Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sábado, 25 de novembro de 2017
Contradições
Esta proposta de regresso às tarifas reguladas no gás natural e de criação de uma tarifa social suportada pelas próprias empresas não poderia ser mais ilustrativa. De facto, numa economia de mercado, os preços devem decorrer da competição das empresas no mercado e não da sua fixação administrativa; preços tabelados lá onde a concorrência funciona é uma contradição nos termos. E as funções sociais são um encargo do Estado e não uma obrigação específica das empresas; é também para isso que elas pagam impostos! O que não faz sentido é eliminar a concorrência nos preços, substituindo as regras do mercado pela autoridade administrativa do Estado, nem pôr a empresas a "fazer de Estado", executando tarefas sociais deste a expensas próprias.
O PCP é normalmente contrário a qualquer delegação ou concessão de tarefas públicas a entidades privadas, sendo muito cioso do exclusivo do Estado na prestação e financiamento de serviços públicos. Não pode por isso deixar de estranhar-se esta proposta de "Estado social delegado", a cargo de privados!
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
Lisbon first! (4): O caso do INFARMED
Mas a deslocalização territorial de alguns dos numerosos institutos e agências do Estado sediados em Lisboa deveria estar na agenda de todo o Governos apostado em combater a profunda assimetria na repartição territorial dos serviços do Estado entre nós. No entanto, em vez de soluções ad hoc e reativas, como esta, deveria haver um plano ponderado de transferência de outras instituições públicas, atenuando o quase monopólio da capital. Umas transferências avulsas só para o Porto (que já aloja alguns serviços centrais do Estado) não são a solução adequada. Há mais País!
Por mim, não sei porquê, entre as instituições elegíveis para saírem de Lisboa ocorrem-me sempre o Tribunal Constitucional e o Instituto da Vinha e do Vinho!
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Homenagem
Ouso pensar que o tema que escolhi para a minha palestra - como reforçar o poder dos cidadãos nas eleições - seria do seu agrado, como ativista político que sempre resguardou a sua independência cívica, intelectual e política do império dos partidos políticos. É a minha forma de lhe prestar a homenagem que a minha grata memória do nosso convívio durante muitos anos justifica.
Ilusão
Tem toda a razão o Primeiro-Ministro. Eu diria mesmo mais: não é possível o orçamento dar tudo a todos nem agora nem nunca!
O problema está em que quem deveria ter prevenido essa ilusão, não o fez, antes a deixou alimentar imprudentemente com a fácil retórica do "fim da austeridade" a todo o vapor. Ora, pior do que não dar o que as pessoas querem, e a que se julgam com direito, é deixar criar a ilusão de que tudo é possível.
Adenda
Comentário de um leitor:
"A questão está mal colocada. Não se trata de 'dar tudo a todos', mas sim de dar tudo a alguns (funcionários públicos), à custa de todos (os contribuintes) e à custa do serviços públicos. Os sindicatos dos interessados e os partidos da esquerda parlamentar acham que é assim que deve ser". [AMF]
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Ai a dívida (14): Desperdiçar uma oportunidade de ouro?
Como defendi aqui logo em fevereiro, a meta já deveria ser défice zero. De facto, se não conseguimos um orçamento equilibrado nestas condições extremamente favoráveis, quando pensamos vir a tê-lo?! Estando a economia a "bombar" receita pública e a reduzir o montante das prestações sociais (nomeadamente a de desemprego), compreende-se mal que o País, assoberbado com uma montanha de dívida e com uma enorme fatura de juros, continue a aumentar uma e outra em muitos milhões de euros para financiar mais despesa.
2. Em vez de aproveitar o excecional crescimento da economia para acelerar a consolidação orçamental e para dispensar o recurso a mais endividamento, prefere-se acelerar a despesa pública, nomeadamente em pensões e remunerações, continuando a acumular mais dívida. É um contrassenso.
É como se uma família fortemente endividada decidisse utilizar um surto de excecional rendimento, não para amortizar a dívida, mas sim para aumentar a despesa, pedindo ainda mais dinheiro! Ninguém chamaria a isso uma gestão financeira prudente!
3. As atuais condições propícias - crescimento económico robusto e juros muito baixos (até negativos, nos prazos curtos) - não duram sempre.
Se, em vez de estarmos a reduzir o stock da dívida pública, continuamos a aumentá-la, então uma previsível subida sensível dos juros voltará a significar um pesado fardo orçamental com os encargos da dívida pública. O bom crescimento da economia e o baixo nível dos juros bem podem fazer baixar o rácio entre o montante da dívida e o PIB, apesar do aumento daquela. Mas se a economia arrefecer e a fatura dos juros aumentar, então esse rácio voltará a subir, o que seria um incontornável revés para o País!
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
E vão 20 edições!
Informações e inscrição na página do IGC.
domingo, 19 de novembro de 2017
Voltar ao mesmo (5): Caixa de Pandora
Além do mais, é abrir uma caixa da Pandora, pois atrás dos professores outras categorias profissionais da função pública em circunstâncias idênticas virão reclamar o mesmo tratamento, com pesadas consequências para a despesa pública com os funcionários - que já aumentou este ano acima do orçamentado -, sendo um dos fatores que pesaram severamente no desequilíbrio das contas públicas antes da crise de 2011.
2. Independentemente do juízo sobre o rimo estugado de recuperação dos rendimentos e regalias reduzidos durante o período de assistência financeira externa, deveria haver um cuidado especial em não recriar as condições e as facilidades que levaram o país a ser tão devastadoramente "abalroado" pela crise da dívida em 2011.
Tentar reparar as consequências da crise e "virar a página da austeridade" é uma coisa; reeditar as condições e as tentações orçamentais que favoreceram a emergência da crise é outra bem diferente!
3. A excessiva subida da despesa pública com remunerações e pensões coloca uma pressão acrescida sobre o orçamento.
Apesar do período de "vacas gordas orçamentais" proporcionado pelo crescimento económico e pela baixa dos juros, pode não haver margem orçamental suficiente para acudir satisfatoriamente às despesas de funcionamento dos serviços públicos mais exigentes (nomeadamente a saúde e a segurança) e para assegurar níveis apropriados de investimento público, tudo sem deixar de cumprir, ainda que por mínimos, as exigências de disciplina orçamental da zona euro.
Ao contrário do que alguns parecem pensar, não há dinheiro para tudo. Se se puxa demasiadamente para um lado a "manta" orçamental, há outro lado que fica descoberto.
[revisto]
sábado, 18 de novembro de 2017
Para a história da Casa do Douro (um testemunho de gratidão)
Ninguém poderia dar um testemunho pessoal tão informado como este autor, que foi durante muito tempo presidente da Casa do Douro, e nunca deixou de se manter interessado pela sua vida desde então. Com muito material e informações inéditas, trata-se de um contributo valioso e inestimável para a história do Douro vinhateiro, que aliás já conta com uma grande bibliografia dedicada, sem paralelo noutras regiões vinícolas nacionais, desprovidas do pedigree histórico do Douro.
2. No meu caso, para além do meu interesse intelectual no tema (que foi o objecto principal da minha tese de doutoramento, sobre a organização institucional e a regulação do vinho do Porto, sobre o que publiquei o livro ilustrado na imagem supra), trata-se também de um gesto de gratidão para com Mesquita Montes, que era presidente da Casa do Douro no período em que em passei uma estada de investigação na instituição e na região, que foi crucial para a minha tese, tendo beneficiado da grata hospitalidade e da total disponibilidade da instituição.
Essa minha passagem pela Régua também contou decisivamente para a minha admiração pela paisagem e pelas gentes do Douro, a que haveria de voltar várias vezes, sempre com o mesmo fascínio dessa primeira vez, há quase um quarto de século.
Não dá para entender (4): Impostos virtuosos
A justificação mais elaborada provém do CDS, tendo o deputado (e ex-ministro) Pedro Mota Soares justificado a decisão de votar contra com o facto de “este não ser um imposto sobre o vício"; "é importante reduzir o consumo do sal e do açúcar, mas não pela via fiscal. Fazê-lo pela via fiscal é apenas para arrecadar receita”, afirmou.
Mas esta retórica não faz nenhum sentido!
2. Por duas razões.
- primeiro, mesmo que o referido imposto tivesse uma exclusiva finalidade fiscal, nada haveria a objetar, visto que a primeira função dos impostos é, precisamente, arrecadar receita para o Estado, aliás bem justificadamente neste caso, para financiar os custos adicionais que o excesso de sal causa no SNS;
- segundo, sabe-se da experiência doméstica e alheia que estes impostos indiretos redundam numa efetiva redução do consumo, como se verificou recentemente com o imposto sobre as bebidas açucaradas, que fez diminiur o consumo e levou os industriais a baixar o teor de açúcar.
Portanto, trata-se de impostos tanto mais virtuosos quanto menos receita gerarem! A alternativa seria a limitação legislativa ou administrativa da quantidade de sal, muito mais drástica e suscetível de levantar objecções sob o ponto de vista da liberdade de circulação de produtos no mercado interno da UE.
Por isso, não dá para entender a despropositada oposição da improvável troika partidária (que inclui um partido da protocoligação parlamentar...).
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
+ Europa (6): O "Pilar Europeu de Direitos Sociais"
Só após Maastricht 92 (Protocolo social), Amesterdão 97 (que incorporou o referido protocolo nos Tratados), Carta de Direitos Fundamentais da União de 2000 (que inclui um capítulo de direitos sociais) e Lisboa 2007 ("cláusula social" transversal nas políticas da União e constitucionalização da CDFUE) é que a União evoluiu para garantir um mínimo de direitos laborais e sociais, passando a assumir uma relevante dimensão social ("Europa social"). Mas a "economia social de mercado", que depois de Lisboa 2007 dá o nome à constituição económica da União, continua a ser essencialmente uma construção económica mais do que social.
O forte avanço da integração económica e monetária, desde o desenho da UEM em Maastricht, e o profundo impacto social negativo da grande crise económica e financeira de 2008 vieram porém mostrar que uma radical assimetria entre os níveis de integração económica e de integração social, bem como uma excessiva diferença de níveis de justiça social entre os vários países, não somente podem criar fatores de rotura do necessário consenso europeu sobre a União mas também arriscam a pôr causa a sua própria legitimidade política.
2. Daí a importância da declaração solene sobre o "Pilar europeu de direitos sociais", que hoje vai ser formalmente adotada na cimeira social de Gotenburgo (Suécia) e que conseguiu a convergência do Parlamento Europeu, de onde partiu a iniciativa (com uma contribuição decisiva da eurodeputada socialista portuguesa Maria João Rodrigues), da Comissão Europeia (sendo de sublinhar o empenhamento do próprio presidente, Juncker) e do Conselho da União (com realce para o empenho do governo sueco).
Embora a Declaração não tenha força jurídica, não amplie as competências da União, nem crie novos direitos nem obrigações, mantendo a realização dos direitos sociais essencialmente nas mãos dos Estados-membros, ela não é despicienda, criando um amplo compromisso político que não deixará de influenciar tanto as políticas da União como as políticas sociais nacionais na respetiva esfera de competência.
Os grandes avanços na integração europeia quase sempre começaram por ser proclamações políticas conjuntas das instituições, antes de obterem entrada nos Tratados ou na legislação da União. Resta esperar que o mesmo suceda com os direitos sociais na União. Hoje pode começar um novo capítulo de aprofundamento da integração europeia
Portucaliptal (25): Meio passo na direção certa
Só é pena que ele não tenha sido tomada há dois anos, o que teria reduzido a corrida ao eucalipto que entretanto se desencadeou, com a plantação de muitos milhões adicionais da espécie. E também não se percebe porque é que, sendo apresentada como uma "medida transitória" - supõe-se que até à entrada em vigor do novo regime florestal -, não se tenha suspenso em geral a plantação de eucaliptos também em áreas até agora isentas de ocupação florestal, ficando apenas permitida a replantação de eucaliptais já existentes, até à aplicação do novo regime.
Mesmo quando se tomam medidas positivas para conter a eucaliptização galopante do País, elas ficam sempre aquém do necessário.
Adenda
De um leitor: «Vejo horrorizado a fotografia que encabeça o seu post “Portucaliptal (25)”. Eu nunca vi ao vivo nada disto. Mas não desconfio da sua fotografia, era o que mais faltava. Estou é chocado com o que vejo. Parece um mikado de fósforos de cabeça verde. Nunca imaginei que uma floresta de eucaliptos pudesse ser tão poluente no plano visual e paisagístico.» [JPB].
Um dos meus principais argumentos contra a eucaliptização extensiva sempre foi, para além do fator ambiental, a descaraterização paisagística do País. Já escrevi várias vezes que, se a Toscana fosse em Portugal já estaria coberta de eucaliptos!
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
Um século de Revolução Russa
Tendo prometido o início da definitiva emancipação humana - e tendo alcançado inicialmente profundos avanços no desenvolvimento económico e nos direitos sociais -, a Revolução acabou por instaurar, sob a égide do estalinismo, um regime de servidão e de repressão política e ideológica. O desmoronamento do mundo soviético há um quarto de século não deixou saudades e a triste sobrevivência dos poucos países que ainda se reclamam da ortodoxia comunista não suscitam o entusiasmo sequer do poucos seguidores que restam no Mundo.
A histórica promessa de "libertação da exploração capitalista" acabou por degenerar irremissivelmente na institucionalização de uma economia de Estado, de uma ditadura política do partido oficial e de expropriação da liberdade individual e da democracia política.
2. O único grande êxito duradouro da Revolução Russa e da experiência comunista foi indireto e consistiu, afinal, no subsequente processo de "domesticação" do capitalismo, perante o receio da revolução, mediante o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores a partir da I Guerra Mundial (criação da OIT logo no Tratado de Versalhes de 1918 e aparecimento da primeira "constituição do trabalho" na Constituição alemã de Weimar, de 1919), a construção do "Estado social" depois da II Guerra Mundial e a institucionalização de um "Estado regulador" apostado na correção das "falhas do mercado".
Não foi pouco, bem entendido, e nesse aspeto todos somos "herdeiros da Revolução Russa". Mas ironicamente, o grande triunfo duradouro do comunismo foi testar a resiliência do capitalismo e fortalecer a sua legitimidade social e política. Não era esse propriamente o objetivo!
Este país não tem emenda (13): "A antiguidade é um posto"!
O falhanço na universalização de uma verdadeira avaliação profissional na função pública, nomeadamente dos professores (e não a caricatura de avaliação que sobrou), e em tornar a progressão profissional dependente fundamentalmente dessa avaliação constitui um dos mais graves desaires do País na luta pela eficiência dos serviços, pela equidade remuneratória e pelo rigor orçamental na Administração pública.
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Polónia - Estado de Direito violado
Malta - a captura do Estado
"Em Malta não há ataque ostensivo à "rule of the law" pelo governo, como vemos na Hungria ou Polónia.
O problema em Malta é a captura do Estado - através de membros do governo, deputados, autoridades de supervisão, magistrados, policias, funcionários - por parte de interesses financeiros ou serviços de intermediários, como a Nexia BT. É por essa razão que Malta se opõe à transparência sobre os beneficiários efetivos das trusts, tal como este Parlamento propõe nas negociações sobre a 5a Diretiva anti-branqueamento de capitais.
É um problema que não se restringe ao atual governo. Foram políticas de décadas, transversais aos partidos políticos, cunhadas em Londres com o beneplácito de Bruxelas, que tornaram Malta num paraíso fiscal, no seio da União Europeia, deixando ali desenvolver-se uma indústria especializada em planeamento fiscal agressivo e na multiplicação de empresas de fachada, instrumentais para esquemas de lavagem de dinheiro e outra criminalidade financeira internacional.
A lei sobre venda de nacionalidade maltesa e europeia é vértice desta orientação política, acarretando riscos maiores para segurança de Malta e da UE. O assassinato à bomba da corajosa jornalista Daphne Caruana Galizia atesta-o.
O PM Joseph Muscat mantém o Chefe de Gabinete e o ministro expostos pelos Panama Papers e ainda não permitiu uma investigação independente a alegações sobre interesses de seus familiares no Banco Pilatus. Como pode assegurar que o governo maltês garante, como deve, a independência dos meios de supervisão, a despolitização da polícia e das autoridades judiciais? Nem sequer se propõe por fim à acumulação de funções políticas e do Estado com prestação de serviços financeiros, fiscais e empresariais...
Não nos podemos iludir: Malta tem de repensar o seu modelo de desenvolvimento e deixar de servir como um dos centros europeus especializados na facilitação da evasão fiscal e branqueamento de capitais. Cabe à Comissão e Conselho não só pressionarem Malta para o fazer, mas também garantirem, através de legislação europeia, que estas práticas sejam ilegalizadas e combatidas. Em Malta, na UE e globalmente".
Minha intervenção sobre "O Estado de Direito em Malta" em debate plenário do PE ontem
Portucaliptal (24) - A corrida ao eucalipto...
Inicialmente o Governo comprometeu-se a rever a lei em seis meses, não tendo tido o cuidado elementar de suspender imediatamente a sua aplicação até à sua revisão. Passados dois anos, o novo regime florestal, que finalmente trava a expansão do eucaliptal, ainda não entrou em vigor, tempo suficiente para a fileira agro-celulósica ter desencadeado uma verdadeira corrida ao eucalipto. Basta percorrer as zonas rurais para verificar o afã das novas plantações, aproveitando este bónus de tempo. Os números da noticia acima referida falam por si. Eis um "record" de que o país não se pode orgulhar...
Desilusão
Breve foi a ilusão, portanto. A convergência depende de uma aposta consistente na eficiência económica, na produtividade e na competitividade, e não de conjunturais surtos da demanda interna ou externa alimentados pela política de dinheiro barato do BCE, pela vaga turística e pelo dinamismo económico dos nossos principais mercados na zona euro.
Quem é puxado pela aceleração de outros só ocasionalmente pode andar mais depressa do que eles...
terça-feira, 14 de novembro de 2017
Paradise Papers
"Direitos humanos, justiça social, contrato democrático espezinhados por governos, políticos e profissionais capturados pela indústria da evasão e fraude, dita de planeamento, fiscal: é o que os ParadisePapers vêm mais uma vez expor.
O trabalho legislativo deste Parlamento Europeu, para tornar ilegais práticas ditas legais, é bloqueado por Estados Membros no Conselho que servem os interesses dos evasores fiscais e branqueadores de capitais.
Precisamos de harmonização e transparência fiscal na UE, precisamos da lista de países não cooperantes com sanções dissuasoras, precisamos de sancionar os infractores que recusam revelar estes esquemas às autoridades tributárias: no meu país, Portugal, advogados estão a mobilizar-se, desavergonhadamente, recusando cumprir esta obrigação no quadro da IV Directiva Anti-Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo.
E precisamos, também, fundamentalmente, de acesso público aos registos de beneficiários efetivos de empresas e trusts estabelecidas na UE, ou que operam economicamente na UE! Mas, uma proposta neste sentido aprovada por este Parlamento, após sete meses de negociações sobre a 5a. Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, continua vergonhosamente bloqueada no Conselho."
Minha intervenção em debate no plenário do Parlamento Europeu, esta manhã sobre o escândalo "Paradise Papers"
terça-feira, 7 de novembro de 2017
É desta que avança o acordo comercial entre a UE e o Mercosul?
Iniciadas há quase duas décadas e sem perspetivas favoráveis durante muito tempo, as negociações revelaram um assinalável avanço nos últimos tempos, mercê, entre outros fatores, das mudanças de governo em Buenos Aires e em Brasília. Fala-se mesmo na vontade de concluir o acordo ainda este ano!
2. Tendo em conta o peso económico dos dois blocos regionais e sua grande complementaridade, este acordo, a ser concluído, ficará a constituir uma das mais importantes "zonas de comércio livre" até agora existentes, contribuindo decisivamente para a criação de um mercado transatlântico no eixo norte-sul, contrariando decididamente a nova política nacionalista e protecionistas dos Estados Unidos de Trump, que rompeu as negociações do TTIP, o qual visava instituir um grande de mercado integrado entre as duas grandes economias do Atlântico Norte.
Além disso, o acordo comercial entre a UE e o Mercosul vai contribuir para alavancar as profundas relações económicas, políticas e culturais entre os dois blocos de integração regional, com especial relevo para Portugal e Espanha. Para Portugal, em particular, este acordo pode ter uma importância económica decisiva.
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
Mau precedente
- sendo o acordo em geral uma longa lista de mais despesa municipal (e de algumas perdas de receita), falta de todo em todo uma estimativa do custo orçamental do acordo e de como vai ser financiada a sua execução, o que é sintomático;
- o acordo prevê a apresentação ao Governo e à AR de uma proposta para isentar do cálculo dos limites legais de endividamento municipal as despesas com o programa de renda acessível a financiar pelo município, bem como da participação municipal nos investimentos financiados pela UE, o que relaxaria as regras vigentes sobre a disciplina orçamental do setor público, que é assegurada globalmente pelo Estado face a Bruxelas (essas despesas não contariam para o endividamento municipal, mas continuariam a contar para o endividamento do País...).
Como amostra do que poderia ser um futuro governo de coligação do PS com a extrema-esquerda a nível nacional, trata-se de um precedente pouco animador em termos orçamentais (mais despesa pública, provavelmente mais taxas municipais, mais dívida pública). Não é propriamente uma surpresa, mas não deixa de ser elucidativo...
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
+ Europa (5) - O caso da "hora de verão"
Costumo dizer aos meus alunos que, embora não sendo um Estado federal, a UE possui todavia inequívocos traços federais e que em alguns aspetos apresenta maior integração do que alguns Estados federais, como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália, desde logo no campo económico.
Mas não só. A recente mudança da hora, abandonando a "hora de verão", é regida por um decisão da UE, pelo que existe em todos os Estados-membros e ocorre no mesmo momento em todos eles. Ora tal não sucede nos referidas três federações (e em algumas mais), onde essa matéria não é decidida a nível federal, havendo entidades federadas que não fazem mudança da hora durante o ano e/ou que não o fazem ao mesmo tempo.
Adenda
Corre para aí uma petição contra o regresso à hora de inverno, defendendo a manutenção da hora de verão. Para além de ser uma questão que não pode ser decidida a nível nacional, trata-se de um contrassenso, visto que a chamada hora de inverno é que é a hora normal correspondente ao nosso fuso horário. Com os dias mais curtos, o prolongamento da luz diurna ao fim da tarde só poderia ser conseguido sacrificando a luz matinal. Se não abandonássemos a hora de verão, ficaríamos no inverno com mais um hora do que os demais países do nosso fuso horário (Reino Unido e Irlanda), ou seja, a mesma hora de... Berlim!
Adenda 2
Em 1992, numa precipitada decisão, o Governo de Cavaco Silva, imitando a anormal situação espanhola, resolveu adotar o fuso horário da Europa Central, adiantando uma hora, tanto no verão como no inverno. Com esta aventureira decisão - que felizmente durou pouco, por não tardarem a verificar-se os seus malefícios - Portugal passava a ter a hora de verão no inverno (como agora querem de novo os referidos peticionários) e uma "dupla hora de verão" no estio. Com os relógios adiantados duas horas em relação à hora solar no verão, jantava-se com o sol ainda longe do ocaso... Se há muitas coisas em que devemos seguir Madrid e Berlim, entre elas não se conta seguramente a questão da hora!
[Corrigido]
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Cinco séculos de Lutero
Ao afirmar a autonomia individual na relação com Deus e na busca da salvação, o protestantismo cultivou a liberdade individual, o desempenho e a responsabilidade de cada um em todas as esferas, criando assim as bases do liberalismo económico e político moderno.
Poucas ideias influenciaram tanto a história como o movimento protestante!
2. Os países do sul da Europa não perderam o comboio da modernidade somente por não terem compartilhado da Reforma, mas também por terem tido de suportar a Contrarreforma, que a Igreja de Roma lançou contra a "heresia protestante", na base do dogma e da autoridade papal em matéria de fé, a que só podia corresponder a total submissão dos crentes.
Sectarismo político
Não se compreende nem a recusa nem o argumento. Primeiro, um acordo de coligação é necessariamente uma transação, que inclui sempre cedências do partido maioritário e ganhos relevantes para os partidos minoritários, pelo que o programa deixa de ser exclusivamente do partido maioritário. Segundo, seria de esperar que uma coligação entre o PS e o PCP a nível municipal seria mais fácil de alcançar do que no plano nacional, não havendo o fosso de políticas que existe neste nível. Por último, o PCP não tem tido pruridos em entrar em coligações municipais com o PSD (tradicionalmente conhecidas como "vodka com laranja"), como sucedeu durante muitos anos em Coimbra, onde conseguia um pelouro executivo para o seu vereador, sem que o argumento de "executar políticas alheias" tivesse valido. Não se entende a dualidade de critérios.
2. Será que o PCP, apesar da "geringonça" (que seria um exceção transitória), se mantém intransigentemente fiel à ideia sectária de os socialistas são o seu "inimigo principal", com quem não pode ter entendimentos governativos, mesmo a nível local?
terça-feira, 31 de outubro de 2017
Responsabilidades partilhadas
Ora, a responsabilidade dos municípios é grande e é indesmentível.
2. Quem faz o planeamento da ocupação territorial são os municípios no seu plano diretor municipal, incluindo a localização de zonas industriais rodeadas de matas (algumas das quais arderam), sendo também os municípios que irresponsavelmente licenciam edificações isoladas no meio de pinhais e eucaliptais, que foram vitimas dos incêndios.
Grande parte das estradas sem bermas limpas são estradas municipais. São os municípios que têm a obrigação legal de fazer cumprir a distância legal de segurança das matas em relação a habitações, obrigação que em geral não cumprem.
Os bombeiros são quase todos municipais, pelo que as suas insuficiências reveladas no terreno são, em última instância, uma responsabilidade municipal.
Por último, os municípios estão legalmente obrigados a preparar e a operacionalizar planos antifogo, o que a maior parte deles não fez, o que é uma falha gravíssima.
3. A descentralização territorial não se traduz apenas na transferência de competências e recursos financeiros, mas também em responsabilidades para os municípios.
No caso das tragédias deste verão e outono, o que surpreendeu não foi apenas ver os municípios escaparem a qualquer critica e responsabilidade, mas também ver muitos presidentes de câmara municipal assacarem ao Governo culpas que eles próprios deviam compartilhar e exigirem do Estado compensação por prejuízos que eles próprios contribuíram para gerar!
Est modus in rebus!
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
Deixar funcionar as instituições do mercado
Mas esta exigência de veto governamental no referido negócio não deve ter seguimento. De duas uma:
- ou a compra põe em perigo o pluralismo dos média ou as regras da concorrência quanto a concentrações de empresas, e então não deve vingar, pelo menos não sem condições -, mas isso compete às autoridades reguladoras competentes e à Autoridade da Concorrência;
- ou as autoridades competentes decidem não impedir o negócio, por não se verificar nenhuma daquelas situações, e então não cabe ao Governo interferir nas regras de funcionamento do mercado, tanto mais que está em causa um investimento estrangeiro protegido pelas liberdades fundamentais da "constituição económica" da UE.
2. Não havendo elementos suficientes para tomar posição informada sobre a questão de fundo, importa, porém chamar a atenção para o facto de não estar em causa uma concentração de órgãos de comunicação social, que a Constituição impede. Trata-se, sim, de um "concentração vertical", da compra de uma empresa de média (a Média Capital) - que aliás é controlada por outra empresa de media estrangeira, a Prisa espanhola - por uma empresa de comunicações (a Altice).
Parece evidente, prima facie, que a integração das duas empresas não cria um risco de posição dominante de nenhuma delas no respetivo setor. Saber se, apesar disso, a operação deve ser sujeita a algumas condições, que impeçam possíveis repercussões negativas reflexas sobre a concorrência no setor dos média, eis o que só a Autoridade da Concorrência estará em condições de avaliar.
O que não pode ser motivo bastante para uma interferência do Governo não é nem a oposição interessada das demais empresas de telecomunicações, que veem a líder do mercado reforçar a sua posição, nem muito menos a oposição ideológica da esquerda radical.
domingo, 29 de outubro de 2017
Mapa político da UE
1. Este quadro da atual composição do Conselho Europeu - que é integrado pelos responsáveis supremos pelo governo dos 28 Estados-membros - é politicamente significativo a vários títulos.
Primeiro, mostra que, com poucas exceções, a grande maioria Estados-membros tem um sistema de governo parlamentar, em que o governo é chefiado por um primeiro-ministro (com este ou outro nome). As exceções são o único regime declaradamente presidencialista (Chipre) e os casos de semipresidencialismo em que o Presidente da República é o verdadeiro chefe do executivo (como na França) ou em que pelo menos tem a seu cargo a política externa (Lituânia e Roménia). Manifestamente, Portugal não se conta entre eles, pese embora a usual qualificação do sistema de governo nacional como "semipresidencialista" (o que, aliás, sempre contestei).
2. Em segundo lugar, quando à geografia partidária, estão representados os principais partidos políticos europeus, com exceção dos Verdes.
Curiosamente, os três principais partidos governam o mesmo número de países, com 7 governos, a saber o Partido Popular Europeu (em que se integram os nossos PPD/PSD e CDS/PP), o Partido Socialista Europeu (integrado pelo PS) e os Liberais (sem representação portuguesa). Na cauda da lista vêm os Conservadores e Reformistas (sem representação em Portugal), que governa dois países, e a Esquerda Unida Europeia (de que são membros o BE e o PCP), que governa um país (a Grécia). Há ainda três líderes nacionais dados como independentes. Considerando a composição partidária do Paramento Europeu, constata-se uma sub-representação do PPE e uma sobre-representação dos Liberais.
Por último, é notória a prevalência masculina, visto que só há quatro mulheres nos 28 representantes nacionais.
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
O equívoco da "Europa das regiões"
Em primeiro lugar, a União é constitucionalmente uma união (protofederal) de Estados e não de regiões. As regiões só entram na composição do Comité das Regiões, que tem apenas competência consultiva, especialmente quanto à cooperação regional transfronteiriça. Em segundo lugar, a União está obrigada a respeitar a identidade constitucional dos Estados-membros, incluindo em matéria de descentralização territorial interna.
Não há nada nos Tratados que reconheça ou insinue um direito à autonomia regional ou federal dentro dos Estados, muito menos um direito à secessão. O grau de descentralização territorial e de autonomia regional constitui um assunto interno dos Estados-membros, em que a União não deve interferir (salvo quatro estejam em causa os princípios da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos).
2. Esta questão nada tem a ver com a opção por um entendimento "federal" ou "confederal" da UE. No meu caso, embora tendo um entendimento federal da UE e sendo defensor das regiões no plano interno, não compartilho do referido ponto de vista.
Mesmo nos Estados federais, as unidades federadas gozam de autonomia constitucional quanto aos graus e formas de descentralização territorial, podendo haver uma considerável assimetria entre elas. Por maioria de razão assim deve ser no caso da UE. Na União há Estados-membros que são federações (Alemanha, Áustria, Bélgica); há Estados unitários com autonomia político-administrativa das regiões (Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal, etc.); e há Estados unitários apenas com autonomia local, que todos têm, mesmo assim em diversos níveis e graus.
A União só pode respeitar estritamente estas opções constitucionais nacionais.
3. Esta opção fundamental da União pelo respeito da autonomia constitucional dos Estados-membros em matéria de descentralização territorial interna também não tem nenhuma relação com o "intergovernamentalismo", que designa a situação em que as competências da União cabem ao Conselho, por vezes por unanimidade, sem intervenção decisória do Parlamento Europeu e da Comissão.
Ora, depois do Tratado de Lisboa a regra é o "método comunitário" - ou seja, iniciativa da Comissão e codecisão do PE e do Conselho, este deliberando por maioria qualificada -, embora várias áreas importantes continuem sujeitas ao método intergovernamental (política externa e de segurança, alguns aspetos da política económica e monetária, etc.). Mas é evidente que a redução ou o eventual abandono do intergovernamentalismo - que eu preconizo - em nada afeta a neutralidade da União quanto à opção dos Estados-membros sobre a sua estrutura territorial.
4. Houve tempo em que a ideia das "Europa das regiões" e de cooperação transfronteiriça ao nível das regiões serviu para alavancar a integração europeia, enfraquecendo o monopólio político interno dos Estados e dos governos nacionais.
Todavia, utilizar a mesma ideia hoje, a propósito da Catalunha, para pôr em causa a soberania dos Estados-membros e defender uma intervenção da União nessa esfera, lá onde os Tratados da União não deixam nenhuma dúvida, é um equívoco inconsequente e perigoso.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
Fogos - a solidariedade europeia de que precisamos
Não dá para entender (3)
Decididamente, não dá para entender!...