quarta-feira, 17 de março de 2004

regresso envergonhado

É que sinto-me mal: há quase três semanas que não escrevo e o trabalho não desculpa tudo. Explico: acho que entrei envergonhado no Causa Nossa e deixei que ela - a vergonha - tomasse conta de mim. Um post por semana não é média que se apresente. Doravante tudo muda.
Suponho que não fui convidado pela minha extraordinária sagacidade na análise de factos políticos ou actualidade portuguesa e mundial. Assim sendo, vou assumir de uma vez por todas a minha condição: a de adulto com dificuldades em deixar para trás a adolescência que gosta de escrever sobre amigos, afectos, situações do quotidiano, filmes e livros. Umas vezes puxo para a lágrima, noutras dou vontade de rir. A ver vamos. Entretanto, it's good to be back.

Ota & TGV

O ministro das Obras Públicas, Carmona Rodrigues, garantiu hoje publicamente a ligação da futura rede de alta velocidade (TGV) com o novo aeroporto da Ota. Uma das preocupações aqui enunciadas há tempos, sobre a questão do aeroporto, parece ficar assim solucionada.
Outra boa notícia nas declarações do ministro foi a da ligação ferroviária e/ou de metropolitano aos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, considerando ser "estranho" que nenhum aeroporto em Portugal tenha ligação com a rede ferroviária ou de metropolitano (e o mesmo se poderia dizer em relação a alguns portos importantes, como Aveiro...). Na verdade, provavelmente desde Fontes Pereira de Melo, poucos mais governantes apreciaram devidamente o caminho-de-ferro, com o resultado que está à vista. A herança predominante é a da preferência pela rodovia, inaugurada por Duarte Pacheco -- que dizem que odiava os comboios --, e que prevalece até hoje. Nas últimas décadas, enquanto se investiu maciçamente nas auto-estradas, os caminhos-de-ferro continuaram a ser secundarizados. Resta aguardar o que nos traz o ambicioso (provavelmente demasiado...) projecto da alta velocidade.

Vital Moreira

RTP

«Terei sido o único a ler com atenção a informação que repetidas vezes passou em rodapé no Jornal da Tarde de ontem, dia 16 de Março? (...)
Em primeiro lugar, sob o cínico destaque de “Aí valentes”, fomos informados de que o exército israelita, durante uma incursão pela cidade de Gaza, destruiu completamente um edifício que albergava um colégio. As palavras estavam, de facto, entre aspas, mas se era uma citação não se identificava em momento algum o citado.
Depois fomos presenteados com mais uma pérola. Desta feita as aspas acolhiam a inacreditável expressão “Mal agradecidos” e a notícia dava conta de que a maioria, 51%, dos iraquianos se opõe à permanência de tropas estrangeiras no seu país. Mais uma vez as aspas e outra vez a ausência de identificação do citado, a existir.
Por fim, já sem aspas e por isso em verdadeiro título noticioso, pudémos ler uma avisada opinião: “E por isso perdeu as eleições”, palavras que antecediam a notícia relativa ao facto de José Maria Aznar ter telefonado para vários jornais de Madrid e Barcelona, na passada quinta-feira, a insistir na responsabilidade da ETA pelos atentados de dia 11.
Na verdade, já estávamos habituados às inúmeras gralhas, incontáveis erros ortográficos e, por vezes, até mesmo aos equívocos substanciais (nomeadamente, os resultados desportivos) que aquela incansável e informativa barra azul costuma trazer. Mas nem isso nos preparou para este festival de incompetência jornalística, a roçar o ridículo.
(...) Do que se trata é de questionar esta nova forma de fazer jornalismo – interpretando ironicamente verdadeiros dramas sem sequer assinar, opinando sem dar a cara ou o nome e julgando de forma simplista e sintética sem explicar ou justificar o que se afirma. (...)»

(JA, Macau)

Entidade Reguladora da Saúde

Primeiras declarações públicas do presidente designado da ERS, em entrevista ao Jornal de Notícias. Impressão francamente positiva. Um exemplo:

Pergunta: «O que o levou a aceitar o cargo?»
Resposta: «Fui sondado há semanas e a primeira coisa que fiz foi perceber o que estava em causa. Desloquei-me a Londres para perceber como funcionava nesse país Cheguei à conclusão que o que estava em causa era a questão da garantia dos direitos dos utentes. Nessa altura, e olhando para o meu percurso desde 1986, percebi que tinha perfil para o cargo, pois, permitiria pôr em prática o que estudei e escrevi durante 20 anos.»

Vital Moreira

A "guerra ao terrorismo"

Depois do enorme “flop” da questão das "armas de destruição massiva" como justificação da guerra contra o Iraque, Bush passou a apresentá-la exclusivamente como peça essencial da “guerra ao terrorismo”. Quem foi ou é contra a invasão ou ocupação do Iraque seria contra o combate ao terrorismo (se não mesmo um aliado dele...).
Ora, a associação entre a guerra no Iraque e a "guerra ao terrorismo" é pelo menos abusiva. De facto, a guerra do Iraque não faz parte da guerra ao terrorismo, desde logo porque não havia lá bases nem redes terroristas (agora, após a invasão é que há...). Depois, e mais importante, como explica Paul Krugman no New York Times, ela implicou uma efectiva perda de capacidade para atacar os verdadeiros “santuários” e apoios terroristas no Afeganistão, no Paquistão, na Arábia Saudita, etc. Desviaram-se meios e recursos da luta contra a Al-Qaeda, que atacou os Estados Unidos, para ir destituir um ditador que não estava a fazer nada contra eles. Em vez de ser parte da guerra ao terrorismo a invasão do Iraque tornou-se numa vantagem para o terrorismo.
«It's now clear that by shifting his focus to Iraq, Mr. Bush did Al Qaeda a huge favor. The terrorists and their Taliban allies were given time to regroup; the resurgent Taliban once again control almost a third of Afghanistan, and Al Qaeda has regained the ability to carry out large-scale atrocities.»
No mesmo sentido, Francisco Sarsfield Cabral recorda hoje no Diário de Notícias as palavras recentes do general Brent Scowcroft, que foi conselheiro de Bush pai:
«O Iraque transformou-se numa imensa dor de cabeça, que nos desvia a atenção e não nos ajuda na nossa guerra contra a Al-Qaeda.»
Por outro lado, além de não ter atingido a Al-Qaeda e de ter dificultado o combate contra ela, a invasão e ocupação do Iraque tornou-o numa verdadeira incubadora do terrorismo, dando-lhe mais pretextos, justificações, militantes e apoios para atentar contra os "infiéis que atacam o Islão". Daí o massacre de Madrid, a somar a vários outros. Estranha guerra esta que produz efeitos justamente contrários aos pretendidos, ou seja, gerar terroristas em vez de os eliminar! «Um desastre» - disse Zapatero com toda a propriedade.
É por isso que quem não alinhou na guerra no Iraque (França, Alemanha, etc.) ou a abandona (como agora a Espanha) retira-se da pretensa "guerra contra o terrorismo" de Bush mas somente para empreeender uma estratégia diferente, e esperemos mais eficiente, para o prevenir e combater. As iniciativas tomadas estes dias nesse sentido a nível da UE são um bom augúrio.

Vital Moreira

Afinal, Portugal não conta nos apoios a Washington

«Along with Spain, the closest European allies of the US over Iraq and its strategy against terrorism are Britain, Denmark, Italy, Poland and most of the other eastern European countries which will join the European Union in May.»
[Website de notícias da BBC]

Revolta moral

«Le vote espagnol du 14 mars n'est pas le triomphe des émotions en politique. Il traduit plutôt le contraire: une réaction morale face à l'utilisation outrancière du drame madrilène à des fins partisanes. La gestion par le gouvernement Aznar des jours qui l'ont suivi en dit long sur la tentative de manipulation des esprits et son impossibilité dans la démocratie espagnole contemporaine. Outre les mensonges quant aux résultats des enquêtes policières, tout aura été tenté, bien au-delà de l'Etat de droit, pour fasciner l'électorat et le conduire à voter pour le Parti populaire : conférence de presse de Mariano Rajoy, dauphin désigné de José Maria Aznar, en plein "jour de réflexion", à la veille du scrutin ; déprogrammation, ce même jour, sur la chaîne nationale publique (TVE), de Shakespeare in Love, de John Madden, au profit d'un documentaire sur les victimes d'attentats de l'ETA; revendication de la paternité politique des manifestations monstres qui ont jeté près de 12 millions d'Espagnols dans les rues.»

Emanuel Négrier, Le Monde, 16 de Março.

Distorções eleitorais

As eleições espanholas puseram em evidência que os sistemas proporcionais podem dar resultados assaz desproporcionais. O caso mais evidente mostra-o a comparação dos resultados da Esquerda Unida (IU) e dos partidos autonómicos. Apesar de ser ainda, embora em perda, a terceira força política mais votada a nível nacional, com cerca de 5% dos votos, a IU aparece em sexto lugar na representação parlamentar, com apenas 5 deputados, abaixo de vários partidos autonómicos (o Partido Nacionalista Vasco e os dois partidos catalães), com muito menos votação nacional do que ela. Por exemplo, a ERC, com apenas metade dos votos, tem 8 deputados.
As razões destas discrepâncias são conhecidas, devendo-se por um lado aos círculos territoriais de pequena dimensão média (correspondentes às províncias, equivalentes aos nossos distritos) e por outro lado à existência de partidos regionais que podem concorrer às eleições nacionais. Os círculos eleitorais de pequena dimensão desfavorecem os pequenos partidos com expressão eleitoral dispersa (caso da IU), enquanto favorecem os partidos com apoio eleitoral concentrado (caso dos partidos autonomistas). Deste modo, o sistema eleitoral penaliza os pequenos partidos nacionais e privilegia os partidos regionais. Tendencialmente verificar-se-á uma presença cada vez mais forte dos partidos autonomistas no parlamento nacional (e por maioria de razão nos parlamentos autonómicos).

Vital Moreira

terça-feira, 16 de março de 2004

Mau perder

1. Sempre me incomodou o mau perder eleitoral de certos partidos e comentadores a eles ligados, sejam de direita ou de esquerda. Outrora era típico assistir a certos os dirigentes do PCP passarem horas na televisão a tentar a transformar uma derrota evidente numa grande vitória, fazendo de conta que éramos todos estúpidos, incluindo os seus próprios eleitores. Estes dias assiste-se a outro exemplo típico de mau perder no caso das eleições espanholas, ainda que de tipo diferente. Não sei se essa foi a reacção do PP (espanhol, claro) ou dos seus comentadores. Mas seguramente encontrei-a em alguns dos seus admiradores locais, que logo trataram de atribuir a vitória do PSOE à Al-Qaeda, sem margem para quaisquer dúvidas. Até se compreenderia que dissessem que o mérito não foi tanto do vencedor, mas em grande medida dessa desastrada campanha de instrumentalização política dos atentados terroristas por parte do PP. Mas não mais do que isso.

2. Pior do que não saber perder é não saber tirar do que se passou as devidas lições. É não entender, como vários de nós aqui chamámos a atenção (eu própria na sexta feira, muito antes de saber os resultados) que os eleitores já não são tão manipuláveis como outrora. É não desconfiar que hoje os eleitores decidem muito mais individualmente, com mais informação, sentido crítico e muito menos fidelidade partidária, uma tendência que, porventura, um estudo aprofundado do nosso eleitorado urbano já será capaz mostrar, trazendo algumas surpresas a políticos tão convencidos quanto distraídos. É não compreender o ridículo em que caem os autores de certos “tabus”, quando toda gente está mesmo a ver o fim do filme e, portanto, só se pode rir de tal mistério. É não perceber que, com a atenuação dos factores ideológicos nas escolhas eleitorais, os eleitores são hoje muito mais sensíveis às questões de moral política, desde a corrupção até às tentativas de manipulação.

3. É por isso que a punição do PP espanhol nas eleições de domingo é tão elucidativa. Ela pode tornar-se mesmo um “case study”, devendo servir, à direita e à esquerda, para repensar seriamente o modo de fazer política e de justificar os desaires eleitorais. Os velhos métodos de instrumentalizar o eleitorado, distorcendo a realidade e ocultando o evidente só podem fracassar. É, pelo menos, o que merecem.

Maria Manuel Leitão Marques

Abuso de posição dominante

Corre que está já constituída e vai ser brevemente empossada a Comissão de Liberdade Religiosa (CRL), prevista na Lei da Liberdade Religiosa de 2001. Apesar da sua missão exclusivamente consultiva e de estudo, ela pode ter uma grande influência na aplicação daquela Lei, podendo transformar-se numa espécie de entidade reguladora de facto. A sua vocação natural, como comissão independente, deveria ser acima de tudo defender os direitos das confissões minoritárias, até porque a Igreja Católica tem um estatuto de protecção especial, garantido na Concordata (para além da sua tradicional ligação ao poder político...). Mas parece que não é isso que vai suceder.
Não se conhece ainda oficialmente a composição da Comissão, salvo o nome do Presidente (Menéres Pimentel, antigo ministro da Justiça e provedor de Justiça), nomeado pelo Conselho de Ministros em meados de Dezembro do ano passado. Mas, a acreditar na infromação que me chegou de fonte credível quanto aos demais membros (nomeados pela Ministra da Justiça), dá para ficar assustado, apesar da estimável figura do Presidente designado.
Primeiro, em vez de uma comissão independente e abrangente, criou-se uma espécie de “conselho de concertação das religiões”, algo como um organismo de auto-regulação “corporativo”, ainda por cima com claro predomínio de uma delas. Não há agnósticos ou laicos na Comissão, mas somente representantes “oficiais” dos diversos credos. Ora a liberdade religiosa é também a liberdade de não ter religião ou não praticar um culto.
Segundo, há um peso avassalador da Igreja Católica em relação às demais confissões, subvertendo a referida vocação da Comissão, favorecendo a confissão que, pela sua posição dominante, menos precisa de protecção. Além do presidente também o vice-presidente indigitado é católico, aliás membro de uma ordem religiosa, segundo consta. Não faltam mesmo elementos integristas oriundos da Opus Dei. Ora isto é tanto mais estranho quanto é certo que grande parte das funções da Comissão dizem respeito às outras religiões, visto que a Igreja Católica continua a ter o regime especial da Concordata.
Terceiro, apesar da a Comissão ter por missão também o estudo das igrejas, é notória a ausência de personalidades independentes que se têm dedicado ao estudo da liberdade religiosa.
Não é disto seguramente que falamos quando falamos em liberdade religiosa. Não podia ser essa a intenção da Lei ao prever tal Comissão. A confirmar-se tudo isto, temos um triste retrato da liberdade e igualdade religiosa em Portugal, da separação entre o Estado e as igrejas e da neutralidade religiosa do Estado.

Vital Moreira

O quarteto dos Açores

Faz hoje um ano reuniu-se nos Açores, com Durão Barroso a servir de ufano anfitrião, a cimeira da guerra que colocou Bush, Blair e Aznar, na rota da invasão do Iraque. Revisitadas as declarações da altura, custa a crer como uma decisão dramática como essa, já há muito tomada pelos Estados Unidos, pôde ser “validada” na base de tanta falsificação e de opções unilateriais: as imaginárias armas de destruição maciça, a chantagem sobre o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a desautorização das equipas de inspecção das Nações Unidas em Bagdad, finalmente o avanço para a guerra sem o aval da ONU e contra meia Europa, à margem da legalidade internacional e da maioria da comunidade internacional.
Passado um ano, a invasão do Iraque foi um desastre quanto aos seus objectivos (salvo o fim da ditadura, por ora substituída por um arremedo de “transição democrática”, sob tutela norte-americana). As armas de destruição maciça não existiam, tampouco as bases e ligações terroristas. Pelo contrário, a insegurança e o terrorismo instalaram-se no território com a ocupação. Os custos materiais e humanos da guerra e da ocupação são incontabilizáveis.
Rodriguez Zapatero, o vencedor das eleições espanholas, anunciou na campanha eleitoral querer tirar a Espanha do “trio dos Açores” (ignorou o anfitrião...). Dos protagonistas dos Açores um, portanto, já saiu da cena em Madrid. Quando chegará a vez dos outros?

Vital Moreira

Apostilas das terças

1. Meio da legislatura
A sondagem de opinião de ontem, efectuada pela Universidade Católica para o Público e para a RTP, vem consubstanciar a impressão corrente de que o Governo está em forte perda na opinião pública, mas que o Partido Socialista está ainda longe de convencer como alternativa de governo. Um não cumpre, outro não faz o trabalho de casa. Por isso mesmo, enquanto este estado de coisas se não alterar, sobretudo por parte da oposição, o máximo que se pode esperar em matéria eleitoral, fora das esferas dos fiéis de cada partido, é o aumento da abstenção e dos votos de protesto.

2. Papéis trocados
Segundo Mário Mesquita na sua última crónica dominical, o Presidente da Assembleia da República, uma das figuras que integra o célebre álbum de retratos de personalidades notórias mostrados às vítimas de pedofilia no processo Casa Pia para identificação dos responsáveis, enviou uma “carta de explicações” ao Procurador-Geral da República sobre o assunto. Mas deve ser um lapso. De facto, quem deve uma carta de explicações é o Procurador, ao presidente da AR e aos demais membros de tal lista.

3. Automóvel Clube de Portugal
Um dos candidatos à direcção do ACP publicou um anúncio a pedir aos associados opiniões sobre “o futuro do maior clube português”. A um apelo público podemos responder em público. Como associado a minha principal reclamação diz respeito à igualdade de participação de todos os sócios. Ora uma assembleia geral de sócios num clube nacional só pode ter a participação reduzida de uma parte dos associados de Lisboa, excluindo todos os demais. Por isso proponho uma alteração dos estatutos, substituindo a assembleia geral por uma assembleia de delegados, eleitos em todo o País numa base distrital. A bem da democratização do clube e da igualdade de direitos dos associados.

Vital Moreira

«Perdeu-se uma oportunidade»

«Face ao comentário que fez ao meu texto sobre a Mutilação Genital Feminina gostaria de observar que, e penso que aqui estaremos de acordo, basicamente se perdeu uma oportunidade de discutir o assunto na AR.
Os casos sucedidos em França, Itália e Espanha, levam-me a pensar que a tipificação da MGF enquanto crime poderá ser positiva. O facto de criminalizarmos ou não determinados actos é um dos mais claros sinais sobre o valor que atribuímos a esses actos. (...)
Independentemente da questão da criminalização e necessidade óbvia das campanhas juntos das comunidades e grupos em que a MGF existe parece-me indispensável que nas políticas de acolhimento aos emigrantes se integre um acto em que estes são informados sobre um conjunto elementar de direitos e deveres que assumem ao residirem na UE. Dentro desses direitos incluo naturalmente as questões das mulheres.»

[Helena Matos]

segunda-feira, 15 de março de 2004

E se tivesse sido ao contrário?

Na sua edição de hoje, o Repubblica diz que imediatamente depois do massacre de Madrid - que o Governo se apressou a atribuir sem hesitação à ETA (“sem nenhuma sombra de dúvida”, declarou o ministro do Interior) -, sondagens efectuadas nessa altura davam ao PP uma subida até aos 70%! Mesmo descontando algum exagero, é de admitir uma forte reforço das posições do PP e uma correspondente debilitação do PSOE, por causa da sua aliança com a ERC na Catalunha, acusada de ter pactuado um acordo com a organização terrorista basca. Terá sido por isso que o Governo resolveu explorar até ao fim a suposta autoria basca, recorrendo a todos os meios de manipulação e de controlo da infromação, mesmo depois de se tornar evidente a sua inveracidade, adiando, se possível até depois das eleições, a revelação da verdadeira responsabilidade dos atentados, a qual favoreceria os socialistas, por causa da sua oposição à guerra no Iraque.
Claramente o tiro saiu pela culatra. Mas cabe perguntar aos que acusam a vitória do PSOE de ser uma "vitória da Al-Qaeda" (sic!): e se tivesse havido efectivamente autoria basca, com o referido impacto eleitoral, seria igualmente lícito dizer que a vitória do PP era uma "vitória da ETA"?
Haja decência! O PP pagou justamente a sua indecente manobra de exploração da boa-fé dos eleitores.

Vital Moreira

Arriba España! Portugal não tardará...

Magnífica lição deram os espanhóis ao mundo! Recusando o jogo dos terroristas: em defesa da democracia, votando em massa. Ordeiramente. Sem medo. E com a tranquilidade que a dor, a indignação e a raiva permitiam.
Votando com a cabeça e o coração, como se deve votar. E derrubando a mentira, a arrogância, o oportunismo de uma Direita que não aprendeu quase nada em 30 anos de democracia.
De uma Direita megalómana, deslumbrada pela força ilusória da Administração Bush, incapaz de perceber que as orientações que a dominam não representam a América e estão condenadas a esboroar-se, depois de causar tremendos danos à Humanidade – atiçando o fanatismo e o terrorismo por todo o mundo, retrocedendo à lei da selva e abandonando a civilização em Guantanamo.
Espanha não quis apenas castigar Aznar, Rajoy e o PP por desviarem, para proveito e encobrimento próprios, sobre a ETA o que tudo indicava ser retaliação hedionda da Al Qaeda. Espanha quis castigar a manipulação despudorada de um Governo que fomentou o terror ao seguir Bush desviando meios do combate à Al Qaeda para uma invasão militar contra o direito internacional, contra a ONU e contra o povo do Iraque, já tão sacrificado pela ditadura de Saddam. Espanha votou contra a Direita sem princípios e sem valores, para quem tudo é mercadejável, tudo é manipulável e todos os meios servem os fins de se perpetuar no poder. Uma Direita que subestima a inteligência e a capacidade de indignação e de reacção dos cidadãos. E por isso um dia acorda odiada, expulsa, escorraçada.
É o que inevitavelmente vai acontecer à Direita no poder em Portugal, aliás bastante mais incompetente que a sua congénere espanhola. Talvez mais cedo do que muitos contavam. A História mostra que o que começa na Península Ibérica se repercute na Europa: em Abril de 1974 coube a Portugal abrir o caminho; agora será a vez da Espanha mostrar que o terror se combate com firmeza, tenacidade e inteligência, mas sem perder os valores democráticos e os direitos humanos, sem descer à barbárie dos terroristas.
Há dias, exorbitando qualquer mandato, o Primeiro Ministro Durão Barroso proclamou num comício em Madrid, com a arrogância e falta de discernimento que lhe são timbre em momentos de exaltação, que Portugal estava com o PP, Aznar e Rajoy. Ao fazê-lo deixou Portugal na maior incomodidade face ao novo poder em Espanha. José Luis Zapatero, com a serenidade que já ontem demonstrou, saberá reconduzir aquela infantilidade a mera bravata do Primeiro Ministro português. Para que o relacionamento luso-espanhol seja reposto na correcta dimensão da amizade, sem interferências partidárias, de dois Estados e dois Povos.
Já sabíamos que a Direita que o Primeiro Ministro encabeça é de segunda, paroquial, subserviente, julgando engrandecer-se na prestação de vassalagens. Não tardará muito, os portugueses explicar-lhe-ão que só lhe resta mesmo a companhia que adulava e o caminho que ela levou: com o PP, Aznar e Rajoy, para o olho da rua!

Ana Gomes

Tema para discussão

«Gostava de propor um tema para discussão no “Causa Nossa”: A isenção e qualidade da análise política nos canais de televisão.
Nos dias mais recentes e a propósito do 11-M e das eleições espanholas, os diversos canais de televisão pediram opinião a vários analistas políticos e ditos especialistas em temas de segurança e terrorismo. Com raras excepções, assistimos a especulações e opiniões perfeitamente mirabolantes sem qualquer fundamentação lógica, expressas como se tivessem total cabimento. Exemplo do que acabo de dizer é a tese da autoria conjunta do atentado ETA/Al-Quaeda que li no Público ser totalmente rejeitada por um académico estudioso do mundo árabe por falta de credibilidade.
Tenho-me dado conta que existem “especialistas” que opinam sobre tudo e mais alguma coisa cheios de certezas absolutas. E apesar de muitos deles já terem dito perfeitas “barbaridades” tem uma desfaçatez enorme e quando convidados lá vêm eles debitarem as suas certezas uma vez mais. Isto é informação ou confusão?
Além de estes, temos os analistas políticos “isentos”, que curiosamente ou não são todos de direita.
Ontem assisti no telejornal da RTP1 a uma cena digna de ser gravada para ser passada aos alunos do curso de comunicação social numa aula sobre o tema “Como estar preparado para falar em todas as eventualidades”. Passo a relatar. O director do Público foi convidado para analisar os resultados das eleições espanholas. Depois de confrontado com as previsões de resultados que davam uma clara vitória ao PSOE não recuperou do choque e não foi capaz de opinar coisa com coisa, evidenciando que este era um cenário que não lhe tinha ocorrido. Depois de ler o seu editorial de hoje percebi que ainda está a tentar entender o que passou. Para o JMF não lhe passa pela cabeça que a maioria dos espanhóis possam ter somente expresso a vontade de derrubar um governo que os envolveu numa guerra injusta, lhes mentiu e tentou ocultar informação.»

[JTM, Matosinhos]

A maldição de Bush?

Um espectro parece ameaçar os governos do séquito europeu de Bush. Aznar, o mais fiel dos fiéis, acaba de ser inesperadamente derrotado sem honra nem glória. Desde há muito Blair, zelota entre os zelotas, vai acumulando dificuldades e perdendo apoios. Berlusconi, uma espécie de “Bush-spaghetti”, tem contra si cada vez mais a opinião pública e a instabilidade da coligação. Durão Barroso, o aplicado anfitrião da “cimeira da guerra” nos Açores, vê-se em palpos de aranha para sair da fossa política em que se encontra. O próprio Bush começa a sentir-se perigosamente apertado na disputa eleitoral de Novembro para a Casa Branca, sob o pavor da repetição da derrota de Bush pai.
Será que a humilhação eleitoral do PP de Aznar e do seu herdeiro nomeado constitui o início do dobre de finados pela “coligação dos voluntariosos” que partiram afoitamente para o Iraque há um ano, sob pretexto de armas de destruição massiva que não existiam e de bases e redes terroristas que estavam (e continuaram a estar) noutro lado, como bem se sabia? Bush condena os seus aliados à derrota interna?

Vital Moreira

Que solução de governo em Madrid?

Na falta de maioria absoluta do PSOE - que, com 42,6% dos votos, ficou a 12 deputados dessa maioria (164 em 350) -, as alternativas são um governo minoritário, eventualmente com um pacto de colaboração com outros partidos, que garanta um estável apoio parlamentar, ou então uma coligação governamental maioritária. Nesta última opção, a hipótese mais provável (até porque não se configuram outras alternativas viáveis) consistiria em copiar a nível nacional a coligação de governo catalã, agregando ao PSOE, a Esquerda Unida (que, baixando de 8 para 5 deputados, foi um dos principais derrotados desta eleições) e a Esquerda Republicana da Catalunha (que, ao invés, foi um dos grandes vitoriosos, subindo de 1 para 8 deputados!).
A seguir-se essa via, uma tal coligação, levando para a área do Governo os comunistas e os republicanos independentistas catalães, constituiria seguramente a segunda maior surpresa destas eleições. A não ser que o que é bom em Barcelona não seja aconselhável em Madrid...

Aditamento
Na sua primeira entrevista a uma rádio, na segunda-feira de manhã, o eleito chefe do próximo governo espanhol, Rodríguez Sapatero, anunciou que vai formar um governo monopartidário do PSOE, minoritário, confiando no apoio parlamentar de outros forças às propostas governamentais.

Vital Moreira

Três dias que mudaram a Espanha

Afinal o PP foi inesperadamente vítima da justíssima ira dos eleitores contra a indecente tentativa de exploração dos atentados terroristas em seu favor, não hesitando em recorrer à infundada atribuição da sua autoria aos separatistas bascos, à sonegação de informações que apontavam noutra direcção e à manipulação da dor e da raiva dos espanhóis contra o massacre. É evidente que o Governo e o PP se envolveram numa operação que, a três dias das eleições, visava usar em seu proveito a hipótese basca, bem como, desconsiderando liminarmente a hipótese da AlQaeda, tentar fazer esquecer na memória dos espanhóis a decisão de alinhar com Bush na invasão e ocupação do Iraque contra uma esmagadora oposição popular.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro. A fúria dos enganados e ofendidos virou-se contra o embuste e a arrogância. A força das manifestações espontâneas de sábado e a humilhação a que foram sujeitos Aznar e Rajoy em pleno momento do voto, aos gritos de “mentirosos” e “manipuladores”, mal deixavam entender a vaga de rejeição popular que se manifestou na massiva acorrência às urnas e na estrondosa derrota do PP e que deu ao PSOE uma vitória que há três dias estava complemente fora das suas conjecturas.
A justiça eleitoral escreve direito por linhas tortas...

Vital Moreira

Revolta contra a mentira


Os espanhóis votaram contra a mentira, contra o cinismo e contra a manipulação. Mais do que a vitória do PSOE nas legislativas de domingo, o mais significativo e exemplar foi a elevada participação eleitoral e a rejeição do abuso da boa-fé dos cidadãos, cometido pelo partido no poder, o PP, depois dos atentados terroristas de quinta-feira.

A odiosa ETA servia claramente os objectivos eleitoralistas do PP. Todos os espanhóis civilizados estavam unidos e imunizados contra a organização terrorista basca, responsável por uma interminável sequência de crimes. Só que a assinatura real e directa dos massacres ferroviários não era da ETA mas da Al-Qaeda e, para o PP, isso não convinha que se soubesse a tempo das eleições. Mas soube-se – e isso também fez toda a diferença. Despertou os abstencionistas e levantou o ânimo cívico dos espanhóis contra a mentira oficial.

A ironia é que, à partida, o PP tinha todas as condições para sair vitorioso das urnas, porventura com maioria absoluta. O governo Aznar era celebrado por toda a Europa devido à sua performance económica, o PSOE não parecia oferecer uma alternativa consequente e sólida – e, finalmente, o clima de insegurança suscitado pelo terrorismo tendia a favorecer, como é tradicional, a reedição de uma maioria de direita.

Mas há uma coisa que, para além da boa-fé, não é possível explorar impunemente: é a dor. A dor de um povo atingido pela barbárie e vê depois essa dor ser instrumentalizada como um argumento eleitoral, objecto de uma mentira e uma impostura obscenas.

Tudo começou, se bem estamos lembrados, com outra mentira de proporções inéditas e que George Bush e os seus aliados europeus exploraram de forma indecente para justificar a invasão do Iraque. Tal como a ETA não tinha exactamente a ver com a Al-Qaeda, Saddam Hussein não era propriamente um aliado directo de Bin-Laden. Mas isso pouco importava, pouco importou, tal como a ficção das armas de destruição maciça supostamente existentes no Iraque.

A grande lição de civismo e maturidade democrática que nos chega de Espanha será suficiente para fazer escola noutros países, onde idênticos abusos da boa-fé dos cidadãos têm sido impunemente cometidos? Este é um ano de muitas eleições, a maior parte sobretudo “simbólicas”, mas algumas muito “práticas”, como é o caso das presidenciais americanas. Bush pagará, também ele, o preço da mentira? Esperemos ardentemente que sim.

Vicente Jorge Silva

domingo, 14 de março de 2004

Uma manobra desastrada

Às vezes a aldrabice política não compensa. Felizmente que os eleitores vão rejeitando cada vez mais o eleitoralismo fácil, e o oportunismo sem regras. Aquilo que se vê logo que parece verdade mas não é, ou que nem sequer parece, como desta vez! As manobras eleitorais do PP nos últimos dias foram descaradamente despudoradas, sem pingo de ética. Tiveram a resposta merecida, hoje, em Espanha. Que ela sirva de lição a muitos outros. Para o futuro. A bem da política e da democracia.

Maria Manuel Leitão Marques

Sniff

Ficará certamente na nossa memória o ar compungido e atordoado que os directores do Público e da SIC Notícias exibiram nos ecrãs da televisão perante as primeiras notícias da derrota do PP em Espanha. José Manuel Fernandes não conseguiu articular um único dos seus raciocínios modelares, multiplicando-se em lapsos e lugares-comuns. Ricardo Costa, visivelmente combalido, não resistiu sequer ao juizinho de valor eticamente reprovável, ao afirmar que “Aznar era tratado de modo injusto pelo eleitorado”. Só faltou mesmo o director do Expresso, para que a expressão de pesar tivesse um cariz mais profundo e solidário. Aguardemos o seu próximo editorial.

Luís Nazaré

Entidade Reguladora da Saúde

Boa notícia a de que foi finalmente escolhido o presidente da Entidade Reguladora da Saúde, criada há uns meses para regulamentar e supervisionar o sistema de saúde, tendo-se tornado absolutamente necessária no seguimento da vasta reforma por que está a passar o sector, a começar pela empresarialização de muitos hospitais públicos. Já tardava a sua instituição concreta.
Juntamente com isso é revelado que a referida entidade não vai ficar sedeada em Lisboa, mas sim no Porto. Outro aplauso. Já basta de macrocefalia administrativa!

Adenda (15.03):
Só é pena que ao fim de várias semanas o Governo não tenha sido capaz de escolher uma personalidade politicamente independente, tendo optado por uma pessoa associada ao partido do Governo. Pesem embora as qualidades reconhecidas ao presidente designado, não é seguramente esta uma boa garantia de autonomia da ERS perante o mesmo Governo.

Vital Moreira

Corrupção moral da democracia

Ainda ontem, quando – apesar das tentativas oficiais de ocultação de informações –, a hipótese da ETA como autora do massacre de Madrid já não tinha nenhuma credibilidade e se tornava concludente a hipótese da Al-Qaeda, o candidato do PP a chefe do Governo, Mariano Rajoy, continuava a insistir em imputá-los à organização terrorista basca, por «convicção moral». Ora, invocar uma convicção moral para recusar os factos é uma das piores formas de fundamentalismo; mas fazê-lo provavelmente por puras razões de oportunismo eleitoral – dado que a hipótese basca favorecia eleitoralmente o Governo, enquanto a hipótese islâmica podia embaraçá-lo, por causa da participação espanhola na invasão do Iraque contra a opinião pública –, então a pretensa convicção moral transforma-se numa inescrupulosa demonstração de corrupção moral da democracia.
E pensar que este senhor pode ser dentro de horas o vencedor das eleições e dentro de dias o chefe do Governo da Espanha!

Vital Moreira

sábado, 13 de março de 2004

A dor que sinto

Hoje ao ler o excelente texto de Eduardo Dâmaso no Público sobre a manifestação de Madrid, recordei-me de algumas velhas sensações que me ficaram na memória, quando participei em manifestações antes do 25 de Abril. O texto termina assim:

«Muitos jovens tinham participado pela primeira vez numa acção de massas contra o terrorismo. Miguel Angel Suarez, 22 anos, estudante universitário, confessava, já a caminho do metropolitano, que se sentia "mais pacificado". "Finalmente, acho que vou conseguir dormir e afastar esta dor que sinto, é certo que a sinto, mas não sei em que parte de mim...", diz-nos à despedida.»

Haja ética!

O atentado ocorrido em Madrid justifica e deve servir para condenar veementemente qualquer terrorismo, aquele que foi por ele responsável e todos os outros. Mas não justifica que, sem provas, ele seja imputado a uma organização em particular, para daí se retirarem benefícios eleitorais imediatos.
Se é verdade a notícia que a SIC relatou ontem à noite, segundo a qual a Ministra dos Negócios estrangeiros espanhola teria dado ordens expressas à rede de embaixadas para que mantivessem activa a hipótese da ETA, essa instrução só pode mostrar uma completa ausência de ética, numa situação em que, mais do que nunca, ela deveria sobrepor-se às artimanhas de um certo modo de fazer política.

Maria Manuel Leitão Marques

sexta-feira, 12 de março de 2004

Punir não basta

No seu blogue João Vasconcelos Costa comenta a opinião de Helena Matos, no Público, a favor de medidas legislativas para punir a mutilação genital feminina (MGF), a propósito de um projecto de lei nesse sentido apresentado pelo CDS-PP (projecto que se pode consultar, com os documentos pertinentes, no website da AR).
A principal objecção dos demais partidos, incluindo o PSD, foi a desnecessidade de uma punição específica. A verdade é que já existe punição penal para tal violação da integridade física e moral das mulheres, que entra evidentemente no crime de grave ofensa à integridade física, sendo punido com uma pena que pode ir de 2 a 10 anos de prisão (Código Penal, art. 144º), podendo ainda ser agravada pelas circunstâncias previstas no mesmo código. São poucos os países onde existe um tipo legal "dedicado" à MGF. Note-se que também não existe por exemplo o crime de castração, referido de passagem por Helena Matos, que cai no mesmo tipo penal referido.
A iniciativa dos "populares" teve, porém, o mérito de chamar a atenção para a expansão dessa prática em Portugal, sobretudo entre a comunidade guineense. Sabe-se bem que estas práticas, baseadas em padrões culturais enraizados, só raramente são punidas, não porque o não devam ser, mas sim porque não chegam aos tribunais, por causa dos silêncio das vítimas (o que de resto sucede em grande medida com outros crimes, incluindo a violação). Por isso, sem prescindir da acção e da punição penal (até pelo seu valor reprobatório e dissuasor), é essencial o combate cultural e social contra esse flagelo, bem como a adopção de medidas preventivas. A este propósito vale a pena recordar que o prémio de imprensa de direitos humanos do ano passado, a cujo júri presidi, galardoou justamente um notável trabalho da jornalista Sofia Branco sobre o tema da MGF saído no Público, como de resto registei aqui no Causa Nossa.

Vital Moreira

quinta-feira, 11 de março de 2004

Quem foi, afinal?

Saber de quem foi a responsabilidade do inominável massacre terrorista desta manhã em Madrid é naturalmente indiferente no que respeita à sua condenação e repúdio. Mas já o não é quanto à identificação e dimensão dos riscos que podem ameaçar a Espanha e a Europa. Caso não tenha sido a ETA, estando agora a ser explorada a “pista islâmica”, isso agrava enormemente a dimensão da ameaça terrorista, visto que, como regista um especialista hoje ouvido pelo Le Monde, isso significaria a extensão à Europa das operações de grande envergadura iniciadas com o 11 de Setembro em Nova York e ultimamente concentradas no Iraque, desde a invasão deste. Caso se confirme a hipótese da “jihad” islâmica, agregada na constelação da AlQaeda, então tempos bem ominosos podem estar no horizonte.

Vital Moreira

O massacre de Madrid

Há já uns anos atrás escrevi na minha coluna do Público uma firme condenação do terrorismo da ETA em Espanha (“Basta ya”, assim se chamava), quando em Portugal ainda se "flirtava" à esquerda com essa organização. Hoje, perante o selvagem massacre de Madrid, a confirmar-se a mão do grupo terrorista basco (como tudo indica), vê-se que ele não tem contemplações nem escrúpulos de qualquer espécie.
O terrorismo é sempre um crime indesculpável (por mais "justos" que sejam os seus pretextos, o que nem sequer é o caso); quando utilizado como arma política num contexto democrático, como sucede em Espanha, torna-se verdadeiramente repulsivo. (Entretanto, depois disso, as eleições espanholas, a manterem-se para domingo, têm agora um vencedor seguro; compreensivelmente, as acções terroristas só podem favorecer as tendências mais securitárias.)

Vital Moreira

OS “ARGUMENTOS” DA ETA

Há menos de 36 horas escrevi um post, ironizando sobre o provincianismo da Imprensa portuguesa que, sobranceiro e de vistas curtas – como o é todo o provincianismo –, mantinha os seus leitores distraídos em relação à campanha eleitoral para as legislativas espanholas do próximo domingo. A ironia saiu-me cara: hoje a ETA fez entrar em campo os seus tenebrosos “argumentos”.
Cobardes, assassinos, anti-democráticos e violentos, como é característica dos argumentos das organizações terroristas. Será que nos votos de pesar e luto que não deixarão de ser expressos em Portugal, o BE continuará a encarar a ETA como organização separatista, “vendendo” uma legitimidade que ela não tem, nem os democratas lhe podem reconhecer?

Jorge Wemans