Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
Outras causas (8): Quando a repressão não resulta
quarta-feira, 26 de outubro de 2022
Não com os meus impostos (10): Medidas onerosas e contraproducentes
1. Segundo estes números oficiais, a passagem indiscriminada de consumidores de gás (salvo os grandes consumidores) para o mercado regulado custa 60 milhões de euros ao orçamento de 2023, em perdas de IVA (sem contar com o impacto económico negativo sobre as várias empresas fornecedoras e sobre o respetivo IRC). Por sua vez, a "borla" geral que consiste no desconto do ISP no consumo de combustíveis custa quase 1500 milhões de euros, só em 2022.
Em termos sociais, mais valera desviar a receita correspondente a essa elevada "despesa fiscal" para reduzir mais o défice orçamental e a dívida pública (a fim de melhorar o rating da República e travar a subida dos juros em curso) e para apoiar mais fortemente (por exemplo, através de um "cheque-energia") as pessoas económica e socialmente mais vulneráveis, que são as principais vítimas do surto inflacionista.
Não vejo porque é que, numa situação de crise, as pessoas com rendimentos mais confortáveis não devem suportar a sua parte nos custos mais elevados da energia que consomem, e revolta-me pensar que os automóveis de alta cilindrada e de elevado consumo que circulam impunemente na autoestrada a 180 ou 200 km/h também beneficiam desse indiscriminado "apoio social" ao combustível que queimam...
Socialmente cegas, quando não o deviam ser, essas medidas também não contribuem em nada para o bem-estar coletivo noutros aspetos.
terça-feira, 25 de outubro de 2022
Aplauso (26): Contra a mudança da hora
Reitero o meu apoio à proposta - novamente sufragada neste estudo de peritos - de acabar com a mudança cíclica da hora em toda a União, assim como à ideia de cada país adotar como hora permanente aquela que for mais consentânea com o seu natural fuso horário, ou seja, com a hora solar - o que na generalidade dos casos, a começar com Portugal, é a chamada "hora de inverno" (a que vamos regressar no final desta semana).
Sendo indiscutíveis os inconvenientes da mudança semestral da hora, desde logo pela necessidade de mudar manualmente, duas vezes por ano, todos os relógios e programadores não ligados à Internet, não existe hoje em dia nenhuma razão relevante para o desvio, no verão, da hora solar, que no nosso caso é do fuso horário de Greenwich, onde se encontra o Reino Unido e a Irlanda, e se deveria situar também a Espanha (todavia alinhada, sabe-se lá porquê, com a hora da Europa central, pelo que Vigo tem a mesma hora de Varsóvia...).
Guerra na Ucrânia (51): UE paga a conta
1. O tradicional excedente comercial externo da União Europeia (mais valor exportado do que importado) transformou-se este ano num substancial défice da balança comercial de mais de 50 000 milhões de euros (gerando também um défice da balança de pagamentos), sobretudo devido à explosão da fatura de importação de energia (petróleo e gás natural) e ao seu impacto negativo nos custos e na competitividade externa da indústria europeia.
A economia da União paga as "favas" da guerra da Ucrânia e das sanções ocidentais e contrassanções russas.
2. A mais provável consequência desta nova situação comercial deficitária da União vai ser a continuação da desvalorização do euro face ao dólar e outras moedas, o que, se, por um lado, torna mais competitivas as exportações europeias, também vai elevar o preço da energia importada, cotada em dólares, o que, por sua vez, vai estimular a inflação e colocar pressão sobre o BCE para aumentar mais os juros, agravando o custo de endividamento dos Estados e das empresas.Quando a recessão espreita a economia da União, como os últimos dados indicam, essas não são boas notícias.
Adendasegunda-feira, 24 de outubro de 2022
Privilégios (9): A exceção dos juízes do TC
1. Ao contrário da interpretação benévola que subjaz a este artigo do Público, o privilégio dos juízes do Tribunal Constitucional, criado em 1989, que consiste em, após cessação de funções, se poderem aposentar com uma pensão equivalente ao seu (elevado) vencimento de juízes conselheiros (e sempre atualizada em função dele) não depende do desempenho do cargo durante dez anos (o que atualmente só seria possível no caso excecional de prorrogação do mandato, por falta de substituição atempada, visto que, desde 1997, o mandato no Palácio Ratton tem a duração de nove anos e não é renovável).
De facto, a lei só exige, em primeira linha, que os interessados tenham completado o seu mandato de nove anos, excluindo, portanto, de tal aposentação quem tenha renunciado ao cargo ou perdido o mandato antes do seu termo. A referência à alternativa aos dez anos de serviço numa lei de 1998 visava assegurar essa prerrogativa mesmo aos juízes nessa altura em funções que não viessem a completar esse mandato, desde que anteriormente tivessem estado em funções o tempo suficiente para perfazer dez anos (pois, até 1997, o mandato, então de seis anos, era renovável).
Por conseguinte, em princípio todos os juízes cessantes do TC que o desejem mantêm a referida prerrogativa, que, portanto, não depende de prorrogação excecional do mandato.
2. Manifesto a minha inteira discordância com este privilégio injustificável, criado em 1989 para atender a uma situação pessoal, o qual, aliás, não tem nada a ver com a antiga "subvenção vitalícia dos titulares de cargos políticos", criada no governo do "bloco central" (1983-85) e extinta na primeira maioria parlamentar absoluta do PS (2005-2009, com José Sócrates), a qual não supunha nenhuma aposentação e cujo valor dependia do tempo de exercício de cargos políticos (incluindo, para este efeito, o cargo de juiz do TC!) e da respetiva remuneração.
Desnecessário se torna dizer que, tendo sido juiz do TC, na sua primeira formação, nunca me passou pela cabeça usufruir de tal privilégio, apesar da sua atratividade financeira. Tinha então 44 anos e desejava retomar a carreira académica - o que fiz.
Compartilho, aliás, da opinião de que tal privilégio lesa o princípio constitucional da igualdade, pelo que não deveria passar no escrutínio do próprio TC, se tal lhe fosse solicitado. Mas penso que deve ser o legislador a pôr fim a esse insólito regime de há mais de três décadas, que não abona a favor do Estado de direito constitucional.
sábado, 22 de outubro de 2022
+ Europa (66): A Península vai deixar de ser uma "ilha energética"
É nesse contexto que importa valorizar devidamente o acordo entre Espanha, França e Portugal para a instalação não somente de um cabo elétrico submarino no golfo da Biscaia, mas também de um gasoduto submarino entre a Península Ibérica (Barcelona) e a França (Marselha), acompanhado da interligação entre a rede portuguesa e a espanhola (gasoduto Celorico da Beira-Zamora).
Ambos os projetos agora acordados vêm substituir o antigo projeto de interligação através dos Pirenéus, sempre vetado por Paris.
2. Com essas novas ligações a Península Ibérica deixará de ser a "ilha energética" que até agora tem sido, passando a poder reexportar para o centro da Europa tanto o gás natural que hoje importa em condições mais favoráveis como, num futuro próximo, o hidrogénio que a abundante disponibilidade de energia solar lhe poderá permitir produzir com vantagem.
Não faz sentido nenhum a (politicamente ressentida) crítica segundo a qual este acordo é alegadamente menos vantajoso do que o anterior projeto, o que é uma comparação de todo descabida, visto que a travessia dos Pirinéus não estava na equação, por oposição francesa. A única comparação que pode e deve ser feita é entre as novas interligações que agora foram efetivamente acordadas e a continuação indefinida da situação existente, sem nenhuma delas.
Trata-se de um inegável ganho líquido, quer para os dois países ibéricos quer para a União.
quinta-feira, 20 de outubro de 2022
O que o Presidente não deve fazer (33): Separação de poderes
1. O que faz a Ministra do Ensino Superior, acompanhada de um secretário de Estado seu, numa audiência do Presidente da República com associações de estudantes do ensino superior, como mostra a imagem junta, retirada do site institucional do PR? Nada, seguramente, que esteja de acordo com o sistema de governo vigente entre nós!
Que o Presidente da República recebe e ouve quem quer da socidade civil, está no seu pleno direito, incluindo a faculdade de transmitir ao Governo as queixas ou reivindicações que lhe chegam. O que não faz nenhum sentido é a participação conjunta dos membros do Governo das áreas respetivas.
No nosso sistema político, os ministros não respondem politicamente perante o PR, que não lhes pode pedir contas sobre as respetivas políticas governamentais, muito menos confrontá-los diretamente com os destinatários dessas políticas.
2. Por princípio, no nosso sistema constitucional, as relações do Governo com o PR, e vice-versa, são assegurados pelo Primeiro-Ministro, sob pena de equívocos curto-circuitos políticos e de indevida confusão de poderes.
Por mais lato que seja o entendimento presidencial acerca da sua própria liberdade de opinião sobre as políticas governamentais, seguramente que ele tem de respeitar dois dados essenciais: (i) a exclusiva responsabilidade do Governo pela condução política do País e (ii) a exclusiva responsabilidade do primeiro-ministro na condução do Governo.
Ao organizar reuniões com ministros para tratar diretamente de questões da competência governamental, o Presidente da República corre o risco de pôr em causa esses princípios, obscurecendo a compreensão pública do nosso sistema político-constitucional.
quarta-feira, 19 de outubro de 2022
Guerra na Ucrânia (50): Os riscos orçamentais para a UE
1. Segundo este artigo dos presidentes das duas comissões orçamentais do Parlamento Europeu, a UE já se comprometeu, desde o início da guerra, em mais de 7 000 milhões de euros em ajuda financeira à Ucrânia, em empréstimos contraídos em seu benefício.
Como assinalam os autores, este enorme financiamento por meio de endividamento da União suscita dois riscos sérios: (i) o de um eventual incumprimento da Ucrânia, por falta de recursos, e (ii) o do desvio de fundos, dado o consabido elevado nível de corrupção no País.
Como é evidente, o prolongamento da guerrra e o seu impacto na degradação da situação política e financeira da Ucrânia só agravam ambos os riscos.
2. Ora, para além da manifesta falta de escrutínio da União sobre a utilização desses fundos do lado ucraniano, se a guerra se prolongar, como tudo indica, e a Ucrânia efetivamente não vier a pagar os empréstimos, a União vai ter de arcar com o enorme prejuízo, à custa de «cortes maciços» no financiamento dos seus programas correntes, incluindo os fundos de coesão.
Eis um problema que aparentemente se tem procurado esconder debaixo do tapete...
segunda-feira, 17 de outubro de 2022
Novo aeroporto (4): Cheira a esturro...
1. Em post anterior chamei a atenção para o abuso de poderes dos bastonários da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Economistas, ao virem defender, como tais, a opção de Alcochete, depois de o dossiê ter sido reaberto pelo Governo, incluindo novas alternativas de localização.
Sucede, porém, que ambos foram nomeados para integrar a Comissão de Acompanhamento, criada pelo Governo para monitorizar o processo de avaliação ambiental estratégica das várias hipóteses em confronto, o que não pode deixar de pressupor um elevado espírito de imparcialidade das entidades públicas que não é suposto serem parte interessada, como as Ordens. Parece óbvio que não deveriam ter sido escolhidos para essa tarefa, pela simples razão de que ninguém pode ser juiz numa causa sobre a qual já tomou posição antecipadamente. Mas, a terem sido indevidamente nomeados, deveriam ter invocado impedimento, por evidente conflito de interesses.
Mas, está visto, a imparcialidade institucional e a ética republicana já não são chão que dê uvas em Portugal.
2. O mais grave, no entanto, é que a flagrante parcialidade, à partida, de dois membros influentes da Comissão de Acompanhamento, até pela autoridade que têm sobre os membros das suas ordens que vão participar no exercício, pode ameaçar a credibilidade de todo o processo.
O Governo não pode correr o risco de ser acusado de aceitar "cartas marcadas" nesse jogo de importância crucial para o futuro do País. Como disse o Primeiro-Ministro, a escolha da melhor opção para o novo aeroporto tem de ficar «blindada de todas as vicissitudes».
Lamentavelmente, porém, as coisas não começam acima de toda a suspeita!
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
Novo aeroporto (3): Abuso de poderes
Ao abrigo de que poderes é que as Ordens dos engenheiros e dos economistas decidiram apoiar conjuntamente a opção de Alcochete para o novo aeroporto, quando o Governo, com apoio do PSD, resolveu lançar uma avaliação ambiental estratégica comparativa sobre as várias hipóteses em cima da mesa, incluindo a nova hipótese de Santarém?
Que se saiba, as ordens profissionais servem para representar, regular e disciplinar as respetivas profissões, não constando entre os seus poderes o de se pronunciarem sobre opções que, além da sua componente técnica (ainda em avaliação comparada...), são de natureza incontornavelmente política. Enquanto cidadãos, os bastonários daquelas ordens têm direito à sua posição política, mas não enquanto bastonários, tentando vincular abusivamente as respetivas corporações.
Torna-se evidente que, ao alinhar à partida com o poderoso lobby imobiliário de Alcochete, os dois bastonários vêm procurar condicionar ilegitimamente os membros das respetivas ordens, nomeadamente os que venham a participar na referida AAE. Jogo pouco limpo, para dizer o menos!...
«O caso dos bastonários das duas ordens é matéria de abuso, para não falar de corrupção política. O bastonário dos economistas é o mesmo ministro que Sócrates utilizou para remover Mário Lino em 2009 [depois da opção por Alcochete]! (...) Entretanto, recentemente António Mendonça conseguiu fazer-se eleger, por curtíssima margem, para bastonário da Ordem. Na campanha eleitoral Alcochete nunca foi referido, e a atual manifestação é um abuso da própria classe, que devia ser a primeira a optar pela solução menos onerosa! Sobre a Ordem dos Engenheiros pode dizer-se o mesmo. A classe nunca foi consultada, e o bastonário não faz mais do que corresponder às pressões do Eng. Matias Ramos, ex-bastonário, ele próprio um caso condenável de abuso de posição. Depois de ter protagonizado a avaliação em 2007, como presidente do LNEC, em favor de Alcochete, nunca deveria transformar-se depois, como bastonário da Ordem, em porta-voz da opção que preferiu antes de outras surgirem.»
Corporativismo (28): Malthusianismo compulsivo
Na verdade, um dos traços mais evidentes da história das corporações profissionais é a sua luta pela restrição do acesso à respetiva profissão ("malthusianismo" profissional), a fim de reduzir o crescimento da oferta, reservando o mercado aos profissionais estabelecidos, em prejuízo dos utentes.
2. Ora, como é bom de ver, do ponto de vista dos utentes, o aumento dos dentistas só pode proporcionar mais liberdade de escolha e preços mais mais acessíveis. Por isso, aquilo que a Ordem lamenta é de saudar como bem-vindo sob o ponto de vista dos utentes e da saúde oral em Portugal.
Não é por acaso que NENHUMA Ordem instituiu o "provedor dos utentes" que a lei-quadro da ordens profissionais em vigor prevê, justificando que a nova lei em vias de aprovação na AR se proponha tornar essa instituição obrigatória...
Assim vai a política (13): O partido provocador
1. Só pode entender-se como provocação a colocação de nova cartaz de propaganda política pelo Chega na Praça do Marquês de Pombal em Lisboa, depois de a CML ter retirado todos os que lá se encontravam.
Num Estado de direito, o modo de contestar uma decisão administrativa alegamente ilegal é a impugnação judicial, como fazem outros partidos.
Mas o Chega prefere a via de facto arruaceira, revelando mais uma vez a sua pulsão para se colocar fora da legalidade democrática e para a provocação rasteira das instituições.
2. É evidente que a CML não pode deixar de retirar imediatamente o novo cartaz, enviando a conta ao partido provocador, sendo de esperar que, desta vez, o cartel partidário que dá pelo nome de CNE não venha a sair em defesa deste desafio primário às instituições democráticas.
E o Ministério Público: será desta que abre procedimento criminal por apropriação abusiva do domínio público e crime de dano qualificado?
quarta-feira, 12 de outubro de 2022
O que o Presidente não deve fazer (32): Quando o excesso gera "ruído comunicacional"
1. Não tenho nenhuma dúvida de que, no seu infeliz comentário acerca do número de casos de abuso sexual de menores imputados a membros da Igreja, Marcelo Rebelo de Sousa não teve a mínima intenção de relativizar a sua gravidade. O seu consabido humanismo e sentido de justiça não permitem alimentar nenhuma dúvida esse respeito.
Mas também me parece que a incontrolada compulsão comentarística de MRS - que não resiste a um microfone à sua frente - incorre no risco destes deslizes verbais. A economia na externalização de opiniões pessoais e, em especial, a ponderação e a prudência em declarações sobre matérias sensíveis deveriam figurar no topo do "código de conduta comunicacional" autoimposto ao inquilino do Palácio de Belém. Infelizmente, não é assim.
2. Tendo várias vezes apontado nesta coluna essa errada compreensão da magistratura presidencial - que a meu ver deveria ser bem mais contida e discreta, em consonância com a elevada dignidade e imparcialidade do cargo -, não posso deixar de concordar com o sentido destas palavras de Pedro Santana Lopes:
«Gostava de sublinhar aqui a questão, presente nos últimos tempos, da cadência de declarações do Presidente da República. Deve fazer uma reflexão, com ele próprio. Fala muito [e]demais. Houve um período durante o qual se achou graça, eu nunca achei, confesso. O que é que os anteriores Presidentes, nomeadamente os que estão vivos, Cavaco Silva e Ramalho Eanes, pensarão quando veem um Presidente da República a falar tanta vez, em todo o lado, a propósito de tudo. Todos nós sentíamos, pelo menos, que não era costume, mas neste momento considero que, além de não ser costume, prejudica o funcionamento das instituições, do sistema político e da democracia em Portugal. Mais tarde ou mais cedo dava asneira».
MRS precisa de disciplinar a sua prodigalidade mediática, sob pena de repetição de percalços destes.
[Revisto: adicionadas as frases destacadas a amarelo.]
O SNS em questão (23): Falhas de desempenho que exigem correção
1. Não será "a maior parte", mas é público e notório que há muitos diretores de serviço nos hospitais do SNS que não cumprem os horários devidos, sobretudo os que se encontram em acumulação com a clínica privada - uma manifesta situação de conflito de interesses, normalmente resolvido a favor do interesse privado.
De resto, essa situação é acompanhada por uma elevada taxa de absentismo de médicos e outro pessoal em geral, que já era inaceitavelmente elevada antes da pandemia, a que diretores, gestores e Ministério tendem a fechar os olhos.
É percetível que tais situações se agravaram com a redução do horário normal para as 35 horas, o que veio facilitar a acumulação com a clínica privada e facilitar a tentação de preferência pelo setor privado, onde a remuneração depende do desempenho e onde, portanto, o absentismo é efetivamente penalizado.
2. Como tenho defendido muitas vezes,a questão da sustentabilidade política e financeira do SNS depende essencialmente da correção dos fatores da sua atual ineficiência. Não é possível continuar a reforçar continuamente a sua dotação orçamental e a ampliar os seus quadros, sem que haja uma correspondente contrapartida quando aos resultados em cuidados de saúde prestados.
A título exemplar seria, interessante que a nova direção executiva do SNS promovesse um estudo sobre o absentismo e o cumprimento de horários no SNS, relacionando os dados obtidos com o seu desempenho dos serviços.
Mesmo não sendo eu um utente regular do SNS - por ser beneficiário da ADSE -, sou, porém, seu cofinanciador como contribuinte; e o mínimo que um contribuinte deve fazer é preocupar-se com destino dos impostos que paga, tendo direito a que os serviços públicos cuidem da sua eficiente utilização.
terça-feira, 11 de outubro de 2022
Como era de esperar (2): SNS cada vez mais supletivo
1. Sem surpresa, tal como muitas empresas privadas, também as empresas públicas, como a Carris, decidem oferecer seguros de saúde privados aos seus trabalhadores, como complemento remuneratório e como alternativa a maiores subidas de salários.
Com a generalização dessa prática, o SNS vai progressivamente reduzindo a sua área de cobertura social, ficando de fora os funcionários públicos (ADSE) e os trabalhadores das empresas públicas e privadas com seguros de saúde, que são cada vez mais.
Há, porém uma diferença entre a ADSE e os seguros empresariais, porquanto aquela é uma espécie de mutualidade financiada pelos próprios beneficiários, ao passo que os segundos são pagos pelas empresas. Em qualquer caso, ambos os esquemas reduzem os encargos orçamentais do SNS e a pressão sobre ele.
2. Não deixa de se contraditório que um Estado que está constitucionalmente obrigado a manter e financiar um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, seja o principal protagonista em criar sistemas alternativos de cuidados de saúde para os seus trabalhadores.
Que credibilidade pode ter a noção de universalidade do SNS se na própria esfera do Estado ele se vai tornando cada vez supletivo?
segunda-feira, 10 de outubro de 2022
Ai, o défice (17): Incoerência
1. Além do défice orçamental, que aumenta a dívida pública, há o espectro do défice comercial (mais importações do que exportações), que aumenta o endividamento externo do País.
Sucede que a subida exponencial das cotações do petróleo e do gás (totalmente importados), em consequência da guerra na Ucrânia e das sanções e contrassanções associadas, aliás agravadas pela desvalorização do euro, tem feito aumentar substancialmente o défice da balança comercial de bens.
O enorme aumento do preço dos combustíveis importados implica obviamente uma degradação dos "termos de troca" na relação entre importações e exportações, traduzida na transferência de rendimento dos países importadores para os exportadores (incluindo os Estados Unidos), que se tornam os grandes ganhadores económicos da guerra.
2. Ora, em vez de visar a atenuação dessa transferência de riqueza para o exterior, através de uma redução das importações, induzida pela subida dos preços e apoiada em medidas de poupança, o Governo tem subsidiado o consumo por via fiscal (redução do ISP) e não tem apostado seriamente na poupança energética.
Todavia, se se compreende o alívio da a fatura energética das empresas, para não afetar demasiadamente a sua competitividade e para travar o surto inflacionista, já não se compreende a subsidiação universal do consumo de combustíveis em geral, independentemente do nível de rendimentos de cada consumidor.
Barbárie tauromáquica (13): Afinal, há alianças com o Chega
Quem diria, uma associação parlamentar de amizade com a barbárie tauromáquica, abrangendo, além de deputados do Chega, também deputados do PSD e... do PS! Obviamente, os únicos deputados certos na foto são os do Chega.
Pelos vistos, o PS faz exceções ao "cordão sanitário" à volta do Chega, e por nobilérrimos motivos. Um ultrage político e moral.
sexta-feira, 7 de outubro de 2022
Ai o défice (16): Contra o bodo orçamental
Penso ser um grave erro político aproveitar o bom desempenho da receita fiscal (cortesia da inflação) para financiar medidas orçamentais universais e de efeitos permanentes, em vez de medidas temporárias e restritas aos setores sociais de menores rendimentos.
Um bodo orçamental generalizado, como é proposto pelas oposições, prejudica a necessária redução do défice orçamental e do peso da dívida pública - condição para reduzir o impacto orçamental da subida dos juros - e alimenta o processo inflacionista, pelo aumento da procura agregada. É contraditório adotar uma política orçamental expansionista quando a política orçamental do BCE tenta restringir a procura, mediante a subida da taxa de juro, para "secar" a inflação.
quinta-feira, 6 de outubro de 2022
Era o que faltava! (5): Não vale tudo
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) resolveu vir declarar "ilegal" e até "criminosa" a decisão da Câmara Municipal de Lisboa que mandou retirar os painéis de propaganda partidária da Praça do Marquês de Pombal.
Mas não tem nenhuma razão. Primeiro, não estando a decorrer nenhum processo eleitoral, não se compreende a que propósito é que a CNE vem interferir em seara alheia. Segundo, o invocado princípio geral da liberdade de propaganda política não justifica todos os meios, incluindo a ocupação selvagem - ela sim, "ilegal e criminosa" - do domínio público e a violação do direito ao ambiente urbano. Por isso, a decisão da CML merece todo o aplauso, como AQUI assinalei.
Violando o seu mandato, esta decisão da CNE descredibiliza-a irremediavelmente. Uma autoridade eleitoral independente, como a CNE deveria ser, não pode comportar-se como um "cartel de partidos", que realmente é, fazendo prevalecer os seus interesses contra o mais elementar interesse público.
quarta-feira, 5 de outubro de 2022
Lisbon first (27): Privilégios da capitalidade
Vale a pena ler este artigo sobre as vantagens de Lisboa quanto a infraestruturas e serviços públicos, não no contexto ancional, mas sim no quadro da própria área metropolitana de Lisboa (AML), uma perspetiva em geral ignorada.
Decididamente, há um critério imperioso quando a investimentos naquelas áreas: Lisboa, primeiro!
terça-feira, 4 de outubro de 2022
+ Europa (65): A nova Comunidade Política Europeia
No próximo dia 6 vai ter lugar em Praga, sob a égide da presidência checa da Conselho da UE, a primeira reunião preparatória da nova Comunidade Política Europeia, que foi proposta em maio passado pelo Presidente francês, Macron, para congregar a UE e os demais países europeus, independentemente da sua relação com a União.
Como é bom de ver, a nova organização não deve ser concebida, como alguns pretendem, como um clube de candidatos ou futuros candidatos à integração na União - o que limitaria o seu âmbito geográfico e político -, devendo ser antes uma plataforma paneuropeia de cooperação política, económica e cultural aprofundada entre a UE e todos os países à sua volta que compartilhem os seus valores fundamentais, incluindo países que saíram da União (como o Reino Unido), os que renunciaram a entrar (como a Islândia, Noruega ou a Suíça), os que não têm perspetivas de entrar (como a Turquia), ou os que são candidatos ou pré-candidatos à entrada (como os balcânicos ou a Ucrânia).
Todavia, para valorizar a CPE, não seria deslocado que a UE estabelecesse como novo critério de candidatura à adesão a integração prévia na CPE pelo período de pelo menos cinco anos.
Privilégios (8): Os custos da inflação
Nesta manchete do Público de hoje denuncia-se o facto de cerca de 70% dos funcionários públicos irem perder poder de compra no próximo ano, por o aumento da remuneração prometido pelo Governo ser inferior à taxa de inflação prevista.
Ora, o que há de característico nos processos inflacionistas é que tendencialmente toda a gente, principalmente entre os trabalhadores por conta de outrem, perde poder de compra, por as suas remunerações não acompanharem a subida dos preços. Sendo de registar que o Estado compensa essa perda quanto aos funcionários de menores remunerações, a verdade é que tal garantia não existe em relação ao setor privado (incluindo os trabalhadores do Público...).
Mais uma vantagem para os funcionários públicos...
terça-feira, 27 de setembro de 2022
Este país não tem emenda (32): Supino cinismo
O secretário-geral da federação sindical dos professores (FENPROF) denuncia o elevado número de alunos sem professores, duas semanas depois do início do ano letivo. O que ele se "esquece" convenientemente de referir é a responsabilidade, nessa situação, dos milhares de professores que recorrem a "oportunas" baixas por doença para não iniciarem a sua atividade. Cinismo puro e duro...
O que não pode deixar de ser denunciado é a patente cumplicidade, pelo silêncio, não somente dos sindicatos de professores, mas também da Ordem dos Médicos, com esta vergonhosa violação maciça dos mais elementares deveres profissionais, cívicos e deontológicos das classes que representam.
sexta-feira, 23 de setembro de 2022
No bicentenário da Revolução Liberal (43): Uma forma original de celebração
quinta-feira, 22 de setembro de 2022
Corporativismo (27): Privilégio profissional
1. A notícia de que a AR equaciona a integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social leva-me a lembrar que há décadas que defendo que nenhuma profissão tem direito a um sistema privativo de segurança social, desde a criação da sistema integrado a seguir à Constituição de 1976, que pôs fim ao regime de pensões de base profissional do corporativismo do "Estado Novo".
Como sobrevivência corporativa, a CPAS funciona desde então à margen da Constituição e só o peso político da profissão permitiu manter o privilégio oriundo do antigo regime.
2. Não vai ser fácil, porém, a equação financeira da integração, visto que não se vê como é que se pode pôr a cargo do sistema geral o pagamento das generosas pensões que a CPAS permitia, com base em contribuições elevadas só na parte final da atividade profissional.
Ao contrário do sistema geral de segurança social - que padece da degradação da proporção entre contribuintes ativos e pensionistas -, a CPAS continua a gozar de uma confortável base contributiva, dada a entrada de muitos novos advogados todos os anos, o que permite uma relação mais favorável entre a pensão e a carreira contributiva.
Bicentenário da Revolução Liberal (42): Passam amanhã 200 anos!
1. Eram simples os objetivos da revolução antiabsolutista no primeiro manifesto de 24 de agosto de 1820, no Porto: «As Cortes e por elas a Constituição!».
As Cortes constituintes foram eleitas ainda em dezembro de 1820 e começaram os seus trabalhos em 26 de janeiro do ano seguinte. A Constituição veio a ser aprovada em 23 de setembro de 1822, faz amanhã 200 anos! Missão cumprida!
2. Pelo menos, dois eventos comemorativos assinalam o bicentenário da inauguração da moderna era constitucional em Portugal: (i) uma sessão na Assembleia da República e a inauguração de uma exposição; (ii) um colóquio na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Não é todos os dias que passa uma data que merece ser tão comemorada como esta. O Portugal moderno começou aí e todos somos herdeiros dela!
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Não com os meus impostos (9): Discriminação antimunicipal
1. Os municípios têm toda a razão do mundo ao exigirem o fim do financiamento municipal da ADSE, o subsistema de saúde privativo dos funcionários públicos, despesa que este ano monta a mais de 60 milhões de euros.
Há duas razões decisivas. Primeiro, porque o Estado há muito deixou de o fazer, sendo discriminatório manter o cofinanciamento municipal; segundo, porque, por princípio, os sistemas complementares de saúde ou de segurança social devem ser financiados exclusivamente pelos seus beneficiários, e não pelos contribuintes em geral, que já pagam o SNS.
2. Orgulho-me de, há muitos anos (2006), ter iniciado publicamente AQUI e AQUI a luta contra o financiamento da ADSE por via orçamental, ou seja, pelos contribuintes em geral, como então sucedia maciçamente, substituindo-o pelo princípio do beneficiário-pagador.
É lamentável que passados tantos anos a reforma não ter sido levada até ao fim.
Não dá para entender (27): A deriva bloquista do PSD
1. Decididamente, o PSD entrou em "modo BE"!
Ao defender a aplicação, sem modificação, das regras até agora vigentes sobre atualização das pensões, incluindo depois de 2023, acrescida de um bónus de 150 euros à cabeça, o PSD consegue: (i) estabelecer uma clara discriminação em relação aos demais portugueses, a começar pelos funcionários públicos, cujos rendimentos não vão ser atualizados à taxa da inflação; (ii) antecipar em vários anos o défice da segurança social, arrasando a sua sustentabilidade; (iii) gerar um enorme impacto orçamental sobre a défice e dívida pública, favorecendo a subida dos respetivos juros; (iv) acrescentar pressão ao surto inflacionista, pelo aumento da procura.
É obra!
2. Com esta deriva irresponsável, Montenegro replica o lamentável "momento Rio", do apoio à recuperação integral do tempo de serviço dos professores, também em convergência com a esquerda radical, que lhe custou um humilhante recuo, para evitar a antecipação de eleições.
Desta vez, o PSD não corre esse risco, dada a maioria parlamentar do PS. Mas é evidente que um partido de vocação governamental que defende na oposição aquilo que nunca faria se estivesse no Governo perde credibilidade junto ao seu próprio eleitorado. A incoerência política paga-se quando se tratar de escolher o governo.
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
Aplauso (25): Inesperada e bem-vinda
domingo, 18 de setembro de 2022
Não dá para entender (26): Facilitismo
Não se compreende que a Associação Nacional de Municípios, onde o PS detém confortável maioria, venha alinhar com o coro facilitista da redução do IVA sobre a energia para 5%.
A resposta ao aumento do custo da energia, sobretudo por efeito da subida da cotação internacional do gás natural, não pode consistir numa descida generalizada do IVA, mas sim em medidas de poupança dos consumidores, incluindo os municípios, os quais deviam ser os primeiros a avançar com medidas nesse sentido.
O País precisa de poupar na fatura da importação de energia e o Governo necessita do dinheiro do imposto para ajudar as empresas e os consumidores mais afetados pela subida dos custos da energia. Além disso, a descida do IVA seria um sinal contraproducente na luta contra a inflação, que exige a restrição da procura agregada.