quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Praça da República (62): Elogio de governos de maioria

[Fonte: Aqui]

1. Como mostra o quadro junto, relativo a 2017 (mas que se mantém atual em geral), a regra nos países da OCDE é a de governos maioritários, de coligação ou monopartidários (mais de 3/4 dos países). A solução existente entre nós desde 2019 - governo minoritário sem acordo com outros partidos - é superminoritária (3,3%); e a solução de 2015 - governo minoritário com acordo com outros partidos - corresponde somente a 13,3% do total.

Sucede, que sendo os governos maioritários a regra, em Portugal a única possibilidade de um governo maioritário à esquerda é um Governo do PS, dada a impossibilidade de um governo de coligação à esquerda, não sendo viável um programa comum de governo entre o PS e a esquerda radical, por causa das profundas diferenças doutrinárias e políticas entre eles.  

É por isso que, apesar de o PS ter vencido a maior parte das eleições parlamentares desde 1976, só tenha havido até agora um governo maioritário de esquerda (o de Sócrates, 2005-2009). As eleições de 30 de janeiro passado proporcionam ao PS uma segunda oportunidade.

2. Contrariando a rejeição ou as reticências contra governos de maioria monopartidária, penso que eles apresentam um conjunto impressionante de vantagens, nomeadamente as seguintes:

       estabilidade política: os governos de maioria cumprem a legislatura, podendo lançar a executar as suas políticas e proporcionando previsibilidade política aos cidadãos, aos empresários e aos agentes políticos e sociais; dos vários governos de coligação e minoritários que tivemos, muitos não chegaram ao fim da legislatura, e nenhum tinha esse objetivo como garantido antecipadamente;

       - alargamento da área de recrutamento político: com um horizonte de quatro anos, é possível recrutar para o Governo personalidades que não estariam disponíveis para largar as suas atividades profissionais e integrar governos sem perspetivas de estabilidade;

      - controlo das finanças públicas: tendo maioria parlamentar, os governos não correm o risco de ver as suas propostas de orçamento estropeadas na AR pelos partidos de oposição, pelo aumento de despesa global ou pelo aumento da despesa corrente à custa do investimento público, pondo em causa a consolidação orçamental e a redução da dívida pública; 

      - reformas políticas: só os governos de maioria podem decidir as reformas que, apesar de necessárias, suscitam a oposição de outros partidos ou de poderosos grupos de interesse, e que normalmente são vetadas em governos de coligação ou em governos minoritários; foram as reformas económicas e fiscais de Cavaco Silva e as reformas de Sócrates em várias áreas (segurança social, saúde, Administração pública), que permitiram a modernização do País e a superação de barreiras institucionais atávicas ao progresso económico e social;

      - responsabilidade política: podendo executar o programa eleitoral com que se apresentaram aos eleitores e com que ganharam as eleições, os governos de maioria não têm as desculpas que os governos minoritários e de coligação invocam, quando apresentam contas ao julgamento dos eleitores no final do mandato; nesse sentido, os governos de maioria preenchem melhor os requisitos clássicos do "governo representativo e responsável" (representative and responsible government).

3. Confiando em que as garantias existentes contra as tentações de abuso do poder funcionam, a solução de governos maioritários pode ser a mais apropriada, especialmente em períodos, como o atual, em que assumem prioridade a necessidade de estabilidade política para superar a crise resultante da pandemia e a necessidade de reformas para responder aos desafios colocados ao País e à UE, como a transição digital e a transição energética.

E não sendo possível um governo de coligação de esquerda, nem sendo recomendável um governo de coligação ao centro ("bloco central"), a única solução de governo de esquerda maioritário é mesmo aquela que afortunadamente as eleições de domingo passado proporcionaram inesperadamente ao PS. 

Adenda (8/2)
Um leitor pergunta duas coisas: (i) caso o PS não tivesse obtido maioria absoluta, qual seria a fórmula de governo menos má e (ii)  se eu seria da mesma opinião sobre os governos de maioria se se tratasse do PSD. Quanto à primeira questão, tornei claro em vários posts antes das eleições (por exemplo, AQUI e AQUI) que a hipótese preferível seria um governo minoritário do PS com um acordo de viabilização parlamentar com o PSD; quanto à segunda questão, não tenho dúvidas de que um governo maioritário do PSD seria preferível a um governo minoritário, apoiado, como Rui Rio nunca excluiu (por último, AQUI), no radicalismo liberal da IL ou, pior ainda, no populismo reacionário do Chega; pior só um governo de coligação do PSD com um ou ambos esses partidos.