quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Contra a corrente (3): As maiorias absolutas não são "coisa má"

 1. O comentador político e politólogo André Freire sustenta - suponho que na 1ª qualidade - que o Governo ainda em funções comprova a sua tese de que os governos de maioria absoluta (de um só partido) são por natureza «uma coisa má». Não concordando com a tese em concreto (como defendi AQUI), tampouco a subscrevo em abstrato -, pelo contrário.

Para começar, os governos maioritários têm condições para governar de forma mais previsivel e com mais estabilidade do que os governos minoritários ou de coligação, aqueles porque ficam sempre reféns das oposições e dos grandes grupos de interesse, e os últimos porque o partido "sénior" da coligação fica refém dos partidos "juniores", pelo que ambos os tipos de governo tendem sempre a adiar reformas e a aumentar a despesa pública, para comprar apoios políticos. 

A primeira grande diferença está, portanto, em serem mais coerentes e mais estáveis politicamente, na base do mandato político correspondente ao programa eleitoral submetido aos cidadãos eleitores.

2. Em segundo lugar, os governos de maioria absoluta também são mais reformistas, porque conseguem levar de vencida as corporações instaladas: não é por acaso que, com exceção do Governo de Passos Coelho, sob intervenção externa (2011-2015), os governos mais reformistas desde 1976 foram indubitavelmente os governos maioritários de Cavaco Silva (1997-1995) e de Sócrates (2005-2009).

Por último, mas de primeira importância, os governos maioriários são também mais responsáveis politicamente perante os cidadãos, porque no final do mandato não podem desculpar as suas falhas ou o incumprimento do seu programa nem com a falta de apoio parlamentar nem com os parceiros de coligação. 

Além da instabilidade governativa que lhes é inerente (poucos chegaram ao fim), os governos minoritários e os de coligação tendem também a fugir à responsabilidades política pelo seu falhanço, à margem de um dos grandes princípios da teoria republicana do governo.

3. Além disso, dada a inviabilidade política de soluções de "bloco central" entre nós, as maiorias absolutas tornam-se o único antídoto eficaz contra a tentação de acordos de governo, expressos ou implícitos, dos dois tradicionais partidos de governo (PS e PSD) com os partidos radicais, à sua esquerda ou à sua direita, respetivamente.

Não tenho dúvidas em afirmar que é preferível um governo maioritário do PS a um governo de coligação PS-PCP-BE, ou um governo minoritário dependente desses dois partidos (como foi a chamada "Geringonça"), tal como é melhor ter um governo maioritário do PSD do que um governo de coligação PSD-IL ou PSD-Chega, ou um governo minoritário dependente deles. Ou seja, ao contrário de A. Freire, eu penso que os governos de maioria absoluta são, em princípio, uma "coisa boa". 

O problema é que, em sistemas proporcionais como o nosso, trata-se de um produto com pouca oferta no mercado eleitoral, e parece que destinado mesmo a desaparecer. Ainda haveremos de o lamentar...

Adenda
Um leitor defende que, não havendo em geral maiorias monopartidárias, os governos de coligação são preferíveis aos governos minoritários, os quais têm de negociar todas as suas políticas caso a caso, a começar pelo orçamento, à custa do aumento a despesa pública, e que «podem ser derrotados ou demitidos a qualquer momento por "coligação negativa" das oposições». Tem razão, mas as coligações - que pressupõem um programa de governo comum, governo compartilhado e solidariedade a nível parlamentar -, só resultam, se houver uma suficiente afinidade política entre os partidos coligados (como era o caso das coligações PSD-CDS). Ora, não vejo que "química" política é que pode associar o PS ao PCP e ao BE numa coligação, ou o PSD ao Chega (ou mesmo à IL)... 

Adenda 2
Outro leitor objeta que «a maioria absoluta tende a dar em poder absoluto», pelo que é melhor não haver. Sucede, porém, que se há um regime de tipo parlamentar em que um governo maioritário não corre o risco de abuso de poder dos sistemas parlamentares maioritários (como o Reino Unido ou a Índia) é justamente o nosso, onde são decisivos os limites constitucionais do poder das maiorias absolutas, como já argumentei várias vezes, nomeadamente AQUI.

Adenda 3
Um leitor observa que o principal senão dos governos minoritários, e mesmo dos de coligação, é o "poder de veto" que conferem aos partidos minoritários, «muito acima da sua expressão eleitoral, o que é antidemocrático». De acordo.