sábado, 16 de setembro de 2017

Ai a dívida! (13)

Ao surpreender os observadores com a elevação antecipada do rating de Portugal, antes de se confirmar o previsto início da descida consistente do rácio da dívida no corrente ano, a Standards & Poor manifesta claramente a sua confiança no compromisso de rigor orçamental assumido pelo Governo português, o que é muito positivo. Portugal deixa assim a má companhia da Grécia e de Chipre (como mostra a imagem junta).
Conseguido este êxito, a próxima etapa consiste em convencer as demais agências de rating que ainda mantêm uma notação negativa - o que agora deve tardar menos - e depois percorrer a via árdua da subida do rating, degrau a degrau, até pelo menos o duplo AA que Portugal tinha antes da crise. Só assim, o país pode reduzir substancialmente a diferença de juros em relação à referência da dívida alemã e diminuir significativamente o custo orçamental da dívida pública, que continua a ser um dos mais elevados da Europa.
E só então Portugal terá ultrapassado, espera-se que definitivamente, os nefastos efeitos económicos e sociais da crise da dívida de 2011 e da consequente assistência externa.

Adenda
Este bom resultado deve também creditar-se à firme demarcação do Governo (honra lhe seja!) em relação à demagógica ideia de "reestruturação da dívida", em que alinhou a esquerda radical e alguns socialistas menos prudentes, onde se contam agora alguns dos mais eufóricos com a subida do rating, que a sua proposta teria arruinado! Malhas que o oportunismo político tece...

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Não concordo (II)


1. Também não acompanho a proposta de Juncqer de fundir a presidência da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, que na prática se traduziria em colocar o Presidente da Comissão à frente do Conselho Europeu.
De facto, trata-se de instituições com natureza e vocação bem distintas, sendo o Conselho Europeu um órgão representativo dos Estados-membros, ao nível dos respetivos chefes de governo, com funções de orientação política, enquanto a Comissão é titular do "poder executivo" (governo) da União, sendo politicamente responsável perante o Parlamento Europeu. Não faz sentido que o chefe de governo da União presida ao órgão representativo dos Estados-membros, pondo em causa a necessária separação de poderes.

2. Curiosamente, a proposta do Presidente da Comissão não faz referência à presidência do Conselho da União, também órgão representativo dos Estados-membros, a nível ministerial, que é presidido rotativamente, cada semestre, por um dos Estados membros e que desempenha funções legislativas (em parceria com o Parlamento Europeu) e funções "executivas", a par com a Comissão.
Ora, o que faz sentido em termos de separação de poderes e de aprofundamento democrático da União é reduzir as funções "executivas" do Conselho, que não é politicamente responsável perante o Parlamento Europeu, devendo ser transferidas para a Comissão, que o é.

Não concordo (I)

1. Não concordo com a proposta de eleger uma parte dos eurodeputados num círculo pan-europeu, agora de novo colocada em discussão em Bruxelas e que mereceu o apoio do presidente da Comissão Europeia no seu discurso sobre o "estado da União" - de resto um bom discurso -, esta semana em Estrasburgo.
Para além de uma tal solução precisar de uma revisão dos Tratados, o que só pode ser feito por unanimidade dos Estados-membros - condição com escassa viabilidade -, existem várias objeções substanciais:
  - primeiro, passaria a haver duas categorias de deputados, os eleitos nos atuais círculos nacionais e os eleitos no círculo supranacional, com o risco de só estes virem a ser considerados como verdadeiros "deputados da União", remetendo os demais para a condição de representantes dos Estados-membros, tanto mais que os primeiros seriam propostos pelos partidos europeus e os segundos continuariam a ser propostos pelos partidos nacionais;
  - segundo, o círculo supranacional e a respetiva lista de candidatos seriam obviamente dominados pelos países mais populosos (Alemanha, França, etc.), tendendo a eleger deputados dessas nacionalidades, assim distorcendo a regra da repartição "proporcional regressiva" dos membros do Parlamento Europeu pelos Estados-membros;
  - em terceiro lugar, estando o número máximo de deputados fixado nos Tratados (751), a eventual lista supranacional implicaria uma redução dos deputados a eleger ao nível nacional, o que não se afigura aceitável pelos Estados-membros;
  - por último, a criação do círculo supranacional sobreposto aos círculos nacionais exigiria dois votos dos eleitores, o que tornaria mais complexa a votação e poderia fazer aumentar a abstenção.

2. Importa sem dúvida "europeizar" as eleições europeias, tradicionalmente disputadas numa "chave nacional".
Em primeiro lugar, há que aprofundar a experiência positiva das eleições de 2009, que consiste em os partidos europeus apresentarem os seus candidatos à nomeação de presidente da Comissão, que protagonizam o debate na campanha eleitoral, transformando as eleições europeias numa escolha efetiva do "poder executivo" da União, tal como sucede a nível nacional.
Outra ideia consiste em dar maior visibilidade aos partidos europeus nas eleições e na campanha eleitoral, incluindo a possibilidade de apresentarem candidatos nos vários países, substituindo-se aos partidos nacionais. Se os deputados vão depois integrar os grupos parlamentares dos partidos europeus a que pertencem os respetivos partidos nacionais, seria mais lógico que os candidatos fossem desde logo apresentados pelos primeiros, e em nome deles, e não pelos segundos.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Lisbon first! (3)


Esta nota, tirada do Jornal de Negócios de hoje, revela exuberantemente o descaramento da elite política de Lisboa na exploração dos privilégios da capital. A líder do CDS propõe nada menos do que 20-vinte-20 novas estações de metro, sem mencionar que, enquanto este for do Estado, quem paga a sua pesada fatura são os contribuintes de todo o país. Ora, com o dinheiro dos outros é fácil propor obra.
Um mínimo de decência política deveria levar a pródiga candidata a reclamar a (re)municipalização do metro, como proponho há décadas, para aliviar o Estado de uma responsabilidade financeira que lhe não lhe deve pertencer, em homenagem aos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiaridade. Como tenho defendido inúmeras vezes, ao longo dos anos, os contribuintes do resto do país não têm de pagar os transportes urbanos de Lisboa (e do Porto).
[Modificado, incluindo o título]

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Gostava de ter escrito isto! (47)

«Não há equidade nem legitimidade fiscal quando se estabelecem condições especiais para cidadãos estrangeiros com residência em Portugal. Cidadãos que beneficiam de todas as infraestruturas e serviços públicos pagam taxas irrisórias, mesmo dispondo de rendimentos elevados na comparação com os valores nacionais. Não contribuem para o bem comum nos seus países de origem nem no país que os acolhe. É um dos resultados mais perversos da competição fiscal entre países. 
O que não podemos, porém, é criticar a Holanda à segunda e à quarta-feira por atrair as empresas oferecendo-lhes condições fiscais mais vantajosas (ou criticar os administradores do Pingo Doce por se deixarem atrair por essas condições) e à terça e à quinta aceitar como boa prática fixar taxas de imposto de 10% para cidadãos estrangeiros e de 48% para nacionais.
No mínimo, é necessário equacionar o que se ganha e o que se perde. Ganha-se receita, turismo e dinamismo no mercado imobiliário. E o que se perde? Ou equidade e legitimidade são irrelevantes na política fiscal?»
(Maria de Lurdes Rodrigues, Diário de Notícias de hoje).

Adenda
Reza esta noticia que «Governo estuda IRS mínimo para reformados estrangeiros». Ainda bem!

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Nem pensar!


Esta ideia de autorizar a criação de partidos regionais - que precisaria de uma revisão constitucional - deve ser liminarmente rejeitada.
Trata-se de uma norma decisiva do nosso sistema político-constitucional, que ajudou a travar derivas separatistas nos Açores e na Madeira e evitou uma maior fragmentação da representação partidária na AR e nas parlamentos regionais, ajudando por isso à governabilidade da República e das regiões autónomas. Abandonar essa norma abriria o caminho à "via espanhola" de regionalização partidária (não apenas nos Açores e na Madeira, mas quiçá no próprio Continente), enfraquecendo os partidos nacionais e tornando os partidos regionais em fiéis da balança em coligações de governo nacional, com os inerentes custos políticos e financeiros.
Por isso, era conveniente que os partidos nacionais afastassem desde já uma tal eventualidade, que constituiria um colossal erro.

Adenda
Um leitor objeta que tal proibição é antidemocrática. Mas sem razão.
Num Estado constitucional, a democracia não é absoluta, sendo necessariamente limitada pela Constituição, que no nosso caso exclui expressamente os partidos regionais, tal como os partidos religiosos e os de ideologia fascista ou racista. Tudo limitações "antidemocráticas"...
Numa democracia representativa, os partidos e os titulares do poder representam ideias ou interesses políticos diferentes dos cidadãos em geral, mas não devem representar secções populacionais ou partes territoriais do país. Não deve haver partidos regionais, tal como não deve haver partidos étnicos nem religiosos. 

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Ai, o défice (4)

A Irlanda, que no auge da crise chegou a atingir um défice orçamental de 32% (!) em 2010 e também passou por um exigente e penoso processo de assistência externa, vai reduzir o défice este ano para 0,4% e atingir o equilíbrio orçamental no próximo ano, incluindo um substancial reembolso da dívida pública acumulada durante a crise, aproveitando o forte crescimento do PIB, este ano nos 4% (bem acima do nosso previsto e celebrado desempenho económico).
Pelos vistos, não é somente a austera Alemanha que pugna por ter orçamentos (pelo menos) equilibrados quando a economia cresce, a fim de ganhar mais margem de manobra orçamental para quando ela contrai. E se a Alemanha é "mau exemplo", que tal Portugal emular a Irlanda?

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Lisbon first (2)

1. Este artigo de J. Miguel Tavares é somente uma da manifestações menos vitriólicas do verdadeira onda demagógica de centralismo atávico que se criou depois do anúncio do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra relativa ao "aeroporto de Coimbra".
O que os demagogos cuidadosamente escondem é que (i) já existe um aeródromo municipal em Coimbra (na imagem) e que (ii) o investimento necessário para o transformar em aeroporto regular seria da responsabilidade do município, não sendo imputada ao Estado. Portanto, não faz nenhum sentido mencionar esta tema a propósito da discussão do orçamento de Estado nem invocar o caso de Beja.
A verdade é que enquanto Lisboa e o Porto têm o seu "aeroporto no quintal" (na pitoresca expressão de JMT) à custa dos Estado e dos contribuintes nacionais (entre os quais os de Coimbra), o proposto aeroporto de Coimbra não vai sobrecarregar os contribuintes do resto do País. De resto, as regras de disciplina orçamental também valem para os municípios.
Mesmo que o investimento seja contestável (por mim, não apoio enquanto não vir um convincente estudo de viabilidade), essa é uma questão que diz respeito antes de mais aos munícipes de Coimbra.

2. Ao contrário de Lisboa e do Porto, que durante mais de 40 anos "chularam" o orçamento do Estado e os contribuintes de todo o Pais em centenas de milhões de euros para sustentar os seus transportes coletivos urbanos (o que ainda continua no caso do metro), Coimbra mantém os seus transportes urbanos à custa das finanças municipais. Ao contrário de Lisboa e do Porto, que têm centros culturais construídos pelo Estado (CCB e Casa da Música), foi o município de Coimbra que instituiu e mantém o centro de congressos e de concertos do Convento de São Francisco.
Como se não fossem suficientes as enormes vantagens de beneficiar das infraestruturas e equipamentos do Estado (porto, aeroporto, teatros, museus, ópera, etc.), há quem em Lisboa ache que certos bens públicos só devem existir na capital (com algumas migalhas para o Porto...). Agora até pretendem vetar os investimento municipais noutras cidades, como se a autonomia municipal não existisse!
Já não basta "Lisbon first", deve ser "Lisbon only"!

O que o Presidente não deve fazer (10)

Não vejo que se justifique, pelo contrário, o encontro entre o Presidente da República e as ordens profissionais da área da saúde para tratar dos conflitos que existem entre médicos e enfermeiros do SNS e o Governo.
Primeiro, por princípio, o Presidente não deve interferir em conflitos profissionais com o Governo, recebendo os organismos dos que protestam, com o risco de parecer tomar partido por estes contra aquele e legitimar politicamente o seu protesto; em segundo lugar e principalmente, as ordens profissionais não são parte legítima para se envolverem em lutas profissionais, nomeadamente instigando a apoiando a convocação de greves, ações que não cabem na sua missão legal de regulação e supervisão do exercício da profissão. Ao recebê-los, o Presidente está implicitamente a coonestar a sua atividade ilegal, quando o Governo já veio equacionar publicamente a necessidade de pôr fim a esses abusos (ver post anterior).
Em vez de contribuir para resolver os problemas em causa, a iniciativa de Belém agrava-os, dando gás aos prevaricadores.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Corporativismo (6) - Ordens profissionais em causa

 
«Acho extraordinário que associações de direito público [como as ordens profissionais], que têm poderes delegados pelo Estado e a confiança do Estado para exercerem a regulação profissional, sejam promotoras de iniciativas que visam atacar o Estado, violar a lei e, pior do que isso, promover o abandono de serviços e abandono de funções.
Se é este entendimento que algumas pessoas têm do que é uma associação de direito público, então provavelmente está na altura de todos nós termos uma conversa sobre esta matéria e perceber qual a utilidade e a utilização que está a ser dada à confiança que o Estado deposita em instituições autónomas»
. [Destaque acrescentado]
Estas palavras do Ministro da Saúde, proferidas a propósito da Ordem dos Enfermeiros e do seu provocatório apoio e incitamento à greve de alguns enfermeiros especialistas no SNS, vem pela primeira vez colocar oficialmente no debate público a subversão, por parte de algumas ordens profissionais, especialmente na área da saúde, do seu papel enquanto organismos públicos de regulação de supervisão profissional, que elas pouco exercem, preferindo comportar-se como organismos parassindicais, que elas não são nem podem ser, não podendo intervir em questões de emprego e de relações laborais.
Não me tenho cansado de denunciar essa situação nesta séria de posts sobre o corporativismo profissional. No caso da Ordem dos Enfermeiros há muito que se passou das marcas (e não está em causa propriamente o desbocamento verbal da respetiva bastonária). Mas penso que antes de encarar qualquer medida mais drástica, nomeadamente pôr fim à autorregulação e autodisciplina profissional dessas ordens, há meios na justiça administrava para as intimar a cessar a sua atividade ilegal e a prosseguir efetivamente as suas atribuições legais.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Falsas taxas (3) - Inconstitucionalidade

O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional da chamada taxa de proteção civil do município de Gaia, no julgamento do recurso de um contribuinte, dando razão aos argumentos aqui produzidos por mim contra essa alegada taxa.
Estando pendente um pedido do Provedor de Justiça de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas municipais que criaram tal "taxa", é mais do que provável que o TC vai decidir no mesmo sentido. Começa assim a reversão do abuso municipal de pseudotaxas que afinal são impostos, para os quais os municípios não têm competência.
Fica também aberto o caminho para idêntica decisão no caso da chamada taxa turística, que também é um imposto, como aqui defendi.

Operações de Paz e Ação Humanitária


Vai decorrer em novembro próximo em Coimbra o 8º Curso de Especialização de Operações de Paz a Ação Humanitária (OPAH), uma parceria entre o Ius Gentium Conimbrigae e o Exército Português, aberto a civis e militares, do qual sou um dos corresponsáveis.
Mais informações no respetivo site.

Contra a barbárie tauromáquica

Vale a pena ver este filme espanhol sobre a tauromaquia, centrado sobre o sofrimento dos touros.
Duvido que alguém possa ficar emocionalmente indiferente e não fique chocado com o facto de haver quem se divirta com esta barbárie.
Um dos exemplos máximos do hipocrisia humana é ouvir a declaração de amor aos touros por parte de alguns "aficionados" da tortura e morte de animais para gáudio público. Maior ainda quando se trata de gente de esquerda!

Adenda
É de esperar que a RTP, que continua a transmitir touradas (embora menos) nos canais abertos, em desrespeito pela sensibilidade das pessoas, a começar pelas crianças, transmita este filme. Continua a surpreender-me o facto de as touradas poderem ser incluídas na programação de uma televisão pública num país civilizado no séc. XXI.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Contradição

A defesa que Cavaco Silva fez da virtude da contenção e da discrição presidencial em matéria de declarações públicas (doutrina com que, aliás, concordo, mas que ele próprio nem sempre observou enquanto PR) devia valer também para os ex-presidentes, como tem sido prática geral, e virtuosa, dos anteriores titulares do cargo (com exceção de Mário Soares na fase final). E isso vale desde logo para as apreciações em relação aos seus antecessores ou sucessores. Um ex-Presidente não é um cidadão qualquer nem muito menos um comentador político.
Ora, essa posição foi foi logo flagrantemente contraditada pelo próprio CS, quando decidiu atacar em termos pouco contidos e pouco discretos o atual PR por excesso de exposição pública. Mesmo sendo a crítica fundada, não cabe a um anterior PR fazê-la, para mais nos termos descabidos em que foi feita e no local onde foi produzida, numa iniciativa partidária.  De resto, sendo CS membro do Conselho de Estado, órgão consultivo do PR em funções, esse seria o fórum apropriado para produzir doutrina sobre o perfil do poder presidencial de externalização de opiniões públicas.
Contradição óbvia, portanto

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Voltar ao mesmo? (12)

1. Provavelmente, o Governo vai ceder nas negociações do orçamento para 2018 quanto ao limite dos 200 milhões de euros que tinha "predestinado" para a reabertura das progressões na função pública. Se a isso se somarem os cerca de 800 milhões de despesa acrescida com as pensões (em consequência do aumento extraordinário, que este ano só começou a ser pago em agosto, e da atualização ordinária prevista na lei, entre outros fatores), bem como o anunciado acréscimo da dotação para saúde e educação e o aumento de efetivos nas forças armadas e forças de segurança, podemos antecipar que, se não houver cortes na despesa de outras rubricas (assaz improvável), o orçamento do ano que vem vai importar uma subida da despesa pública de mais de mil milhões.
É certo que em tempo de "vacas gordas" na economia, a receita pública vai dar e sobrar para arcar com essa despesa acrescida, mesmo contando com as duas ou três centenas de milhões do alívio do IRS. O problema é que, se é fácil pagar nova despesa quando a economia "bomba" receita fiscal e poupa despesa social, tudo se torna mais difícil quando a economia arrefecer, a receita descer e a despesa, essa, permanecer.

2. Sem grande simplificação, a vida orçamental em Portugal desde o início da era democrática tem-se pautado pela repetição de um ciclo nefasto, de que nem as regras de disciplina orçamental da UE nos têm libertado até agora: aumento da despesa pública nos períodos de crescimento económico (e nas vésperas de eleições), seguido de aumentos de impostos ou do défice orçamental e da dívida pública, ou de ambos, quando as condições económicas mudam. 
Tirando os períodos de assistência externa (1983-85 e 2011-14), nunca foi possível reverter em termos reais os aumentos de despesa anteriores ou sequer parar o aumento da despesa, especialmente da despesa corrente (como mostra o quadro junto). Em especial, os aumentos de pensões e da despesa com pessoal da função pública são tão politicamente tentadores (por causa da importância eleitoral desses vastos grupos sociais) quanto insuscetíveis de reversão posterior

3. Na atual euforia com a inesperada dimensão do crescimento económico - em grande parte alimentado pela procura externa (exportações e turismo) - e com o maná financeiro que ele proporciona, pode não haver lugar para a prudência política que o nosso irresponsável historial orçamental aconselharia.
Em geral, a esquerda tem propensão para aumentar a despesa pública e subir os impostos; em tempo de vacas gordas, não sendo preciso sequer subir os impostos (pelo contrário) para haver mais dinheiro, a tentação para o despilfarro da despesa pública pode ser compulsiva. Mas seria grosseira leviandade política esquecer esse historial, sobretudo quando herdámos dele a montanha de dívida pública que devia prevenir gritantemente contra o regresso ao fado passado.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Este país não tem emenda (12)

A imagem apresenta dois edifícios públicos sitos na chamada Ilha do Farol (ponta ocidental da Ilha da Culatra, no Algarve), tendo sido instalações de apoio à construção da barra Faro-Olhão, visível em segundo plano. Estão abandonados há anos (excetuada alguma ocasional ocupação privativa por funcionários em férias), em visível processo de degradação. De resto, há outros edifícios públicos no mesmo local em situação idêntica.
É assim o destino de muito património público edificado. Depois de deixar de ter o uso originário é pura e simplesmente abandonado à usura do tempo e dos elementos, até à impossível recuperação, em vez de lhe ser dado outro destino. Ora, se os portos já não precisam de tais edifícios - que são de boa qualidade e localizados numa situação privilegiada -, porque não ceder o seu uso, a título gratuito ou oneroso, a outras entidades públicas ou privadas de fins públicos (restaurante, hostel, etc.), que lhe deem nova serventia e assegurem a sua conservação, bem como o arranjo do espaço envolvente?
O primeiro cartão de apresentação do poder público é o estado dos edifícios públicos. No caso concreto, como infelizmente em muitos outros, só há razões para inquietação. Se o Estado desgoverna assim o seu património edificado, que afinal é pertença da coletividade, como confiar que é mais zeloso no resto?

Demagogia fiscal


A deputada do Bloco, Mariana Mortágua, defende que os contribuintes de IRS que ficam no 1º escalão (e não apenas os do 2º escalão) também devem ser aliviados no Orçamento para 2018,  pois não faria sentido esquecer "os mais pobres entre os pobres".
Pode-se obviamente contestar o valor elevado da taxa do 1º escalão. Mas falar neste contexto nos "mais pobres entre os pobres" constitui  pura demagogia política, em que o BE é useiro e vezeiro. De facto, os pobres (e não apenas os mais pobres) não estão sujeitos obviamente a IRS, por o seu rendimento não superar o limiar de "rendimento coletável" (que é sempre inferior ao rendimento efetivo, dadas as deduções). Na verdade, quase metade das famílias em Portugal não paga IRS e mais de metade do montante do imposto é paga por uma pequena minoria de contribuintes, cujos rendimentos caem no 3º e no 4º escalões do imposto.
Deixando de lado os rendimentos sujeitos a "taxas liberatórias", a ideia de que existe um défice de progressividade no IRS é uma treta.

Adenda
Há agora a noticia de que vai mesmo ser alargado o número de famílias isentas de pagamento de IRS. Afinal, a deputada do Bloco só se adiantou mais uma vez no anúncio de uma medida da Geringonça, marcando a agenda política. Por este andar, o IRS, que devia ser tendencialmente um imposto universal (obviamente com uma taxa inicial mais baixa do que a atual), vai recair sobre uma minoria de portugueses!

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sem fundamento

Pode haver vários argumentos a favor da adoção do chamado "sistema eleitoral proporcional personalizado" de tipo alemão, em que uma parte dos deputados (tendencialmente metade) é escolhida por maioria em círculos uninominais (sendo depois contabilizados na quota proporcional do respetivo partido).
Mas entre esses argumentos não se conta com certeza a ideia de que isso ajudará a reduzir a corrupção. Não se vê que relação pode ter uma coisa a ver com a outra.

Um pouco mais de ambição sff

1. Sem surpresa, face aos dados da execução orçamental do primeiro semestre, o Ministro das Finanças veio anunciar que vão ser alcançadas as metas estabelecidas para a redução do défice orçamental (para 1,5%) e a diminuição do rácio da dívida (para 127,7%).
Todavia, como tenho escrito vários vezes, a substancial aceleração do crescimento económico e da criação de emprego entre nós, puxada essencialmente pelo robusta retoma económica europeia, deveria levar a propor objetivos bem mais ambiciosos do que os inscritos no Orçamento deste ano (aliás, já de si pouco ousados), baseados numa previsão de crescimento do PIB de 1,8%.
Primeiro, se essa taxa vai ser afinal assaz superior (talvez acima dos 2,5%), o simples aumento do PIB faz diminuir automaticamente o défice e o rácio da dívida, mesmo que o montante de ambos não se altere. Em segundo lugar, o maior crescimento económico vai provocar diretamente um considerável aumento da receita (impostos e contribuição para a SS) e uma sensível redução da despesa pública (menos subsídios de desemprego e de outras prestações sociais). Por cada mil milhões de PIB a mais o Estado arrecada pelo menos um terço em receitas tributárias.

2. Não existe nenhuma razão para não aproveitar esse excedente para reduzir consideravelmente mais o défice e a dívida (tendencialmente para 1% e 125% do PIB, respetivamente), em vez de aproveitar a folga para aumentar a despesa pública em relação ao previsto, como defende a extrema-esquerda.
Tenho defendido repetidamente que a prioridade deve ser a redução da dívida, como condição para revisão da atual notação negativa das agências de rating, a fim de conseguir uma baixa de taxa de juros e portanto uma redução dos encargos da dívida, que pesam enormemente sobre o orçamento (sem paralelo noutro país da zona euro). Seria lamentável não aproveitar esta benesse de um crescimento bem acima do previsto para alcançar metas bem mais ambiciosas do que o programado.

sábado, 26 de agosto de 2017

Angola

As eleições angolanas, assinaladas por uma notável serenidade e maturidade política e cívica e consideradas "livres e justas" por reputados observadores externos, representam um notável progresso em termos de consolidação de uma democracia eleitoral multipartidária estável no país, comparando bem com as eleições em "democracias incipientes" noutras geografias.
Como se esperava, o MPLA voltou a ganhar, mas viu reduzida a sua hegemonia eleitoral, embora tenha mantido por pouco a maioria parlamentar de 2/3. As dificuldades económicas associadas à baixa das receitas do petróleo e a crise social não podiam deixar de pesar negativamente nos resultados, como se verificou especialmente em Luanda. Mas, como sucede por esse mundo fora, não bastam as dificuldades económicas e sociais nem níveis elevados de corrupção e de apropriação privada de recursos públicos para que as oposições ganhem eleições; é necessário também que estas sejam credíveis como alternativa de governo, o que claramente ainda se não verifica em Angola.
Para o bem e para o mal, o MPLA continua a beneficiar politicamente do seu incontornável património histórico de símbolo e fautor da independência nacional, da paz, da unidade e coesão nacional e da estabilidade política. Não é pouco, particularmente no contexto africano!

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Este país não tem emenda (11)

As más ideias passadas ressurgem sempre, sobretudo quando se trata de pôr a coletividade a pagar os benefícios de alguns. É o caso desta proposta de o Estado voltar  a cofinanciar a ADSE, o sistema privativo de saúde da função pública.
Tendo sido um dos primeiros a contestar, há mais de dez anoso financiamento orçamental da ADSE e a sua obrigatoriedade, entendo que o novo regime de autossustentação financeira pelos beneficiários e a natureza voluntária desse sistema constituem uma enorme progresso, que, por isso, deve ser irreversível.
Representa uma rematada hipocrisia argumentar que o Estado deve proporcionar serviços de saúde aos seus funcionários, tal como fazem muitas empresas, pois isso ignora que seriam os contribuintes em geral a suportar esse financiamento (para além de que os funcionários públicos continuam a beneficiar de regalias próprias, como o horário de 35 horas e a segurança no emprego).
Os contribuintes já financiam integralmente o SNS, que é universal. Quem quer serviços de saúde privativos à margem do SNS, deve pagá-los - integralmente!.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

27 anos de atraso

1. Sempre me surpreendeu a incapacidade dos governos de esquerda na América Latina, como o Brasil, o Chile, etc., de levarem por diante a despenalização do aborto, mantendo uma criminalização geral, salvo, em alguns países, nas situações de violação ou de perigo para a vida ou saúde da grávida.
A atávica oposição da Igreja Católica não chega para explicar a situação, como revelou o caso de países tão católicos como Portugal, Espanha e Itália, ou até a Polónia. Só a Irlanda e Malta constituem uma exceção na Europa, continuando o aborto a ser crime salvo, no caso irlandês, quando necessário para salvar a vida da grávida. De resto, na própria América Latina, a cidade do México e o Uruguai (além de Cuba, naturalmente) também conseguiram derrubar o muro da resistência conservadora.

2. Entre os países em que a criminalização do aborto não tinha exceções contava-se o Chile, desde a ditadura de Pinochet. Por isso deve saudar-se a despenalização do aborto agora decidida no Chile, embora limitado às três situações típicas de violação, malformação do feto ou perigo para vida da grávida. Mas foi preciso esperar 27 anos desde a democratização do país para conseguir essa limitada vitória sobre o obscurantismo.
Infelizmente, noutros países como o Brasil, os governos do PT nem sequer colocaram a questão da despenalização do aborto na agenda legislativa e nada indica que as coisas possam mudar na nova conjuntura política resultante do afastamento do PT do Governo de Brasília.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Por outras palavras (2)

«Portanto, já que chegámos até aqui e aparentemente está muita gente satisfeita com o resultado [crescimento económico com disciplina orçamental, acicatado pela retoma da zona euro e assente no investimento privado e na procura externa], podíamos construir uma espécie de consenso nacional para o futuro: para termos crescimento económico não precisamos de políticas que geram desequilíbrios nem de odiar governantes eleitos noutros países. Basta fazermos o nosso trabalho bem feito, que é uma ideia a que temos tido dificuldade em habituar-nos. Mesmo que o crescimento venha a desacelerar, temos que resistir ao regresso a estes vícios mitológicos». [Paulo Ferreira, aqui]
Concordo.
Por minha parte, neste blogue, também tenho investido frequentemente contra os preconceitos, correntes à esquerda, de que a zona euro impede o crescimento económico dos países periféricos, de que a disciplina orçamental mata o crescimento, etc.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Ai, o défice (3)

Como já aqui se tinha assinalado há algum tempo, o excedente comercial externo - que é uma façanha recente da economia portuguesa - está a reduzir-se a ritmo acelerado, apesar do considerável aumento do saldo positivo do comércio de serviços (mercê do boom do turismo), uma vez que ele é superado pelo défice crescente do comércio de mercadorias, consequência do crescimento económico interno, e em especial do consumo interno, alimentado pelo aumento do poder de compra e do crédito.
Por este andar - bastará o arrefecimento da invasão turística -, não tardará muito a regressarmos à tradicional situação deficitária da balança comercial global, retomando o endividamento externo da economia portuguesa.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Voltar ao mesmo (11)

Discordo desta ideia, "soprada" de fonte governamental, de no próximo Governo retirar a secretaria de Estado da Administração Pública (SEAP) da alçada do Ministério das Finanças, como já sucedeu no passado, sem bons resultados.
Há duas razões contra. Primeiro, uma tal medida retiraria ao MF a capacidade, que hoje tem, de gerir integradamente todos os recursos do Estado, ou seja, as finanças, o património e o pessoal. Segundo, a sujeição da SEAP a outra tutela governativa pode facilmente gerar fricções com o Ministério das Finanças, dado o enorme peso orçamental das medidas respeitantes à função pública e o seu impacto nas contas públicas. A justificação invocada para a medida deixa, aliás, subentender uma crítica ao MF pela resistência que tem oferecido a muitas propostas dos sindicatos e da extrema-esquerda parlamentar, por porem em causa a estratégia de consolidação orçamental.
É evidente que os funcionários públicos representam uma apetecível "constituency" eleitoral, cuja conquista pode decidir o resultado das eleições parlamentares. Mas, a esta distância do fim da legislatura, talvez seja prematuro começar a cortejar politicamente os grupos eleitoralmente mais influentes...

Embandeirar em arco

1. Apesar de ter ficado aquém de algumas previsões mais otimistas, o crescimento económico do segundo trimestre manteve-se em elevado nível (2,8% em termos homólogos), motivando o entusiasmo oficial. Há, porém, dois riscos nesta circunstância.
O primeiro consiste em pensar que Portugal constitui um caso singular de desempenho económico, quando na verdade toda a Europa passa por uma aceleração da retoma económica. A UE cresceu acima das previsões. A Itália não crescia assim desde 2011 e a Holanda, desde a inauguração do euro!
O segundo risco consiste em pensar que a presente fase ascendente do ciclo económico se vai prolongar indefinidamente, quando a verdade é que ela pode ser travada por vários fatores, como, por exemplo, a valorização do euro, a subida dos juros ou elevação da cotação do petróleo.

2. Não existem, portanto, razões para "embandeirar em arco", como deixar disparar o crédito ao consumo e abrir os cordões à bolsa orçamental, como é a tentação nestas situações, quando o crescimento da economia e do emprego empola as receitas tributárias e reduz as despesas sociais (subsídio de desemprego e outros prestações sociais). Parece haver dinheiro para tudo!
Como já aqui se assinalou várias vezes, as atuais circunstâncias económicas excecionalmente favoráveis e a margem financeira que elas proporcionam deveriam ser aproveitadas para apressar a consolidação orçamental, de modo a reduzir o recurso a mais endividamento e a obter uma significativa baixa do rácio da dívida em relação ao PIB, sem o que não haverá melhoria do rating da dívida, condição essencial para a redução da respetiva taxa de juros.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Corporativismo (5): "Nonsense"

Nesta entrevista, em que este fala abusivamente como se fosse um dirigente sindical, o bastonário da Ordem dos Médicos sustenta, entre outras pérolas, que a medicina deveria ser considerada uma "profissão de desgaste rápido" e que é uma "provocação" a proposta do Ministro da Saúde de rever o limite dos 55 anos para a prestação de serviços de urgência diurna (a urgência noturna não é obrigatória depois dos 50 anos!).
Se a primeira ideia merece ir para um registo de "nonsense" corporativista, a segunda não faz nenhum sentido, pois não se vê nenhuma justificação para aquele limite, aliás estabelecido quando a esperança de vida era muito menor e quando a idade de aposentação da função pública era 60 anos. Sendo esta agora de mais de 66 anos, comprende-se perfeitamente que aquele limite também seja estendido, sob pena de redução da proporção de médicos disponíveis para as urgências.
Mas o corporativismo é assim: insensível a qualquer argumento racional que ponha em causa os privilégios profissionais.

Adenda
Confrontado com uma notícia de que um médico de um centro hospitalar teria ganho 24 mil euros num mês, o bastonário respondeu que há médicos que trabalham mais do que o horário normal, fazem urgências, "trabalham dia e noite". Talvez sejam casos destes que ele tinha em mente para ilustrar o "desgate rápido". Bom, o desgate pode ser rápido mas o enriquecimento também...

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Geringonça (3): O teste

1. O Presidente da República resolveu optar pelo veto político da lei da AR que alterou a regime de transferência da Carris para o município de Lisboa, acrescentando uma norma que proíbe ao município uma eventual futura concessão desse serviço público, que logo aqui critiquei aquando da aprovação da lei, embora por razões de constitucionalidade (que a nota presidencial também insinua).
A maioria parlamentar que apoia o Governo vai ser submetida a um interessante teste: se vai conformar-se com o veto, aceitando sacrificar a referida norma e preservar o resto da lei, ou se resolve contestar o veto e fazer finca-pé no seu dogmatismo contra a possibilidade de concessão privada dos transportes públicos (que sempre dependerá de uma decisão do município, aliás pouco provável).
Particularmente curiosa vai ser a posição do PS, que envolve obviamente uma opção doutrinária...

2. Questão "picante" é a de saber se neste caso o veto presidencial pode ser superado por maioria absoluta, como é a regra, ou se é exigida a maioria de 2/3, por estar em causa o limite entre o setor público e o setor privado da atividade económica, pois as atividades concessionadas, apesar da titularidade pública e das obrigações de serviço público, são tecnicamente integradas no setor privado.
Nessa hipótese, só resta à maioria optar entre sacrificar a referida norma ou deixar cair todo o diploma.


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Contra os candidatos "paraquedistas" !

(Fonte da imagem aqui
1. «Quem é elegível tem o direito de se poder eleger», defende Luís de Sousa no Público de hoje, argumentando que, se se admite que não residentes sejam candidatos nas eleições locais (como defende o Tribunal Constitucional), então os candidatos forasteiros devem também poder ser eleitores nas mesmas autarquias.
Desde há muito que discordo quer do presuposto quer da consequência. Apesar de inicialmente a ter subscrito, já tive ocasião de criticar publicamente a infeliz doutrina do Tribunal Constitucional, que não me parece fazer sentido em termos de democracia representativa e que contradiz o sentido constitucional do poder local.
A autonomia do poder local significa por definição autogoverno das coletividades locais. Por isso, só os membros de cada coletividade local, ou seja, os cidadãos eleitores residentes, devem poder ser candidatos. De outro modo, teremos heterogoverno e não autogoverno. De resto, se as autarquias locais têm poderes normativos e poderes tributários, só os residentes, que vão ser submetidos a essas normas e a esses tributos, têm legitimidade para conferir e receber o mandato representativo.
Por maioria de razão, é absurdo admitir o direito de voto de quem não pertence à coletividade nem vai ser afetado pelos poderes da autarquia local em causa.

2. É evidente que ninguém que não seja eleitor nos Açores e na Madeira pode ser candidato nas respetivas eleições regionais. Não se vê nenhuma razão para que tal possa ser admitido nas eleições locais. Ao contrário da ideia por vezes defendida, as autarquais locais também gozam de autonomia "política" em sentido próprio, visto que lhes compete, sob responsabilidade própria, prosseguir as atribuições que lhes são confiadas pela Constituição e pela lei.
Como é evidente, não pode invocar-se um pretenso paralelismo com as eleições parlamentares, onde há muitos candidatos em círculos diferentes daqueles em que são eleitores. Só que aí os circulos eleitorais são simples segmentações administrativas do corpo eleitoral nacional, que é uno. Os deputados, onde quer que sejam eleitos, representam todo o país e não os círculos por onde são eleitos. Em todo o caso, nunca ninguém foi ao ponto de defender que os candidatos paraquedistas podem também ser eleitores no círculos por onde se candidatam.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Por outras palavras

«A influência da diplomacia na política é hoje um facto incontroverso [em Portugal]. (...). As razões deverão procurar-se nos meandros de uma congregação de 900 elementos que atuam em sintonia e habilmente, embora às vezes ao jeito do Sir Humphrey de “Yes Minister”. Veja-se que faria muito mais sentido a Representação Permanente em Bruxelas, REPER, ser assegurada por um político e não apenas por um diplomata, dada precisamente a relevância que assumem as relações com a União Europeia a todos os níveis do nosso quotidiano económico, político e social. A ideia, porém, nunca se concretizará. Da mesma forma que não se concretizou a criação de um ministério dos Assuntos Europeus a par de um dos Negócios Estrangeiros. No entanto, a sua existência esteve prevista no projeto de governo do PS. António Costa acabou por recuar e deixar a ideia no papel, regredindo ainda mais agora, com a saída de Margarida Marques para – enfatize-se – dar lugar a alguém vindo da diplomacia.» (E. Oliveira e Silva, no jornal I).
Concordo.
Defendi as mesmas ideias - nomeadamente a separação ministerial dos assuntos europeus e dos negócios estrangeiros, a chefia política da REPER em Bruxelas - por ocasião da constituição do atual Governo, num artigo referido aqui no Causa Nossa, mas que infelizmente já não se encontra online. E concordo com a ideia de que a recente nomeação de uma diplomata para a SEAE reforça o peso do corpo diplomático, e da sua visão própria, na política europeia do País.
[alterado o título dos post]