segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Notários (2)

O Estado pode definir como exclusivos os actos privativos de cada profissão (por exemplo, os actos notariais), mas não está obrigado a considerar legalmente necessários certos actos profissionais nem, muito menos, a garantir a clientela de certas profissões.
A "desnotarização" de actos e negócios jurídicos da vida pessoal e empresarial (desde o reconhecimento de assinaturas à constituição de associações), constitui uma das mais virtuosas medidas da desburocratização e da simplificação administrativa.

Notários (1)

Segundo o Público de ontem «notários acusam o Estado de violar as regras da concorrência», por causa do programa "Casa Pronta", que permite a aquisição de casa sem intervenção de notário.
Independentemente do caso concreto, a verdade é que os notários não têm legitimidade para falar de concorrência. O notariado foi privatizado, mas sem concorrência na prestação de serviços notariais. Para isso, não deveria haver "numerus clusus" no acesso à profissão, nem limitação territorial da sua competência, nem fixação de honorários.
Se eu fosse Governo, procederia à efectiva liberalização dos serviços de notariado. Ou será que também há direitos adquiridos no proteccionismo profissional?

"Revolução constitucional"

Importei para a Aba da Causa o meu artigo da semana passada no Público sobre a "revolução constitucional" do novo líder do PSD.
O meu artigo de amanhã no mesmo jornal será sobre o Tratado de Lisboa.

domingo, 21 de outubro de 2007

Contenção institucional (3)

É evidente que o PGR pode ter todas as dúvidas sobre a constitucionalidade de qualquer lei que tenha de aplicar, incluindo sobre a norma que proíbe em termos absolutos e pune criminalmente a divulgação de escutas telefónicas, ainda que respeitem a processos penais já não estejam em segredo de justiça. Até concordo com ele nesse ponto (ver aqui e aqui).
O que, porém, não parece razoável é que, tendo ele o poder pessoal de requerer ao Tribunal Constitucional a respectiva declaração de constitucionalidade, venha discutir essa questão na praça pública. Se não quer assumir a responsabilidade de desencadear a fiscalização da constitucionalidade, deve limitar-se a cumprir a lei, como lhe compete como mandatário da República para a prossecução penal, arguindo penalmente os que violam a lei.

Contenção institucional (2)

Que o Ministério Público é uma magistratura hierarquizada e responsável, comandada pelo PGR --, tal é o que resulta da Constituição e da lei. Que a realidade não condiz bem com essa configuração --, bem se sabe, desde há muito.
No entanto, o papel do PGR não pode ser o de vir fazer queixas públicas sobre o "feudalismo" e os senhorios particulares dentro do Ministério Público, mas sim de fazer prevalecer a sua autoridade sobre a instituição e assumir a sua responsabilidade.

Contenção institucional (1)

O que é que leva pessoas normalmente sensatas a incorrerem em incontinência verbal, ainda por cima quando exercem cargos em que ela é especialmente censurável?
Quando um Procurador-Geral da República declara publicamente suspeitar de que está sob escuta telefónica, de duas uma: ou há algum fundamento razoável para essa suspeita, e então deveria ter procedido ao apuramento da situação; ou não há, e então trata-se de uma declaração leviana e irresponsável, pelo alarme e insegurança que cria nos cidadãos comuns acerca de escutas ilegais.
Em qualquer caso, não deveria ter trazido essa questão para público. Tendo-o feito, deve ao País um imediato esclarecimento satisfatório, sob pena de abalar seriamente a contenção e a responsabilidade com que deve ser exercido o cargo que exerce.

sábado, 20 de outubro de 2007

Por que não?

«Saúde: Associação Portuguesa de Hospitalização Privada quer que o Governo autorize faculdades medicina privadas».
Se preencherem os requisitos legais e "passarem" no escrutínio prévio da nova Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, por que não? Se o Estado não pode (ou não quer) investir mais no ensino de medicina nas universidades públicas, ao menos que deixe actuar o sector privado...

Pedir pouco

«A Câmara de Lisboa quer ter uma palavra decisiva sobre as alterações na rede de autocarros da Carris.»
E eu acho que a CML quer pouco. Ela deve reclamar a propriedade e a tutela da Carris, bem como o respectivo financiamento, obviamente, como sucede com demais municípios com transportes colectivos urbanos no resto do País...

Tratado (4)

Duvido das vantagens de alimentar um mistério sobre o modo de ratificação do novo Tratado da UE. Ou a questão já está decidida no sentido da ratificação por via parlamentar, dispensando o referendo, e então não há razão para adiar o anúncio da decisão (outros países já o fizeram); ou ainda não está fechada uma decisão sobre o assunto, e então... devia estar!

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Tratado (3)

Depois de ter rejeitado o Tratado Constitucional, em 2005, a França quer agora recuperar a honra europeia perdida, propondo-se ser o primeiro País a ratificar o Tratado de Lisboa.

Tratado (2)

Os críticos do novo Tratado, e os críticos da UE em geral, censuraram o facto de nesta cimeira só se terem discutido questões de pormenor, ou até marginais, deixando de lado as grandes opções da nova "constituição" europeia.
Mas a crítica não procede, pois tudo o resto tinha sido negociado na presidência alemã, acordado na cimeira de Bruxelas (que aprovou o "mandato") e burilado na presidência portuguesa. Os únicos problemas sobrantes eram, por isso, as tais "questões de pormenor". O que estava assente não precisava de discussão.

Tratado (1)

Acordo alcançado, novo tratado aprovado!
A UE acaba de superar o impasse institucional (se não houver nenhum percalço nas ratificações). Já não era sem tempo!

Impostos (3)

«Ainda não é possível baixar impostos» -- concordam Ferreira Leite e Pina Moura, dado que a situação orçamental ainda não o permite.
De acordo; mas se se atenua o ritmo de redução do défice (como parece ser o caso da proposta de orçamento para 2008), então vai-se adiando o momento em que se torne possível baixar impostos.

Impostos (2)

Apesar do aumento das receitas fiscais entre nós, fazendo elevar o seu peso no PIB (mesmo assim, sem figurar entre os países com maiores aumentos), a carga fiscal em Portugal continua bem inferior tanto à média da OCDE como sobretudo à média da UE.
Continua por isso a haver margem para uma contribuição da receitas para o equilíbrio das finanças públicas, mediante o seu crescimento acima do PIB.

Impostos (1)

Um relatório da OCDE ontem citado pelo Jornal de Negócios confirma o que de há muito se sabe, a saber, que em Portugal os impostos indirectos (onde avulta o IVA) tem um peso na receita fiscal muito superior ao da média dos Estados-membros da organização, respectivamente 39,3% e 31,9%. A mesma diferença se verifica quanto ao peso de tais impostos no PIB. Ao contrário, o peso dos impostos sobre o rendimentos (IRS) e sobre as empresas (IRC) é muito inferior à média da OCDE.
A explicação está tanto nas taxas elevadas dos impostos indirectos entre nós como nas numerosas deduções e isenções, bem como na evasão fiscal, no caso dos impostos sobre o rendimento. Basta pensar nas baixas taxas de tributação efectiva dos rendimentos do capital, das profissões liberais e da generalidade das empresas.
Desse modo, o nosso sistema fiscal deve estar entre os menos equitativos da OCDE, dada a implícita regressividade do IVA e a baixa progressividade real do IRS entre nós.
[revisto]

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

"Delinquência jornalística"

Numa entrevista ao Jornalismo & Jornalistas, o jornalista Manuel António Pina declarou (tal como citado aqui): «Continua a haver muito corporativismo no jornalismo, não há uma condenação profissional da classe em relação aos jornalistas que agem mal. É preciso ter-se a coragem de romper com isto e denunciar a delinquência profissional».
Porém, como se viu na campanha contra o regime de disciplina profissional dos jornalistas, há quem entenda que não há nenhuma "delinquência", ou que ela deve continuar impune.

Correio da Causa: Ordens profissionais

«É altura de o Estado se capacitar que já não é um Estado Corporativo. Como tal, não pode haver instituições que são, simultâneamente, associações privadas (de profissionais) e organismos (profissionais) públicos.
Ou uma coisa, ou outra. As duas coisas têm que ser separadas. As associações privadas não podem ao mesmo tempo fazer o papel de organismos públicos, e ser abençoadas e protegidas pelo poder do Estado.
Tem que haver uma separação clara e total entre o Estado, que é um regulador, e as associações (profissionais ou outras), que são grupos de pressão mas que não têm qualquer poder.»

Luís L.

Correio dos leitores: Aeroporto

«O Novo Aeroporto de Lisboa só ficará concluído em 2027, caso a escolha recaia sobre Alcochete (segundo o Jornal de Negócios). Tal ficará a dever-se a todo o conjunto de novos trâmites e procedimentos necessários a partir do zero, incluindo diversos novos Estudos de Impacto Ambiental, assim como uma nova candidatura a Bruxelas. O JN baseia-se nos "timings" até agora necessários para a escolha da Ota, e faz uma transposição para Alcochete de todos os passos necessários, juntando-lhe ainda Eleições Gerais em 2009. (...) A Portela aguentará até lá?
Há ainda outro "pormenor" de que o J. Negócios fala, mas sem adiantar quaisquer detalhes quanto a uma (mais outra) derrapagem temporal. Prende-se com uma hipotética aceitação do abandono da Terceira Travessia do Tejo, Chelas-Barreiro, em favor de um túnel Beato-Montijo, com o encaminhamento conjunto através dele das linhas convencionais suburbanas e de TGV Lisboa-Madrid e, também, Lisboa-Porto; no caso desta, o itinerário pela margem esquerda do Tejo resultaria numa linha de 340 Km, mais comprida, portanto, que o trajecto convencional inaugurado em 1864 (...).
Quais serão as consequências para o QREN de um adiamento de mais de uma década do Novo Aeroporto de Lisboa e (no limite) do próprio TGV? Valerá a pena arriscar a perda (talvez definitiva) de fundos comunitários, em nome de soluções tecnicamente coxas?»

Manuel T.

Quando as corporações se julgam acima das leis

A despeito da arrogância e má educação do seu bastonário, a Ordem dos Médicos vai mesmo ter de rever o seu Código Deontológico, na parte em que que considera grave infracção disciplinar a interrupção voluntária da gravidez.
Era altura de a Ordem se capacitar de que há uma diferença entre um organismo profissional público, que está obrigado pela lei, e uma associação privada de profissionais católicos.
Adenda
O parecer do conselho consultivo da PGR constitui também uma desautorização do lamentável parecer do Provedor de Justiça em favor da Ordem, como mostrei aqui em devido tempo.

Aeroporto (2)

Entretanto, a opção Alcochete poderia adiar o novo aeroporto para 2027, ou seja, 10 anos depois do esgotamento da Portela (se este não ocorrer antes, como é cada vez mais previsível).
Mas, então, o tal estudo da CIP a favor de Alcochete não argumentava alegadamente com uma construção mais rápida?!

Aeroporto

«Estudo defende manutenção da Portela». O cliente manda...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Liberdade de imprensa

Segundo o "Índice da liberdade de imprensa" relativo a 2007, elaborado pela prestigiada organização independente Repórteres sem Fronteiras, Portugal continua entre os países mais livres, ocupando um honroso 8º lugar, ex-aequo com a Dinamarca e a Irlanda, numa tabela em que todos os melhores países para a liberdade de imprensa são europeus e em que os Estados Unidos ocupam uma comprometedora 48ª posição.
Adenda
É bom de ver que a boa posição de Portugal só pode dever-se ao facto de a organização desconhecer os editoriais e abaixo-assinados dos últimos meses em Portugal contra os "graves atentados à liberdade de imprensa", revelando que o País caminha a passos largos para substituir a Coreia do Norte ou da Eritreia como os piores países para a liberdade de imprensa...

Concorrência

Especula-se com a eventualidade de não recondução do actual presidente da Autoridade da Concorrência. Importa dizer que no seu primeiro mandato, sob a presidência de Abel Mateus, a AC constituiu uma grande mais-valia na defesa e na implementação da concorrência entre nós. Não é preciso estar de acordo com todas as suas decisões para louvar o padrão exigente e rigoroso que ela estabeleceu. E o mérito cabe, desde logo, ao seu presidente.
É evidente que o Governo pode, com toda a legitimidade, não reconduzir o actual presidente para novo mandato (pessoalmente, até defendo a não renovação dos mandatos dos reguladores em geral, a troco de um mandato mais longo). Mas seria lamentável que, em caso de substituição, o Governo desse, ou deixasse criar, a impressão de que o faz em vista de uma Autoridade mais tolerante ou complacente no combate às infracções das regras da concorrência.
Precisamos de mais concorrência, e não de menos.
Adenda
A propósito, corre que a AC vai abrir uma delegação no Porto. Para quê? Não abundando os meios, há alguma vantagem em dispersá-los?

Estado social

Os números sobre a pobreza em Portugal, para além de confirmarem a preocupante taxa de pobreza existente, mostram também duas coisas menos negativas: (i) que as medidas sociais, e nomeadamente o RSI, o salário mínimo e as pensões mínimas, constituem um importante factor de amparo social e de contenção e atenuação da pobreza; (ii) que a pobreza não é uma condição irreparável, havendo uma considerável proporção que consegue sair dessa situação (ver a reportagem no Público de hoje).
É na erradicação da pobreza e na fuga à pobreza que uma política progressista tem de apostar. O Estado social começa por aí. É a própria dignidade das pessoas que está em causa.

Um pouco mais de rigor, sff.

«Um parecer de Jorge Miranda confirma as inconstitucionalidades do novo Estatuto do Jornalista» -- assim informa a edição electrónica do Público.
Ora, lida a notícia e o parecer, está em causa somente a provável inconstitucionalidade (e não «as inconstitucionalidades») dos limites aos direitos de autor dos textos jornalísticos. Já não está em causa, por exemplo, a questão da competência disciplinar da Comissão da Carteira Profissional, a qual, porém, foi uma das soluções mais contestadas, também termos de alegada inconstitucionalidade.

Antologia da imaginação política (2)

«O Partido Comunista Português (PCP) voltou, ontem, a denunciar aquilo que considera ser "o caminho para a privatização dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC)" (...).»
Há dias era o BE que imaginou a iminente "entrega" das Estradas de Portugal ao grupo Mello. Agora é o PCP que imagina a "privatização" dos HUC. De facto, não há limites para a imaginação política! Nem para a mistificação...

Antologia da imaginação política

«Tratado [Europeu] vai implicar perda de direitos sociais, diz CGTP».
Que mais dislates iremos ouvir sobre o Tratado?!

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Gostava de ter escrito isto

«Não precisamos de uma nova Constituição», ou como não é preciso ser constitucionalista para saber da Constituição.
Adenda: No mesmo sentido ver o meu artigo de hoje no Público (em breve na Aba da Causa).

Um diz mata, outro diz esfola

«Juízes concordam com proposta de Menezes [para a extinção do Tribunal Constitucional]». E o sindicato dos juízes vai mesmo mais longe, propondo também a extinção do Supremo Tribunal Administrativo.
Só faltou propor a extinção também do Tribunal de Contas e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Então, sim, o STJ teria alcançado a dupla bem-aventurança: o monopólio da função judicial e a impossibilidade de ser desautorizado por qualquer outra instância judicial...

O trovador militante

Adriano Correia de Oliveira tinha uma voz profunda e expressiva, como poucas. Emprestou-a a muitos poemas de luta e de revolta, logo tornados hinos colectivos. Na Coimbra dos anos 60, canções como "Capa Negra" e "Trova do Vento que Passa" (ambas sobre poemas de Manuel Alegre) foram bandeiras de resistência e de solidariedade, que logo se difundiram, juntamente com muitas outras, pelo País inteiro.
Faz hoje 25 anos que morreu, absurdamente jovem. Ficou nos seus discos uma voz para a história e a memória viva de um grande trovador militante. Obrigado, Adriano!