segunda-feira, 20 de abril de 2020

Pandemia (8): O impacto orçamental

1. Há que começar a equacionar as soluções para os problemas orçamentais que a pandemia gera, de resto inseparáveis do impacto negativo sobre o emprego e a economia.
Não são somente os efeito automáticos de qualquer recessão económica, a nível da perda de receita pública e do aumento da despesa (subsídios de desemprego e outras prestações sociais). São também as novas despesas necessárias para gerir a crise, tanto as já decididas (financiamiento adicional do SNS, subsídio aos trabalhadores em lay-off e aos pais com crianças pequenas em casa, etc.), como as que vão ser precisas para reanimar a economia, salvar empresas (como a TAP) e o emprego, .
É indubitável que a despesa vai ter de aumentar muito, enquanto a receita vai baixar muito. A questão é: como encontrar espaço para isso, sem agravar desmesuradamente o défice orçamental e o endividamento público, cujos custos também vão subir?

2. Neste seu artigo, Paulo Trigo Pereira, deputado independente do PS na anterior legislatura, vem defender que o Estado não deve recorrer a medidas de austeridade orçamental (cortes nos rendimentos e aumentos de impostos), mas sim adotar uma política de contenção orçamental (congelamento de salários e pensões no setor público), e defende também a instituição daquilo a que chama "certificados Covid", mediante a renúncia voluntária ao pagamento de metade dos subsídios de férias e de natal em dinheiro e pela aquisição do valor equivalente de títulos de dívida pública.
Ora, sendo certo que os portugueses se fartaram de endividar-se com crédito ao consumo ao longo destes anos de alívio económico e orçamental - para o que aqui alertei várias vezes -, não é de crer que estejam disponíveis em grande proporção para aderir a uma poupança voluntária, a não ser que a remuneração seja realmente atrativa (mas cara para o Estado).
Além disso, por maior que fosse a receita de tal empréstimo - que é dívida pública -, parece evidente que essa contribuição seria uma pequena parcela das necessidades de financiamento que o Estado vai precisar.

domingo, 19 de abril de 2020

Pandemia (7): O 25 de Abril é de todos!

1. Não, Manuel Alegre, suscitar objeções à celebração do 25 de Abril na AR nas atuais condições de emergência e confinamento geral não significa estar «contra a celebração do 25 de abril» -, o que constitui uma acusação sumamente injusta para muitos dos que as têm suscitado (entre os quais me conto).

2. Basta ver os jornais e as redes sociais e falar telefonicamente com pessoas, para ver que há muita gente, cujas convicções democráticas não podem ser postas em causa, que todavia pensa que haveria outras maneiras de celebrar condignamente o 25 de Abril "à distância" e que não vêem bem que a data que deveria ser de todos seja publicamente festejada apenas por uns poucos no parlamento, aliás com exclusão de muitos deputados, enquanto os portugueses em geral estão impedidos de o fazer publicamente, por efeito da regra do confinamento, salvo caso de necessidade (trabalho, abastecimento, etc.), e da proibição geral de ajuntamentos (o que inclui situações sensíveis, como funerais e cerimónias religiosas).
Eu também gostaria de estar na rua a celebrar!

3. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade e de solidariedade cívica. Ao menos em situação de emergência, não deveria haver cidadãos mais cidadãos do que outros. O 25 de Abril é de todos e a sua comemoração deveria ser poupada a divisões desta natureza!

Adenda
João Soares também discorda publicamente da infeliz iniciativa da AR - aliás, em termos bem expressivos - e não admite obviamente que lhe lhe chamem «facho». Também era o que faltava! Mas nestes tempos ominosos de guardiões da ortodoxia democrática em cada comentário nas redes sociais e de pouco respeito por opiniões discordantes, mesmo se fundamentadas e de boa fé, nunca se sabe...

Adenda 2
Não sao afirmações irresponsáveis, como esta de Vasco Lourenço, acusando de «oportunismo disfarçado» os que discordam da celebração do 25 de Abril no parlamento e metendo todos no mesmo saco, que me vão fazer perder o sentido de gratidão que tenho em relação as "capitães de Abril". Mas quero dizer ao autor desta provocação que cheguei um pouco mais cedo à luta contra a Ditadura e que não lhe admito que questione as minhas convicções democráticas e o compromisso com o 25 de Abril.

Lisbon first (23): O outro país

1. A crise da pandemia revelou um outro país, cuja existência tendemos a ignorar em condições normais, ou seja, o país das famílias em que não há um computador para permitir às crianças em idade escolar seguirem estudos à distância no período de encerramento das escolas ou em que existem freguesias do interior onde não existe internet de banda larga para o mesmo efeito.
Ora, para que esses dois instrumentos de trabalho essenciais nos dias de hoje possam estar disponíveis universalmente em Portugal torna-se necessário assumi-los como prioridade de investimento público, em vez de o Estado, por exemplo, gastar centenas de milhões de euros na construção do metropolitano de Lisboa e do Porto (o que devia ser encargo municipal ou intermunicipal) ou no apoio financeiro a rendas mais acessíveis para a média burguesia urbana no centro de Lisboa, por mais rentáveis que tais investimentos sejam, como são, eleitoralmente falando.
O "dividendo eleitoral" não deve ser o primeiro critério do investimento público, como é usual.

2. Num "Estado social", como o nosso, a repartição do investimento público não é somente uma questão de prioridades económicas mas também uma questão de prioridades sociais. No final da segunda década do séc. XXI, na Europa, não é admissível que haja crianças em idade escolar sem computador, nem comunidades locais sem internet de banda larga.
Num país com as disparidades descritas, a integração social e territorial - que, aliás, constitui uma obrigação constitucional do Estado entre nós - tem de estar à cabeça das prioridades políticas do investimento público. Sobretudo, quando se trata de um Governo de esquerda!

Stars & Stripes (5): O "poder absoluto"

1. Entre as suas declarações desatinadas, o Presidente Trump afirmou há dias: «Quando alguém é o Presidente dos Estados Unidos, a autoridade é total. E é assim que tem de ser».
Mas nem é assim, nem pode ser assim, salvo num regime autocrático. Numa República federal democrática, porém, mesmo quando de regime presidencialista, o Presidente não tem autoridade total nem sequer quando ao poder executivo que ele dirige (dados os poderes de veto do Senado sobre nomeações presidenciais). Quanto ao mais, o Presidente está limitado pelos poderes legislativos e orçamentais do Congresso, pelos poderes próprios dos estados federados, pelo controlo de constitucionalidade e legalidade do Supremo Tribunal e pelo "quarto poder", ou seja, o poder da imprensa livre e da opinião pública.
São demasiados obstáculos para a "autoridade presidencial total".

2. Até agora, em quase 250 anos de história, nunca um Presidente dos Estados Unidos conseguiu tomar conta de todo o poder ou abusar dele em termos antidemocráticos, quando as circunstâncias de guerra obrigaram a uma centralização do poder sem precedentes (como no caso do Presidente Roosevelt).
É certo que também não há registo de um Presidente dos Estados Unidos se ter reclamado de uma "autoridade total", em nenhuma circunstância. Todavia, por mais que as perspetivas sejam negras, não é de prever que Trump consiga duradouramente o que ninguém conseguiu na Casa Branca, mesmo que o queira, como parece ser o caso.

sábado, 18 de abril de 2020

Pandemia (6): Queremos proporções!

No seu boletim diário sobre a pandemia, a DGS disponibiliza números absolutos nacionais para infetados, mortos e recuperados, números que também apresenta desagregados para regiões e municípios, mas somente quanto a alguns dos referidos indicadores.
Ora, os números absolutos têm pouco significado, quer para comparações internacionais com outros países, quer para comparações intranacionais. Não sei porque é que não são indicadas as proporções em relação à respetiva população a nível nacional, regional e concelhia, para cada um desses indicadores, a saber: casos suspeitos, infetados, mortos e recuperados. 
Que sentido faz saber que uma região tem mais infetados do que outra, se em termos de população a proporção é mais elevada na segunda? Mais importante ainda é a relação entre infetados e mortos, porque uma proporção mais elevada pode revelar menores condições no terreno para detetar e tratar a tempo os infetados (como tenho referido aqui e aqui).

Adenda
Aqui vai uma tabela com as referidas proporções (cortesia Rosalvo Almeida), que mostram a região Centro em segundo lugar na relação mortos / população e num preocupante primeiríssimo lugar na relação mortos / infetados (o dobro de Lisboa). É assim desde o início, como tenho assinalado. Há algo que tem de ser devidamente explicado!

Adenda 2 (20/4)
O caso da maior taxa de mortalidade na região Centro é objeto de uma boa investigação jornalística AQUI, que aponta vários fatores. Continua, porém, a faltar o necessário relatório oficial.

Pandemia (5): Relaxamento

O Expresso de hoje noticia que a CGTP vai celebrar o 1º de Maio com "ações de rua", acrescentando que a central sindical não recebeu nenhuma manifestação de oposição do Governo.
Ora, "ações de rua" significam necessariamente concentrações de pessoas, pelo que, embora as regras do estado de emergência - que ainda estará em vigor nessa data - possam ser derrogadas por razões de conveniência política, parece evidente que o simples bom senso desaconselha fortemente  tais concentrações, pelo risco qualificado de contágio que elas implicam e pelo péssimo sinal de relaxamento que é enviado ao País.
Não dá para perceber porque é que o Governo resolveu ser complacente com tal ideia...

Adenda
Um dirigente sindical assegura-me que vão ser respeitadas as regras de "distanciamento social" estabelecidas e que, portanto, não vai haver grandes ajuntamentos. Mas não é convincente essa explicação. 
Em primeiro lugar, com o cansaço de tanta gente de estar confinado em casa há semanas, nada como um bom pretexto e um bom dia de primavera para sair de casa e ir festejar com outros.  Por isso, não sei como se poderá respeitar o distanciamento social se aparecer muita gente. Em segundo lugar, sejam muitos ou poucos os que saem para festejar, resta o problema da desigualdade entre os que têm o privilégio de celebrar na rua o 1º de maio e os que não o têm. O confinamento é para todos, salvo por razões de trabalho. Os dirigentes sindicais deveriam dar o exemplo.
Além disso, o 1º de Maio não precisa de "ações de rua" para ser condignamente celebrado. Basta imaginação criativa.

Adenda 2
De um leitor: «Se basta cumprir as regras de distanciamento social para poder haver ajuntamentos, porque é que que estão proibidos os funerais públicos e as missas e procissões? Onde é que está a coerência da soluções? Ou é por a CGTP ter o poder que tem?» Com efeito!

Praça da República (28): Corrigir um erro


1. Em boa hora o Governo decidiu nomear cinco secretários de Estado como coordenadores regionais da resposta do Estado à pandemia, assim colmatando o vazio criado com a mal avisada (e inconstitucional) extinção dos governadores civis em 2011 (Governo de Passo Coelho). Já há dois anos a sua falta se tinha manifestado na deficiente coordenação territorial do combate à vaga de incêndios florestais
Na verdade, a extinção dos governadores civis veio criar uma lacuna da nossa arquitetura institucional, que é a inexistência de um órgão de coordenação territorialmente desconcentrado da acção governativa, de deteção e de alerta de situações de défice de resposta governamental a nível regional e de elo de ligação entre o Governo e as autoridades locais, mediando as ligações setorias de cada ministério.

2. A Constituição é expressa no sentido de que a extinção dos governadores civis deve ser suprida por representantes governamentais regionais, junto de cada uma das futuras autarquias regionais.
Apesar de estas não terem sido ainda criadas, o Governo goza do poder de estabelecer essas "antenas governamentais regionais" na área de cada uma atuais cinco circunscrições administrativas regionais (NUTS II), sobretudo na perspetiva da reforma anunciada, de confiar a gestão das CCDR a órgãos eleitos pelos municípios abrangidos (embora mantendo-se na esfera do Estado).
Por isso, defendo que a solução agora adotada em situação de emergência seja institucionalizada como solução permanente, abandonando, porém, a ocupação desse cargo político por membros do Governo, em acumulação, como sucede agora.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Um pouco mais de jornalismo sff (14): O país para além de Lisboa

1. Porque é que a imprensa continua a reproduzir maquinalmente o boletim diário da pandemia, incluindo as percentagens nacionais do aumento de infetados, de falecidos e de recuperados, sem comparar os números regionais? 
Se o fizessem, procurariam, por exemplo, saber a razão por que a taxa de mortalidade na Região Centro continua a mais alta do que média nacional e muito mais alta do que na região de Lisboa. Já suscitei essa questão anteriormente, em termos deliberadamente provocativos, mas sem eco.

2. Se fosse ao contrário, aposto que a imprensa já estava a exigir explicações e a clamar contra a provável discriminação na repartição territorial dos meios de ataque à pandemia. Assim, como é noutra galáxia, a coisa passa propositadamente despercebida.
Para a imprensa nacional, o País não existe para além do horizonte de Lisboa...

Pobre Língua (15): Sebastianismo ortográfico

1. Confesso que não deixo de admirar a pequena tribo de opositores ao Acordo Ortográfico, os quais, passados mais de dez anos sobre a sua vigência e a sua aplicação generalizada - o que o torna irreversivel -, continuam a pugnar pelo regresso à antiga ortografia, com a mesma convicção com que os sebastianistas esperavam o regresso de D. Sebastião.
O caso é tanto mais de admirar, quanto eles insistem sem desfalecimento num pequeno menu de argumentos, em geral de uma enorme fragilidade, como se deduz de mais uma peça de um dos seus mais empenhados ativistas, Nuno Pacheco, ontem no Público, um dos poucos periódicos que se mantém fiel à antiga ortografia.

2. O argumento tem a ver desta vez com a grafia dos termos infetar e derivados (infeção, infetado, etc.) no Português europeu, depois do Acordo, quando no Brasil - que também subscreveu o Acordo (e noutros países de Língua Portuguesa que o não ratificaram ainda) - os mesmos termos se escrevem com um adicional (infectar, infecção, etc.).
O que o autor não diz, propositadamente para criar a confusão, é que no Brasil essas palavras se escrevem com o tal c porque assim se pronunciam, sendo esse um dos vários casos da diferença de pronúncia das mesmas palavras nos dois lados do Atlântico (facto e fato, contacto e contato, perceção e percepção, etc.).
Ora, uma das mais-valias do Acordo Ortográfico, sem prejuízo da tendencial uniformização da ortografia, consiste justamente em assinalar essas diferenças incontornáveis entre as duas versões da Língua. A ortografia não deve servir para esconder artificialmente reais diferenças de dicção, nem a Língua comum ganha nada com isso.

3. O mesmo se diga do facto de várias outras línguas (Castelhano, Francês, Inglês, etc.) usarem igualmente o dito c nas palavras correspondentes: só que também em todas elas o c é pronunciado. Curiosamente, o autor regista o caso italiano, que não usa o dito c, escrevendo-se infezione, infettare, infetto, justamente porque é assim que se pronunciam. Ou seja, nos exemplos do autor, o tal c escreve-se lá onde se pronuncia, mas não onde não se pronuncia - o que, portanto, não abona a sua tese...
Outra das vantagens do Acordo está justamente em registar para os estudantes estrangeiros as diferenças fonéticas e gráficas entre Português europeu e outras línguas próximas. Já se imaginou o problema de um aluno estrangeiro de Português, em Portugal, ao pronunciar a palavra infetar, se ela se escrevesse com c, como querem os sebastianistas ortográficos? Ou, já agora, as palavras ativo, respetivo, efetivo, etc., se escritas com c, à moda antiga, julgando que elas se leem da mesma maneira que na sua própria língua?
Na verdade, ao eliminar esse e outros arcaísmos da ortografia portuguesa, o Acordo Ortográfico também veio facilitar a aprendizagem do português europeu pelos estrangeiros que estudam a nossa Língua.
[revisto]

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Pandemia (4): Responsabilidade social empresarial

Segundo notícia de hoje, o Grupo Porto Editora vai oferecer a diferentes entidades públicas e sociais, devidamente identificadas, da região norte do país - a mais afetada pela Covid-19 -, uma quantidade considerável de Equipamento de Proteção Individual (EPI), que adquiriu na China, e que inclui milhares de máscaras médicas descartáveis, máscaras modelo FFP2, viseiras, fatos de isolamento e fatos de proteção de líquidos. A mesma empresa já antes tinha anunciado uma outra iniciativa social relacionada com a pandemia.
Aplauso para esta demonstração de responsabilidade social empresarial de uma empresa relevante no seu setor de atividade no nosso País. A "economia social de mercado", que caracteriza a constituição económica da União Europeia também passa pela consciência social espontânea das empresas.

Não é bem assim (11): Contradição

1. O Público de hoje diz que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro afastam a possibilidade de seguir eletronicamente as pessoa infetadas, via telemóvel, por isso ser inconstitucional. Mas não é bem assim.
É óbvio que tal medida seria inconstitucional em condições normais (fora de processo penal), tal como seriam inconstitucionais quase todas as restrições de direitos fundamentais em vigor desde a declaração do estado de emergência, tais como a liberdade de circulação (confinamento, proibição de sair do concelho, etc.), as liberdades de reunião e de manifestação, o direito à greve, a liberdade de culto, etc..
Essa nova restrição deixaria de ser inconstitucional, se prevista na próxima declaração do estado de emergência, como sucedeu com os demais direitos afetados, pois o direito em causa  não consta do elenco constitucional dos dos "direitos absolutos", que não podem ser restringidos nem em estado de exceção constitucional (como o direito à vida ou a liberdade de consciência e de religião).

2. De resto, dada a sua eficácia, comprovada noutros países, na despistagem e prevenção de contágios, essa medida não seria excessiva, passando, portanto, o teste constitucional da proporcionalidade.
Não se compreende, aliás, que se decretem estritas medidas de isolamento de infetados e depois se prescinda do único modo eficaz de assegurar que eles não andaram a espalhar e continuam a espalhar o vírus à sua volta. O esperado alívio das restrições à liberdade de circulação apenas reforça a necessidade de medidas alternativas de controlo do contágio. Além do mais, uma tal medida daria mais confiança às pessoas contra possíveis contágios.
Mas, pelos vistos, mesmo na luta contra uma pandemia tão perigosa como esta, parece que há outros limites ao estado de emergência além dos previstos na Constituição, por razões de conveniência política. 

Pandemia (3): Os que trabalham e os outros

1. Entre as atividades que devem ser retomadas quanto antes, com a estabilização da pandemia, conta-se a da Administração Pública.
De facto, enquanto mais de 80% das empresas nacionais estão a laborar, embora muitas delas em ritmo reduzido, assim não sucede na Administração Pública, onde - fora a notável exceção dos serviços de saúde e de segurança e de outros em prestação de serviços à distância (como as escolas) -, houve muitos outros que cessaram a sua atividade, sem manter prestação eletrónica de serviços aos interessados, nem sequer serviços de atendimento.
Como exemplo, há dias um colaborador meu contactou um museu e arquivo público, a pedir a disponibilização de um documento para uma investigação conjunta. Depois de um email sem resposta, resolvemos telefonar, ficando a saber que os serviços estavam encerrados (não apenas o museu). E nas vezes seguintes, nem o telefone foi atendido!
Não pode ser!

2. Penso que o Governo deveria inquirir sobre a situação existente e emitir instruções sobre esta matéria. O País, que suporta financeiramente o Estado, tem direito a essa informação.
Não existe nenhuma razão para manter encerrados tantos serviços públicos, numa espécie de férias adicionais antecipadas, mesmo que tenham de reduzir a sua atividade e o contacto com o público, para atenuar o risco de contágio do Covid-19.
Se o País não pode permitir a paralisação geral da economia, muito menos pode passar muito tempo sem uma Administração Pública em funcionamento. É em períodos de crise coletiva que o Estado é mais necessário.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

+Europa (23): "Eppur si mouve"!

1. Além de ser uma mensagem forte para a Comissão e o Conselho sobre a resposta da União à pandemia e às necessidades da subsequente retoma económica, a resolução política que vai ser aprovada amanhã no Parlamento Europeu (reunido à distância, por via de plataforma eletrónica) tem a caraterística importante de agregar não somente os três partidos tradicionais do "arco da governação europeia" (PPE, S&D e liberais), mas também os Verdes, o que constitui uma notável demonstração de unidade política da maioria parlamentar europeísta no PE num momento crítico.
Não sucede todos os dias!

2. De fora ficam, sem surpresa, não somente as várias direitas nacionalistas, mas também a extrema-esquerda "soberanista" da Esquerda Unida Europeia (que agrega o PCP e o BE), para quem todo o reforço da capacidade de resposta da União constitui uma má notícia. Eles nem querem ouvir falar em avanço da integração europeia,.
Ora, a proposta de resolução conjunta aposta decididamente, entre outras medidas, na conclusão da União Económica e Monetária (UEM) -  espécie de "capelas imperfeitas" da integração europeia - e no reforço dos poderes orçamentais da Comissão Europeia. De notar também a defesa da criação de um fundo de investimento alimentado por obrigações de dívida garantidas pelo orçamento da União (uma possível versão de eurobonds).

3. Trata-se indubitavelmente de uma boa clarificação da paisagem política ao nível da UE, o que é especialmente importante na presente situação de crise europeia, que desta vez não pode ser imputada a ninguém. E bem precisa era tal clarificação, face à inicial falta de prontidão e de clareza na reação à crise.
A ter resultados palpáveis este impulso parlamentar, parece cumprir-se o fado histórico da União. Ela só avança em resposta a crises, sobretudo as que questionam a sua capacidade de resposta. E como se afirma na Resolução, este é um «moment of truth for the European Union that will determine its future»

Stars & Stripes (4): Desgraças do Mundo

1. Nestes tempos de inquietação global, as desgraças do Mundo não se reduzem à pandemia. Advêm também, por exemplo, do facto de a mais poderosa nação do Mundo ter a comandá-la uma criatura que se move pelo ressentimento e pela vingança na política interna e externa e que atropela todo o empenho de décadas dos Estados Unidos numa "ordem mundial sujeita a regras" (rules-based world order), assente na cooperação multilateral, no quadro de organizações internacionais, sob a égide das Nações Unidas
A decisão de cortar o financiamento estadunidense à Organização Mundial de Saúde (OMS), por alegado alinhamento desta com Pequim, constitui uma tentativa indecente de arranjar um "bode expiatório" externo para a sua própria leviandade e irresponsabilidade na condução da deficiente resposta de Washington à pandemia, com os infelizes resultados que os números de infetados e de mortos mostram, apesar de ela ter chegado mais tarde aos Estados Unidos.

2. É óbvio que, mesmo lamentando a reação inicial tardia e soft da OMS à pandemia, a solução não consiste em cortar-lhe as pernas, asfixiando o seu financiamento. O preconceito nacionalista de Trump contra as organizações internacionais multilaterais e o recurso a ruturas unilaterais não pode prevalecer.
O mundo precisa de mais OMS e não de menos! E precisa cada vez menos de Trump...

Adenda
O diretor da prestigiada revistas médica Lancet, considera que a decisão de Trump constitui um "crime contra a humanidade"

Privilégios (14): As vítimas da recessão e as outras

1. Segundo o Público de hoje, a extrema esquerda parlamentar defende que deve manter-se o aumento de remunerações da função pública para o próximo ano, apesar da profunda recessão que aí vem este ano, por causa da epidemia, e do seu enorme impacto orçamental negativo.
Ora, seria um escândalo que, face a esta dramática mudança de circunstâncias, o Estado procedesse ao referido aumento. E a questão não é somente o seu elevado custo orçamental. Trata-se, antes de mais, de uma questão de igualdade nos sacrifícios. Quem vai pagar a crise, como sempre, são sobretudo os trabalhadores do setor privado, vítimas dos despedimentos e dos lay-offs, assim como os trabalhadores autónomos, que ficam sem clientes, e os empresários, que vêm as suas empresas falir ou reduzir atividade.
Seguramente que não vai haver aumento de salários na economia privada no próximo ano. A maior parte dos portugueses vai perder rendimentos.

2. Neste quadro, que sentido faz, em termos de justiça social, aumentar os funcionários públicos, à custa dos contribuintes ou de mais dívida, quando eles não perdem o emprego nem as progressões, aliás automáticas em várias carreiras? Torna-se evidente que a extrema esquerda parlamentar não quer saber de questões de justiça, quando se trata de beneficiar uma constituency eleitoral numerosa. Mas se os privilégios da função pública já são um problema em condições normais, aumentá-los em situações de crise, quando toda a gente é potencialmente afetada por ela, torna-se politicamente intolerável.
Há dias defendi aqui que seria uma «irresponsável ilusão» pensar que se poderia contar com a colaboração política da "esquerda da esquerda" fora de situações de "vacas gordas" orçamentais. Aí está mais uma prova. QED!

Adenda (18/4)
No mesmo sentido condenatório ver este artigo de São José Almeida no Público, que obviamente subscrevo.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Pandemia (2): Às avessas

1. No meio da tensão criada pela pandemia, há o risco de medidas precipitadas, insuficientemente justificadas e debatidas, só para corresponder a queixas de grupo.
Tal me parece ser o caso da recente lei do perdão genérico de penas de prisão (e outras medidas de saída da prisão). Não tendo a lei um preâmbulo justificativo, que devia ter, temos de nos basear na justificação dada pelos proponentes da lei, que invocam a necessidade de poupar os presos ao risco de contágio da pandemia.

2. Ora, para além das dúvidas não especificadas do Presidente da República quanto a algumas soluções concretas, ao promulgar a lei, a minha dúvida tem a ver com a própria lógica da lei.
A questão é a seguinte, ecoando um bem argumentado artigo de opinião: não era mais fácil defender os presos da pandemia dentro da prisão, mediante testes generalizados e pronto isolamento e tratamento dos eventuais casos de contágio, do que enviá-los para fora, aliás sem testes prévios, sujeitando-os ao risco do contágio familiar ou comunitário, sendo certo que alguns deles nem sequer têm família para onde regressar?

3. Parece-me haver um incongruência de base, entre sujeitar o país a confinamento domiciliário generalizado, e depois "desconfinar" justamente aqueles que estão mais confinados, enviando-os para ambientes muito menos restritivos, onde correm mais riscos do que na prisão.
Era preciso uma justificação mais sólida para afastar as possíveis acusações malévolas daqueles que podem argumentar que esta medida foi sobretudo uma boa ocasião de aliviar a sobrelotação das prisões entre nós...

Não concordo (15): Excessos

1. Não alinho na campanha pública que por aí vai contra a UE em geral, por alegada insuficiência de medidas de financiamento do combate à pandemia e aos seus efeitos económicos e sociais, nem na diabolização de certos Estados-membros, apontados como especiais culpados por essa insuficiência, nomeadamente a rejeição dos chamados eurobonds (obrigações de dívida mutualizada).
Mesmo se a UE devesse fazer mais, como penso, não se justificam os excessos críticos, com alguma pulsão populista pelo meio. E quanto aos referidos alvos especiais, Países Baixos à cabeça, provavelmente faríamos o mesmo, se tivéssemos os constrangimentos políticos, sociais e culturais que eles têm. Em todo o caso, numa união política, baseada na confiança recíproca, as campanhas públicas condenatórias de uns contra os outros fazem mais mal do que bem. As reuniões das instituições da União são o local apropriado para terçar armas.

2. Se achamos que a União nos está a desamparar, experimentemos só pensar como seria a nossa situação, se estivéssemos fora da União e da zona euro.
Estando dentro, beneficiamos do enorme programa de compra de dívida pública do BCE e dos empréstimos a baixo juro e com condicionalidade limitada do Mecanismo Europeu de Estabilidade financeira, assim como de financiamento suplementar do Banco Europeu de Investimentos, instrumentos que, somados, devem cobrir a maior parte das necessidades de financiamento adicionais resultantes da crise pandémica. Se a isto juntarmos os programas da Comissão Europeia, financiados pelo orçamento da União, é assaz desproporcionado o aranzel crítico que por aí vai.
Se Portugal estivesse fora da União e da zona euro, neste momento os seus custos de acesso ao mercado da dívida já teriam disparado e o País poderia ver-se na emergência de ter de recorrer ao FMI, como está a suceder com vários países, com juros elevados e condicionalidade intensa.

3. Penso que a pandemia poderia ser uma ocasião oportuna para lançar, a título experimental e em escala reduzida, um fundo de dívida mutualizada ao nível da União, para financiar diretamente programas de resposta dos Estados-membros, sem passar pelo seu orçamento nem pela sua dívida.
Mas não posso deixar de compreender a oposição de princípio dos países que entendem que, não sendo a UE uma união orçamental nem tendo recursos fiscais próprios, as obrigações europeias seriam um instrumento de "transferência financeira" transfronteiriça, com elevado "risco moral", o que seria "invendável" ao seus contribuintes. E não me impressiona a aparente mudança de posição da Alemanha a este respeito, provavelmente mais cínica do que sincera, contando com o eventual chumbo do Tribunal Constitucional Alemão.

Adenda (15/4)
Revejo-me em geral neste artigo no Público de hoje.

"We, the People": Prémio merecido


1. Portugal subiu ao sétimo lugar no ranking global da qualidade das democracias liberais, publicado anualmente pelo prestigiado instituto V-Democracy da Universidade Gotemburgo na Suécia, tendo em conta as cinco variáveis consideradas por esse índice (eleições, liberdades, igualdade, participação e debate democrático).
Num índice em que nos primeiros dez lugares aparecem oito países europeus, à frente de Portugal só estão, por esta ordem, a Dinamarca, a Letónia, a Suécia, a Suíça, a Noruega e a Bélgica. É o justo prémio por uma consolidação democrática bem conseguida, no quadro da CRP de 1976. E é um orgulho para todos quantos deram o seu melhor para este resultado ao longo destas quatro décadas e meia.

2.  Dos países da União Europeia, vários deles mal colocados, pela primeira vez aparece um país, a Hungria, que surge classificado como autocracia, fora portanto da família das democracias, o que compromete toda a União e vem reforçar a posição daqueles que têm exigido a sujeição desse país ao procedimento do art. 7º do Tratado da União.
Cabo Verde é o mais bem classificado dos membros da CPLP, ficando entre os primeiros trinta países, o que merece o devido reconhecimento, enquanto o Brasil surge num pobre 60º lugar. Sem surpresa, a Guiné Equatorial aparece no fundo da tabela, entre as piores autocracias do mundo, o que é uma vergonha para a organização.
Com a autoridade que lhe dá o seu elevado ranking democrático, Portugal deveria liderar a pressão da CPLP para a transiação democrática na Guiné Equatorial.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Lisbon first (22): Até no SNS?


Dá para perguntar porque é que a taxa de casos fatais da epidemia na Região Centro (~5%) é muito superior à média nacional (~3%) e mais do dobro da da região de Lisboa (~2,5%).
Não procede a explicação já aventada dos lares de idosos, pois não há razão para pensar que há mais no Centro do que noutras regiões. A explicação mais óbvia - que somente uma investigação oficial pode afastar - só pode estar na concentração de meios do SNS (testes, ventiladores, etc.) em Lisboa e o correspondente défice na Região Centro.
A ser assim, é caso para, mais uma vez, concluir que é uma fatalidade estar longe do poder, mesmo quando está em causa o direito à saúde individual e à segurança sanitária coletiva.

Pandemia (1): Necessariamente temporária

1. Perguntam-me o que penso sobre o confinamento obrigatório decretado desde há semanas, por causa da pandemia.
Julgo que, apesar dos enormes custos económicos, a "quarentena" se impunha quando a epidemia começou a disparar, para travar o seu crescimento, a fim de evitar o colapso do SNS, com consequências dramáticas em termos de mortes e de caos social. Além disso, não havia alternativa ao confinamento, por insuficiência de meios de teste para detetar a tempo focos de infeção e de "transmissão comunitária" e por falta de máscaras para uso em ajuntamentos pessoais.
Opção política justa e oportuna, portanto, em que felizmente convieram PR, Governo e AR, incluindo a oposição. Foi um bom teste da maturidade da nossa democracia, num momento crítico.

2. Agora, porém, que a curva de crescimento da epidemia está a aplanar, mostrando o êxito do  isolamento social decretado, que o número de testes está aumentar e que já há máscaras disponíveis para o público, penso que é de equacionar um retorno programado à normalidade económica, ressalvados os grupos de risco e os locais de concentração de infeção, assim como a aplicação de normas adequadas de conduta social, entre as quais a proibição de ajuntamentos e o uso obrigatório de máscara em espaços fechados.
Não se deve prolongar a paralisação da economia para além do necessário, pois os seus custos económicos, financeiros e sociais podem ser abissais.

3. Questão delicada é a proposta de controlo eletrónico, via telemóvel, do isolamento dos infetados não internados e do rastreamento dos seus contatos anteriores para despiste de contágio.
Pessolmente, sou a favor - sem ignorar a delicadeza da questão sob o ponto de vista da proteção de dados pessoais nem o fundamentalismo que vigora entre nós sobre o assunto (aliás, alimentado pela CNPD) -, desde que com as devidas cautelas, designadamente o controlo por entidade independente, o sigilo dos dados apurados e a garantia de destruição dos dados recolhidos depois de tudo passado.
Mas, tal como defendi várias vezes a possibilidade de internamento compulsivo de pessoas portadoras de doenças altamente contagiosas, a fim de defender a saúde pública e o direito à saúde de terceiros (o que carece de revisão constitucional), também me parece justo, nas mesmas circunstâncias, a vigilância eletrónica passiva dos movimentos dos infetados antes de ser detetada a sua infeção.  Não há direitos absolutos, sobretudo quando afetem os direitos alheios.

Falsas boas ideias

1. Era de esperar que os tempos de crise que correm sejam propícios à proliferação de falsas boas ideias, como a que hoje defendem dois académicos no Público, propondo um "rendimento básico incondicional" universal, de caráter temporário (seis meses) e reembolsável, no valor mensal de 450 euros (reduzido a um terço no caso de crianças e jovens), a ser financiado pelo Estado e pela UE.
Pelas suas próprias contas, a medida custaria, só na parte nacional, cerca de 20 000 milhões de euros, o que revela o nível de leviandade política da proposta, pois não se vê como é que o Estado poderia financiar tal custo sem agravar seriamente o nível de endividamento público (que já vai aumentar muito por causa da crise) nem como é que a UE poderia embarcar nela.

2. Pior do que isso, não se vê que razoabilidade pode assistir a tal proposta de distribuir um subsídio a toda a gente, independentemente da sua situação financeira.
É evidente que muita gente vai perder rendimento no setor privado, designadamente os trabalhadores que vão ficar desempregados e os prestadores de serviços que perderam clientes e as empresas em geral que vão ser afetadas pela recessão económica que se vai seguir. Mas que sentido faz atribuir tal subsídio temporário aos funcionários públicos (como os próprios autores!) ou aqueles cujo rendimento em nada foi afetado, como os pensionistas e trabalhadores que mantiveram o emprego? Sucede que estes até tiveram redução de despesas durante a crise (combustível, restaurantes, viagens, etc.)!
Francamente, há ideias que não valem o tempo de as refutar!

Ilusões indevidas

1. António Costa não pode ser sincero quando declara que «Ficaria muito desiludido, se tivéssemos de chegar à conclusão de que só podemos contar com o PCP e com o BE em momentos de vacas gordas».
De facto, não há nenhum motivo para desilusão, pela simples razão de que era manifestamente indevida tal ilusão. É evidente que para a extrema-esquerda, governar é aumentar a despesa - e não só a despesa social -, independentemente das conjunturas. A Geringonça só foi possível porque o robusto crescimento económico, a redução dos encargos da dívida pública (cortesia do BCE) e o corte no investimento público permitiram libertar muitos milhões de euros por ano para satisfazer as insaciáveis reivindicações orçamentais daqueles dois partidos.

2. Infelizmente, com a pandemia, o Eldorado orçamental acabou. Tal como outros países, Portugal vai sair desta crise sanitária - mesmo que ela não dure muito mais tempo - não somente com uma grave crise económica, mas também com um enorme défice orçamental e uma subida exponencial da dívida pública. Vai ser dura e prolongada a tarefa de recuperar a economia e reequilibrar as contas públicas, o que não pode deixar de passar pela frugalidade da despesa pública, tanto mais que agora não há margem para o "enorme aumento de impostos" de 2012, que não foi revertido.
Imaginar que se poderia contar com os dois partidos da "esquerda da esquerda" para cooperar nessa tarefa seria uma ilusão irresponsável. Se há algum prognóstico político relativamente fácil, é o de que vamos ver novamente o PCP e o Bloco na oposição contra a "nova política de austeridade"...


domingo, 12 de abril de 2020

Regresso

Peço desculpa aos meus leitores por esta longa interrupção, mais de dois meses, do Causa Nossa, devida a uma acumulação de compromissos editoriais inadiáveis.
Aliviada essa pressão, anuncio que vou regressar.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Não dá para entender (16): A honra perdida de Rui Rio

1. O líder do PSD apostou decididamente em desbaratar a sua antiga aura de rigor nas finanças públicas, em aras à prodigalidade orçamental. Depois do tristemente célebre episódio da recuperação do tempo de serviço dos professores, Rui Rio avança agora, no debate sobre o orçamento do Estado para este ano, com um conjunto de propostas de aumento da despesa e de corte na receita, incluindo uma irresponsável descida do IVA na energia, que poriam em causa o equilíbrio das contas públicas.
Num e noutro caso o PSD coloca-se em convergência com a extrema-esquerda parlamentar, que, porém, nunca sacrificou nada à disciplina orçamental. Além disso, esses partidos não defendem a descida de impostos, como o PSD faz, pelo que são menos incoerentes quando propõem aumento da despesa..

2. Sempre considerei que, mesmo na oposição, os partidos de vocação governamental devem comportar-se como se estivessem a governar, sob pena de incoerência e oportunismo político, que os eleitores tendem, justamente, a penalizar.
Ora, é óbvio que, se estivesse no Governo, o PSD não tomaria tais posições; pelo contrário, denunciá-las-ia como irresponsáveis -, que efetivamente são...

Concordo (12): Defesa da saúde pública

Estou de acordo com esta proposta de Frederico George, hoje no Público, de permitir constitucionalmente o internamento obrigatório de pessoas por imperiosas razões de saúde pública (e obviamente com prévio controlo judicial, ou imediato, em caso de urgência), o que hoje não está contemplado na lei, por impedimento constitucional.
Há muito tempo que defendo essa posição, entre outras necessárias microalterações da Constituição (como, por exemplo, o acesso dos serviços de segurança aos "metadados" de comunicações pessoais, a participação dos militares em operações de segurança interna).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Concordo (12): As 35 horas na função pública

Não podia concordar mais com a afirmação do Presidente da Confederação do Comércio, quando defende que «as 35 horas (na função pública) rebentaram com muitos serviços públicos».
Como tive ocasião de escrever aqui várias vezes, essa redução de tempo de trabalho não acarretou  somente um grande défice de trabalhadores em certos setores (especialmente na saúde) mas também obrigou a um substancial gasto suplementar em recrutamento de novo pessoal para colmatar as brechas. Portanto, o resultado foi pior serviço público e mais despesa pública, que vamos continuar a suportar a título permanente, sem esquecer o maior espaço para acumulação de funções no setor público e no privado.
Além disso, mas não menos importante, essa redução criou (mais) uma óbvia divergência com as relações de trabalho no setor privado, quanto a tempo de trabalho e remuneração, reforçando a ideia de privilégios da função pública.

Conferências & colóquios (7): Sobre o interesse público

Amanhã vou estar aqui, nesta conferência organizada pelo Conselho Económico-Social (CES) sobre a Administração Pública, cabendo-me versar o tema da Administração e interesse público. 
Vou abordar em especial as situações em que a Administração pública deixa de prosseguir o interesse público definido na lei, seja por ação, seja, as mais das vezes, por omissão.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Não concordo (14): Ideia insensata

Parece-me assaz insensata, política e financeiramente, a ideia de do Ministério de Educação, ontem anunciada no Público (reservado a assinantes), de permitir que os professores do ensino básico e secundário deixem de dar aulas aos 60 anos, passando a desempenhar outras tarefas nas escolas até à aposentação, mais de seis anos depois.
Primeiro, uma tal medida não deixaria de desencadear a reivindicação de solução idêntica para outras profissões, tanto ou mais exigentes (enfermeiros e auxiliares de saúde, cuidadores de instituições sociais, etc.). Segundo, ela criaria mais uma regalia em relação aos professores do setor privado, cujos empregadores não estão seguramente disponíveis para seguir o mesmo caminho.
Por outro lado, a não ser que se anteveja uma situação de excesso de professores, a dispensa das tarefas letivas depois dos 60 anos teria de ser compensada com o recrutamento de mais professores, com o consequente aumento de despesa. Tendo em conta o inevitável aumento de encargos resultante da retoma das progressões, cabe perguntar como é que vai haver orçamento para isso mais uma despesa dessas.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Lisbon first (21): "Preço de amigo"

O relatório do Tribunal de Contas que denuncia a venda de património da Segurança Social ao município de Lisboa, por ajuste direito, a preço de desconto, com substancial prejuízo financeiro do Estado, vem revelar mais uma vez o tratamento privilegiado que aquele recebe do Estado, como se não bastassem as enormes vantagens, de toda a ordem, que derivam do facto de Lisboa ser a capital do país (sede de órgãos de soberania e de grande parte das instituições públicas e de grandes empresas privadas, aeroporto e porto, etc.).
Decididamente, a proximidade do poder central rende...

Concordo (11): Transparência das eleições partidárias

1. Concordo com este artigo de Rui Tavares no Público de hoje (acesso reservado a assinantes) sobre a necessidade de conferir transparência e de regular o financiamento das eleições partidárias.
Se na sua ação externa e na sua participação nas eleições os partidos estão legalmente sujeitos a importantes limitações de financiamento, assim como à obrigação de prestação de contas, não se compreende que o mesmo não suceda quando se trata da eleição dos seus líderes em eleições diretas, assaz dispendiosas. Quem paga?

2. É tempo de acabar com a falta de regulação e controlo público dessa matéria.
Além de candidatos a primeiro-ministro, os líderes partidários decidem em geral as listas nas eleições parlamentares e a composição da respetiva representação parlamentar. Os partidos políticos não são organizações privadas como as outras, pelo que não tem aplicação aqui o princípio da autonomia e da autorregulação privada.