sexta-feira, 6 de junho de 2025

O que o Presidente não deve fazer (56): Pode Belém rejeitar a equipe ministerial?

1. Ao afirmar, no comunicado público de Belém sobre a nomeação do novo Governo, que o Presidente «deu o seu assentimento» à equipa ministerial apresentada pelo Primeiro-Ministro, Marcelo Rebelo de Sousa deixa entender que podia não ter concordado, obrigando aquele a corrigi-la. Todavia, embora haja notícia de alguns casos passados de veto presidencial a um ou outro ministro, tal nunca foi prática frequente. E a melhor interpretação da Constituição não valida tal hipótese.

Com a revogação da responsabilidade política do Governo perante o Presidente, na revisão constitucional de 1982, este perdeu a tutela política que tinha sobre aquele, incluindo o relativo poder de escolha que tinha anteriormente na nomeação do Governo, a começar pelo PM, tendo agora de pautar-se exclusivamente pelos resultados das eleições parlamentares e consequente composição da Assembleia da República, tanto mais que na prática política as eleições parlamentares são disputadas em torno da escolha do melhor partido e do melhor líder partidário para governar e de opções de governação.

A necessidade de nomeação presidencial não significa que o Governo seja também da responsabilidade do Presidente, pois este se deve limitar a interpretar e seguir as indicações das eleições parlamentares. Embora o Governo comece a existir com a simples nomeação presidencial, a verdade é que ele só assume plenitude de funções depois da sua passagem parlamentar, ficando pelo caminho se for rejeitado (como sucedeu em 2015). Antes disso não passa de uma espécie de governo provisório, temporário e sob condição.

2. Quanto à nomeação dos ministros e secretários de Estado, deve agora prevalecer a proposta do PM, sem possibilidade de oposição do Presidente, por duas razões convergentes: (i) deve caber exclusivamente ao chefe do Governo escolher a equipe que ele melhor considera poder executar o programa de governo e responder politicamente por ele na AR; (ii) resulta claro da CRP que que as relações do Governo com o PR são estabelecidas por intermédio do PM, e não dos ministros, pelo que não existe razão para aquele interferir na composição da equipa governativa. Por isso, a formação do Governo não deve ser considerada como uma parceria entre o PM e o Presidente, em que este possa opor-se discricionariamente aos nomes propostos pelo primeiro.

Obviamente, no seu poder geral de aconselhamento do PM, o PR não está impedido de, nos seus encontros institucionais, levantar reservas em relação a algum nome, nem de sugerir alguma alteração ao elenco que lhe for apresentado. Mas uma coisa é aconselhamento, que o PM deve considerar seriamente, mas não é obrigado a seguir, outra é a possibilidade de o Presidente exercer um poder de veto dos nomes propostos. A última apalavra só pode ser a do PM, não podendo Presidente dar-lhe uma escusa para o eventual mau desempenho do seu Governo.

3. São, no entanto, de admitir duas exceções a esta regra de não ingerência presidencial na formação da equipe ministerial.  

A primeira aplica-se aos ministros da defesa e dos negócios estrangeiros, dada a especial relação do PR com esta duas áreas da política, pelo que se justifica reconhecer-lhe um poder de oposição em relação aos respetivos titulares, com quem vai encontrar-se no exercício as suas funções de representante externo da República e de Comandante Supremo das Forças Armadas. 

A segunda exceção consiste no dever de o PR rejeitar nomes que incorram em incapacidade ou incompatibilidade para o exercício de funções políticas. por exemplo, personalidades privadas de direitos políticos por decisão judicial ou magistrados judiciais, respetivamente. Lamentavelmente,  os presidentes, em geral, e MRS, em particular, têm sido pouco zelosos neste ponto, aceitando a nomeação de vários magistrados judicias para diversos cargos governamentais, como sucedeu ainda no Governo Montenegro I, com a Ministra da Administração Interna e com uma das secretárias de Estado da Justiça (o que denunciei prontamente AQUI) e voltou agora a repetir-se com a nomeação de um juiz para secretário de Estado da Justiça.

É a defesa do "regular funcionamento das instituições" que está em causa.

4. Se, pelas razões indicadas, a escolha da equipa ministerial deve ser considerada uma prerrogativa do PM, que a vai dirigir, outro tanto vale para a sua eventual remodelação posterior, substituindo alguns dos seus membros, quer quanto à sua oportunidade, quer quanto aos nomes envolvidos.

Por isso, sem prejuízo do poder de aconselhamento discreto ao PM, deve ser vedado ao Presidente exigir publicamente uma remodelação governativa ou a substituição de um ministro em concreto, como lamentavelmente sucedeu em maio de 2023, com a exigência de MRS de demissão do então Ministro das Infraestruturas, João Galamba, que o PM recusou ostensivamente, do que resultou um óbvio envenenamento das relações políticas entre Belém e São Bento, que culminou na inopinada dissolução parlamentar, na sequência da demissão de António Costa, por força do anúncio público de um pretenso envolvimento dele no caso Influencer.

Além de  um manifesto abuso de poder de Belém, esse ingerência pública na gestão da equipe governamental foi um exemplo claro de como o "poder moderador" do PR pode ser subvertido em "poder perturbador"!

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Eleições presidenciais 2026 (18): O erro do Almirante

1. Ao responder a uma pergunta sobre se promulgaria a lei da despenalizacão da eutanásia, com a afirmação de que é «pró-vida» e que teria «dificuldades em deixar passar uma lei que de alguma forma facilitasse o suicídio assistido ou a eutanásia», Gouveia e Melo cometeu, a meu ver, um duplo erro: um erro político e um erro de conceção do poder de veto presidencial na CRP. 

Quanto à questão política, ao utilizar a expressão "pró-vida" - que é típica do fundamentalismo antidespenalização do aborto e da eutanásia, de base religiosa -, o candidato coloca-se contra o sentimento de grande parte do País, não só na esquerda, mas também na direita mais genuinamente liberal, gerando o legítimo receio de que tal posição retrógada possa justificar, não somente a sua oposição à despenalização da eutanásia, como explicitou, se ela for retomada, mas também ao alargamento do prazo para o aborto por livre decisão da gestante, de 10 para 12 semanas, que está na agenda política há algum tempo.

Não é questão de somenos importância: uma coisa é suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade - o que já foi feito em relação a ambas as situações -, outra coisa é recorrer ao veto político, fazendo sobrepor a sua convicção pessoal, por mais legítima que seja, à vontade democrática do legislador.

2. Não é menor a preocupação que a referida resposta suscita quanto à conceção sobre o exercício do veto legislativo

Com efeito, embora comece por afirmar, e bem, que o veto presidencial só deve ser exercido a título excecional, o candidato admite, porém, exercê-lo, não por qualquer motivo atinente às suas funções constitucionais, mas sim por discordância pessoal com a lei aprovada pelo legislador, ou seja, pela maioria da AR.

É certo que os anteriores inquilinos de Belém nem sempre escaparam a essa tentação, mas depois da inflação de vetos pelo atual PR cessante, é tempo de questionar esse desvio da função constitucional do veto, o qual só deve poder justificar-se à luz das funções constitucionais do Presidente. Na verdade, uma das regras essenciais da interpretação das competências das autoridade públicas é a de que não se trata de poderes plenamente discricionários, só podendo ser utilizados para a prossecução das atribuições das respetivas entidades, e não para outros fins, sob pena de "desvio de poder".

Ora, podem configurar-se díversas razões que podem justificar o veto presidencial, para salvaguardar o regular funcionamento das instituições e fazer respeitar as regras do jogo político, independentemente da  concordância ou discordância com a lei em causa, como por exemplo: essa lei contrariar o programa do Governo, dever merecer maior debate político e parlamentar, não ter sido objeto de avaliação de impacto legislativo (orçamental, ambiental, social), infringir normas da UE ou compromissos ou recomendações internacionais, desrespeitar o resultado de referendo recente, mesmo não vinculativo, suscitar problemas complicados de execução administrativa, não contribuir para a realização dos fins constitucionais do Estado, o veto ter sido recomendado pelo Conselho de Estado (caso o PR lho tenha submetido), etc.

Uma vez que o Presidente não é colegislador nem goza de um "direito de objeção de consciência" no desempenho das suas funções constitucionais, o veto não deve ser simples expressão de discordância subjetiva com a lei, nem muito menos, produto de caprichos ou estados de alma presidenciais.

3. Junto com o poder de dissolução parlamentar, o veto legislativo é a mais intrusiva derrogação do modelo clássico da separação de poderes, quanto à autonomia e ao exclusivo poder legislativo do parlamento, pelo que tais poderes só devem ser utilizados a título excecional.

O sistema de governo presidencialista instituiu, porém, o veto presidencial (EUA) e o sistema de governo parlamentar instituiu a dissolução parlamentar (Reino Unido), em ambos os casos para conferir ao executivo um instrumento de defesa contra o parlamento. Com a sua teoria do "quarto poder", investido no chefe do Estado, Constant conferiu-lhe ambos aqueles instrumentos (poder de veto e poder de dissolução), mas agora como componentes do seu "poder moderador" (como se veio a chamar depois), acima do poder legislativo e do poder executivo, e não, como anteriormente, enquanto instrumento de defesa do poder executivo contra o poder legislativo. 

Por isso, no caso da CRP, em que o PR detém um "poder moderador" de intensidade média (muito menor do que o da Carta Constitucional de 1826), ambos aqueles instrumentos só devem ser utilizados quando necessário para a cumprir a missão de contenção e equilíbrio institucional e de respeito pela Constituição, própria do "poder neutro" do Presidente, e não para satisfazer as idiossincrasias pessoais, políticas ou religiosas do seu titular.  

Aqui, como noutras áreas do sistema político, é essencial compreender e respeitar a filosofia e a lógica das instituições e dos poderes constitucionais.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Quando os tribunais erram (3): Propaganda política versus espaço público

A confirmar-se este notícia, segundo a qual a justiça administrativa anulou a decisão da CM de Lisboa que retirou painéis de propaganda partidária instalados no espaço urbano, trata-se de uma lastimável decisão, sem fundamento constitucional nem legal, que deve ser revertida em recurso.

Como tenho defendido noutras ocasiões  (por exemplo, AQUI, AQUI e AQUI), tal como não podem invadir o espaço privado, os partidos políticos também não têm direito a ocupar o domínio público urbano para efeitos de propaganda política, que tem de limitar-se aos espaços que o município deve reservar para esse efeito. O domínio público, que aliás goza de proteção constitucional explícita, é património de todos, para fruição comum, não podendo ser ocupado privativamente para fins particulares. 

A selva caótica de painéis e outdoors de propaganda política, invadindo passeios, praças, rotundas e eixos rodoviárias, sem paralelo em nenhum país civilizado, constitui um atentado qualificado ao direito coletivo à fruição visual do espaço urbano. Se a ocupação selvagem é, por princípio, intolerável, muito mais o é fora de períodos de campanha eleitoral, como agora.

Em vez de ser indevidamente anulada, a corajosa decisão da CM de Lisboa deve ser aplaudida e seguida por outros municípios.

Adenda
Um leitor invoca a «liberdade de propaganda, que é inerente ao direito de ação partidária». Mas nenhum direito constitucional pode ser exercido por meios ilícitos, que é o que está aqui em causa, mediante ocupação selvagem da propriedade pública, a qual não merece menos proteção do que a propriedade privada.

Adenda 2
Uma leitora socialista de Lisboa objeta que «enquanto retira os painéis de propaganda dos partidos políticos, a CML mantém os seus próprios painéis de publicidade institucional», de que junta algumas fotos (uma das quais publico). 
Mas não devemos confundir duas coisas inteiramente distintas: um coisa é a publicidade institucional de um município, em suportes devidamente licenciados, e outra coisa é a propaganda ilegal de partidos políticos em suportes instalados a esmo. A primeira pode ser debatida e contestada politicamente pelo PS nas instâncias municipais competentes (AML e CML) e terá de ser removida, logo que marcadas as eleições autárquicas, em obediência à regra da imparcialidade das autoridades públicas; a segunda, não pode pura e simplesmente ser admitida, pelas razões acima expostas. Aproveito, aliás, para estranhar tanto a complacência de um partido "institucional" como o PS, na CML e na CNE, com estas formas selvagens de propaganda partidária, à margem da legalidade democrática, como a inconsistência do PSD, que em Lisboa parece levar a sério a defesa do meio-ambiente urbano, mas que nos demais municípios do país alinha plenamente na sua depredação. Não fica bem a nenhum deles. Quando algumas vozes dos dois lados sugerem "pactos de regime" entre ambos os partidos, eis um tema possível para começar: pôr fim à indisciplina caótica da propaganda política, em que os partidos com mais meios e menos escrúpulos triunfam.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Sistema eleitoral (14): Duas mudanças inviáveis

1. Num artigo hoje publicado no Jornal de Notícias, o Professor Manuel Vilares apresenta duas hipóteses de solução para a atual assimetria de representação eleitoral do interior do País face ao litoral, a saber: (i) criar uma segunda câmara parlamentar de representação territorial, ao lado da AR, ou (ii) adicionar o fator território para efeitos de cálculo dos deputados a atribuir a cada círculo eleitoral, deixando estes de depender somente do número de eleitores, como é hoje.

Sucede, porém, que nenhuma desssas vias tem cabimento constitucional. E, a meu ver, nenhuma delas é politicamente convincente: 

   - a 1ª, porque um parlamento bicamaral complicaria ainda mais o funcionamento do sistema político e uma 2ª câmara de representação territorial dar-lhe-ia uma vertente protofederalista, que não deixaria de criar fortes engulhos políticos; 

   - a 2ª, porque a teoria do poder político representativo (representative government) foi construída desde o início na base da representação da coletividade dos cidadãos em geral e da igualdade do voto, onde não cabe a ponderação do valor do voto em função do território de residência dos eleitores.

Julgo, por isso, que nenhuma dessas soluções deve ser seriamente equacionada.

2. A apontada "assimetria de representação" não se deve somente à rarefação populacional do interior, mas também ao facto de a escolha dos antigos distritos como circunscrição eleitoral resultar em círculos eleitorais enormemente díspares quanto número de deputados (rácio de 1:24 na relação entre Portalegre e Lisboa!).

Para atenuar em muito essa assimetria, tenho defendido duas medidas, nenhuma das quais carece de revisão constitucional: (i) fundir os círculos mais pequenos, de modo que nenhum tivesse menos de 5 deputados (salvo os círculos da emigração) e cindir os maiores círculos, de modo que nenhum tivesse mais de 11 deputados (o que reduziria drasticamente a assimetria da relação deputado-votos); (ii) criar um círculo nacional sobreposto aos atuais círculos territoriais, elegendo 1/10 dos deputados, com base nos votos emitidos em todo o território nacional (o que reduziria enormemente o número de votos desperdiçados).

O problema é que os maiores partidos, ou seja, os que ganham alternadamente as eleições, receiam que estas duas mudanças lhes retirem duas coisas de que são beneficiários: o "voto útil" e a mais-valia dos pequenos círculos (onde só eles elegem deputados).

Adenda 
Um leitor não vê «razão para excetuar os círculos da emigração, que podem perfeitamente ser fundidos num só círculo com 5 deputados, pois não faz sentido nenhum a divisão entre emigrantes na Europa e fora dela». Concordando com a fusão, eles, porém, elegem 4 deputados e não 5, e a meu ver não devem eleger mais, pelo que a exceção se impõe.

Adenda 2
Um leitor objeta que  a solução do "círculo de compensação" nos Açores «veio dificultar a obtenção de maioria absoluta pelo partido vencedor das eleições regionais e complicar a governabilidade na região». Concordo, mas eu não defendo nenhum "círculo de compensação" na eleição da AR, ideia que sempre critiquei, pois no círculo nacional que proponho os mandatos seriam apurados e atribuídos autonomamente, não se destinando, como nos Açores, a atenuar o desvio da proporcionalidade causado pelos pequenos círculos eleitorais.

Adenda 3
Outro leitor acusa-me de procurar reduzir o número de partidos com representação parlamentar, pois «mesmo no círculo nacional seria necessário alcançar cerca de 4% para eleger um deputado». Sim, embora pense que o desempenho eleitoral dos pequenos partidos poderia melhorar com o fim da pressão para o "voto útil" e com negociação de coligações eleitorais (entre si ou com outros partidos), trata-se, porém, de uma opção deliberada, que há muito defendo - a de reduzir a fragmentação parlamentar e melhorar a governabilidade

domingo, 1 de junho de 2025

Eleições presidenciais 2026 (17): Separação entre candidatos e partidos

1. O apoio de Rui Rio - antigo presidente da CM do Porto e ex-líder do PSD - à candidatura presidencial de Gouveia e Melo, na qualidade de mandatário nacional, não se traduz somente numa importante alavancagem do almirante no eleitorado do centro político e um sério revés para Marques Mendes, no dia seguinte ao anúncio do apoio oficial do PSD à sua candidatura.

Mais importante do que isso é o forte testemunho da separação entre as eleições presidenciais e os partidos, que resulta das seguintes circuntâncias: as candidaturas não lhes caberem (como estipula a Constituição), haver candidatos que rejeitam apoios partidários (como é o caso justamente de Gouveia e Melo), partidos que não apoiam nenhum candidato (como pode ser o caso, mais uma vez, do PS), e muitos eleitores que não seguem as consignas partidárias (como é o caso de Rui Rio e outras conhecidas personalidades do PSD e como vai ser provavelmente o caso de personalidades socialistas, se o PS não apoiar nenhum candidato ou se apoiar A. J. Seguro).

Sendo um traço há muito característico das eleições presidenciais entre nós, tudo indica, porém, que a separação em relação aos partidos vai sair reforçada das presentes eleições.

2. Trata-se de uma opção constitucional intencional da CRP de 1976, de separar as eleições parlamentares, que são expressão da pluralidade político-partidária dos cidadãos, e a eleição presidencial, que visa obter uma representação unitária, transpartidária, da República, ou seja, da coletividade política no seu conjunto (por isso, o PR é eleito sempre por maioria absoluta). 

Enquanto as eleições parlamentares - que são disputadas entre partidos, na base de programas de governação - têm por fim apurar a maioria e a(s) minoria(s) parlamentares, de onde resulta o Governo e a oposição, nada disso se passa com as eleições presidenciais, que não são disputadas entre partidos nem entre programas de governação, nem dão lugar a nenhuma "maioria presidencial" oponível ou sobreponível à maioria parlamentar. 

Daí resulta que depois de eleito, o PR é um "poder neutro", acima da dialética governo-oposição, tendo por função velar pelo cumprimento das "regras do jogo" constitucionais e afins (incluindo o respeito dos direitos da oposição) e garantir o regular funcionamento das instituições, sem compartilhar nem ser corresponsável pelo poder legislativo e pelo poder executivo, que cabem respetivamente à AR e ao Governo, na base das eleições parlamentares.

Eis uma diferença essencial, nem sempre devidamente notada, em relação à eleição presidencial nos chamados regimes "semipresidencialistas", como a França e a Roménia.

3. O risco desta superlegitimidade política do PR e da natureza transpartidária do seu mandato consiste em os cidadãos tenderem a esperar dele o que ele não pode dar, ou seja, conforme as circuntâncias, que seja um contrapoder, em caso de governos de maioria absoluta (como se exigiu, por exemplo, a Soares contra os governos de Cavaco Silva), ou que assuma uma agenda reformista, no caso de governos minoritários (como se exigiu a Sampaio contra os governos de Guterres e como decorre agora do discurso de apoio de Rio a Gouveia e Melo).

Ora, se incumbe ao PR travar os eventuais abusos de poder de governos maioritários e suscitar os alertas decorrentes da inércia reformista de governos minoritários, já não lhe compete nem impedir o cumprimento do programa eleitoral dos primeiros, nem suprir as limitações e os constrangimentos dos segundos, ambos resultantes das eleições parlamentares, que as eleições presidenciais não podem corrigir. 

Para o bem e para o mal, o PR não governa nem é corresponsável pela atividade governativa, não podendo funcionar nem como oposição ao Governo nem como seu suplemento, conforme os casos.