultado do referendo.
Porém, sob o ponto de vista da legitimidade política, mesmo que o referendo não seja vinculativo, parece evidente que, caso triunfasse o não, não haveria autoridade política (muito menos por parte dos que se opuseram à despenalização) para proceder a uma despenalização do aborto, ainda que só de facto, pelo menos durante um período equivalente ao da duração da força vinculativa do referendo, se a tivesse. Não seria ilícito fazê-lo, mas seria bem pouco democrático, além de defraudador das expectativas de muitos votantes.
Como é lógico, quem vota contra a despenalização não pode pretender... a despenalização. Por conseguinte, só uma vitória do sim no referendo pode assegurar a despenalização do aborto.
3. De resto, independentemente do referendo, não se afigura compatível com o Estado de Direito afastar em termos gerais e abstractos a punição de um facto punível como crime, o que seria uma espécie de amnistia antecipada. Na verdade, há aí uma contradição nos termos, um verdadeiro contra-senso. Não se pode renunciar antecipadamente a punir um tipo de crime. O direito penal existe para punir os casos de ilícito criminal. Se há crime, pune-se; se não se quer punir, só resta a despenalização propriamente dita, ou seja, a descriminalização.
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007
Correio da Causa: não "sem qualquer justificação"
Publicado por
AG
«Muito esclarecedora é a forma como os defensores do "não" fazem equivaler a IVG a pedido da mulher à liberalização total e ao aborto sem qualquer justificação. Ou seja, a opinião da futura mãe parece ser irrelevante para o caso. Alguns admitem (por convicção ou por estratégia) que certas circunstâncias concretas, nomeadamente as já previstas na lei (perigo para a vida ou para a integridade física da mãe, malformações graves do feto, violação) podem justificar um aborto. Outros admitem mesmo estudar outras circunstâncias objectivas passíveis de justificar uma interrupção de gravidez. Porque, nesses casos, "existe um motivo". Mas a opinião da pessoa mais afectada, que verá as suas condições e projectos de vida irremediavelmente afectados para sempre por uma gravidez que não planeou nem desejou, é motivo nenhum.
Saúdo a coerência dos que defendem a ilegitimidade da interrupção da gravidez em todas as circunstâncias. Tenho pena que, muitas vezes, não manifestem igual apego à defesa do direito à vida na oposição a todas as formas de privação da vida, como a pena de morte e a guerra. Considero porém que "vida" é muito mais do que existência biológica. É também ter projectos, sonhos, expectativas, um passado, um presente e um futuro. E isso, a mãe tem numa medida incomparável com um feto de dez semanas. Embora pareça "não ser nada" na opinião de alguns pensadores.
Passar por uma gravidez, ter um filho e educá-lo supõe, creio que estaremos todos de acordo, inúmeras cedências e sacrifícios, mesmo quando esse filho é desejado e planeado. Obrigar quem não quer a passar por isso, sob ameaça de prisão ou sequer de processo penal, representa uma crueldade e uma intromissão intolerável na autonomia de cada um. Representa também um desprezo pelo direito de cada criança a nascer e viver no seio de uma família que a deseje e a ame - espontaneamente e não por imposição da lei penal.
E obrigar as mulheres a abortar clandestinamente em condições inseguras e pouco higiénicas, longe da vista e das consciências dos que preferem assobiar para o lado, representa um problema de saúde pública a que o Estado tem a obrigação de dar resposta. Como sempre, as consequências não são exactamente as mesmas para as mulheres com maior autonomia e poder económico e para as "outras": na aldeia globalizada em que hoje vivemos, quem pode tem sempre a opção de abortar. Pode não a exercer, por sucesso dos métodos de planeamento familiar ou por imperativo de consciência - como também não terá de exercer se a IVG for despenalizada. Mas essa opção existe sempre. Basta ir a Badajoz ou, para as mais desafogadas, a Londres ou a Amesterdão.
E não se diga que as propostas de dita "despenalização da mulher sem liberalização do aborto" respondem, sequer minimamente, a este problema. Como todos sabemos, não existem mulheres presas em Portugal pela prática de aborto, apesar de se estimar em 20.000 o número de abortos praticados por ano no nosso país. Isto é revelador do ponto a que a sociedade em geral rejeita a criminalização desta prática - ninguém denuncia, as autoridades policiais não a tratam como prioridade de investigação, os juízes têm pudor em condenar as (poucas) mulheres acusadas. Mas o principal problema está lá: é que o aborto é remetido para a clandestinidade. As mulheres poderiam não ser condenadas a prisão (embora pudessem ser sujeitas a "penas alternativas", quase tão estigmatizantes como a prisão), mas os médicos e técnicos de saúde sê-lo-iam na mesma.
Por outro lado, as mulheres que viessem a ter a pouca sorte de cair nas "malhas da justiça" continuariam a ficar expostas e a ver a sua intimidade devassada por polícias ou magistrados no âmbito de um processo, apesar de tudo, penal. Numa campanha em que um dos argumentos utilizados pelo "não" foi o das consequências psicológicas que o aborto pode ter sobre as mulheres que o praticam, será interessante interrogarmo-nos sobre se a sujeição a um processo judicial, independentemente da pena concreta que venha ou não a ser aplicada, fará algo para minorar essas consequências... Ou seja, o que alguns partidários do "não" propõem para solucionar o problema do aborto em Portugal, é nada: não haveria mulheres na prisão (como já não há) e o aborto continuaria clandestino (como já é) e liberalizado na clandestinidade (como já está). Continuariam a existir processos penais e as mulheres continuariam a ter de expor perante estranhos os aspectos mais íntimos das suas vidas.
Diz-se muitas vezes que a solução para o problema do aborto passa, primeiro, pela prevenção das gravidezes indesejadas e, depois, pelas respostas sociais de apoio à maternidade. Concordo sem reservas que estas têm de ser prioridades do Estado. Não vejo porém em que medida é que conflituam com a despenalização do aborto. Pelo contrário, julgo ser claro que só o acompanhamento médico e psico-social das mulheres que desejam abortar permitirá apurar se a sua vontade é verdadeiramente livre para o fazer e encontrar soluções ao nível do planeamento familiar que evitem gravidezes indesejadas no futuro.
Por último, aplaudo a acção das muitas instituições particulares - algumas inspiradas na sua objecção de princípio ao aborto - que trabalham incansavelmente, por vezes com inúmeras dificuldades, para apoiar as mulheres que desejam ser mães. E espero que as mulheres possam continuar a contar com elas independentemente dos resultados de dia 11. É que a grande virtude do SIM é fazer com que todas as opções fiquem disponíveis, todas decisões possam ser tomadas em consciência. Pelo que o seu trabalho continuará a fazer todo o sentido.
Por tudo isto, voto SIM.»
Raquel T
Saúdo a coerência dos que defendem a ilegitimidade da interrupção da gravidez em todas as circunstâncias. Tenho pena que, muitas vezes, não manifestem igual apego à defesa do direito à vida na oposição a todas as formas de privação da vida, como a pena de morte e a guerra. Considero porém que "vida" é muito mais do que existência biológica. É também ter projectos, sonhos, expectativas, um passado, um presente e um futuro. E isso, a mãe tem numa medida incomparável com um feto de dez semanas. Embora pareça "não ser nada" na opinião de alguns pensadores.
Passar por uma gravidez, ter um filho e educá-lo supõe, creio que estaremos todos de acordo, inúmeras cedências e sacrifícios, mesmo quando esse filho é desejado e planeado. Obrigar quem não quer a passar por isso, sob ameaça de prisão ou sequer de processo penal, representa uma crueldade e uma intromissão intolerável na autonomia de cada um. Representa também um desprezo pelo direito de cada criança a nascer e viver no seio de uma família que a deseje e a ame - espontaneamente e não por imposição da lei penal.
E obrigar as mulheres a abortar clandestinamente em condições inseguras e pouco higiénicas, longe da vista e das consciências dos que preferem assobiar para o lado, representa um problema de saúde pública a que o Estado tem a obrigação de dar resposta. Como sempre, as consequências não são exactamente as mesmas para as mulheres com maior autonomia e poder económico e para as "outras": na aldeia globalizada em que hoje vivemos, quem pode tem sempre a opção de abortar. Pode não a exercer, por sucesso dos métodos de planeamento familiar ou por imperativo de consciência - como também não terá de exercer se a IVG for despenalizada. Mas essa opção existe sempre. Basta ir a Badajoz ou, para as mais desafogadas, a Londres ou a Amesterdão.
E não se diga que as propostas de dita "despenalização da mulher sem liberalização do aborto" respondem, sequer minimamente, a este problema. Como todos sabemos, não existem mulheres presas em Portugal pela prática de aborto, apesar de se estimar em 20.000 o número de abortos praticados por ano no nosso país. Isto é revelador do ponto a que a sociedade em geral rejeita a criminalização desta prática - ninguém denuncia, as autoridades policiais não a tratam como prioridade de investigação, os juízes têm pudor em condenar as (poucas) mulheres acusadas. Mas o principal problema está lá: é que o aborto é remetido para a clandestinidade. As mulheres poderiam não ser condenadas a prisão (embora pudessem ser sujeitas a "penas alternativas", quase tão estigmatizantes como a prisão), mas os médicos e técnicos de saúde sê-lo-iam na mesma.
Por outro lado, as mulheres que viessem a ter a pouca sorte de cair nas "malhas da justiça" continuariam a ficar expostas e a ver a sua intimidade devassada por polícias ou magistrados no âmbito de um processo, apesar de tudo, penal. Numa campanha em que um dos argumentos utilizados pelo "não" foi o das consequências psicológicas que o aborto pode ter sobre as mulheres que o praticam, será interessante interrogarmo-nos sobre se a sujeição a um processo judicial, independentemente da pena concreta que venha ou não a ser aplicada, fará algo para minorar essas consequências... Ou seja, o que alguns partidários do "não" propõem para solucionar o problema do aborto em Portugal, é nada: não haveria mulheres na prisão (como já não há) e o aborto continuaria clandestino (como já é) e liberalizado na clandestinidade (como já está). Continuariam a existir processos penais e as mulheres continuariam a ter de expor perante estranhos os aspectos mais íntimos das suas vidas.
Diz-se muitas vezes que a solução para o problema do aborto passa, primeiro, pela prevenção das gravidezes indesejadas e, depois, pelas respostas sociais de apoio à maternidade. Concordo sem reservas que estas têm de ser prioridades do Estado. Não vejo porém em que medida é que conflituam com a despenalização do aborto. Pelo contrário, julgo ser claro que só o acompanhamento médico e psico-social das mulheres que desejam abortar permitirá apurar se a sua vontade é verdadeiramente livre para o fazer e encontrar soluções ao nível do planeamento familiar que evitem gravidezes indesejadas no futuro.
Por último, aplaudo a acção das muitas instituições particulares - algumas inspiradas na sua objecção de princípio ao aborto - que trabalham incansavelmente, por vezes com inúmeras dificuldades, para apoiar as mulheres que desejam ser mães. E espero que as mulheres possam continuar a contar com elas independentemente dos resultados de dia 11. É que a grande virtude do SIM é fazer com que todas as opções fiquem disponíveis, todas decisões possam ser tomadas em consciência. Pelo que o seu trabalho continuará a fazer todo o sentido.
Por tudo isto, voto SIM.»
Raquel T
Correio da Causa: "Os donos do não"
Publicado por
Vital Moreira
«Alguns movimentos do "não" surgiram agora com a ideia de que mesmo que o "não" vença no referendo as mulheres que praticam o aborto devem ser "despenalizadas" (apesar de isto não resolver, como é óbvio, o problema dos abortos clandestinos).
Tal ideia, parece-me a mim, só pode surgir de pessoas que se acham donas do voto "não". De facto, como podem elas ter a certeza que a maioria das pessoas que votam "não" não querem efectivamente que as mulheres que praticam o aborto sejam penalizadas com penas de prisão? Serão donas do voto "não"? O que essas pessoas pretendem é interpretar abusivamente o sentido do voto das pessoas que vão votar "não" a uma pergunta deveras clara.
Como podem dizer que há chantagem por parte do governo quando este vem dizer que tudo fica na mesma se o "não" vencer? Se o "não" vencer é porque há uma maioria de pessoas que considera que deve ser mantida a penalização no nosso ordenamento jurídico. Por isso, o "sim" é o único voto que garante a efectiva despenalização das mulheres que recorrem ao aborto, ao mesmo tempo que combate o aborto clandestino.»
Pedro R.
Tal ideia, parece-me a mim, só pode surgir de pessoas que se acham donas do voto "não". De facto, como podem elas ter a certeza que a maioria das pessoas que votam "não" não querem efectivamente que as mulheres que praticam o aborto sejam penalizadas com penas de prisão? Serão donas do voto "não"? O que essas pessoas pretendem é interpretar abusivamente o sentido do voto das pessoas que vão votar "não" a uma pergunta deveras clara.
Como podem dizer que há chantagem por parte do governo quando este vem dizer que tudo fica na mesma se o "não" vencer? Se o "não" vencer é porque há uma maioria de pessoas que considera que deve ser mantida a penalização no nosso ordenamento jurídico. Por isso, o "sim" é o único voto que garante a efectiva despenalização das mulheres que recorrem ao aborto, ao mesmo tempo que combate o aborto clandestino.»
Pedro R.
Correio da Causa: Os contra-sensos do não
Publicado por
Vital Moreira
"(...) Obrigado pela sua exposição clara das contradições do não.
No ponto 5 do seu texto faz notar que: "Ao defender agora a dispensa de punição (...), os partidários do não entram em contradição com a principal razão da sua oposição à despenalização, que é a utilização da ameaça de punição penal como meio de dissuasão da decisão de abortar."
Estes desenvolvimentos recentes da posição do "não" demonstram claramente que o interesse essencial dos proponentes do "não" é a imposição de um princípio doutrinário católico (pessoa humana desde a concepção) através dos aparelhos legal e judicial do estado Português. A insensibilidade com que se pode propor uma pseudo-solução que agrava o problema do aborto clandestino mostra que o que realmente conta é a condenação simbólica de toda a infracção do indissimulável dogma. A ocorrência reiterada das infracções torna-se até uma vantagem.
(...) Presumo que seja mais fácil reagir a este problema de forma projectiva (acusando de intolerância quem faz notar a nudez do rei) do que encarar os próprios demónios.
Pôr o dedo na ferida não será politicamente aceitável em Portugal onde os brandos costumes são soberanos (só) à superfície, mas será legítimo deixar essa brandura insalubre persistir?»
Miguel M.
No ponto 5 do seu texto faz notar que: "Ao defender agora a dispensa de punição (...), os partidários do não entram em contradição com a principal razão da sua oposição à despenalização, que é a utilização da ameaça de punição penal como meio de dissuasão da decisão de abortar."
Estes desenvolvimentos recentes da posição do "não" demonstram claramente que o interesse essencial dos proponentes do "não" é a imposição de um princípio doutrinário católico (pessoa humana desde a concepção) através dos aparelhos legal e judicial do estado Português. A insensibilidade com que se pode propor uma pseudo-solução que agrava o problema do aborto clandestino mostra que o que realmente conta é a condenação simbólica de toda a infracção do indissimulável dogma. A ocorrência reiterada das infracções torna-se até uma vantagem.
(...) Presumo que seja mais fácil reagir a este problema de forma projectiva (acusando de intolerância quem faz notar a nudez do rei) do que encarar os próprios demónios.
Pôr o dedo na ferida não será politicamente aceitável em Portugal onde os brandos costumes são soberanos (só) à superfície, mas será legítimo deixar essa brandura insalubre persistir?»
Miguel M.
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007
Gentilezas do «não»
Publicado por
AG
Mandem mais o Prof. Gentil Martins para a frente com a bandeira do "não", por favor!
Acabo de assistir à exibição do respeitável cirurgião na SIC-Notícias (conseguiu mesmo embaraçar o Mário Crespo!...), pejada de argumentos fundamentalistas e estatisticas erróneas (as do «aumento» dos abortos em Espanha, por exemplo).
Mas, sobretudo, importa agradecer as «gentilezas» dedicadas pelo gentil professor às mulheres portuguesas - essas levianas, «que enganam os maridos» e por isso nunca irão aos hospitais, preferindo a clandestinidade do vão-de-escada para abortar; essas que "abortam porque lhes apetece" e até vêm para a televisão apregoá-lo...
Pessoal do "não" - esmerem-se em mais "gentilezas" destas, por favor!
Toda a gente do SIM agradece. Gentilmente.
Acabo de assistir à exibição do respeitável cirurgião na SIC-Notícias (conseguiu mesmo embaraçar o Mário Crespo!...), pejada de argumentos fundamentalistas e estatisticas erróneas (as do «aumento» dos abortos em Espanha, por exemplo).
Mas, sobretudo, importa agradecer as «gentilezas» dedicadas pelo gentil professor às mulheres portuguesas - essas levianas, «que enganam os maridos» e por isso nunca irão aos hospitais, preferindo a clandestinidade do vão-de-escada para abortar; essas que "abortam porque lhes apetece" e até vêm para a televisão apregoá-lo...
Pessoal do "não" - esmerem-se em mais "gentilezas" destas, por favor!
Toda a gente do SIM agradece. Gentilmente.
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