Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
Não dá para entender (2)
Esta solução, porém, não é séria, sendo uma verdadeira provocação ao veto presidencial!
Primeiro, a nova formulação não altera o fundo da questão, pois a concessão a empresa pública (à própria Carris?!) é uma simples forma alternativa técnico-jurídica de gestão pública. A única forma de concessão em sentido substantivo é a concessão a empresas privada, conjugando a titularidade pública do serviço público e as respetivas obrigações de serviço público com as vantagens da sua exploração empresarial privada.
Em segundo lugar, é evidente que se mantêm contra esta nova pseudossolução todos os argumentos políticos e constitucionais levantados contra a anterior, nomeadamente a ingerência do legislador na esfera decisão própria da administração, a restrição da autonomia municipal quanto à gestão dos serviços públicos a seu cargo e a discriminação contra o município de Lisboa, visto que tal restrição não existe para os demais municípios em relação às suas empresas de transporte público.
2. Que a extrema-esquerda parlamentar insista na sua obsessão ideológica pela exploração pública (sobretudo por razões laborais), compreende-se. Que o PS alinhe nessa doutrina, ainda por cima para contrariar um veto residencial inteiramente justificado, já não dá para entender, tanto mais que, em qualquer caso, uma eventual concessão privada da Carris dependeria de uma decisão do município de Lisboa, o que claramente não está na agenda num futuro previsível. Deve haver limites para as cedências político-doutrinárias aos parceiros de aliança parlamentar.
Resta saber se Belém "engole" esta "esperteza saloia"...
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Geringonça (4)
No caso do PCP o amargo de boca é especialmente pronunciado, dado que é também pesadamente sacrificado pela enorme vitória eleitoral do partido governante, sendo um dos dois grandes derrotados da noite. Mas o BE dificilmente pode cantar vitória, tendo falhado vários dos seu objetivos eleitorais e continuando com uma expressão marginal no poder autárquico.
Em todo o caso, o que nenhum dos parceiros pode tolerar é a ideia de que estão afinal a trabalhar para levar o PS ao alcance de uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, o que os tornaria politicamente dispensáveis.
2. Ao contrário do que entendem alguns analistas políticos, não é nada provável que os parceiros de maioria parlamentar caiam na tentação de sair intempestivamente do barco governativo, abrindo uma crise política, porque sabem que seriam fortemente penalizados em eleições antecipadas por eles provocadas. Mas não se vê como é que a suspeição de que a solução governativa favorece exclusivamente a hegemonia do PS, incluindo à custa deles, possa deixar de criar atritos adicionais no relacionamento interpartidário da "Geringonça".
Sempre me pareceu que a voluntarista fórmula governativa depende da capacidade de encontrar recursos orçamentais suficientes para pagar as vultosas exigências anuais do BE e do PCP, sem deixar de ir cumprindo os compromissos de consolidação orçamental no seio da zona euro. Tudo indica que essas exigências se vão tornar agora mais onerosas, tornando mais difícil a equação orçamental. A começar pela que está em curso até dezembro...
Divórcio
domingo, 1 de outubro de 2017
Chicotada psicológica
No caso do PS, trata-se de uma notável demonstração de força eleitoral, confortando o desempenho governativo. Quanto ao PSD, depois dos péssimos resultados nos grandes centros urbanos (verdadeiramente humilhantes em Lisboa e no Porto), a antecipar uma grande derrota numas eventuais eleições legislativas, não se vê como é que o partido pode passar sem uma "chicotada psicológica" na sua liderança. Tudo indica que a partir de amanhã, na ressaca deste choque eleitoral, vai iniciar-se a disputa política dentro do principal partido da oposição.
Adenda
Afinal há um segundo derrotado inequívoco nas eleições locais de hoje, que é o PCP, com uma pesada perda de cerca de 10 municípios, o que é tanto mais surpreendente quanto é certo que na campanha eleitoral o PS adotou um estilo low profile nos feudos do PCP. O espetro do "abraço do urso" deve perturbar o sono dos dirigentes do PCP esta noite...
Adenda 2
No fim do dia, a derrota eleitoral do PSD é ainda mais pronunciada do que a que inicialmente se apresentava. Reduzido a metade das presidências municipais do PS, o PSD quase desapareceu da metade sul do país, deixando de ter cobertura nacional no poder autárquico. Devastador!
sábado, 30 de setembro de 2017
Muito honrada pela Légion d' Honneur
Senhor Embaixador
Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Presidente António Ramalho Eanes
Senhora Ministro e Senhores Ministros
Senhora Secretária de Estado
Cara Margarida,
Minhas amigas e meus amigos,
Monsieur l'Ambassadeur,
C'est avec grand honneur et plaisir et que je reçois l' insigne de l' Ordre National de la Légion d' Honneur que vous avez eu la gentillesse de me décerner, en tant que représentant de la République Française en ce si ancient et loyal allié et partennaire de la France, qui est le Portugal.
Seja-me consentido supor, Senhor Embaixador, que, mais do que da intensa colaboração que ao longo da minha carreira diplomática estabeleci com colegas franceses, esta distinção resulta da cumplicidade crítica que sempre cultivei no Parlamento Europeu com todos os eleitos pelo povo francês que se empenham na construção da nossa União Europeia, e em particular com aqueles que integram a família socialista.
Sempre compartilhámos, os deputados europeístas e progressistas franceses e portugueses, objetivos e perspetivas de atuação convergentes quanto à indispensabilidade de aprofundar e fazer avançar o projecto político europeu. Mesmo quando nos impacientámos, não o escondo, pela persistência de uma visão neo-liberal economicista, financista e tecnocrática, inibidora da consolidação estratégica da União Europeia. Que ou é progressista e democrática, respondendo aos anseios, necessidades e sentido de justiça dos nossos povos, ou não será nem união, nem europeia.
Para os riscos que a UE corre alertam as derivas nacionalistas, populistas e xenófobas que por aí grassam. Cabe a cada um de nós fazer mais do que ficar alarmado - cabe-nos tudo fazer para impedir que o pior da nossa história colectiva volte a repetir-se.
Na era da mundialização desregulada, da desordem global com demasiados loucos em posições de poder, só nos salvamos - e preservamos a Humanidade - relançando a Europa que protege, defende e nos dá poder, como há dias sublinhou o Presidente Juncker.
É justamente o caminho apontado pelo grande discurso, por mais e melhor Europa, que o Presidente Emmanuel Macron acaba de fazer, compelindo-nos a reflectir e a agir.
Monsieur l'Ambassadeur,
L' Union Européenne, autant revée par les pères fondateurs, que donnée par acquerie par nos petits-enfants Erasmusiens, pourtant, n' y est pas encore, pleinement. Les grands dangers et les grands défis nous obligent de réinventer l'espoir et miser sur la confiance, y compris notre auto-confiance. On a su, quand même, le faire ici au Portugal, grace à l'alliance de forces progressistes ces deux dernières années. On peut donc aussi le faire au niveau européen. C'est pourquoi, plus que jamais, on se tourne vers la France, la sommant d' assumer son role à l'avant-garde de la relance de l'Union de nos peuples.
Merci pour cette distinction que je saurai porter et restera haut placée dans mon patrimoine civique et politique.
(Meu discurso de agradecimento por ser condecorada com a Légion d'Honneur (grau de "chevalier", ontem na Embaixada de França em Lisboa. Condecoração que me foi atribuída pelo Presidente François Hollande, por proposta do seu Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Harlem Désir)
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Europa + (3): Um marco
O discurso do Presidente Macron na Sorbonne sobre a União Europeia é um ousado e coerente projeto de aprofundamento da integração política europeia.
E um daqueles discursos que, mesmo que venha a ter escasso efeito prático no curto prazo, ficará a constituir uma referência histórica, quer pela sua visão a ambição, quer pela autoridade e responsabilidade política do seu autor. Após a provação por que passou com a crise financeira, que ameaçou o euro, a União precisava de um choque destes. Depois dele dificilmente as coisas poderão ficar como estão.
Na gaveta
Concordo! Quanto à última, em especial, defendo há muito a restauração do imposto sobre as doações e heranças de elevado montante. Eliminado pelo Governo PDS/CDE em 2004, voltou ao programa eleitoral do PS nas eleições de 2015, mas foi surpreendentemente afastado nas negociações que levaram ao apoio do PCP e do BE à formação do Governo. Conta-se entre os custos da "Geringonça"!
Metida "na gaveta", resta saber se alguma vez a proposta voltará a sair de lá. Em política, os temas retirados da agenda político-doutrinária dos partidos poucas vezes lá regressam...
terça-feira, 26 de setembro de 2017
Concordo
Considero justíssima uma tal solução, que eu próprio defendi há pouco tempo. Além de pôr fim à parasitação do SNS pelo setor privado, trata-se, além do mais, de uma questão de igualdade: o Estado não toma (nem deve tomar) a seu cargo, à custa dos contribuintes, a especialização de outras profissões destinadas ao setor privado.
Adenda
Como era de esperar, a Ordem dos Médicos veio logo protestar. A Ordem costuma invocar recorrentemente a defesa do SNS, quando se trata de reivindicar maior financiamento, o recrutamento de mais médicos, etc. Mas quanto estão em causa questões gritantes, como esta, a Ordem assume imediatamente a sua vocação corporativa...
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
No 20º aniversário do Mestrado Europeu em Direitos Humanos e Democracia
sábado, 23 de setembro de 2017
Amanhã vou estar aqui
Passa este ano o 20º aniversário da fundação do European Masters Degreee in Human Rights and Democratisation, o primeiro mestrado criado sob os auspícios da UE e por ela financiado.
Tendo sido um dos dez fundadores, em 1997, em representação da UC, e sendo agora o decano do programa, entretanto compartilhado por 41 universidades europeias, vou fazer uma saudação amanhã, como "guest speaker", na inauguração do novo ano letivo em Veneza (no topo, o mosteiro de San Niccolò, no Lido, sede da instituição).
Duas décadas de dedicação em prol dos direitos humanos na UE e no mundo, no ensino e na formação de especialistas. Um grande orgulho pessoal e institucional neste evento.
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
Voltar ao mesmo (14)
1. Os últimos dados do Banco de Portugal confirmam o disparo do crédito à habitação e ao consumo, enquanto prevalece uma redução do crédito às empresas.
Apesar do aumento do poder de compra trazido pela aceleração da retoma económica e pelo aumento de emprego, muitos portugueses voltaram a gastar mais do que ganham, mercê do recurso ao crédito, aproveitando os juros baixos e o novo ambiente de confiança económica. O aumento do endividamento dos particulares reduz a taxa de poupança (num país que tem uma enorme falta de capital) e faz aumentar as importações de bens de consumo (automóveis, eletrodomésticos, etc.), agravando o défice da balança comercial de mercadorias.
2. Na entrevista ao Diário de Notícias no fim de semana passado, o Primeiro-Ministro voltou a censurar as opções de crédito da banca. Mas os bancos optam racionalmente pelo crédito à habitação, por causa da garantia hipotecária, e pelo crédito ao consumo, por causa dos seus juros mais elevados do que o crédito às empresas.
Já o Governo tem meios de restringir o recurso ao crédito, que, porém, não usa obviamente para não perturbar o clima de "fim da austeridade" e para não dificultar a vida aos bancos, ainda a braços com as consequências da crise.
Resta saber se este empolamento do crédito ao consumo é sustentável no médio prazo.
Adenda
Sem surpresa, fica a saber-se que a poupança baixou para níveis de há 18 anos!
terça-feira, 19 de setembro de 2017
Não dá para entender
É constitucionalmente inepta porque os poderes do Presidente da República (de nomeação e outros) são apenas os enunciados na Constituição, onde não consta este. Ai do sistema constitucional, se os poderes constitucionais do PR pudessem ser precipitadamente ampliados por via de lei! É politicamente despropositada, porque não existe nenhuma razão séria para dar ao Presidente da República um poder de veto sobre a nomeação do órgão executivo de uma entidade pública administrativa como o banco central.
Não valem neste caso as razões especiais que justificam a nomeação presidencial (sob proposta do Governo) do PGR, das chefias militares e dos embaixadores (todas elas previstas na Constituição). A legitimidade do governador do BP deve resultar da vontade política do Governo, sob controlo da AR, como é próprio de um sistema de base parlamentar como o nosso, e não do PR, que não é eleito para governar. Ao contrário do Governo, o PR não é sancionável politicamente pelos seus atos.
2. Essa proposta já tinha sido adiantada anteriormente, sem ter vingado. O que seria estranho era vê-la agora perfilhada e aprovada por um Governo do PS, ao arrepio da sua tradicional rejeição firme de modificar o sistema de governo em favor de Belém.
Mesmo que fosse de equacionar essa solução numa futura revisão constitucional, isso só seria de aceitar no quadro de um "trade-off" com outros poderes do PR, de modo a preservar o atual equilíbrio político-constitucional. Dar esse novo poder ao PR de forma "gratuita" envolve uma concessão presidencialista que não se espera do PS. Mário Soares e Nunes de Almeida (que em 1982 negociou a revisão constitucional que definiu meticulosamente o quadro institucional do poder político que perdurou até agora) devem mexer-se no túmulo, de surpresa e incómodo, se esta imprudente solução for para a frente.
Não dá para entender! Questões deste gabarito deveriam estar imunes a manobras de oportunismo político conjuntural sem princípios, reveladoras de um preocupante défice de cultura política e de conhecimento da história constitucional nacional.
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Voltar ao mesmo (13)
Ao contrário do que sucede no setor privado, sabem que as suas reivindicações excessivas não põem em causa o próprio emprego. Não há despedimentos no setor público por falta de recursos. Os "acionistas" do Estado não podem declarar a sua falência nem determinar o despedimento coletivo ou o lay-off do pessoal. É por isso que as greves na função pública não envolvem riscos.
2. Certos do automático apoio do PCP e do BE e da esperada benevolência do Governo, todos os funcionários públicos querem ver traduzidos em beneficios imediatos a proclamação oficial do "fim da austeridade" (que foi apressadamente interpretada como o fim das restrições orçamentais) e o crescimento da economia acima do esperado. A anunciada retoma das progressões na função pública (por onde, aliás, se deveria ter começado na reposição de direitos na função pública) não chega.
E como parece que todos os que fazem greve levam alguma coisa, nem que seja de forma faseada, sobrecarregando desde já os orçamentos seguintes, não há razão para os demais ficarem quietos. O congelamento de remunerações, que continua formalmente em vigor, só vale para quem não tem poder de paralisar o funcionamento dos serviços públicos. É o triunfo "darwinista" dos mais fortes.
Resta saber até onde pode ser esticada a pretensa "folga orçamental" derivada do crescimento acima do previsto sem pôr em causa a imperiosa consolidação orçamental em que o Governo se acha empenhado (e bem!).
domingo, 17 de setembro de 2017
Um pouco menos de euforia, sff
Todavia, não existem razões para a euforia política criada, por duas razões. Em primeiro lugar, dado o pequeno diferencial, a este ritmo Portugal vai precisar de muitos anos para recuperar o atraso acumulado ao longo destes anos. Em segundo lugar, e principalmente, apesar de crescer mais do que a média da União (devido ao menor crescimento das grandes economias), a economia portuguesa está a crescer menos do que quase todos os demais países da segunda metade da lista da União (exceto a Grécia), como mostra a tabela acima, retirada do Expresso/Economia de hoje), pelo que continua a descer no ranking, estando agora em vias de ser ultrapassado pela Lituânia!
Por isso, apesar de bom, o ritmo de crescimento da economia portuguesa não é suficiente para impedir a continuação da descida na classificação da liga económica europeia. Quando todos crescem, Portugal precisa de crescer mais do que todos os outros, incluindo a Espanha e as economias mais dinâmicas do Leste, sendo com essas que nos devemos bater. Decididamente, é preciso fazer consistentemente melhor no capítulo da produtividade e da competitividade da economia portuguesa.
sábado, 16 de setembro de 2017
Ai a dívida! (13)
Conseguido este êxito, a próxima etapa consiste em convencer as demais agências de rating que ainda mantêm uma notação negativa - o que agora deve tardar menos - e depois percorrer a via árdua da subida do rating, degrau a degrau, até pelo menos o duplo AA que Portugal tinha antes da crise. Só assim, o país pode reduzir substancialmente a diferença de juros em relação à referência da dívida alemã e diminuir significativamente o custo orçamental da dívida pública, que continua a ser um dos mais elevados da Europa.
E só então Portugal terá ultrapassado, espera-se que definitivamente, os nefastos efeitos económicos e sociais da crise da dívida de 2011 e da consequente assistência externa.
Adenda
Este bom resultado deve também creditar-se à firme demarcação do Governo (honra lhe seja!) em relação à demagógica ideia de "reestruturação da dívida", em que alinhou a esquerda radical e alguns socialistas menos prudentes, onde se contam agora alguns dos mais eufóricos com a subida do rating, que a sua proposta teria arruinado! Malhas que o oportunismo político tece...
sexta-feira, 15 de setembro de 2017
Não concordo (II)
1. Também não acompanho a proposta de Juncqer de fundir a presidência da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, que na prática se traduziria em colocar o Presidente da Comissão à frente do Conselho Europeu.
De facto, trata-se de instituições com natureza e vocação bem distintas, sendo o Conselho Europeu um órgão representativo dos Estados-membros, ao nível dos respetivos chefes de governo, com funções de orientação política, enquanto a Comissão é titular do "poder executivo" (governo) da União, sendo politicamente responsável perante o Parlamento Europeu. Não faz sentido que o chefe de governo da União presida ao órgão representativo dos Estados-membros, pondo em causa a necessária separação de poderes.
2. Curiosamente, a proposta do Presidente da Comissão não faz referência à presidência do Conselho da União, também órgão representativo dos Estados-membros, a nível ministerial, que é presidido rotativamente, cada semestre, por um dos Estados membros e que desempenha funções legislativas (em parceria com o Parlamento Europeu) e funções "executivas", a par com a Comissão.
Ora, o que faz sentido em termos de separação de poderes e de aprofundamento democrático da União é reduzir as funções "executivas" do Conselho, que não é politicamente responsável perante o Parlamento Europeu, devendo ser transferidas para a Comissão, que o é.
Não concordo (I)
Para além de uma tal solução precisar de uma revisão dos Tratados, o que só pode ser feito por unanimidade dos Estados-membros - condição com escassa viabilidade -, existem várias objeções substanciais:
- primeiro, passaria a haver duas categorias de deputados, os eleitos nos atuais círculos nacionais e os eleitos no círculo supranacional, com o risco de só estes virem a ser considerados como verdadeiros "deputados da União", remetendo os demais para a condição de representantes dos Estados-membros, tanto mais que os primeiros seriam propostos pelos partidos europeus e os segundos continuariam a ser propostos pelos partidos nacionais;
- segundo, o círculo supranacional e a respetiva lista de candidatos seriam obviamente dominados pelos países mais populosos (Alemanha, França, etc.), tendendo a eleger deputados dessas nacionalidades, assim distorcendo a regra da repartição "proporcional regressiva" dos membros do Parlamento Europeu pelos Estados-membros;
- em terceiro lugar, estando o número máximo de deputados fixado nos Tratados (751), a eventual lista supranacional implicaria uma redução dos deputados a eleger ao nível nacional, o que não se afigura aceitável pelos Estados-membros;
- por último, a criação do círculo supranacional sobreposto aos círculos nacionais exigiria dois votos dos eleitores, o que tornaria mais complexa a votação e poderia fazer aumentar a abstenção.
2. Importa sem dúvida "europeizar" as eleições europeias, tradicionalmente disputadas numa "chave nacional".
Em primeiro lugar, há que aprofundar a experiência positiva das eleições de 2009, que consiste em os partidos europeus apresentarem os seus candidatos à nomeação de presidente da Comissão, que protagonizam o debate na campanha eleitoral, transformando as eleições europeias numa escolha efetiva do "poder executivo" da União, tal como sucede a nível nacional.
Outra ideia consiste em dar maior visibilidade aos partidos europeus nas eleições e na campanha eleitoral, incluindo a possibilidade de apresentarem candidatos nos vários países, substituindo-se aos partidos nacionais. Se os deputados vão depois integrar os grupos parlamentares dos partidos europeus a que pertencem os respetivos partidos nacionais, seria mais lógico que os candidatos fossem desde logo apresentados pelos primeiros, e em nome deles, e não pelos segundos.
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
Lisbon first! (3)
Esta nota, tirada do Jornal de Negócios de hoje, revela exuberantemente o descaramento da elite política de Lisboa na exploração dos privilégios da capital. A líder do CDS propõe nada menos do que 20-vinte-20 novas estações de metro, sem mencionar que, enquanto este for do Estado, quem paga a sua pesada fatura são os contribuintes de todo o país. Ora, com o dinheiro dos outros é fácil propor obra.
Um mínimo de decência política deveria levar a pródiga candidata a reclamar a (re)municipalização do metro, como proponho há décadas, para aliviar o Estado de uma responsabilidade financeira que lhe não lhe deve pertencer, em homenagem aos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiaridade. Como tenho defendido inúmeras vezes, ao longo dos anos, os contribuintes do resto do país não têm de pagar os transportes urbanos de Lisboa (e do Porto).
[Modificado, incluindo o título]
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Gostava de ter escrito isto! (47)
«Não há equidade nem legitimidade fiscal quando se estabelecem condições especiais para cidadãos estrangeiros com residência em Portugal. Cidadãos que beneficiam de todas as infraestruturas e serviços públicos pagam taxas irrisórias, mesmo dispondo de rendimentos elevados na comparação com os valores nacionais. Não contribuem para o bem comum nos seus países de origem nem no país que os acolhe. É um dos resultados mais perversos da competição fiscal entre países.
O que não podemos, porém, é criticar a Holanda à segunda e à quarta-feira por atrair as empresas oferecendo-lhes condições fiscais mais vantajosas (ou criticar os administradores do Pingo Doce por se deixarem atrair por essas condições) e à terça e à quinta aceitar como boa prática fixar taxas de imposto de 10% para cidadãos estrangeiros e de 48% para nacionais.
No mínimo, é necessário equacionar o que se ganha e o que se perde. Ganha-se receita, turismo e dinamismo no mercado imobiliário. E o que se perde? Ou equidade e legitimidade são irrelevantes na política fiscal?»(Maria de Lurdes Rodrigues, Diário de Notícias de hoje).
Adenda
Reza esta noticia que «Governo estuda IRS mínimo para reformados estrangeiros». Ainda bem!
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
Nem pensar!
Trata-se de uma norma decisiva do nosso sistema político-constitucional, que ajudou a travar derivas separatistas nos Açores e na Madeira e evitou uma maior fragmentação da representação partidária na AR e nas parlamentos regionais, ajudando por isso à governabilidade da República e das regiões autónomas. Abandonar essa norma abriria o caminho à "via espanhola" de regionalização partidária (não apenas nos Açores e na Madeira, mas quiçá no próprio Continente), enfraquecendo os partidos nacionais e tornando os partidos regionais em fiéis da balança em coligações de governo nacional, com os inerentes custos políticos e financeiros.
Por isso, era conveniente que os partidos nacionais afastassem desde já uma tal eventualidade, que constituiria um colossal erro.
Adenda
Um leitor objeta que tal proibição é antidemocrática. Mas sem razão.
Num Estado constitucional, a democracia não é absoluta, sendo necessariamente limitada pela Constituição, que no nosso caso exclui expressamente os partidos regionais, tal como os partidos religiosos e os de ideologia fascista ou racista. Tudo limitações "antidemocráticas"...
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
Ai, o défice (4)
Pelos vistos, não é somente a austera Alemanha que pugna por ter orçamentos (pelo menos) equilibrados quando a economia cresce, a fim de ganhar mais margem de manobra orçamental para quando ela contrai. E se a Alemanha é "mau exemplo", que tal Portugal emular a Irlanda?
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
Lisbon first (2)
O que os demagogos cuidadosamente escondem é que (i) já existe um aeródromo municipal em Coimbra (na imagem) e que (ii) o investimento necessário para o transformar em aeroporto regular seria da responsabilidade do município, não sendo imputada ao Estado. Portanto, não faz nenhum sentido mencionar esta tema a propósito da discussão do orçamento de Estado nem invocar o caso de Beja.
A verdade é que enquanto Lisboa e o Porto têm o seu "aeroporto no quintal" (na pitoresca expressão de JMT) à custa dos Estado e dos contribuintes nacionais (entre os quais os de Coimbra), o proposto aeroporto de Coimbra não vai sobrecarregar os contribuintes do resto do País. De resto, as regras de disciplina orçamental também valem para os municípios.
Mesmo que o investimento seja contestável (por mim, não apoio enquanto não vir um convincente estudo de viabilidade), essa é uma questão que diz respeito antes de mais aos munícipes de Coimbra.
2. Ao contrário de Lisboa e do Porto, que durante mais de 40 anos "chularam" o orçamento do Estado e os contribuintes de todo o Pais em centenas de milhões de euros para sustentar os seus transportes coletivos urbanos (o que ainda continua no caso do metro), Coimbra mantém os seus transportes urbanos à custa das finanças municipais. Ao contrário de Lisboa e do Porto, que têm centros culturais construídos pelo Estado (CCB e Casa da Música), foi o município de Coimbra que instituiu e mantém o centro de congressos e de concertos do Convento de São Francisco.
Como se não fossem suficientes as enormes vantagens de beneficiar das infraestruturas e equipamentos do Estado (porto, aeroporto, teatros, museus, ópera, etc.), há quem em Lisboa ache que certos bens públicos só devem existir na capital (com algumas migalhas para o Porto...). Agora até pretendem vetar os investimento municipais noutras cidades, como se a autonomia municipal não existisse!
Já não basta "Lisbon first", deve ser "Lisbon only"!
O que o Presidente não deve fazer (10)
Primeiro, por princípio, o Presidente não deve interferir em conflitos profissionais com o Governo, recebendo os organismos dos que protestam, com o risco de parecer tomar partido por estes contra aquele e legitimar politicamente o seu protesto; em segundo lugar e principalmente, as ordens profissionais não são parte legítima para se envolverem em lutas profissionais, nomeadamente instigando a apoiando a convocação de greves, ações que não cabem na sua missão legal de regulação e supervisão do exercício da profissão. Ao recebê-los, o Presidente está implicitamente a coonestar a sua atividade ilegal, quando o Governo já veio equacionar publicamente a necessidade de pôr fim a esses abusos (ver post anterior).
Em vez de contribuir para resolver os problemas em causa, a iniciativa de Belém agrava-os, dando gás aos prevaricadores.
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
Corporativismo (6) - Ordens profissionais em causa
«Acho extraordinário que associações de direito público [como as ordens profissionais], que têm poderes delegados pelo Estado e a confiança do Estado para exercerem a regulação profissional, sejam promotoras de iniciativas que visam atacar o Estado, violar a lei e, pior do que isso, promover o abandono de serviços e abandono de funções.Estas palavras do Ministro da Saúde, proferidas a propósito da Ordem dos Enfermeiros e do seu provocatório apoio e incitamento à greve de alguns enfermeiros especialistas no SNS, vem pela primeira vez colocar oficialmente no debate público a subversão, por parte de algumas ordens profissionais, especialmente na área da saúde, do seu papel enquanto organismos públicos de regulação de supervisão profissional, que elas pouco exercem, preferindo comportar-se como organismos parassindicais, que elas não são nem podem ser, não podendo intervir em questões de emprego e de relações laborais.
Se é este entendimento que algumas pessoas têm do que é uma associação de direito público, então provavelmente está na altura de todos nós termos uma conversa sobre esta matéria e perceber qual a utilidade e a utilização que está a ser dada à confiança que o Estado deposita em instituições autónomas». [Destaque acrescentado]
Não me tenho cansado de denunciar essa situação nesta séria de posts sobre o corporativismo profissional. No caso da Ordem dos Enfermeiros há muito que se passou das marcas (e não está em causa propriamente o desbocamento verbal da respetiva bastonária). Mas penso que antes de encarar qualquer medida mais drástica, nomeadamente pôr fim à autorregulação e autodisciplina profissional dessas ordens, há meios na justiça administrava para as intimar a cessar a sua atividade ilegal e a prosseguir efetivamente as suas atribuições legais.
terça-feira, 5 de setembro de 2017
Falsas taxas (3) - Inconstitucionalidade
Operações de Paz e Ação Humanitária
Vai decorrer em novembro próximo em Coimbra o 8º Curso de Especialização de Operações de Paz a Ação Humanitária (OPAH), uma parceria entre o Ius Gentium Conimbrigae e o Exército Português, aberto a civis e militares, do qual sou um dos corresponsáveis.
Mais informações no respetivo site.
Contra a barbárie tauromáquica
Duvido que alguém possa ficar emocionalmente indiferente e não fique chocado com o facto de haver quem se divirta com esta barbárie.
Um dos exemplos máximos do hipocrisia humana é ouvir a declaração de amor aos touros por parte de alguns "aficionados" da tortura e morte de animais para gáudio público. Maior ainda quando se trata de gente de esquerda!
Adenda
É de esperar que a RTP, que continua a transmitir touradas (embora menos) nos canais abertos, em desrespeito pela sensibilidade das pessoas, a começar pelas crianças, transmita este filme. Continua a surpreender-me o facto de as touradas poderem ser incluídas na programação de uma televisão pública num país civilizado no séc. XXI.
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
Contradição
Ora, essa posição foi foi logo flagrantemente contraditada pelo próprio CS, quando decidiu atacar em termos pouco contidos e pouco discretos o atual PR por excesso de exposição pública. Mesmo sendo a crítica fundada, não cabe a um anterior PR fazê-la, para mais nos termos descabidos em que foi feita e no local onde foi produzida, numa iniciativa partidária. De resto, sendo CS membro do Conselho de Estado, órgão consultivo do PR em funções, esse seria o fórum apropriado para produzir doutrina sobre o perfil do poder presidencial de externalização de opiniões públicas.
Contradição óbvia, portanto
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
Voltar ao mesmo? (12)
3. Na atual euforia com a inesperada dimensão do crescimento económico - em grande parte alimentado pela procura externa (exportações e turismo) - e com o maná financeiro que ele proporciona, pode não haver lugar para a prudência política que o nosso irresponsável historial orçamental aconselharia.
Em geral, a esquerda tem propensão para aumentar a despesa pública e subir os impostos; em tempo de vacas gordas, não sendo preciso sequer subir os impostos (pelo contrário) para haver mais dinheiro, a tentação para o despilfarro da despesa pública pode ser compulsiva. Mas seria grosseira leviandade política esquecer esse historial, sobretudo quando herdámos dele a montanha de dívida pública que devia prevenir gritantemente contra o regresso ao fado passado.
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
Este país não tem emenda (12)
É assim o destino de muito património público edificado. Depois de deixar de ter o uso originário é pura e simplesmente abandonado à usura do tempo e dos elementos, até à impossível recuperação, em vez de lhe ser dado outro destino. Ora, se os portos já não precisam de tais edifícios - que são de boa qualidade e localizados numa situação privilegiada -, porque não ceder o seu uso, a título gratuito ou oneroso, a outras entidades públicas ou privadas de fins públicos (restaurante, hostel, etc.), que lhe deem nova serventia e assegurem a sua conservação, bem como o arranjo do espaço envolvente?
O primeiro cartão de apresentação do poder público é o estado dos edifícios públicos. No caso concreto, como infelizmente em muitos outros, só há razões para inquietação. Se o Estado desgoverna assim o seu património edificado, que afinal é pertença da coletividade, como confiar que é mais zeloso no resto?