quarta-feira, 31 de março de 2004

Negociar com a Al Qaeda ?

Abaixo transcrevo um extracto (por mim reconstituido) de uma entrevista que dei no dia 26 de Março a uma revista semanal. Cujos editores optaram por excluir esta parte, apenas reproduzindo uma frase num outro artigo. Aqui fica, apesar de ser demasiado longa para «post»:
Que comentário lhe merecem as recentes declarações Mário Soares, em que ele defende a negociação com movimentos terroristas?
Penso que a posição do Dr. Mário Soares ficou compreensível para toda a gente. E se houvesse dúvidas, veja-se o que aconteceu dia 25 de Março: o Sr. Blair foi à tenda do Sr. Kadhaffi, que é obviamente um ditador e um terrorista, estender-lhe a mão, depois de meses a negociar com ele. Deu uma explicação política – recompensá-lo por ter abandonado os programas ilegais de armamento nuclear. Para isso bastava lá ter mandado um Secretário de Estado, como sublinhou boa parte da imprensa britânica. A explicação também serve para desviar atenções dos negócios de petróleo e armamento militar que o Reino Unido já tem na calha com a Líbia.
Então concorda com a posição do Dr. Mário Soares?
Concordo que é vital conhecermos o que está por detrás do fenómeno terrorismo nesta modalidade que é a Al-Qaeda. Este fenómeno é diferente dos outros e aqui não se pode negociar, até por uma razão simples: eles próprios não querem negociar. O que é indispensável é perceber como estas redes funcionam, os seus esquemas de actuação, a sua filosofia, os seus argumentos e pretextos para captarem recrutas. Não basta recorrer a meios policiais e militares, nem sequer à insispensável «inteligência» preventiva. É preciso conhecê-los, entendê-los para lhes dar combate ideológico e político. E a linha da frente desse combate faz-se no mundo islâmico, nas comunidades muçulmanas, seja na Indonésia, no mundo árabe ou na Europa.
Então não lhe repugna a hipótese de uma negociação com terroristas que atiram aviões contra arranha-céus?
É preciso negociar o que for possível negociar. Eu sou diplomata e, por formação e deformação profissional, um diplomata faz-se para negociar com o diabo, se for preciso. Ao longo da minha carreira tive de falar com alguns diabos para fazer o meu trabalho, nomeadamente na Indonésia e em Timor-Leste. E alguns eram pessoas tão destituídas de escrúpulos como os terroristas da Al-Qaeda. Se através da negociação se puderem evitar piores males, deve-se negociar. Mas negociar, como sublinhou o Dr. Mário Soares, não é capitular, não implica uma rendição.
Mas acha mesmo possível negociar com estas pessoas?
Neste momento não é possível negociar com a Al-Qaeda, até porque eles não querem negociar. E negociar agora implicaria dar-lhes algum grau de legitimidade, o que nas actuais circunstâncias é inaceitável. Nem sequer há nada de negociável no discurso deles. O que Osama Bin Laden evoca são pretextos oportunistas, que vai mudando consoante melhor lhe serve: combateu contra a URSS no Afeganistão, e assim começou por ser recrutado, armado e treinado pelos americanos, convém não esquecer. Depois voltou-se contra os EUA, por sustentarem no seu país o regime saudita, acusando-os de conspurcarem a península arábica com as tropas lá estacionadas desde a primeira guerra do Golfo. Só mais tarde começou a usar o argumento da injustiça contra os palestinianos. Depois, ficou com o Afeganistão para aproveitar – as atenções gerais desviaram-se rapidamente para o Iraque, o pobre Sr. Karzai que se safe como puder, o Presidente Bush no ano passado até se esqueceu de orçamentar fundos para ajudar o governo de Cabul, foi o Congresso que teve de acudir à pressa.... E entretanto ganhou ainda mais argumentos, terreno, recrutas com a guerra ilegal no Iraque... Não esqueçamos que na Indonésia e em todo o Sudeste Asiático, para tentar cativar os fiéis mais ignorantes e radicais, até esgrimiu o argumento da perda de Timor-Leste, como se os timorenses alguma vez tivessem pertencido à comunidade islâmica...
Também defende que é necessário compreender o inimigo?
Não fazer os cidadãos entender que esta ameaça é real já é mau – e muitos aqui em Portugal, incluindo este Governo, durante demasiado tempo desvalorizaram a ameaça da Al Qaeda, como se este país à beira-mar plantado fosse miraculosamente imune ao que atinge todo o resto do mundo.... Fui ficando abismada com a despreocupação geral que por cá se manteve depois do 11 de Setembro e que, de resto, explica a nossa impreparação para fazer face a eventuais ataques terroristas. Digo-o desde há muito – lembro-me que já numa entrevista ao defunto «Euronotícias», em Dezembro de 2002, acabava eu de passar pelo trauma do ataque de Bali, alertei que os portugueses andavam na lua ...
Mas ainda é pior quando mesmo depois dos atentados de Marrocos e de Madrid, ambos aqui ao lado, não se vê um esforço sério para compreender o que é a Al-Quaeda e quais os seus mecanismos de acção e implantação. Não tenho dúvidas que eles exploram em seu favor, como métodos de recrutamento e financiamento, os imensos focos de conflito que não estão resolvidos por esse mundo fora e que cada vez mais instigam em certos povos, certos grupos étnicos, religiosos, etc... fortes sentimentos de injustiça e desespero. O conflito israelo-palestiniano é, neste contexto, o principal cancro. Vi-o ser utilizado na Indonésia na propaganda das franjas mais radicais ligadas ao atentado de Bali.
Como é que se combate esse inimigo ideológico?
O combate ideológico e político contra a Al Qaeda e as suas teses nihilistas tem de ser feito com os líderes do mundo islâmico progressistas, que os há. Gente que quer a democracia, a modernidade e que quer também defender o verdadeiro Islão. Não são, em muitos casos, os actuais governantes. É preciso que os EUA e a União Europeia deixem de apoiar regimes corruptos e reaccionários no mundo árabe, só porque têm petróleo e compram armas e tudo o mais ao Ocidente (como durante tanto tempo apoiaram Saddam no Iraque). De facto, se há alguma constante nas teses de Osama Bin Laden, é o ódio ao regime saudita – que, paradoxalmente, financiou por todo o mundo as correntes wahabbitas que mais radicais forneceram às fileiras da Al Qaeda...
É também preciso entender que a Al Qaeda representa um desvio completo e perverso do Islão. A versão deles não é a do Alcorão com que eu convivi na Indonésia, o maior país muçulmano do mundo. O Islão é uma grande religião da humanidade, uma religião assente na compaixão, de misericórdia e na tolerância. Eu não alinho, de modo nenhum, na tese do «confronto de civilizações». Quem alinha são os terroristas da Al Qaeda...e quem não percebe que alinhar nessa tese é, de facto, fazer o jogo da Al Qaeda.
E para ter líderes políticos islâmicos esclarecidos na linha da frente deste combate é preciso conhecê-los, apoiá-los e ajudá-los. Isso implica também negociar. Seriamente, intensamente, para resolver os principais conflitos políticos, antes de mais o israelo-palestiniano. Em certos casos a negociação poderá ir até à conversação directa com os terroristas, como foi feito na Líbia com Kadhaffi, como se fez com o IRA e como até já fizeram os israelitas com o Hamas (noutra fase – cabe lembrar que o Hamas começou por ser financiado por Israel, nos anos 80, para disputar terreno à OLP – feitiços que se viram contra os feitiçeiros...). Mas, repito, não tenho dúvidas nenhumas de que, neste momento, não há negociação possível com a Al-Qaeda.

Ana Gomes

Dar relevância à abstenção eleitoral

No Ideias Soltas, Carlos Araújo Alves acusa-me de desvalorizar o significado da abstenção eleitoral como sinal de rejeição política. Mas a crítica é infundada, quer em geral (visto o muito que tenho escrito sobre isso), quer no que respeita ao texto que é por ele visado, sobre o voto branco, pois eu referia expressamente que a abstenção pode ser devida a vários factores, desde o desinteresse até à hostilidade contra a política ou contra os partidos. Limitei-me a dizer – o que mantenho – que, comparada com o voto branco, a abstenção constitui normalmente uma hostilidade de menor intensidade e de menor impacto, sendo por isso que os partidos políticos reagem mais mal ao voto branco do que à abstenção.
Quanto às sugestões de CAA para dar relevância à abstenção – a saber, admitir candidaturas não partidárias e deixar vagos lugares em proporção da abstenção –, não me parece decisiva a primeira nem aceitável a segunda. Quanto à primeira, nas eleições locais entre nós, onde há candidaturas independentes, a abstenção não é menor. Quanto à segunda, não vejo por que é que a dimensão das assembleias electivas deve depender da taxa de participação eleitoral, o que aliás em nada contribuiria para diminuir a abstenção; de resto, a diminuição da dimensão das assembleias proporcionalmente à abstenção representaria uma espécie de punição das instituições representativas, em prejuízo dos eleitores que não se abstiveram e que não têm culpa da abstenção dos outros. A abstenção não deve ser premiada, muito menos com a diminuição da qualidade da democracia representativa.

«Desastre social»

«Sobre o seu artigo - "A corrida para Leste", importa referir que a maioria dos empresários portugueses que neste momento estão a investir no Leste não o fazem para procurar salários baixos, fazem-no para poder competir nesses mercados quando se verificar o natural surto de desenvolvimento que irá ocorrer após adesão. A distância que separa Portugal dessa região da Europa inviabiliza qualquer veleidade de competição a partir de cá.
Aquilo que vai acontecer a Portugal com a entrada das novas nações na UE é exactamente aquilo que causámos aos países do norte da Europa nos anos 70 e 80 do século passado, como é o exemplo da indústria têxtil portuguesa (ver o artigo que escrevi ontem no meu blogue). O seu crescimento explosivo nos anos 70 e 80 deveu-se unicamente à deslocalização (programada) da produção têxtil da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos.
O que é grave no nosso caso é que a enorme riqueza gerada por esta indústria (nos anos 80 o vale do Ave nadava em dinheiro) não serviu de alavanca para um maior desenvolvimento e maturidade industrial. Essa maior maturidade permitiria hoje ter um tecido industrial moderno e que a deslocalização têxtil fosse assumida como uma estratégia, tal como foi nos países atrás citados.
O desastre social no norte do país vai ser gigantesco, maior mesmo que a situação de Setúbal no início dos anos 80, e contra isso não há nada a fazer, pois os dados foram lançados há muito. Só nos resta esperar que do desastre possa emergir, pela primeira vez, uma classe empresarial digna desse nome.»


(LB)

"Regionalização das Universidades"

1. Contra a seriação das universidades
«(...) O texto sobre a necessidade de se implementar uma espécie de seriação de cursos superiores com o mesmo nome (ou da mesma área científica) surpreendeu-me.
Em primeiro lugar, parece testemunho de uma visão muito limitada do que é a realidade universitária do presente. As universidades não são nem nacionais nem regionais; são, cada vez mais, entidades charneira, motores de cooperação transnacional e, sobretudo, cientificamente transversais. (...) Falar, nesta altura, num qualquer sistema de certificação interna é, de todo, desenquadrado da realidade e – peço desculpa pela franqueza – soa a esgar corporativo. Como seriar um aluno que fez parte da licenciatura em Portugal e parte numa universidade estrangeira? (...)
Em segundo lugar, a haver a tal seriação – fosse ela feita por avaliadores independentes – os resultados talvez surpreendessem. Muitas são as áreas em que as ditas universidades novas há muito que deixaram para trás as ditas tradicionais (...).
Em terceiro lugar, penso não andar muito longe da verdade ao afirmar que, qualquer que seja a área de actividade, um mau profissional é imediatamente detectado pelos seus pares. Isso (aliado aos mecanismos de auto-regulação de cada uma delas) parece-me suficiente como medida de controlo. Mais importante ainda, parece-me mais justo. Quantos exemplos conheceremos ambos de pessoas que tiveram formação de base em instituições de reputação mediana e progrediram com êxito e comprovada competência nas suas carreiras?

(LAS)

2. A minha resposta
No artigo do Público sobre a "regionalização das universidades" defendi, entre outras coisas, que a sua escolha pelos utentes deve ter mais a ver com a sua qualidade do que com a sua proximidade territorial, sendo portanto necessários mecanismos que permitam aferir daquela com suficiente objectividade e remover os obstáculos à mobilidade territorial dos estudantes. Só com a diferenciação das universidades de acordo com a sua qualidade é que as melhores podem atrair os alunos mais qualificados, independemente da sua origem geográfica, contrariando a tendência para a sua regionalização territorial. Os argumentos do leitor não procedem contra esta tese. Entre outras coisas não referi nenhum “sistema de certificação interna”.

Vital Moreira

Voto branco (III)

«Verdadeiramente José Saramago não apelou ao voto em branco. Claro que a autoridade moral e intelectual de que ele está investido dificilmente suporta que se avalie a democracia da forma contundente como ele a avaliou, sem que se corroborem as conclusões de que o sistema precisaria de um cartão amarelo por parte do eleitorado.
José Saramago explicitou o que seria o cartão amarelo; todavia há um pormenor que não é de somenos importância e que ele inadvertidamente (?) esqueceu ou ultrapassou; José Saramago é militante do PCP e integra, ainda que simbolicamente, as listas de candidatos da CDU às eleições para o Parlamento Europeu.
O diagnóstico à "democracia que temos" não peca por inverdades, mas amarrou José Saramago a alguma imprecisão que está a ser dolosamente explorada. Penso que ele se terá precipitado, ou será que ele se esquece que tem muitos inimigos em Portugal?»

(LB)

Voto branco (II)

A história das eleições regista numerosos casos de apelo ao voto branco nas mais variadas situações: o partido que não concorre e que apela aos eleitores para não votarem nos outros; os partidos extremistas que pretendem deslegitimar os “partidos do sistema”; os candidatos que ficam fora de uma segunda volta eleitoral e que desejam impedir os seus eleitores de votar nos candidatos apurados, etc.
Raramente o voto branco assumiu expressão preocupante. Por exemplo, ainda nas últimas eleições presidenciais francesas (2002) houve sectores da extrema esquerda que apelaram ao voto branco da esquerda na 2ª volta, para não votar nem em Le Pen nem em Chirac, sem grande efeito, como se sabe; o mesmo sucedeu em 1975, em Portugal, quanto alguns sectores dos militares revolucionários se pronunciaram pelo voto branco, também sem qualquer êxito.
Mas mesmo fora da ficção literária não é de todo improvável que, verificadas certas circunstâncias (crise aguda da democracia representativa, rigidez do sistema partidário, impasse político grave, etc.), o voto branco possa assumir maior peso. Em Portugal, porém, a sua expressão tem sido em geral negligenciável (abaixo de 2% e por vezes mesmo abaixo de 1%). A abstenção, essa, tem aumentado, revelando uma crescente desafeição em relação à participação politica; mas são proporcionalmente poucos os que, vontando, optam pelo voto branco. Por este critério não se pode dizer que seja elevado o nível de descontentamento activo e intenso em relação ao nosso sistema democrático.

Voto branco e democracia

O novo livro de José Saramago, Ensaio sobre a Lucidez, veio colocar em discussão a questão da “crise” da democracia representativa e do voto branco como instrumento de rejeição e protesto. Na verdade, o voto branco é uma maneira perfeitamente democrática de exprimir descontentamento político. Em geral, ele é uma alternativa à abstenção por parte de cidadãos civicamente empenhados; em certas circunstâncias ele pode ser também uma alternativa ao voto em partidos extremistas, anti-sistema.
Ao contrário da abstenção, que é geralmente produto de uma atitude de desinteresse ou falta de informação, ou de hostilidade de baixa intensidade, o voto branco supõe uma atitude deliberada e uma rejeição de mais forte intensidade, pois implica o esforço de ir votar. Por isso em eleições ele dá expressão em regra a uma das seguintes atitudes: recusa de escolha entre os concorrentes, rejeição de todos os concorrentes, rejeição do sistema democrático ele-mesmo, hostilidade em relação à política. Ora numa democracia pluripartidária, onde exista liberdade de organização e de actividade de partidos, essas situações não são muito numerosas em condições de regular funcionamento do sistema. Salvo quando atingem maior intensidade, o descontentamento e a desafeição em relação aos partidos ou ao sistema ele mesmo exprimem-se mais pela abstenção do que pelo voto branco, que representa um voto activo.
Em geral os votos brancos são legalmente irrelevantes, não contando para o apuramento de maiorias eleitorais, que são calculadas somente com base nos “votos expressos”. Existem mesmo países onde nem sequer se procede à sua contagem separada dos votos nulos (França, por exemplo). Mas é evidente que politicamente seria tudo menos irrelevante uma forte percentagem de votos brancos. Por isso, em certo sentido, sob o ponto de vista democrático, o voto branco pode ser preferível à abstenção, desde logo porque ele reclama maior atenção em relação à qualidade da democracia, dado traduzir a desaprovação de cidadãos interessados, que querem exprimir a sua opinião e participar nas escolhas da colectividade.
Há quem condene em geral o voto branco. Mas uma coisa é cativar os cidadãos para exprimirem uma opção partidária e outra coisa é enterrar a cabeça na areia face aos votos de protesto, fazendo de conta que nada se passa. O voto branco pode ser um excelente sismógrafo da democracia.

A corrida para o Leste

A entrada dos novos países do Leste na UE está a provocar uma corrida às deslocalizações de empresas dos actuais Estados-membros (incluindo Portugal) para esses novos países. Entre os factores de atracção estão naturalmente os salários muito mais baixos, a “flexibilidade laboral” (facilidade de despedimentos) e uma menor força sindical (menos greves), consideráveis ajudas de Estado ao investimento estrangeiro e “last but not the least” a competitividade fiscal ao nível dos impostos sobre as empresas, que nesses países pode ser menos de metade dos valores da Alemanha, por exemplo. Fala-se já mesmo em “concorrência desleal em matéria fiscal”.
Por isso, os países mais desenvolvidos, com impostos mais altos, vêm-se em risco de perder empresas, empregos e receitas ficais, ao mesmo tempo que continuam subsidiar pesadamente os países beneficiários das deslocalizações.
É evidente que a prazo o consequente desenvolvimento dos novos países virá a ter efeitos colaterais positivos, como o aumento das importações e diminuição da necessidade de ajudas da UE. E o consequente aumento da competitividade externa das empresas europeias beneficia a sua economia em geral. Mas entretanto os países de onde as empresas emigram sofrem inevitáveis prejuízos, sobretudo no desemprego e na perda de receita. Em tempos de baixo crescimento, como os actuais, isso só pode agravar a situação.

«Os políticos e os blogues»

«A blogosfera de língua portuguesa é a segunda maior e mais evoluída do mundo. Seguindo o caminho da primeira, a estadunidense (e não confundir com língua inglesa), os blogues tornam-se aos poucos, efectiva e solidamente, em espaços mediáticos não desprezáveis. E mais: têm virtudes que nenhum media até hoje ofereceu, pelo contrário, abafou. O contacto directo, quase personalizado; a interacção em tempo real com plateias de maior discernimento intelectual (e o consequente apelo à maior honestidade); o tempo e espaço de intervenção sem limites; a liberdade de discurso, não condicionado ao formato imposto pelo jornalista/órgão.
Para o bem e para o mal, a política portuguesa está a passar-se para a blogosfera.»

(Paulo Querido)

Vida breve

Dois meses, foi quanto durou o Post-Scriptum, um blogue anónimo de posts curtos, claros e, geralmente, certeiros. Deu para ver que vai fazer falta.

terça-feira, 30 de março de 2004

Esquerda v. direita

As considerações de J. Pacheco Pereira sobre o abundante uso, hoje em dia, das noções “esquerda” e “direita” como qualificações políticas carecem de ser completadas com três aspectos que me parecem igualmente relevantes.
Primeiro, a utilização de formas de identificação política mais abrangentes (esquerda-direita, ou gradações desta, tipo extrema-esquerda, centro-esquerda, etc.), em vez de noções correspondentes aos partidos ou ideologias políticas (comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristãos, etc.) tem a ver também com a crescente ausência de identificação partidária da maioria das pessoas e com o aumento da volatilidade eleitoral. Há cada vez menos pessoas nos partidos ou fiéis a cada partido, havendo muita gente que se sente “de esquerda” ou “de direita” mas que não se identifica com nenhum partido em especial da sua área.
Segundo, o retorno em força das qualificações políticas no esquema clássico esquerda-direita (e em especial das auto-qualificações) traduz também a progressiva diminuição de distinções ideológicas e programáticas dos partidos, tornando-os menos diferentes do que já foram, sobretudo no que respeita aos grande projectos de transformação económico-social. Por exemplo, que sentido tem ainda uma pessoa dizer-se que é comunista ou socialista, se os partidos correspondentes deixaram de ter como objectivo a colectivização ou socialização da economia? As noções mais genéricas de esquerda-direita apelam mais para diferenças de valores culturais e de comportamentos políticos, que é o que hoje sobressai.
Terceiro, a ênfase na dicotomia genérica clássica traduz a reacção contra as ideologias negacionistas da própria distinção esquerda–direita, associadas às ideias de “fim da história” e do “fim da ideologias”. Na verdade, afastada a divisória clássica quanto aos sistemas económicos, com o triunfo universal da economia de mercado mais ou menos regulada, não desapareceram porém as diferenças, pelo menos de grau, quanto à regulação e ao papel do Estado, quanto à coesão social, direitos sociais e serviços públicos, quanto ao relevo da ideia de igualdade, quanto ao compromisso entre liberdade pessoal e a segurança, quanto à guerra e à paz, quanto à despenalização do aborto e a abolição da pena de morte, quando à ordem económica internacional e à globalização, etc., etc.

Os rendosos “negócios da paz”

Segundo uma investigação de uma ONG dos Estados Unidos, de que o Público deu notícia, as empresas norte-americanas já ganharam contratos no Afeganistão e sobretudo no Iraque no valor de mais de 8 mil milhões de dólares, depois da guerra. Entre elas estão várias com ligações ao Governo dos Estados Unidos (incluindo a célebre Halliburton); quase todas são generosas contribuintes financeiras das campanhas políticas de Bush.
A notícia só pode surpreender os ingénuos. A guerra é uma grande aliada dos negócios: primeiro, das indústrias de armamento e suas subsidiárias (o departamento da defesa tem à sua conta mais de metade do orçamento federal para aquisição de bens e serviços às empresas privadas); depois, das indústrias da reconstrução, os chamados “negócios da paz” (cínico eufemismo este!). Se não houvesse guerra, como justificar a compra de novo armamento? E sem destruir primeiro, como se poderia reconstruir depois? Marte deveria passar a ser o também o padroeiro dos negócios!
A propósito: sobraram alguns despojos para as empresas dos outros países que apoiaram a guerra? Quais são as empresas portuguesas beneficiárias? Nem sequer as cimenteiras? Será que já não existe gratidão nos negócios da guerra? Será que a prestimosa organização da "cimeira da guerra" nos Açores há um ano foi em vão?

Lost in Portugal

A 21 de Abril estreará no Teatro da Trindade uma peça cujo protagonista masculino tinha de ser brasileiro. Há poucos dias, finalmente, ele chegou.
Dois dias depois de aterrar, ainda a sofrer do jet-lag, sem conseguir adaptar-se à comida, sozinho em Lisboa, o actor de meia-idade - em tempos um galã de novela brasileira - foi chamado, fora de horas, para a sessão fotográfica de promoção do espectáculo.
Foi aí que confirmei a impressão de que este homem está triste. Ao vê-lo fatigado, dorido, a ensaiar poses sucessivas para 3 fotógrafos que falavam depressa demais para este brasileiro acabado de chegar - "Oi? Hein?" - percebi que Tóquio era mesmo apenas uma metáfora. Bob também podia ser brasileiro e Tóquio Lisboa.
Não é a vida que imita a arte.

É difícil dizer "amo-te"

Amanhã regresso à minha cidade, Angra do Heroísmo, por motivos profissionais. Sempre que abandono a ilha onde vivi os primeiros 18 anos da minha vida, tenho a sensação de que ela me recrimina. E a impressão de que posso não voltar.
Mas agora que regresso a casa sem avisar, receio que me leve a mal.

Um fantasma que vivia

Soube hoje que morreu Rui Rodrigues, aos 51 anos. Outro num tão curto espaço de tempo, depois de Emanuel Félix. Estes nomes não lhe dizem nada porque são poetas açorianos e a insularidade tem destas coisas. Mas eram grandes.
Conheci o jornalista Rui Rodrigues aos 16 anos, na RDP-Açores. Impressionava-me a imagem daquele homem taciturno, em absoluto contraste com a irreverência própria da minha adolescência, feliz no seu primeiro programa de rádio. Mas Rui Rodrigues não era taciturno. Era, talvez, "sofrido" - uma das mais belas palavras da nossa língua. Podem encontrá-la, provavelmente, em meia dúzia de fados. "Sofrido" e "fado", aliás, são palavras que vão bem com os Açores - e só quem lá viveu percebe que não digo isto com tristeza. Mesmo destinos pesados como o de Rui Rodrigues têm outro carisma naqueles 9 rochedos.
Rui Rodrigues era, aos meus olhos, um fantasma que vivia. Por uma simples razão: nunca trocámos uma palavra. Nunca me atrevi. Mas, anos mais tarde, li os seus livros. E, pela primeira vez, ouvi as suas palavras.
Mereceram a pena. Valeram o silêncio que parecia impor como regra no dia-a-dia. Deixo-vos uma crónica que explica melhor.

Apostilas das terças

1. Mudança de maré?
Depois das eleições gerais espanholas, as eleições regionais francesas, que também se saldaram por uma convincente e em grande parte inesperada vitória da esquerda (pelo menos quanto à sua expressão) vieram contrariar algumas análises recentes sobre o défice de participação eleitoral e sobre a recomposição partidária nas democracias contemporâneas, como assinala o Le Monde em relação ao caso francês. De facto, em ambos os casos a abstenção diminuiu, com aumento da participação sobretudo entre o eleitorado mais jovem; a esquerda “clássica” não cedeu terreno para as esquerdas alternativas, pelo contrário; o voto da classe operária manteve uma elevada adesão à esquerda tradicional, não revelando indícios de desvio para o populismo de direita ou de esquerda. Sinais conjunturais ou inversão de maré?

2. Luís Nazaré
No Tugir LNT reagiu muito criticamente, em nome do «espírito de sacrifício, de missão e de serviço público», à entrevista de Luís Nazaré (co-autor do Causa Nossa), dada à Visão na semana passada. Não pretendendo imiscuir-me nesta controvérsia entre correlegionários, uma coisa me parece certa. Depois das suas desafiadoras afirmações sobre a “velhice” doutrinária e organizativa do PS, é de esperar que o novo presidente do seu Gabinete de Estudos possa desencadear rapidamente os estudos preparatórios para a sua renovação. Mas, sendo óbvio que isso requer organização e meios, onde estão disponíveis os necessários “think tanks”?

3. «O encanto da virgindade»
«São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade. O engano é tal que vemos mulheres apreciar como ganhos a perversão da maternidade pelo aborto, da virgindade pela libertinagem, da família pelo divórcio. Cedem à promiscuidade e pornografia, velhas obsessões varonis. A promoção da homossexualidade baralha até os dados da natureza.
Felizmente que, apesar da tirania da opinião, grande parte das mulheres resiste à pressão e preserva a superioridade. A virgindade e a maternidade brilham ainda neste tempo confuso. E, juntas na mesma pessoa, cintilam no mais alto dos céus, acima de toda a criatura.»

(João César das Neves, obviamente; quem mais poderia escrever estas pérolas do pensamento?)

segunda-feira, 29 de março de 2004

Portas adentro, sem grande problema

Vale a pena ler com atenção os artigos “Defesa gasta 309 milhões com aviões em risco de reforma – Portugal exige contrapartidas abaixo da média», no caderno «Negócios» do DN de hoje, da autoria do jornalista Joaquim Brito Camacho, escalpelizando a opção do Ministro da Defesa, Paulo Portas, pela modernização de seis aviões P-3 Orion, trabalho que deverá ser entregue … à Lockheed Martin, naturalmente.
Isto apesar de a marinha norte-americana estar a substituir aceleradamente aqueles aviões, por ter concluído que apresentariam perigosa deterioração - e os «portugueses» são dos mais velhos, fabricados já em 1968. O que não preocupa o Ministro, pois como atesta o seu assessor Pedro Guerra (o nome indiciará, porventura, um perito na matéria) «não há grande problema».
Grande problema também não é o trabalho estar orçamentado na Lei de Programação Militar por 309 milhões de euros – sorte terá a Nova Zelândia, que, para modernizar o mesmo número de aviões do mesmo modelo, só prevê gastar 160 milhões de euros…
Grande problema não resulta ainda de o trabalho de modernização ser entregue à … Lockheed Martin, naturalmente…, a que resta das duas empresas americanas que o MD convidou a apresentarem propostas a concurso que, nos termos da lei, exigiria consulta a três fornecedores.
E não haverá também grande problema por o Ministro ter exigido à empresa norte-americana a entrega à OGMA de 33% em contrapartidas directas. De acordo com dados fornecidos pelo Departamento de Comércio dos EUA, citado pelo jornalista, 42% de contrapartidas directas costuma ser a percentagem para países desenvolvidos, 36% para países em desenvolvimento… (33% deve ser a taxa a aplicar a países a andar para trás, como o nosso, que tem o Dr. Portas como governante).
Grande problema também não tem o Presidente da CPC (Comissão Permanente de Contrapartidas) por se escudar na confidencialidade para não revelar onde serão aplicados os 66% de contrapartidas indirectas, necessárias para cumprir o regulamento de que o valor a exigir nunca seja inferior a 100% do preço dos bens a adquirir (noutros países as contrapartidas directas e indirectas sobem frequentemente a 200%, 300%, 400%…).
Certamente que o Ministro da Defesa também não terá grande problema em escancarar portas ao escrutínio público e prestar explicações, rapidamente, sobre aquela opção de modernização apesar dos alertas da marinha norte-americana, e em facultar-nos a todos, democraticamente, as contas certinhas, incluindo percentagens e aplicações das contrapartidas.
Eu nada sei da matéria, nem tenho interesses além dos nacionais, de todos nós, aqueles que pagamos impostos. Não sou (im)pressionável com alusões a negócios passados, ligeiros ou nebulosos, feitos por quem quer que seja. Acontece que leio jornais e não gosto de negócios escuros, que é o que há mais, por esse mundo fora, em matéria de armas e equipamentos militares. Será que no Ministério da Defesa lêem o Causa-Nossa?

PS - O mesmo jornalista assinava na publicação «Take-off – Informação Aeronáutica», de Dezembro de 2003, um interessante artigo analisando as consequências das intenções de poupança que o Ministro Paulo Portas avançou no ano passado como justificação para cancelar a participação de Portugal no consórcio europeu de produção dos aviões A400M. O jornalista concluía que para o Ministro ser consequente com o que anunciou – poupar dinheiro ao erário público conseguindo aviões com a melhor relação qualidade-performance-preço - teria de ir comprar uns aviões ucranianos e não os C130-J que se propunha adquirir à …Lockheed Martin, naturalmente.
Onde estamos hoje, afinal? Compramos ucraniano ou americano? E por quanto? E as famosas contrapartidas que o Ministro proclamou ir garantir, peludas, leoninas, para a indústria nacional ? E sempre houve ou haverá que pagar indemnizações ao consórcio europeu, como a imprensa chegou a noticiar?
Aguardemos respostas.

Ana Gomes

Catástrofe ambulante

Quando um ser inteligente, culto, reaccionário, diletante, cabotino como Vasco Pulido Valente, numa crónica raivosa e destrutiva contra Ferro Rodrigues, me chama «catástrofe ambulante» (DN, de 28.3.04), não consigo reprimir o contentamento: foi também para causar danos e incómodos a gente como o cambaleante VPV, que eu vim para a política. E afinal, sempre vou tendo eficácia!…

Ana Gomes

Elogio à lucidez

Não, não é à de Saramago que me refiro, já que o predicado da lucidez nem sempre está presente nas intervenções cívicas do nosso prémio Nobel (embora lhe perdoemos tudo, como a Ezra Pound ou a Céline, em nome da genialidade literária). É à do comentário bolsista de Abílio Ferreira na edição do Expresso de 27 de Março (secção Bolsa & Mercados). Há muito tempo que não lia uma coluna tão deliciosamente corrosiva e lúcida sobre a realidade da nossa bolsinha. Ainda há uma ponta de Expresso!

Luís Nazaré

O fundamentalismo antiterrorista e o perigo para o Estado de Direito

De entre a muita literatura produzida nos últimos dois anos sobre os perigos de uma cega luta antiterrorista, tendo em conta especialmente o célebre “Patriotic Act” (Lei patriótica) estadunidense, merece um lugar de destaque uma recente conferência do célebre filósofo norte-americano e professor da Universidade de Stanford (Califórnia) Richard Rorty, que o El País acaba de publicar em versão castelhana, depois de ter sido publicada em alemão pelo Die Zeit . Rorty está longe de fazer parte da “esquerda universitária” norte-americana (academic left), ou sequer de simpatizar muito com ela.
De qualquer modo o seu texto é um notável alerta contra o perigo de o fundamentalismo securitário anti-terrorista poder servir de pretexto para restringir fatalmente as liberdades civis e os princípios do Estado de Direito.
Vale a pena respigar algumas passagens:

«Porque el mayor impacto que [os terroristas] podrán obtener con sus infernales máquinas y sus horrendos atentados no serán el sufrimiento y la muerte. El mayor impacto lo tendrán las medidas que los Gobiernos occidentales tomarán para responder al terrorismo. Estas respuestas podrían significar el final de algunas instituciones que fueron creadas durante los doscientos años posteriores a las revoluciones burguesas en Europa y Norteamérica.
La sospecha ampliamente extendida de que la guerra contra el terrorismo es potencialmente más peligrosa que el terrorismo en sí me parece completamente justificada. (...)
Muy distinta sería la situación en caso de un ataque terrorista. Los políticos harían todo lo posible por evitar nuevos atentados, se sentirían tentados a superarse unos a otros en dureza y en la toma de medidas de mayor alcance. Se trataría incluso de medidas que podrían poner fin al Estado de derecho. Y la rabia que se siente cuando el sufrimiento anónimo lo inflige la acción humana y no las fuerzas de la naturaleza, hará que la opinión pública acepte dichas medidas. Es cierto que el resultado no sería ningún golpe de Estado fascista. El resultado sería una catarata de medidas que iniciarían un cambio en las condiciones sociales y políticas de la vida occidental. Los jueces y los tribunales perderían su independencia, y los mandos militares regionales recibirían de la noche a la mañana una autoridad que antes sólo tenían los funcionarios electos. Los medios de comunicación, a su vez, se verían obligados a ahogar las protestas contra los acuerdos gubernamentales.
El miedo ante una evolución de este tipo está mucho más extendido entre los estadounidenses como yo que entre los europeos, porque sólo en Estados Unidos el Gobierno ha afirmado que nos encontramos en un estado de guerra prolongado. (...)
Tal vez sea ésta una visión demasiado pesimista del futuro. Posiblemente Ashcroft haya conseguido intimidarme de tal forma - al igual que a muchos otros estadounidenses - que veo fantasmas por todas partes. Deseo de todo corazón que así sea. No obstante, compruebo que las instituciones democráticas, al menos en mi país, se han vuelto muy frágiles. Me temo que todos los precedentes creados por el Gobierno de EE UU como respuesta al 11-S influirán mucho en los gobiernos de otras democracias. Después de los atentados en Madrid, el escenario estadounidense también podría repetirse en Europa. Aunque los servicios de espionaje y las fuerzas armadas en los países miembros de la UE no sean ni de lejos tan poderosos como en EE UU, sí podrían hacerse de repente con facultades que nunca antes habían tratado de conseguir. La Junta en Washington lo vería con buenos ojos. (...)
Un estrato del poder en EE UU y en la Unión Europea se ha acostumbrado a la idea de que sólo puede cumplir con su deber de garantizar la seguridad nacional ocultando por completo sus actividades a la opinión pública. El 11-S ha reforzado aún más sus convicciones y, probablemente, si se producen más atentados terroristas, esas elites acabarán creyendo que para poder salvar la democracia primero hay que destruirla. Pero si se produce el peor de los cambios posible, los historiadores tendrán que explicar algún día a la humanidad por qué la época dorada de Occidente sólo duró 200 años. Los pasajes más tristes de sus libros hablarían de cómo los ciudadanos de las democracias contribuyeron con su cobardía a provocar la catástrofe.»

A explicação de Guterres

Não posso ser acusado de “guterrismo”, tendo sido não poucas vezes muito crítico da governação do antigo primeiro-ministro. Mas nunca acompanhei os que dentro e fora do PS condenaram António Guterres por ter “fugido”, ou “ter abandonado o barco”, ao demitir-se no seguimento da pesada derrota do PS nas eleições locais do final de 2001. Penso que, sendo esse desaire antes de tudo uma derrota pessoal dele mesmo e sendo evidente que depois dela as dificuldades de governar sem maioria (como era o caso) se agravariam e se tornariam incontornáveis, levando inevitavelmente à paralisação do governo e ao seu fatal afundamento, a sua continuação sem mais seria o caminho para o desastre. Por isso, julgo que a demissão foi justificada, sendo aceitável a explicação agora dada pelo próprio, nessa linha.
Resta saber se, em vez da demissão “incontinenti”, deixando o PS subitamente desamparado, sem primeiro-ministro e sem líder, como sucedeu, não teria sido preferível forçar previamente uma moção de confiança parlamentar, ou mesmo tentar um governo com outro primeiro-ministro (caso fosse aceito pelo Presidente da República), transferindo para as oposições, caso chumbassem uma ou outro, como seria previsível, a responsabilidade pela crise política daí decorrente, em vez de esta recair sobre o PS, como aconteceu, ainda por cima dando o flanco à acusação fácil de ter “fugido à crise por ele mesmo criada”, de que tanto se aproveitou desde então a oposição de direita.
Por isso não é ocioso perguntar se com outra resistência moral e força anímica não teria sido possível outra solução que não fosse, como foi, a retirada pessoal imediata.

Resposta & aditamento

Resposta de Ivan Nunes à minha observação sobre o seu apoio a Nelson Rodrigues. Aqui fica registada. Ficam devidamente esclarecidas as posições.
Ainda a propósito desta controvérsia anote-se também o comentário do Almocreve das Petas, sobre a «vileza das suas [de Nelson Rodrigues] acções contra companheiros e de apoio à ditadura [militar brasileira]». Qual é o adjectivo mais «injurioso» (IN): «biltre político» ou «vil»?

De onde menos se espera

De um escrito de Paulo Varela Gomes transcrito na Praia, sem comentários, respigo esta inominável passagem: «O fanicamento do cheique Yazin adianta pouco porque há muitos e muitos cabrões do calibre dele entre a cabrãozada palestiniana.» Assim mesmo: «cabrãozada palestiniana»!
De facto, comentários para quê? Há dias em que a razão e a decência vão de férias.

Desatino

Em mais uma das suas afamadas crónicas políticas do Expresso, o seu director José António Saraiva defende, com a perspicácia e a profundidade analítica a que nos habituou, a seguinte tese: ao opor-se à “guerra contra o terrorismo” de Bush, a esquerda acaba por se colocar ao lado do terrorismo; por isso, a proposta de negociação feita por Mário Soares é o corolário lógico dessa posição. De permeio, omitindo as generalizadas críticas que Soares recebeu da esquerda, AJS chega a escrever coisas como esta: «E, por muito que custe escrever, os terroristas estão do lado dos que combatem Bush, sendo objectivamente seus aliados».
Há um ano silogismos destes já eram sonsos ecos servis da maniqueísta proclamação do próprio Bush, segundo o qual ou se estava com ele (inclusive na ilegítima invasão do Iraque) ou com os terroristas, o que, como se sabe, colocou "ao lado destes" as Nações Unidas, a França e a Alemanha, Koffi Annan e o Papa, por exemplo, bem como a maior parte da opinião pública mundial. Nunca os terroristas pensaram possuir tantos "apoios". Passado um ano, porém, quando se sabe que a guerra no Iraque só enfraqueceu a luta contra o terrorismo e se saldou mesmo num favor prestado ao terrorismo islâmico, e quando a Europa, no seguimento dos atentados de 11 de Março em Madrid, define a sua própria estratégia alternativa contra o terrorismo, face ao falhanço da estratégia guerreira de Bush, os ditos requentados de AJS só podem relevar de um raciocínio desatinado.
Por muito que custe escrever, com inimigos destes o terrorismo internacional não precisa de aliados...

domingo, 28 de março de 2004

Inversão da maré?

As eleições regionais francesas, cuja 2ª volta se realizou hoje, saldaram-se numa vitória da esquerda muito maior do que a 1ª volta já fazia esperar, com o triunfo em nada menos do que em 21 das 23 regiões do País, apenas com excepção da Alsácia e da Córsega. Uma verdadeira vaga. Se estes resultados podem significar uma antecipação do sentido das eleições europeias, em Junho próximo, então a ideia de que a direita tinha assegurada a vitória pode necessitar de revisão. Depois do surpreendente êxito socialista em Espanha nas eleições legislativas, este é o segundo sinal político ao arrepio da tendência esperada. Inversão de maré?

Radio Caroline

Passam hoje 40 anos (como lembra a fiel Wikipedia) da primeira emissão da Radio Caroline, a famosa emissora pirata, difundida a partir de um velho “ferry” ancorado nas águas interncionais no sudoeste da Inglaterra e que teve um papel essencial na divlugação da música popular anglo-americana (pop music). Passei longas horas escutando-a, em condições sonoras longe do razoável, incluindo muitas primeiras audições dos grandes êxitos dos anos 60, como os Beatles, os Beach Boys, etc. Os que foram jovens nos inigualáveis sixties não podem esquecê-la.

sexta-feira, 26 de março de 2004

Abre os olhos, pá

Assisto a uma entrevista de um jornalista de vinte e tal anos que acaba de publicar o seu primeiro romance depois de passar uns meses em Nova Iorque. Notável: em apenas 25 minutos conseguiu deixar pérolas como: "Não devo nada a Portugal e Portugal não me deve nada"; "Respondo sempre a quem me escreve mails porque o Lobo Antunes escreveu uma carta ao Céline quando tinha 15 anos e o Céline respondeu" ou - e esta tocou-me fundo - "Não fui para os Estados Unidos escrever um livro. Fui porque tinham-se-me esgotado os desafios no jornalismo em Portugal".
Ora já estava na altura de alguém dizer isto. Estou totalmente solidário com o rapaz. Em primeiro lugar porque consigo perceber que seja mais aliciante servir à mesa em Nova Iorque do que reunir à mesa com o João Gobern; e, em segundo lugar, porque o nosso neo-romancista tocou numa ferida profunda. Portugal tende, de facto, a esgotar os desafios que tem para as suas mentes criativas. Sobretudo no caso daquelas que ninguém faz ideia quem são.

trabalhar para o boneco

A fama tem destas coisas. Para muitos, num país pequeno como o nosso, ter o seu próprio boneco no "Contra-Informação" é uma tremenda coroa de glória. Mas, para outros - se, entretanto, esquecidos - a vida reserva ironias tremendas. Mantorras é um jovem futebolista do Benfica que há dois anos tenta recuperar um joelho para voltar a jogar futebol. Como tinha boneco no Contra (e são bem caros), tiveram de o pôr a render.
E agora é ver a encarnação de um craque que tem deixado saudades a fazer de boneco figurante nos sketchs de outros figurões. Tu arranja-me esse menisco, Mantorras!

"Cherchez la femme"

Banqueiros como Artur Santos Silva, líderes empresariais como Francisco Vanzeller, além dos “yuppies” do Beato que promoveram o “Compromisso Portugal”, têm defendido o levantamento do sigilo bancário em nome da transparência da vida económica e do combate à evasão fiscal. São vozes supostamente insuspeitas de radicalismos esquerdistas, sejam quais forem os motivos – genuínos ou apenas tácticos – que os levaram a tomar essa atitude.

Mas os patrões não estão sintonizados num combate clarificador e saudável que permitiria consagrar a velha máxima de que quem não deve não teme. Embora com sintomático atraso, o vice-presidente da AIP, Jaime Lacerda, veio quebrar o consenso. Numa entrevista dada ontem ao “Diário Económico”, aquele responsável empresarial rejeitou a flexibilização no acesso às contas bancárias, argumentando que o peso da “informalidade” e da evasão fiscal na economia portuguesa não é tão grave como aquele que lhe é quase unanimemente atribuído (incluindo no relatório encomendado pelo Governo à consultora McKinsey).

Afinal, segundo Lacerda, um outro relatório, subscrito por Pina Moura e Manuel Baganha, apontaria para outros males, que não exactamente a evasão fiscal, na origem da falta de competitividade da nossa economia. E, em abono dessa tese, o vice-presidente da AIP cita os obstáculos que se encontram nas áreas da saúde e da justiça como factores mais determinantes da situação.

Ora, imaginemos que ele tem razão contra todos os outros, embora a justiça e a saúde tenham aquelas costas largas que dão imenso jeito para justificar o imobilismo e a crise competitiva do país. Que terão os empresários sérios e verdadeiramente empreendedores – aqueles que não vivem à sombra da “informalidade” e da fuga ao fisco – a perder com a flexibilização no acesso às contas bancárias, praticada aliás na maioria dos países europeus?

Se tudo é como Lacerda diz, porque não aceita ele que isso seja publicamente comprovado, já que existem tantas suspeitas no sentido oposto? Porque defende ele um regime de opacidade bancária, quando tantas vozes se levantam no meio empresarial a favor de uma maior transparência e rigor? Quando se insiste em querer esconder o que não deveria ser escondido, não estaremos a alimentar as suspeitas? E a fazer aquele convite clássico das novelas policiais e passionais: “Cherchez la femme”?

Vicente Jorge Silva

Fora do mapa

O que ganhou Portugal com o apoio do governo de coligação PSD/PP à intervenção dos EUA no Iraque?
O reforço do direito internacional e do papel central das Nações Unidas na gestão da paz e da segurança internacional?
Certamente que não. Lembram-se de Timor Leste? A posição portuguesa sobre o direito à auto-determinação dos timorenses, defendida ao longo de décadas, casa mal com uma guerra ilegal, lançada com base em mentiras, motivada por espírito de vingança e pelo propósito inconfessado de redesenhar o mapa do Médio Oriente,“democratizando-o” à bomba.
Um mundo mais seguro face à ameaça terrorista dos islamistas?
Apesar dos amanhãs que cantam anunciados por muitos editorialistas da nossa praça, o mundo está cada vez mais perigoso. A ameaça está à nossa porta. Porque não há fronteiras possíveis para tanto ódio e desespero gerados por esta espiral de violência que parece não ter fim. Antes, não havia relação entre o Iraque, a Palestina e a Al Qaeda. Agora, está tudo amalgamado, a bandeira é a mesma: cada vez mais muçulmanos têm nas suascasas os retratos de Bin Laden e do Sheikh Yassin.
O reforço da capacidade de influência de Portugal no mundo?
Apesar dos esforços desta diplomacia de estalajadeiro, podemos regozijar-nos pelo facto de os amigos do nosso PM insistirem em cortá-lo da fotografia. Felizmente, porque a maioria dos portugueses não se deixa deslumbrar como o nosso PM – a maioria dos portugueses não quer estar nessa fotografia. Não que os portugueses sejam cobardes: a diferença é que a maioria dos portugueses respeita uma História com mais de oito séculos. A maioria dos portugueses exige um comportamento mais digno: são poucos os que gostam de ver o seu PM a servir cafés, em solo português, numa Cimeira que anunciou uma guerra injusta e injustificada.
Quanto ao patrioteirismo do Dr. Portas – aparentemente sempre disponível para sacrificar-se até ao último soldado português – fica a pergunta: quem gostaria de partilhar com ele uma trincheira?
A imagem de Portugal no Mundo mudou. A guerra no Iraque provocou re-alinhamentos sensíveis. Era inevitável, face ao ultimato lançado pelo Presidente Bush: “não há terreno neutro, quem não está connosco, está com os terroristas”! Durão Barroso não hesitou em escolher o Branco contra o Preto, o Bem contra o Mal. Mas neste vasto mundo há muita gente que acha que os auto-proclamados “good guys” são também eles parte do problema, e que inclusive alguns deles são na verdade “bad guys”.
Ora se há algo de que podemos orgulhar-nos como nação, é da nossa capacidade de ver o mundo com todas as suas esplendorosas cores. Temos uma vocação universalista. Poucos, como nós, terão esta capacidade para estabelecer pontes entre o Norte e o Sul, o Ocidente e o Oriente. Poucos, como os portugueses, saberão tão bem abraçar e amar a diferença. (Estamos tão longe de “Os Lusíadas”! Pobre Camões, este país insiste em continuar a matar-te. De senhores do mar a estalajadeiros…)
Esse capital de simpatia que o resto do mundo – cinzento, preto, colorido – tem por nós está ameaçado.
O servilismo tem um preço. Colocarmo-nos hoje no eixo do novo imperialismo não aumenta o nosso peso e influência; pelo contrário, acentua a nossa condição de súbditos, com toda a desgraçada irrelevância que esse triste estatuto implica. Precisamos urgentemente de recuperar a dignidade, assumindo de novo o papel que é o produto natural do nosso percurso histórico, e em particular da consolidação da democracia e do aprofundamento da integração europeia.
Finalmente, quantos aos outros argumentos de “realismo pragmático” avançados pelo PM, como a defesa dos interesses das empresas portuguesas na reconstrução do Iraque (i.e. o nosso quinhão do saque): quantos contratos foram ganhos pelas empresas portuguesas? Onde está a gratidão pelo apoio do governo de Portugal? Parece que nem nas contas de mercearia o saldo foi positivo.

Ladislau Durão de Sá

Um "clown" na Casa Branca

Como estava distraído, pensei, a princípio, que fosse um sósia do Presidente Bush representando uma paródia demolidora à farsa das armas de destruição maciça. Não faltavam sequer “slides” mostrando Bush – ou o que me pareceu ser apenas um sósia dele – a vasculhar o gabinete oval em busca das ditas armas. Mas não. As imagens que ontem se viram nos telejornais eram de Bush “himself” num espectáculo de circo para alegria das claques. Eram de Bush num número burlesco, algures entre os irmãos Marx e as guerras do Solnado.

Já se sabia que na Casa Branca mora um irresponsável perigoso. Ficámos agora a saber que aí reside também um “clown” que se diverte à custa da sua irresponsabilidade, como uma criança traquinas a quem tivesse sido oferecido um brinquedo mortífero. Nem os próprios mortos americanos na frente de batalha merecem ao actual Presidente dos Estados Unidos um motivo de contenção e pesar. Como o dr. Strangelove de Kubrick, ele brinca com as guerras e o caos no mundo, parodiando-se a si mesmo e reduzindo a invasão do Iraque a uma comédia para entreter os basbaques. Enquanto cresce a ameaça terrorista – que a cegueira da Administração americana favoreceu em vez de combater frontalmente – o Presidente “clown” diverte-se com arrepiantes requintes de obscenidade. Eis ao que chegámos.

Seria interessante saber o que pensam disto os nossos filobushistas domésticos, em especial aqueles ex-esquerdistas que se converteram ao messianismo neo-conservador (Pacheco Pereira, José Manuel Fernandes, José António Lima, João Carlos Espada, Maria de Fátima Bonifácio, entre tantos outros, sem esquecer o ex-maoista Durão Barroso). Que dirão deste espectáculo quase demencial de euforia burlesca, eles que se mostram tão graves, solenes e compungidos a justificar a teia de mentiras que forneceram o pretexto inicial para a invasão do Iraque? Afinal, Bush é coerente consigo mesmo: transforma a tragédia em farsa com a ligeireza de quem tem o poder de mudar os géneros dramáticos ao sabor dos seus caprichos de imperador inimputável. No fim de contas, Nero não pegou fogo a Roma apenas para divertir-se?

Vicente Jorge Silva

Microsoft vs General Motors

At a recent computer expo, Bill Gates reportedly compared the computer industry with the auto industry and stated, "If GM had kept up with technology like the computer industry has, we would all be driving twenty-five-dollar cars that get 1000 miles to the gallon." Recently General Motors addressed this comment by responding, "Yes, but would you want your car to crash twice a day?"

And . . .
1. Every time they repainted the lines on the road you would have to buy a new car.
2. Occasionally, your car would die on the freeway for no reason, and you would just accept this, restart, and drive on.
3. Occasionally, executing a maneuver would cause your car to fail, and you would have to re-install the engine. For some strange reason, you would accept this too.
4. You could only have one person in the car at a time, unless you bought "Car95" or "CarNT." But then you would have to buy more seats.
5. Macintosh would make a car that was powered by the sun, was reliable, five times as fast, twice as easy to drive, but would only run on five percent of the roads.
6. The Macintosh car owners would get expensive Microsoft upgrades to their cars, which would make their cars run much slower.
7. The oil, gas and alternator warning lights would be replaced by a single "general car default" warning light.
8. New seats would force everyone to have the same size butt.
9. The airbag system would say "are you sure?"
before going off.

(Fonte: aqui)

A confissão

Segundo relatou a imprensa, Tony Blair e Durão Barroso insistiram em que as diferenças quanto à justeza da guerra do Iraque não devem impedir o apoio europeu à estabilização e à reconstrução desse País. «Sejam quais forem as nossas posições sobre o Iraque, hoje temos de pensar em termos de alternativas. E a alternativa à presença internacional é o caos», disse o primeiro-ministro português.
Não se esperava uma tão expressiva confissão do desastre da invasão e ocupação do Iraque por parte de um dos seus campeões. Contra as Nações Unidas e a "velha Europa", Bush, Blair & Cia insistiram em atacar e ocupar esse País com base em motivos falsos. As advertências sobre o que ia suceder foram muitas. Ignoraram os avisos e chamaram todos os nomes aos opositores à guerra. Agora, perante o caos que criaram, pedem à comunidade internacional que desprezaram e achincalharam que os ajude a “tirar as castanhas do lume”.
É evidente que a Europa não tem nenhum interesse na persistência do caos iraquiano. Deve portanto ser magnânima, aliás no seu próprio interesse. Mas são de exigir pelo menos duas condições aos fautores do caos: (i) um reconhecimento explícito de que o seu irresponsável aventureirismo levou a uma guerra injustificada, que ainda por cima não fez mais do que fomentar o terrorismo incluindo onde ele não exisitia; (ii) um pedido às Nações Unidas para legitimar a presença internacional no Iraque, no quadro da cessação da situação de ocupação e da transferência da soberania para autoridades iraquianas legítimas.
O pior que poderia suceder é que os culpados alijassem impunemente para cima dos outros a sua responsabilidade.

quinta-feira, 25 de março de 2004

Microsoft mal condenada?

«O seu regozijo acerca da condenação da Microsoft deixou-me algo perplexo.
Em primeiro lugar porque me parece que estas condenções é que põem em causa a livre concorrência na indústria informática. A Microsoft chegou onde chegou porque viu oportunidades que os outros desprezaram e tirou partido delas.
Por outro lado, em relação às interfaces: as APIs para desenvolvimento de aplicações sobre o windows estão disponíveis para quem as quiser usar. É óbvio que o código do kernel (o core do sistema operativo) continua "escondido" no que não há mal nenhum. A filosofia Microsoft é "closed source" que é tão legítima como a mais glamorosa (mas que no fim vai dar ao mesmo... e se quiser eu explico-lhe porquê.) open source.
É de assinalar que todas as campanhas anti-microsoft se centraram em "fait-divers" : o explorer e o media player" os quais convenhamos estão muito longe de ser o essencial.
Existe ainda um facto de que se esquece: quem é que está por detrás destes processos? Na América ficou provado que a Oracle. a SUN e a IBM (nenhuma das três, especialmente a IBM, é um cordeirinho inocente interessado apenas nos direitos do consumidor) estavam por detrás dos processos anti-MS com o objectivo de desacreditar a MS (cujos produtos digam-se até têm muitas virtudes...).
Penso que na Europa a situação não deve ser muito diferente....»


Rui Silva

A MINHA RESPOSTA

Obrigada pelo seu comentário e pela informação que acrescenta a esta discussão que será agitada e plural, em muitos fora, pode crer. Aqui fica a minha resposta. Mesmo que longa, pareceu-me breve, tendo em conta a complexidade do que está em discussão.

1. Talvez lhe pareça mais entusiasmada do que estou efectivamente. Não pelas razões que indica, mas por ter dúvidas que o direito da concorrência (DC), inventado nos EUA no século XIX, com os seus procedimentos demorados, seja eficaz para resolver os problemas da eventual falta de concorrência numa indústria do século XXI, onde a inovação é muito rápida.
2. Quanto ao resto, obviamente que saber aproveitar oportunidades é sinal de eficiência, um valor a que o DC também procura preservar. Por isso o DC não proíbe a existência de posições dominantes, nem sequer de monopólios legitimamente conquistados por quem consegue ser melhor do que os outros e assim ganhar quota de mercado. O que não é permitido é que a empresa que se encontra em monopólio ou detém uma posição dominante a utilize para limitar a concorrência, para prejudicar a eficiência dinâmica ou para estender, através de ligações não necessárias, a sua posição dominante num mercado (no caso o dos sistemas operativos) a outro(s) mercado (s) derivado(s).
3. Quanto à protecção do consumidor, o que está em causa não são os seus direitos propriamente ditos - de que se ocupa outro direito e outras autoridades - mas apenas sua liberdade de escolha.
4. Diz-me que há outras empresas interessadas no resultado deste processo. Sem dúvida que sim. Elas até costumam ser ouvidas no próprio processo e muitas vezes estão na origem das queixas que lhe são início. É assim que as coisas funcionam. (Por exemplo a Matra, no ínicio dos anos 90, foi ouvida como parte interessada no processo contra a Ford-Volkswagen, que deu origem à Auto-Europa).
5. Quanto às vantagens ou desvantagens do direito da concorrência (ou, em especial, das duas investigações que foram levadas acabo nos USA e na UE contra a Microsoft) há várias teorias que apresentam argumentos consistentes ora mais pró, ora mais contra (Escola de Chicago e seus seguidores). Mas, que eu saiba, ninguém põe em causa algumas coisas: primeiro, que a concorrência favorece a inovação e beneficia, em geral, os consumidores (excepto, o nazismo, o fascismo e os socialismos de Estado que eram obviamente contra a ideia de concorrência); segundo, que a concorrência tem que ser protegida através de uma regulação pública dedicada para o efeito, que não é perfeita, mas que em geral é benéfica para os mercados, podendo ser aplicada de forma mais hard ou mais soft; terceiro, que pode haver excepções, ou seja situações em que a concorrência deve ser parcialmente sacrificada à defesa de outros objectivos; quarto, que a concorrência exige pluralidade efectiva ou potencial (inexistência de barreiras à entrada) de operadores económicos.
6. Pode argumentar que o Explorer ou Media Player são peanuts, o que é discutível pelo menos quanto ao primeiro. Mas, como disse no meu post, além do resto, fica a jurisprudência para o futuro. (E não foi com peanuts que foi apanhado o Al Capone?).
7. Quantas às virtudes da Microsoft, com certeza que existem. A questão é esta: o que é preciso para que continuem a existir, ou melhor para que existam ainda mais virtudes?

No fundo, o que nos falta (e agora não é para si) é cultura de concorrência. Nunca lhe percebemos muito bem as vantagens. Depois, admiramo-nos com estes processos. Que diríamos de tantos outros, particularmente nos EUA, como outrora o processo contra a Bell! Podem crer, Monti não é nenhum anti-capitalista disfarçado. Bem pelo contrário!

Maria Manuel Leitão Marques

Terrorismo: 3 respostas dadas a perguntas do «Açcão Socialista» em 16.3.04

3) O que deve ser feito em Portugal tendo em conta o Euro 2004?
Tudo o que referi em 1 e 2 a nível global. Prioritário é pôr a funcionar com direcções competentes os nossos serviços de informação - SIS, SIEDM, PJ, SEF e todas a forças de segurança em geral. A coordenação destes serviços é vital, tal como é fundamental melhorar a sua articulação com congéneres estrangeiros. Se necessário deveríamos chamar especialistas estrangeiros para ajudarem a re-estruturar os nossos dispositivos. Especial atenção deve ser imediatamente dada à detecção dos movimentos de financiamento de eventuais redes terroristas, incluindo seguir a sua eventual conexão com redes de corrupção, tráfico de droga, armas e branqueamento de capitais. Importa também equipar e treinar urgentemente os corpos policiais diversos (PSP, GNR, B. Fiscal etc...) e também militares para estarem preparados para detectar e agir em caso de ameaça terrorista. Importa investir nos serviços de Protecção Civil e Cruz Vermelha Nacional para que estejam preparados para intervir coordenada e eficazmente em caso de ataque terrorista. E importa manter os cidadãos devidamente alertados e informados para perigos potenciais e sobre modos de agir em caso de ameaça ou ataque. Enfim, importa fazer praticamente tudo o que o Governo de Durão Barroso não fez até aqui, sistematicamente desvalorizando a ameaça terrorista.
O que não se pode fazer é o jogo dos terroristas: deixarmo-nos paralisar pelo medo, alterarmos a nossa vida, abandonarmos as regras do Estado de Direito e os Direitos Humanos. Nem pensar cancelar o EURO 2004 ou o Rock in Rio. Não haverá terroristas que nos façam cancelar a nossa vida, a nossa democracia.

Ana Gomes

Terrorismo: 3 respostas dadas a perguntas do «Açcão Socialista» em 16.3.04

2) Está a Europa preparada para travar esse combate?
Infelizmente não está. Mas tem de se preparar, organizar e articular aceleradamente. As medidas já anunciadas ao nível da UE são um começo, se se concretizarem. E devem concretizar. Prioritário é perceber o que é o inimigo, o que é a Al Qaeda, quais são os seus desígnios e como se alimenta,
financia e actua. Para se poder agir politicamente e impedir que continue a conseguir recrutas por esse mundo fora. Desarticular os esquemas de financiamento dos terroristas é vital e prioritário - para isso importa abolir o segredo bancário, extinguir ou controlar os movimentos dos off-shores e tomar a nível nacional e internacional medidas drásticas para detectar e impedir o financiamento de operações e das redes terroristas, frequentemente associadas a outras redes criminosas de tráfico de droga, armas e branqueamento de capitais.
(Cont).

Ana Gomes

Terrorismo: respostas a 3 perguntas do «Açcão Socialista» em 16.3.04

1) Como se combate o terrorismo internacional?
Com governos europeus competentes, inteligentes e determinados, capazes de perceber o que é o terrorismo internacional e o que são as suas causas profundas, designadamente conflitos politícos não resolvidos (como o conflito israelo-palestino, a ocupação estrangeira do Iraque e regimes ditatoriais violadores dos direitos humanos) e gritantes injustiças e desigualdades no mundo que tornam muita gente tão desesperada que recorre ao mais abjecto dos métodos: o terror indiscriminado.
Governos capazes de agir no plano internacional, concertadamente, no sentido de favorecer a resolução desses conflitos, no quadro do direito internacional e com respeito pelos direitos humanos.
Governos capazes de dar toda a prioridade ao combate a central internacional do terrorismo que é a Al Qaeda, e que não desviem meios para focos de conflito que sirvam de atiçamento e fonte de recrutamento dos terroristas (foi isso o que aconteceu com a invasão ilegal do Iraque).
Governos capazes de organizar e mobilizar serviços de informação, policias, meios militares e segurança e protecção civil em geral para se articularem entre si e com congéneres estrangeiros para antecipar e desarticular possíveis ameaças para agir coordenadamente em caso de ataque. Governos capazes de informar devidamente os cidadãos, sem alarmismos, mas não desvalorizando perigos nem ameaças.
Com cidadãos devidamente alertados, informados e conscientes de que a ameaça terrorista atinge hoje todo o mundo, de que o terrorismo não vai desaparecer tão cedo, de que sem cooperação internacional designadamente no domínio da 'inteligência", não há combate sério ao terrorismo.
(Cont).

Ana Gomes

O que significa "amor"?

Tomo um café num tasco lisboeta dos mais típicos, gerido pelo senhor Germano e pela dona Joana. Apetece dizer que são um simpático casal de septuagenários mas não se pode. Que estão nos 70, sim, mas já se viu maior simpatia em GNR's da Brigada de Trânsito. Adiante. Os velhotes habituaram-se a ser duros devido à clientela, maioritariamente composta de taxistas e trolhas. E eis que se viram a braços com um problema: contrataram para sua empregada uma ucraniana chamada "Amor".
Diz-me então o senhor Germano: "É dos diabos, não quer lá ver... Atão com a minha mulher aqui como é que eu faço? Você pede-me um café e eu digo o quê para a miúda? Amor, traz uma bica?!".

Israel & Palestina

1. Expansionismo israelita
«É evidente que o ataque perpetrado por forças israelitas com o objectivo conseguido de liquidar o líder do Hamas não pode deixar de ser considerado um assassinato. Todavia, este acto de guerra tem que estar politicamente contextualizado.Toda a conflitualidade israelo-palestiniana remete para o cerne do problema -- o expansionismo israelita em territórios palestinianos visando a criação do grande Israel . Paralelamente, assistimos a uma escalada de resistência activa dos grupos palestinianos mais radicais que semeiam, com carácter indiscriminado, a morte junto da população israelita.
É neste contexto que surge o Hamas e o seu carismático líder, mentor intelectual do islamismo como doutrina de grande intolerância relativamente à chamada civilização ocidental.Tudo aquilo que possa decorrer desta situação de ilegitimidade da posição israelita não é, segundo me parece, isolável duma guerra instalada. Não é razoável censurar o assassinato do dirigente palestiniano e fazer tábua raza, ou não valorizar as mortes provocadas pelos homens-bomba contra civis, mesmo a coberto de ideais legítimos... »

[L. B.]

2. Symbolic Genocide
«The murder of Sheik Ahmad Yassin by the government of Israel is part of a major move carried out by the government of Israel, which can be described as symbolic genocide. Unable to recover from the Holocaust trauma and the insecurity it caused, the Jewish people,the ultimate victim of genocide, is currently inflicting a symbolic genocide upon the Palestinian people. Because the world will not permit total annihilation, a symbolic annihilation is taking place instead. Sad, depressing, and demanding a reaction. As a son of the Jewish people, as a concerned Israeli citizen, I condemn this abominable act and call upon the international community to save Israel from itself; in particular, I call upon the European Community to interfere in a direct and active manner, to prevent the anticipated mutual bloodshed.»
(Lev Ginsberg; texto completo aqui)

3. Estado terrorista
«Mas, com tudo isto, como é que Israel conseguiu esta "proeza" de desbaratar todo este mérito histórico e todo este capital de simpatia, e ser hoje um estado terrorista e geralmente malquisto? Digo bem, mesmo o único estado terrorista. Há os que protegem e acolhem grupos terroristas, mas não me ocorre nenhum outro que pratique, como estado e às ordens do seu governo, esta espécie de terrorismo de estado.»
(João Vasconcelos Costa; texto completo aqui)

Durão e Eduardo dos Santos

Não por acaso falei no meu amigo Nuno Brederode Santos na introdução ao texto que legitimamente critica. Os textos indignados, regra geral, incorrem sempre ou quase sempre em contradições. O compromisso de escrever opiniões, que tantas vezes navegam na tumultuosa “espuma dos dias”, envolve riscos.
O meu post, intitulado “Durão”, não pretende branquear o passado diplomático e político nas relações com o MPLA. Muito pelo contrário. No tabuleiro deste jogo poucos protagonistas poderão lavar as mãos, mas na diplomacia e na “realpolitik” as regras são específicas e moralmente questionáveis. O risco de ser político ou diplomata passa também por aí. O que aumenta a minha estima por pessoas que, tendo tudo a perder, mesmo assim arriscam queimar-se na fogueira das contradições.
Também não sei se Durão Barroso é amigo íntimo de Eduardo dos Santos. Mas é inaceitável que tenha estado na cerimónia do casamento da filha do presidente angolano, moral e politicamente inaceitável. E, permita-me, particularmente escandaloso.

Luís Osório

Eduardo dos Santos e Durão Barroso

Não sei até que ponto é que Durão Barroso é realmente "amigo íntimo" do PR de Angola. Provavelmente não o será, talvez apenas os una a teatralidade das relações entre Estados. Ou talvez não, não os conheço pessoalmente, que posso eu dizer?
Não quero atribuir intenções, mas o último post de Luís Osório surge-me tanto como uma crítica a dos Santos, que a merece bem como a todas as outras, como (e de modo mais sublinhado) uma crítica ao governo, e à sua política externa com Angola.
Vejo este blog como navegando nas águas do PS, ainda que com plurais opiniões e autonomia. Não sei se tal é assumido colectivamente pelos seus autores, mas é-o decerto pelos leitores. Não vejo tal como defeito nem qualidade, apenas característica. E até louvável, entre outros louvores que o CN merecerá.
Mas não deixa de me surpreender vir dessa área política tamanha investida (até pessoal) contra Durão Barroso a propósito de Angola. Pois seis anos de governação socialista foram de total seguidismo em relação ao MPLA, como bem se recordarão. Vergonhosamente sublinhados aquando dos ataques à família Soares, de um modo que inclusive manchou simbolicamente a nossa dignidade nacional.
Enfim, o Luís Osório dirá que não tem a nada a ver. Porventura. Mas acho que esse passado muito recente não pode ser esquecido. E que demonstra que a haver um erro nas relações com Angola é-o do regime político e não do partido x ou y. E da pessoa a ou b.
Desculpe-me pois invadir-lhe para lhe expressar o meu desacordo. Considerando embora o regime angolano abominável não posso deixar de entender este seu post como desajustado e até deselegante. Ou melhor, falacioso.

José Pimentel Teixeira

"Sociedade da Informação"

A propósito dos meus posts sobre o Portal do Cidadão (PC) e sobre a Sociedade da Infromação (SI), recebi do encarregado da UMIC Diogo Vasconcelos um amável mail capeando um conjunto de informações sobre os projectos e as realizações no âmbito da SI, bem como o texto de apresentação do PC. Agradeço naturalmente a atenção. Dada a sua extensão, tornando incomportável a sua inserção por extenso aqui no Causa Nossa, mas considerando o seu interesse, esses documentos podem ser vistos no "slave weblog" do CN, especificamente aqui e aqui. O cotejo entre os documentos agora disponibilizados e a opinião de José Magalhães, referida num dos posts acima referidos permite comparar duas visões assaz distintas da mesma realidade. Cumpre a cada um tirar conclusões.

Vital Moreira

Comissão Europeia condena Microsoft

Ao fim de cinco anos de investigação a Comissão Europeia tornou ontem pública a decisão que se vinha esperando há semanas. A Microsoft, condenada por abuso de posição dominante, é obrigada a divulgar aos concorrentes as interfaces necessárias para que os seus produtos possam "dialogar" com o sistema operativo Windows, onde aquela empresa detém 95% do mercado. Este é um dos aspectos principais da decisão, provavelmente mais importante do que a multa que terá que pagar (equivalente a uma “picada de mosquito”, como dizia a Sky News), ou até da obrigação de propor uma versão do seu sistema operativo Windows sem o "Media Player". Outros pormenores ainda estão por conhecer e muitos comentários estão ainda por fazer. Mas sem dúvida que, como afirmou Mário Monti, o comissário europeu responsável pela concorrência, com esta condenação a Comissão pretendeu estabelecer princípios claros quanto ao futuro comportamento a ser adoptado por uma empresa com uma posição dominante tão forte como a da Microsoft, de modo a que esse comportamento não prejudique a inovação e a liberdade de escolha dos consumidores.
Indubitavelmente, foi uma boa jornada para a concorrência na indústria informática.

Maria Manuel Leitão Marques

Carlos Brito

Dão-me conta de um blogue dando notícia de que ele foi homenageado na sua Alcoutim quase natal. Há pequenas coisas que compensam todas as agruras da vida.
Conhecemo-nos há 30 anos. Privei com ele na minha estada de deputado em S. Bento (1975-82) e numa amizade que perdurou para além disso. Como líder parlamentar era particularmente moderado e aberto, admitindo-me várias vezes a “objecção de consciência” quanto a posições com que eu não concordava, nomeadamente em relação certos votos de protesto sobre violações de direitos humanos na União Soviética.
Aquando da dissidência do “grupo dos seis” (1987-90) foi o único membro da direcção comunista que tentou falar seriamente connosco, defendendo (sem grande convicção, aliás) que valia a pena trabalhar para mudar as coisas sem rupturas. Dez anos depois, foi a vez dele, afastado e humilhado sem respeito nem gratidão pela sua impecável história de militante desde a clandestinidade. Se houvesse necessidade de mais prova, Carlos Brito é a verdadeira e viva demonstração de que PCP não tem emenda.
Voltei a encontrá-lo há dias em Faro numa sessão pública. A mesma pessoa, no carácter, no desprendimento pessoal, na modéstia e no afecto. De regresso aos sítios familiares, vive desde há anos em Alcoutim, junto ao Guadiana, e dedica-se à escrita e a projectos de cooperação trans-odianenses. Espero que não deixe de escrever as suas memórias. A história da luta contra a ditadura e da edificação do regime democrático precisam do seu testemunho.

Vital Moreira

quarta-feira, 24 de março de 2004

Obsceno

Diz João Pedro Henriques no Glória Fácil: «Morreram com ele [líder espiritual do Hamas] palestinianos que se ofereceram como escudos humanos do homem, sabendo os riscos que corriam» [sublinhado meu, VM].
Assim mesmo! Nem o mais extremista falcão de Sharon diria tal barbaridade. O autor seguramente «passou-se dos carretos», como ele próprio revela noutro post.
Vamos aos factos (fontes: aqui e aqui): Foram disparados 3 mísseis no ataque surpresa, à saída da mesquita. Um deles atingiu e matou Ahmed Yassim e os seus 2 ou 3 guarda-costas, e outros dois mísseis mataram mais 4 ou 5 pessoas avulsas, que se encontravam nas imediações, além de causarem mais 17 feridos, entre os quais 4 crianças.
Todos, sem dúvida, se tinham "oferecido como escudos humanos" do líder da Resistência Islâmica!
Pelo mesmo diapasão poder-se-ia dizer acerca das centenas de crianças palestinianas que morreram desde o início da actual Intifada em operações militares israelitas o seguinte: «além dos terroristas palestinianos visados morreram também x centenas de crianças que se ofereceram como escudos humanos dos mesmos, sabendo os risco que corriam». E do outro lado, um comunicado do Hamas poderia relatar assim um atentado terrorista palestiniano: «Juntamente com o nosso mártir morreram também x civis israelitas que se ofereceram como escudos humanos contra a bomba, sabendo os riscos que corriam»!

Notas adicionais:
a) Sobre as vítimas colaterais da “guerra” israelo-palestiniana, ver o artigo de hoje no Haaretz de Jerusalém.
b) Que dirá JPH da qualificação e condenação do referido assassínio no editorial de hoje no Público («Mais um crime»)? Será que chamará ao director do jornal os mesmos nomes feios que chamou no blogue aos que cosideraram como crime aquilo que para ele foi uma simples “operação militar” bem sucedida? Já agora: qual é a legitimidade, à luz do direito internacional, da "guerra" das forças de ocupação contra os palestinianos?

Vital Moreira

Conivência na tragédia palestinina

O mais grave não foi a esperada compreensão de Washington nem o histérico aplauso da nossa pequena e média falcoaria doméstica à mais recente proeza de Sharon, ou seja, o frio assassinato do líder religioso do Hamas, ainda por cima nas brutais condições em que teve lugar. Mais grave é a "tépida" e puramente oportunista censura das vozes críticas israelitas (ver o Haaretz de hoje) a este acto criminoso da potência ocupante, bem como a complacência dos países europeus, que, incomodados mas mansos, articulam verbalmente condenações políticas e morais, sem porém tomarem nenhuma medida concreta para significar a Israel que o terrorismo dos oprimidos não se combate com o terrorismo oficial do opressor e que a repressão tem limites jurídicos e políticos, por menos estimáveis que sejam as vítimas. Forte desta impunidade, Sharon já ameaça subir a parada e “eliminar” o próprio presidente da Autoridade Palestiniana!
Visivelmente, e apesar da sensata voz de Shimon Perez sobre o «erro estratégico de mobilizar todos os palestinianos contra Israel», o governo israelita perdeu todo e qualquer escrúpulo e prepara-se para avançar sem peias para o que julga ser a "solução final" no esmagamento da resistência palestiniana. Engana-se, claro está, e o resultado só pode ser a escalada das mortes e dos sofrimentos de lado a lado. Mas a responsabilidade da tragédia que sobe de tom na Palestina não recai somente sobre o sátrapa de Telavive e seus apoiantes, mas também sobre os que, podendo travá-lo, nada fazem para isso.

Vital Moreira

DURÃO

Hoje os homens de bom gosto e sentido de urbanidade fogem de tudo o que seja particularmente óbvio. A política passou a ser território ocupado pela classe média e no palco da informação desfilam geralmente alegres profetas do chamado politicamente correcto. Muitas vezes abusivamente chamado, diga-se.
Talvez esteja, coisa terível de admitir, entre um e o outro lado da barricada. Nuns dias recatado e com vontade de penumbra e profundidade, noutros toldado pela facilidade de argumentação e pela indignação, um verdadeiro espasmo de inteligência como diria Nuno Brederode Santos.
Posto isto peço desculpa pela brutalidade do óbvio. O que está a acontecer em Angola é um dos maiores escândalos de que há memória na história universal dos estados corruptos e José Eduardo dos Santos um verdadeiro case study. Um homem manchado pela suspeição e amigo íntimo de Durão Barroso. Apesar de aceitar o pragmatismo, sobretudo na política e no poder, não posso deixar de dizer que o primeiro-ministro de um país sério e honrado não pode ser amigo íntimo de um homem assim. Faz-me pensar que o papel de mordomo na cimeira da guerra apenas terá sido um pormenor. E eu não quero pensar isso sobre o primeiro-ministro do meu país.

Luís Osório

Inconvincente

Na conversa que manteve com António José Teixeira ontem à noite na SIC Notícias, Mário Soares insistiu numa defesa longa, embrulhada e nada convincente da sua tese sobre a “negociação” com o megaterrorismo da Al-Qaeda (e só esse estava em causa, não o terrorismo em geral ou qualquer outro).
Há ocasiões em que o reconhecimento do erro engrandece e a insistência nele enfraquece.

O império da mentira

Está no site da CBS uma súmula da última edição do programa “60 minutos”, que é retransmitido em Portugal pela SIC Notícias. Trata-se da entrevista com Charles Clark, que foi conselheiro de George Bush sobre terrorismo, onde aliás esclarece informações constantes de um livro seu recém-publicado. São declarações desvastadoras para o crédito de Bush, não somente no que respeita à invasão do Iraque, mas também quanto à própria luta contra o terrorismo.
O conselheiro sustenta essencialmente que:
a) Bush ignorou os avisos sobre o perigo de atentados da Al-Qaeda antes do 11 de Setembro;
b) Imediatamene após os atentados, sabendo-se que a organização terrorista estava concentrada no Afeganistão, Bush insistiu repetidamente em obter provas de ligação da Al-Qaeda com o Iraque, que ele manifestamente queria atacar, mesmo depois de os serviços secretos asseverarem que nada existia nesse sentido.
c) Bush deixou inacabada a ofensiva contra a Al-Qaeda no Afeganistão para se voltar para a invasão do Iraque, sua verdadeira obsessão, apesar da comprovada falta de qualquer ligação de Bagdad com o terrorismo.
d) Por isso Bush prejudicou gravemente a luta contra o terrorismo, contribuindo mesmo para agravar o perigo deste.
Vale a pena respigar algumas afirmações do referido conselheiro:

«Frankly, I find it outrageous that the president is running for re-election on the grounds that he's done such great things about terrorism. He ignored it. He ignored terrorism for months, when maybe we could have done something to stop 9/11. Maybe. We'll never know. I think he's done a terrible job on the war against terrorism.»
«[A seguir ao 11 de Setembro] «Rumsfeld was saying that we needed to bomb Iraq, And we all said ... no, no. Al-Qaeda is in Afghanistan. We need to bomb Afghanistan. And Rumsfeld said there aren't any good targets in Afghanistan. And there are lots of good targets in Iraq. I said, 'Well, there are lots of good targets in lots of places, but Iraq had nothing to do with it.»
«The president dragged me into a room with a couple of other people, shut the door, and said, 'I want you to find whether Iraq did this.' Now he never said, 'Make it up.' But the entire conversation left me in absolutely no doubt that George Bush wanted me to come back with a report that said Iraq did this.
I said, 'Mr. President. We've done this before. We have been looking at this. We looked at it with an open mind. There's no connection.»
«Osama bin Laden had been saying for years, 'America wants to invade an Arab country and occupy it, an oil-rich Arab country. He had been saying this. This is part of his propaganda.
So what did we do after 9/11? We invade an oil-rich and occupy an oil-rich Arab country which was doing nothing to threaten us. In other words, we stepped right into bin Laden's propaganda. And the result of that is that al Qaeda and organizations like it, offshoots of it, second-generation al Qaeda have been greatly strengthened.»


Trata-se indubitavelmente de mais uma contribuição de peso para pôr a nu o embuste da invasão do Iraque, por pura obsessão guerreira, e da desastrosa “guerra contra o terrorismo”, que afinal não fez mais do que fortalecê-lo. Puro império da mentira!

terça-feira, 23 de março de 2004

Apostilas das terças

1. “Filobushismo” primário
A estúpida e demagógica tese de que a vitória eleitoral da esquerda em Espanha e a anunciada retirada das forças espanholas do Iraque foram uma “vitória da Al-Qaeda”, levaria a que doravante fosse proibido votar em partidos que foram hostis à guerra no Iraque, defender outra estratégia de luta contra o terrorismo que não passe pela invasão e ocupação de qualquer país, insistir numa solução justa da questão palestiniana, incluindo a retirada israelita dos territórios ocupados, falar em atacar as raízes económicas, sociais, políticas e culturais do terrorismo, etc. –, porque tudo isso não passa de “cedências perante o terrorismo”. Francamente, já não há paciência para este “filobushismo” primário, sobretudo o dos seus representantes ideológicos entre nós!

2. Afirma Zapatero
«La mejor respuesta [na luta contra o terrorismo] es la comunidad mundial de inteligencia. Tiene que haber mucha más cooperación entre los servicios de inteligencia. Y, sin duda alguna, debemos reducir al máximo los focos que producen fanatismo y violencia. Es decir, solucionar el problema entre Israel y Palestina es políticamente imprescindible dentro de la estrategia general de seguridad en el mundo, y hemos perdido demasiados años sin conseguir resultados. Al terrorismo no se le gana, no se le derrota con guerras. La guerra es un último recurso y, en todo caso, sólo es un instrumento de contienda entre países, pero nunca puede ser un medio eficaz para reducir o combatir a grupos fanáticos, grupos radicales, grupos criminales. Más bien es un factor que puede provocar, como dije en su día en el Parlamento cuando me opuse a la guerra de Irak, más odio, más fanatismo, más riesgo de violência.»
(Entrevista de Rodríguez Zapatero ao El País, 21.03)


3. “Modelo social europeu”?
Quaisquer que sejam os números exactos sobre os pobres e os sem-abrigo em Portugal, a impressionante reportagem do Público de domingo passado sobre as pessoas que passam fome e sobre o agravamento dessa situação deveria suscitar vergonha e revolta. Vergonha pela chaga social que toleramos e a negação de um dos mais elementares direitos humanos, que é o direito de não morrer de fome; revolta contra as políticas de “darwinismo social” que, embora enchendo a boca de “solidariedade”, “inserção”, “inclusão”e “coesão” social, não fazem senão aumentar a desigualdade social, fomentar a miséria e privar cada vez mais pessoas da mais básica dignidade humana. Perante a situação revelada, todo o nosso discurso sobre os direitos humanos e sobre a “Europa social” soa a falso.

segunda-feira, 22 de março de 2004

Escalada assassina

Assassinar com três mísseis disparados de um helicóptero um idoso tetraplégico numa cadeira de rodas à saída de um serviço religioso numa mesquita, matando também indiscriminadamente um número indeterminado de pessoas, mostra que Israel não pára na escalada dos seus alvos. Mesmo tratando-se do chefe espiritual (mas não operacional) do Hamas, o propósito não pode ser o de lutar contra o terrorismo; pelo contrário, só pode ser o de provocar a desesperada ira dos radicais palestinianos, encurralar na impotência a Autoridade Palestiniana e enterrar qualquer possibilidade de saída pacífica. Com o recurso a estas operações de terrorismo de Estado, o carniceiro Sharon continua apostado exclusivamente numa solução militar que passa pela permanente provocação de novos focos de violência e de repressão na Palestina, que também só podem ser um desafio para o terrorismo internacional islâmico. Este homem é um perigo maior para a paz e a segurança no Médio Oriente e no Mundo.

"Chapeau!"

A composição da lista do Bloco de Esquerda (BE) às próximas eleições europeias apresenta algumas interessantes surpresas. A inclusão de um ex-dirigente comunista do grupos dos chamados "renovadores" pode apelar ao eleitorado descontente do PCP. O rasgo da candidatura de António Tabucchi – o prestigiado autor italiano do “Afirma Pereira” e incansável crítico do governo de Berlusconi – cairá bem não somente nos círculos intelectuais de esquerda mas também na sensibilidade afecta à promoção da cidadania europeia (visto que ele não possui nacionalidade portuguesa). E a presença de mais mulheres do que homens visa cativar o voto feminino, designadamente o mais jovem. Com esta lista o BE favorece consideravelmente a credibilidade do seu ambicionado objectivo de eleição de um deputado ao Parlamento Europeu, que as primeiras sondagens eleitorais já deixam acalentar.
“Chapeau!”

O terrorismo é negociável?

Com a sua provocante afirmação de que é necessário «negociar» com as organizações terroristas, dado que é «impossível matar todos», Mário Soares colocou-se a jeito para “levar pancada” de toda a gente, o que não tardou, tendo mesmo alguns chegado ao dislate de o acusar de “capitulacionismo”, como se a sua história política pessoal autorizasse tal injúria.
Na verdade, porém, tomada essa frase à letra e nas circunstâncias em que foi proferida, depois do massacre de Madrid, não é de modo nenhum defensável uma negociação com os seus responsáveis últimos, ou seja, a Al-Qaeda. Sem dificuldade se entende que MS pretendia contestar a tese belicista, defendida pelos adeptos de George Bush, segundo a qual o terrorismo se combate com a guerra. Mas uma coisa é criticar as teses guerreiras, em favor de medidas de segurança e outros meios políticos, outra coisa é excluir de todo em todo o recurso à força em última instância contra Estados que provadamente acolham e protejam grupos terroristas e se recusem a deixar de o fazer, como sucedeu com o Afeganistão. Uma coisa é defender, contra as teses belicistas, que o terrorismo islâmico tem raízes que devem ser atacadas por meios políticos, de modo a suprimir os factores de que ele se alimenta e que o “legitimam” perante as massas árabes (a começar pela questão palestiniana e pela ocupação do Iraque), outra coisa é defender a negociação com os próprios grupos terroristas.
É certo que a história das últimas décadas apresenta diversos exemplos de negociações com grupos políticos que recorreram directa ou indirectamente ao terrorismo, desde as lutas de libertação colonial (v.g Argélia), passando pela Irlanda do Norte e pela Palestina (reconhecimento da Autoridade Palestiniana), só para dar alguns exemplos. Mas tratava-se de forças políticas movidas por causas justas, contra situações de opressão e repressão, para quem os atentados terroristas representaram um meio desesperado de luta (mesmo assim condenável), sendo a negociação um meio adequado para remover a situação de conflito subjacente ou abrir perspectivas de solução dela, desse modo tornando a violência desnecessária. Não é esse porém o caso do terrorismo internacional do radicalismo islâmico, cuja justificação assenta na defesa de uma visão fundamentalista do Islão contra a ameaça da “civilização ocidental” (representada à cabeça pelos Estados Unidos) e mesmo contra os governos islâmicos mais moderados, não apresentando objectivos políticos minimamente negociáveis ou transaccionáveis. Pelo contrário, para além da solução dos abcessos que lhe dão motivação imediata (a questão da Palestina e a ocupação do Iraque), a luta contra as raízes do terrorismo internacional deve investir no desenvolvimento económico, social e político do mundo islâmico e no apoio às forças moderadas e pró-democráticas internas que procuram a modernização e a democratização dos mesmos países, o que significa contrariar frontalmente os objectivos do terrorismo.
É por isso que a invasão do Iraque foi um desastre na luta contra o terrorismo, pois em vez de atacar as bases políticas e culturais do terrorismo, apenas contribuiu para as reforçar, dando-lhes mais um motivo de agravo, pela invasão injustificada e ocupação de um país islâmico. Como já aqui se disse, ela não foi uma guerra contra o terrorismo mas sim um favor prestado ao terrorismo. Se não tem sentido negociar com a Al-Qaeda, muito menos tem alimentá-la a pretexto de lhe fazer guerra.

Vital Moreira

Parabéns ao Público

Positivo foi o facto de o jornal Público ter dedicado 8 páginas da sua edição de Domingo à pobreza em Portugal.
Pode dizer-se que os estudos em que os jornalistas se basearam não dão um retrato completo da situação, que há muito mais para investigar, etc… etc…. Mas esse é precisamente o ponto: em Portugal há muito pouca gente a estudar os fenómenos de pobreza. O que é apenas uma das consequências do modo como a tratamos entre nós.
Se não conhecemos em profundidade e de modo rigoroso a pobreza é porque somos genericamente muito pouco sensíveis a ela. Quando nos quer entrar pelos olhos dentro, tratamos de fechar os olhos. Quando, mesmo assim, nos é impossível deixar de a olhar, reduzimos o impacto que ela possa ter em nós, trazendo à memória uma qualquer história do pobrezinho que afinal tinha centenas de contos guardados no colchão. Se não esta, uma outra qualquer, sempre a jeito para fingirmos que a pobreza não existe, ou, quando existe, é apenas um disfarce, uma mentira, uma miragem montada pelo próprio.
Parabéns ao Público. As dificuldades da inexistência de estudos aprofundados superou-as com entrevistas e reportagens que não deixam dúvidas: temos mais de um milhão de pobres e mais de 200 mil pessoas passam fome. Serão todos culpados da situação em que vivem?

Jorge Wemans