quinta-feira, 18 de março de 2004

Eu e o PS

Neste post do Grande Loja ("Ainda o Caso Pio", 16.03) alguém que gosta de pôr etiquetas qualificou o Causa Nossa (CN) como «blog oficioso do Partido Socialista», o que me envolve em especial, por eu ser um dos autores mais visíveis do blogue. Mas não é tal, como é bem evidente, a começar pela diversidade dos que fazem este blogue, desde os que são membros do PS até quem se sente menos próximo dele. O que temos em comum foi declarado na devida altura, no arranque do CN. Aqui não se exige uma declaração de afeições partidárias e cada um representa-se apenas a si mesmo.
Todavia, ao contrário do que possa ter pretendido o anónimo autor da Grande Loja (que obviamente não vou conotar partidariamente...) , essa errada imputação não me apoquenta minimamente (e suponho que este sentimento é compartilhado pelos demais autores deste blogue). Não preciso de me “demarcar” artificialmente só para contrariar uma indevida conotação partidária, tal como não tenho de silenciar divergências só para não criar dificuldades ao PS. Sendo esse o partido de que, em geral, me sinto menos afastado, tanto por razões doutrinárias como afectivas (onde entra a história pessoal), as divergências de pontos de vista são, todavia, tudo menos ocasionais (basta ler as minhas contribuições no CN e noutros fóruns). Mas não faço disso questão. Dou-me pessoalmente muito bem, desde há muitos anos, tanto com a minha independência partidária como com as minhas convicções e simpatias políticas. Por isso, não conto nem renunciar à primeira nem renegar as segundas.

PS (ou seja: aditamento!): Obrigado ao Miguel do Viva Espanha por este post.

Vital Moreira

Confirmado

Foi empossada pela Ministra da Justiça a Comissão da Liberdade Religiosa, sendo agora conhecida a sua composição. Inteiramente confirmado o que antes aqui se disse sobre o assunto. Reitera-se igualmente a crítica. Não havia necessidade!

Ao alcance da ponta dos dedos

O e-government deu ontem um importante passo em frente com a inauguração do Portal do Cidadão, a nova interface com a Administração Pública. Tanto as pessoas como as empresas encontrarão informações sobre um grande número de serviços administrativos (neste momento mais de 700) e poderão requerer ou efectuar por via electrónica um importante conjunto de operações e serviços, desde a mudança de residência até ao registo de uma empresa.
Trata-se de uma das mais importantes iniciativas da Unidade de Missão Inovação e Conhecimento (UMIC), que só peca pela demora e pelo ainda limitado âmbito dos serviços administrativos que podem ser prestados (além da lentidão do acesso electrónico, pelo menos nas primeiras horas).
Com o Portal do Cidadão, a “administração electrónica” tornou-se muito mais presente entre nós. Diogo de Vasconcelos, o dinâmico gestor da UMIC, está de parabéns. E os cidadãos também. Os serviços públicos estão agora ao alcance da ponta dos dedos.

Vital Moreira

Marques Júnior

A maioria parlamentar PSD-PP rejeita o nome do deputado Marques Júnior (PS) para integrar o Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações da República (SIS), o serviço nacional de “inteligence”. Marques Júnior, que participou na revolução democrática de 1974, é seguramente um dos mais considerados deputados entre os seus pares, mesmo na direita, sendo discreto, competente e activo como poucos na sua área, as questões de defesa, a cuja comissão parlamentar pertence desde há muito. Prouvera que houvesse muitos deputados como ele, e a imagem pública do Parlamento seria seguramente melhor do que é.
A maioria governamental invoca uma alegada incompatibilidade entre o cargo de deputado e membro do referido órgão, a qual, porém, não consta da lei. Além disso, ele já pertenceu ao mesmo conselho de fiscalização entre 1986 e 1994, acompanhado pelo então líder parlamentar do PSD, Montalvão Machado. Os mesmos que antes o votaram rejeitam-no agora.
Não consta que tenha dado má conta da sua função, pelo contrário. Por isso, dá para desconfiar que o que está em causa é justamente o temor acerca do seu profundo conhecimento da matéria e o facto de saber ler os dossiers. No ano em que se comemoram 30 anos do 25 de Abriu, ver assim rejeitado um dos mais estimáveis e idóneos “capitães de Abril” para uma missão que de todo lhe calha só pode causar inquietação e desconfiança.
Entretanto, com o impasse criado (pois a eleição precisa de uma maioria de 2/3), os serviços de informações continuam sem ser fiscalizados. Será que se pretende prolongar essa perigosa situação?

Vital Moreira

quarta-feira, 17 de março de 2004

LFB

It' good to have you back, at full speed. And please, there's no reason to feel embarrassed; just enjoy yourself!

sit-down comedy

O Luís Osório escrevia aqui há dias sobre a morte de Spalding Gray, um humorista trágico que fundou o Wooster Group e suicidou-se dizendo não conseguir lidar com a certeza de que o público não vislumbra a dor que está detrás do humor. Não vislumbra, de facto, e de todo.
Estava em Tomar, num dos espectáculos da digressão de Stand-Up Tragedy, com o nosso amigo comum Tiago Rodrigues, quando discutimos essa notícia do Público. Não podia vir mais a propósito do tema da nossa peça, em que um humorista perde o fio à meada ao fim de um quarto de hora, deixa de ter graça e acaba a confessar-se perante uma audiência implacável - que continua a rir.
Vem ainda mais a propósito quando eu e o Tiago escrevemos humor profissionalmente e há pouco começámos a fazer stand-up comedy. E diz o Luís que muitas pessoas de talento se têm deixado embrenhar numa rotina profissional em que o seu raciocínio acaba a formatar-se exclusivamente para a construção de piadas. Diz o Luís, e tem toda a razão.
Conheço muita gente assim. Incapazes de uma linha dita em voz alta que não termine em punch e gargalhada. A tragédia destes humoristas, mesmo o que estão convencidos de que a sua vocação é essa, é de que nunca poderão ser levados a sério noutra área qualquer. São os bobos da corte de um país a atravessar a necessidade de pão e circo.
E a natureza humana é controversa. Todos sentimo-nos incapazes ou frustrados de/por alguma coisa, mesmo quando somos muito bem sucedidos noutra qualquer.
Talvez por isso o meu currículo tenha itens tão díspares como uma licenciatura em Direito, um livro de poesia, uma ópera como actor ou (agora) a stand-up comedy. Talvez também porque sempre tive a estranha sensação de que morrerei novo e talvez ainda porque, às vezes, aquilo para o que fomos feitos não é exactamente construído a partir da mesma matéria que faz os nossos sonhos. Por isso diz-me o Luís, uma das raras pessoas cuja opinião me interessa, que é fundamental fazer várias coisas diferentes. Criar caminhos noutras áreas. "Conhece-te a ti mesmo", poderia ele dizer, em resumo.
Mas voltarei a este tema, quando (se) tiver um percurso na comédia que o justifique e quando me conhecer melhor. Entretanto, fico com o consolo de já fazer humor há muito tempo, mas à mesa, com os verdadeiros amigos como o Luís - naquilo que se poderia chamar de sit-down comedy. Bem mais sincera e bem menos trágica, e com mais punchlines nos desabafos e nos receios do que noutra coisa qualquer.

umas palavras sobre Espanha

Permitam-me ainda, apesar do atraso.
Não consigo explicar a minha atracção por Espanha, possivelmente paradoxal quando penso na minha orgulhosa condição lusitana. Mas admiro os espanhóis. Vejo-os como portugueses a quem somaram o orgulho e a alegria. Os atentados em Madrid emocionaram-me pelo mais egoísta dos motivos. Tocaram numa utopia. A de terminar a carreira aos 45 anos e ir viver para Espanha. Escrevi-o antes mas não me custa repetir: viver em Espanha no intuito de praticar um novo Tratado de Tordesilhas - juntar o melhor de dois mundos. Escrever em português e amar em espanhol.

regresso envergonhado

É que sinto-me mal: há quase três semanas que não escrevo e o trabalho não desculpa tudo. Explico: acho que entrei envergonhado no Causa Nossa e deixei que ela - a vergonha - tomasse conta de mim. Um post por semana não é média que se apresente. Doravante tudo muda.
Suponho que não fui convidado pela minha extraordinária sagacidade na análise de factos políticos ou actualidade portuguesa e mundial. Assim sendo, vou assumir de uma vez por todas a minha condição: a de adulto com dificuldades em deixar para trás a adolescência que gosta de escrever sobre amigos, afectos, situações do quotidiano, filmes e livros. Umas vezes puxo para a lágrima, noutras dou vontade de rir. A ver vamos. Entretanto, it's good to be back.

Ota & TGV

O ministro das Obras Públicas, Carmona Rodrigues, garantiu hoje publicamente a ligação da futura rede de alta velocidade (TGV) com o novo aeroporto da Ota. Uma das preocupações aqui enunciadas há tempos, sobre a questão do aeroporto, parece ficar assim solucionada.
Outra boa notícia nas declarações do ministro foi a da ligação ferroviária e/ou de metropolitano aos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, considerando ser "estranho" que nenhum aeroporto em Portugal tenha ligação com a rede ferroviária ou de metropolitano (e o mesmo se poderia dizer em relação a alguns portos importantes, como Aveiro...). Na verdade, provavelmente desde Fontes Pereira de Melo, poucos mais governantes apreciaram devidamente o caminho-de-ferro, com o resultado que está à vista. A herança predominante é a da preferência pela rodovia, inaugurada por Duarte Pacheco -- que dizem que odiava os comboios --, e que prevalece até hoje. Nas últimas décadas, enquanto se investiu maciçamente nas auto-estradas, os caminhos-de-ferro continuaram a ser secundarizados. Resta aguardar o que nos traz o ambicioso (provavelmente demasiado...) projecto da alta velocidade.

Vital Moreira

RTP

«Terei sido o único a ler com atenção a informação que repetidas vezes passou em rodapé no Jornal da Tarde de ontem, dia 16 de Março? (...)
Em primeiro lugar, sob o cínico destaque de “Aí valentes”, fomos informados de que o exército israelita, durante uma incursão pela cidade de Gaza, destruiu completamente um edifício que albergava um colégio. As palavras estavam, de facto, entre aspas, mas se era uma citação não se identificava em momento algum o citado.
Depois fomos presenteados com mais uma pérola. Desta feita as aspas acolhiam a inacreditável expressão “Mal agradecidos” e a notícia dava conta de que a maioria, 51%, dos iraquianos se opõe à permanência de tropas estrangeiras no seu país. Mais uma vez as aspas e outra vez a ausência de identificação do citado, a existir.
Por fim, já sem aspas e por isso em verdadeiro título noticioso, pudémos ler uma avisada opinião: “E por isso perdeu as eleições”, palavras que antecediam a notícia relativa ao facto de José Maria Aznar ter telefonado para vários jornais de Madrid e Barcelona, na passada quinta-feira, a insistir na responsabilidade da ETA pelos atentados de dia 11.
Na verdade, já estávamos habituados às inúmeras gralhas, incontáveis erros ortográficos e, por vezes, até mesmo aos equívocos substanciais (nomeadamente, os resultados desportivos) que aquela incansável e informativa barra azul costuma trazer. Mas nem isso nos preparou para este festival de incompetência jornalística, a roçar o ridículo.
(...) Do que se trata é de questionar esta nova forma de fazer jornalismo – interpretando ironicamente verdadeiros dramas sem sequer assinar, opinando sem dar a cara ou o nome e julgando de forma simplista e sintética sem explicar ou justificar o que se afirma. (...)»

(JA, Macau)

Entidade Reguladora da Saúde

Primeiras declarações públicas do presidente designado da ERS, em entrevista ao Jornal de Notícias. Impressão francamente positiva. Um exemplo:

Pergunta: «O que o levou a aceitar o cargo?»
Resposta: «Fui sondado há semanas e a primeira coisa que fiz foi perceber o que estava em causa. Desloquei-me a Londres para perceber como funcionava nesse país Cheguei à conclusão que o que estava em causa era a questão da garantia dos direitos dos utentes. Nessa altura, e olhando para o meu percurso desde 1986, percebi que tinha perfil para o cargo, pois, permitiria pôr em prática o que estudei e escrevi durante 20 anos.»

Vital Moreira

A "guerra ao terrorismo"

Depois do enorme “flop” da questão das "armas de destruição massiva" como justificação da guerra contra o Iraque, Bush passou a apresentá-la exclusivamente como peça essencial da “guerra ao terrorismo”. Quem foi ou é contra a invasão ou ocupação do Iraque seria contra o combate ao terrorismo (se não mesmo um aliado dele...).
Ora, a associação entre a guerra no Iraque e a "guerra ao terrorismo" é pelo menos abusiva. De facto, a guerra do Iraque não faz parte da guerra ao terrorismo, desde logo porque não havia lá bases nem redes terroristas (agora, após a invasão é que há...). Depois, e mais importante, como explica Paul Krugman no New York Times, ela implicou uma efectiva perda de capacidade para atacar os verdadeiros “santuários” e apoios terroristas no Afeganistão, no Paquistão, na Arábia Saudita, etc. Desviaram-se meios e recursos da luta contra a Al-Qaeda, que atacou os Estados Unidos, para ir destituir um ditador que não estava a fazer nada contra eles. Em vez de ser parte da guerra ao terrorismo a invasão do Iraque tornou-se numa vantagem para o terrorismo.
«It's now clear that by shifting his focus to Iraq, Mr. Bush did Al Qaeda a huge favor. The terrorists and their Taliban allies were given time to regroup; the resurgent Taliban once again control almost a third of Afghanistan, and Al Qaeda has regained the ability to carry out large-scale atrocities.»
No mesmo sentido, Francisco Sarsfield Cabral recorda hoje no Diário de Notícias as palavras recentes do general Brent Scowcroft, que foi conselheiro de Bush pai:
«O Iraque transformou-se numa imensa dor de cabeça, que nos desvia a atenção e não nos ajuda na nossa guerra contra a Al-Qaeda.»
Por outro lado, além de não ter atingido a Al-Qaeda e de ter dificultado o combate contra ela, a invasão e ocupação do Iraque tornou-o numa verdadeira incubadora do terrorismo, dando-lhe mais pretextos, justificações, militantes e apoios para atentar contra os "infiéis que atacam o Islão". Daí o massacre de Madrid, a somar a vários outros. Estranha guerra esta que produz efeitos justamente contrários aos pretendidos, ou seja, gerar terroristas em vez de os eliminar! «Um desastre» - disse Zapatero com toda a propriedade.
É por isso que quem não alinhou na guerra no Iraque (França, Alemanha, etc.) ou a abandona (como agora a Espanha) retira-se da pretensa "guerra contra o terrorismo" de Bush mas somente para empreeender uma estratégia diferente, e esperemos mais eficiente, para o prevenir e combater. As iniciativas tomadas estes dias nesse sentido a nível da UE são um bom augúrio.

Vital Moreira

Afinal, Portugal não conta nos apoios a Washington

«Along with Spain, the closest European allies of the US over Iraq and its strategy against terrorism are Britain, Denmark, Italy, Poland and most of the other eastern European countries which will join the European Union in May.»
[Website de notícias da BBC]

Revolta moral

«Le vote espagnol du 14 mars n'est pas le triomphe des émotions en politique. Il traduit plutôt le contraire: une réaction morale face à l'utilisation outrancière du drame madrilène à des fins partisanes. La gestion par le gouvernement Aznar des jours qui l'ont suivi en dit long sur la tentative de manipulation des esprits et son impossibilité dans la démocratie espagnole contemporaine. Outre les mensonges quant aux résultats des enquêtes policières, tout aura été tenté, bien au-delà de l'Etat de droit, pour fasciner l'électorat et le conduire à voter pour le Parti populaire : conférence de presse de Mariano Rajoy, dauphin désigné de José Maria Aznar, en plein "jour de réflexion", à la veille du scrutin ; déprogrammation, ce même jour, sur la chaîne nationale publique (TVE), de Shakespeare in Love, de John Madden, au profit d'un documentaire sur les victimes d'attentats de l'ETA; revendication de la paternité politique des manifestations monstres qui ont jeté près de 12 millions d'Espagnols dans les rues.»

Emanuel Négrier, Le Monde, 16 de Março.

Distorções eleitorais

As eleições espanholas puseram em evidência que os sistemas proporcionais podem dar resultados assaz desproporcionais. O caso mais evidente mostra-o a comparação dos resultados da Esquerda Unida (IU) e dos partidos autonómicos. Apesar de ser ainda, embora em perda, a terceira força política mais votada a nível nacional, com cerca de 5% dos votos, a IU aparece em sexto lugar na representação parlamentar, com apenas 5 deputados, abaixo de vários partidos autonómicos (o Partido Nacionalista Vasco e os dois partidos catalães), com muito menos votação nacional do que ela. Por exemplo, a ERC, com apenas metade dos votos, tem 8 deputados.
As razões destas discrepâncias são conhecidas, devendo-se por um lado aos círculos territoriais de pequena dimensão média (correspondentes às províncias, equivalentes aos nossos distritos) e por outro lado à existência de partidos regionais que podem concorrer às eleições nacionais. Os círculos eleitorais de pequena dimensão desfavorecem os pequenos partidos com expressão eleitoral dispersa (caso da IU), enquanto favorecem os partidos com apoio eleitoral concentrado (caso dos partidos autonomistas). Deste modo, o sistema eleitoral penaliza os pequenos partidos nacionais e privilegia os partidos regionais. Tendencialmente verificar-se-á uma presença cada vez mais forte dos partidos autonomistas no parlamento nacional (e por maioria de razão nos parlamentos autonómicos).

Vital Moreira

terça-feira, 16 de março de 2004

Mau perder

1. Sempre me incomodou o mau perder eleitoral de certos partidos e comentadores a eles ligados, sejam de direita ou de esquerda. Outrora era típico assistir a certos os dirigentes do PCP passarem horas na televisão a tentar a transformar uma derrota evidente numa grande vitória, fazendo de conta que éramos todos estúpidos, incluindo os seus próprios eleitores. Estes dias assiste-se a outro exemplo típico de mau perder no caso das eleições espanholas, ainda que de tipo diferente. Não sei se essa foi a reacção do PP (espanhol, claro) ou dos seus comentadores. Mas seguramente encontrei-a em alguns dos seus admiradores locais, que logo trataram de atribuir a vitória do PSOE à Al-Qaeda, sem margem para quaisquer dúvidas. Até se compreenderia que dissessem que o mérito não foi tanto do vencedor, mas em grande medida dessa desastrada campanha de instrumentalização política dos atentados terroristas por parte do PP. Mas não mais do que isso.

2. Pior do que não saber perder é não saber tirar do que se passou as devidas lições. É não entender, como vários de nós aqui chamámos a atenção (eu própria na sexta feira, muito antes de saber os resultados) que os eleitores já não são tão manipuláveis como outrora. É não desconfiar que hoje os eleitores decidem muito mais individualmente, com mais informação, sentido crítico e muito menos fidelidade partidária, uma tendência que, porventura, um estudo aprofundado do nosso eleitorado urbano já será capaz mostrar, trazendo algumas surpresas a políticos tão convencidos quanto distraídos. É não compreender o ridículo em que caem os autores de certos “tabus”, quando toda gente está mesmo a ver o fim do filme e, portanto, só se pode rir de tal mistério. É não perceber que, com a atenuação dos factores ideológicos nas escolhas eleitorais, os eleitores são hoje muito mais sensíveis às questões de moral política, desde a corrupção até às tentativas de manipulação.

3. É por isso que a punição do PP espanhol nas eleições de domingo é tão elucidativa. Ela pode tornar-se mesmo um “case study”, devendo servir, à direita e à esquerda, para repensar seriamente o modo de fazer política e de justificar os desaires eleitorais. Os velhos métodos de instrumentalizar o eleitorado, distorcendo a realidade e ocultando o evidente só podem fracassar. É, pelo menos, o que merecem.

Maria Manuel Leitão Marques

Abuso de posição dominante

Corre que está já constituída e vai ser brevemente empossada a Comissão de Liberdade Religiosa (CRL), prevista na Lei da Liberdade Religiosa de 2001. Apesar da sua missão exclusivamente consultiva e de estudo, ela pode ter uma grande influência na aplicação daquela Lei, podendo transformar-se numa espécie de entidade reguladora de facto. A sua vocação natural, como comissão independente, deveria ser acima de tudo defender os direitos das confissões minoritárias, até porque a Igreja Católica tem um estatuto de protecção especial, garantido na Concordata (para além da sua tradicional ligação ao poder político...). Mas parece que não é isso que vai suceder.
Não se conhece ainda oficialmente a composição da Comissão, salvo o nome do Presidente (Menéres Pimentel, antigo ministro da Justiça e provedor de Justiça), nomeado pelo Conselho de Ministros em meados de Dezembro do ano passado. Mas, a acreditar na infromação que me chegou de fonte credível quanto aos demais membros (nomeados pela Ministra da Justiça), dá para ficar assustado, apesar da estimável figura do Presidente designado.
Primeiro, em vez de uma comissão independente e abrangente, criou-se uma espécie de “conselho de concertação das religiões”, algo como um organismo de auto-regulação “corporativo”, ainda por cima com claro predomínio de uma delas. Não há agnósticos ou laicos na Comissão, mas somente representantes “oficiais” dos diversos credos. Ora a liberdade religiosa é também a liberdade de não ter religião ou não praticar um culto.
Segundo, há um peso avassalador da Igreja Católica em relação às demais confissões, subvertendo a referida vocação da Comissão, favorecendo a confissão que, pela sua posição dominante, menos precisa de protecção. Além do presidente também o vice-presidente indigitado é católico, aliás membro de uma ordem religiosa, segundo consta. Não faltam mesmo elementos integristas oriundos da Opus Dei. Ora isto é tanto mais estranho quanto é certo que grande parte das funções da Comissão dizem respeito às outras religiões, visto que a Igreja Católica continua a ter o regime especial da Concordata.
Terceiro, apesar da a Comissão ter por missão também o estudo das igrejas, é notória a ausência de personalidades independentes que se têm dedicado ao estudo da liberdade religiosa.
Não é disto seguramente que falamos quando falamos em liberdade religiosa. Não podia ser essa a intenção da Lei ao prever tal Comissão. A confirmar-se tudo isto, temos um triste retrato da liberdade e igualdade religiosa em Portugal, da separação entre o Estado e as igrejas e da neutralidade religiosa do Estado.

Vital Moreira

O quarteto dos Açores

Faz hoje um ano reuniu-se nos Açores, com Durão Barroso a servir de ufano anfitrião, a cimeira da guerra que colocou Bush, Blair e Aznar, na rota da invasão do Iraque. Revisitadas as declarações da altura, custa a crer como uma decisão dramática como essa, já há muito tomada pelos Estados Unidos, pôde ser “validada” na base de tanta falsificação e de opções unilateriais: as imaginárias armas de destruição maciça, a chantagem sobre o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a desautorização das equipas de inspecção das Nações Unidas em Bagdad, finalmente o avanço para a guerra sem o aval da ONU e contra meia Europa, à margem da legalidade internacional e da maioria da comunidade internacional.
Passado um ano, a invasão do Iraque foi um desastre quanto aos seus objectivos (salvo o fim da ditadura, por ora substituída por um arremedo de “transição democrática”, sob tutela norte-americana). As armas de destruição maciça não existiam, tampouco as bases e ligações terroristas. Pelo contrário, a insegurança e o terrorismo instalaram-se no território com a ocupação. Os custos materiais e humanos da guerra e da ocupação são incontabilizáveis.
Rodriguez Zapatero, o vencedor das eleições espanholas, anunciou na campanha eleitoral querer tirar a Espanha do “trio dos Açores” (ignorou o anfitrião...). Dos protagonistas dos Açores um, portanto, já saiu da cena em Madrid. Quando chegará a vez dos outros?

Vital Moreira

Apostilas das terças

1. Meio da legislatura
A sondagem de opinião de ontem, efectuada pela Universidade Católica para o Público e para a RTP, vem consubstanciar a impressão corrente de que o Governo está em forte perda na opinião pública, mas que o Partido Socialista está ainda longe de convencer como alternativa de governo. Um não cumpre, outro não faz o trabalho de casa. Por isso mesmo, enquanto este estado de coisas se não alterar, sobretudo por parte da oposição, o máximo que se pode esperar em matéria eleitoral, fora das esferas dos fiéis de cada partido, é o aumento da abstenção e dos votos de protesto.

2. Papéis trocados
Segundo Mário Mesquita na sua última crónica dominical, o Presidente da Assembleia da República, uma das figuras que integra o célebre álbum de retratos de personalidades notórias mostrados às vítimas de pedofilia no processo Casa Pia para identificação dos responsáveis, enviou uma “carta de explicações” ao Procurador-Geral da República sobre o assunto. Mas deve ser um lapso. De facto, quem deve uma carta de explicações é o Procurador, ao presidente da AR e aos demais membros de tal lista.

3. Automóvel Clube de Portugal
Um dos candidatos à direcção do ACP publicou um anúncio a pedir aos associados opiniões sobre “o futuro do maior clube português”. A um apelo público podemos responder em público. Como associado a minha principal reclamação diz respeito à igualdade de participação de todos os sócios. Ora uma assembleia geral de sócios num clube nacional só pode ter a participação reduzida de uma parte dos associados de Lisboa, excluindo todos os demais. Por isso proponho uma alteração dos estatutos, substituindo a assembleia geral por uma assembleia de delegados, eleitos em todo o País numa base distrital. A bem da democratização do clube e da igualdade de direitos dos associados.

Vital Moreira

«Perdeu-se uma oportunidade»

«Face ao comentário que fez ao meu texto sobre a Mutilação Genital Feminina gostaria de observar que, e penso que aqui estaremos de acordo, basicamente se perdeu uma oportunidade de discutir o assunto na AR.
Os casos sucedidos em França, Itália e Espanha, levam-me a pensar que a tipificação da MGF enquanto crime poderá ser positiva. O facto de criminalizarmos ou não determinados actos é um dos mais claros sinais sobre o valor que atribuímos a esses actos. (...)
Independentemente da questão da criminalização e necessidade óbvia das campanhas juntos das comunidades e grupos em que a MGF existe parece-me indispensável que nas políticas de acolhimento aos emigrantes se integre um acto em que estes são informados sobre um conjunto elementar de direitos e deveres que assumem ao residirem na UE. Dentro desses direitos incluo naturalmente as questões das mulheres.»

[Helena Matos]

segunda-feira, 15 de março de 2004

E se tivesse sido ao contrário?

Na sua edição de hoje, o Repubblica diz que imediatamente depois do massacre de Madrid - que o Governo se apressou a atribuir sem hesitação à ETA (“sem nenhuma sombra de dúvida”, declarou o ministro do Interior) -, sondagens efectuadas nessa altura davam ao PP uma subida até aos 70%! Mesmo descontando algum exagero, é de admitir uma forte reforço das posições do PP e uma correspondente debilitação do PSOE, por causa da sua aliança com a ERC na Catalunha, acusada de ter pactuado um acordo com a organização terrorista basca. Terá sido por isso que o Governo resolveu explorar até ao fim a suposta autoria basca, recorrendo a todos os meios de manipulação e de controlo da infromação, mesmo depois de se tornar evidente a sua inveracidade, adiando, se possível até depois das eleições, a revelação da verdadeira responsabilidade dos atentados, a qual favoreceria os socialistas, por causa da sua oposição à guerra no Iraque.
Claramente o tiro saiu pela culatra. Mas cabe perguntar aos que acusam a vitória do PSOE de ser uma "vitória da Al-Qaeda" (sic!): e se tivesse havido efectivamente autoria basca, com o referido impacto eleitoral, seria igualmente lícito dizer que a vitória do PP era uma "vitória da ETA"?
Haja decência! O PP pagou justamente a sua indecente manobra de exploração da boa-fé dos eleitores.

Vital Moreira

Arriba España! Portugal não tardará...

Magnífica lição deram os espanhóis ao mundo! Recusando o jogo dos terroristas: em defesa da democracia, votando em massa. Ordeiramente. Sem medo. E com a tranquilidade que a dor, a indignação e a raiva permitiam.
Votando com a cabeça e o coração, como se deve votar. E derrubando a mentira, a arrogância, o oportunismo de uma Direita que não aprendeu quase nada em 30 anos de democracia.
De uma Direita megalómana, deslumbrada pela força ilusória da Administração Bush, incapaz de perceber que as orientações que a dominam não representam a América e estão condenadas a esboroar-se, depois de causar tremendos danos à Humanidade – atiçando o fanatismo e o terrorismo por todo o mundo, retrocedendo à lei da selva e abandonando a civilização em Guantanamo.
Espanha não quis apenas castigar Aznar, Rajoy e o PP por desviarem, para proveito e encobrimento próprios, sobre a ETA o que tudo indicava ser retaliação hedionda da Al Qaeda. Espanha quis castigar a manipulação despudorada de um Governo que fomentou o terror ao seguir Bush desviando meios do combate à Al Qaeda para uma invasão militar contra o direito internacional, contra a ONU e contra o povo do Iraque, já tão sacrificado pela ditadura de Saddam. Espanha votou contra a Direita sem princípios e sem valores, para quem tudo é mercadejável, tudo é manipulável e todos os meios servem os fins de se perpetuar no poder. Uma Direita que subestima a inteligência e a capacidade de indignação e de reacção dos cidadãos. E por isso um dia acorda odiada, expulsa, escorraçada.
É o que inevitavelmente vai acontecer à Direita no poder em Portugal, aliás bastante mais incompetente que a sua congénere espanhola. Talvez mais cedo do que muitos contavam. A História mostra que o que começa na Península Ibérica se repercute na Europa: em Abril de 1974 coube a Portugal abrir o caminho; agora será a vez da Espanha mostrar que o terror se combate com firmeza, tenacidade e inteligência, mas sem perder os valores democráticos e os direitos humanos, sem descer à barbárie dos terroristas.
Há dias, exorbitando qualquer mandato, o Primeiro Ministro Durão Barroso proclamou num comício em Madrid, com a arrogância e falta de discernimento que lhe são timbre em momentos de exaltação, que Portugal estava com o PP, Aznar e Rajoy. Ao fazê-lo deixou Portugal na maior incomodidade face ao novo poder em Espanha. José Luis Zapatero, com a serenidade que já ontem demonstrou, saberá reconduzir aquela infantilidade a mera bravata do Primeiro Ministro português. Para que o relacionamento luso-espanhol seja reposto na correcta dimensão da amizade, sem interferências partidárias, de dois Estados e dois Povos.
Já sabíamos que a Direita que o Primeiro Ministro encabeça é de segunda, paroquial, subserviente, julgando engrandecer-se na prestação de vassalagens. Não tardará muito, os portugueses explicar-lhe-ão que só lhe resta mesmo a companhia que adulava e o caminho que ela levou: com o PP, Aznar e Rajoy, para o olho da rua!

Ana Gomes

Tema para discussão

«Gostava de propor um tema para discussão no “Causa Nossa”: A isenção e qualidade da análise política nos canais de televisão.
Nos dias mais recentes e a propósito do 11-M e das eleições espanholas, os diversos canais de televisão pediram opinião a vários analistas políticos e ditos especialistas em temas de segurança e terrorismo. Com raras excepções, assistimos a especulações e opiniões perfeitamente mirabolantes sem qualquer fundamentação lógica, expressas como se tivessem total cabimento. Exemplo do que acabo de dizer é a tese da autoria conjunta do atentado ETA/Al-Quaeda que li no Público ser totalmente rejeitada por um académico estudioso do mundo árabe por falta de credibilidade.
Tenho-me dado conta que existem “especialistas” que opinam sobre tudo e mais alguma coisa cheios de certezas absolutas. E apesar de muitos deles já terem dito perfeitas “barbaridades” tem uma desfaçatez enorme e quando convidados lá vêm eles debitarem as suas certezas uma vez mais. Isto é informação ou confusão?
Além de estes, temos os analistas políticos “isentos”, que curiosamente ou não são todos de direita.
Ontem assisti no telejornal da RTP1 a uma cena digna de ser gravada para ser passada aos alunos do curso de comunicação social numa aula sobre o tema “Como estar preparado para falar em todas as eventualidades”. Passo a relatar. O director do Público foi convidado para analisar os resultados das eleições espanholas. Depois de confrontado com as previsões de resultados que davam uma clara vitória ao PSOE não recuperou do choque e não foi capaz de opinar coisa com coisa, evidenciando que este era um cenário que não lhe tinha ocorrido. Depois de ler o seu editorial de hoje percebi que ainda está a tentar entender o que passou. Para o JMF não lhe passa pela cabeça que a maioria dos espanhóis possam ter somente expresso a vontade de derrubar um governo que os envolveu numa guerra injusta, lhes mentiu e tentou ocultar informação.»

[JTM, Matosinhos]

A maldição de Bush?

Um espectro parece ameaçar os governos do séquito europeu de Bush. Aznar, o mais fiel dos fiéis, acaba de ser inesperadamente derrotado sem honra nem glória. Desde há muito Blair, zelota entre os zelotas, vai acumulando dificuldades e perdendo apoios. Berlusconi, uma espécie de “Bush-spaghetti”, tem contra si cada vez mais a opinião pública e a instabilidade da coligação. Durão Barroso, o aplicado anfitrião da “cimeira da guerra” nos Açores, vê-se em palpos de aranha para sair da fossa política em que se encontra. O próprio Bush começa a sentir-se perigosamente apertado na disputa eleitoral de Novembro para a Casa Branca, sob o pavor da repetição da derrota de Bush pai.
Será que a humilhação eleitoral do PP de Aznar e do seu herdeiro nomeado constitui o início do dobre de finados pela “coligação dos voluntariosos” que partiram afoitamente para o Iraque há um ano, sob pretexto de armas de destruição massiva que não existiam e de bases e redes terroristas que estavam (e continuaram a estar) noutro lado, como bem se sabia? Bush condena os seus aliados à derrota interna?

Vital Moreira

Que solução de governo em Madrid?

Na falta de maioria absoluta do PSOE - que, com 42,6% dos votos, ficou a 12 deputados dessa maioria (164 em 350) -, as alternativas são um governo minoritário, eventualmente com um pacto de colaboração com outros partidos, que garanta um estável apoio parlamentar, ou então uma coligação governamental maioritária. Nesta última opção, a hipótese mais provável (até porque não se configuram outras alternativas viáveis) consistiria em copiar a nível nacional a coligação de governo catalã, agregando ao PSOE, a Esquerda Unida (que, baixando de 8 para 5 deputados, foi um dos principais derrotados desta eleições) e a Esquerda Republicana da Catalunha (que, ao invés, foi um dos grandes vitoriosos, subindo de 1 para 8 deputados!).
A seguir-se essa via, uma tal coligação, levando para a área do Governo os comunistas e os republicanos independentistas catalães, constituiria seguramente a segunda maior surpresa destas eleições. A não ser que o que é bom em Barcelona não seja aconselhável em Madrid...

Aditamento
Na sua primeira entrevista a uma rádio, na segunda-feira de manhã, o eleito chefe do próximo governo espanhol, Rodríguez Sapatero, anunciou que vai formar um governo monopartidário do PSOE, minoritário, confiando no apoio parlamentar de outros forças às propostas governamentais.

Vital Moreira

Três dias que mudaram a Espanha

Afinal o PP foi inesperadamente vítima da justíssima ira dos eleitores contra a indecente tentativa de exploração dos atentados terroristas em seu favor, não hesitando em recorrer à infundada atribuição da sua autoria aos separatistas bascos, à sonegação de informações que apontavam noutra direcção e à manipulação da dor e da raiva dos espanhóis contra o massacre. É evidente que o Governo e o PP se envolveram numa operação que, a três dias das eleições, visava usar em seu proveito a hipótese basca, bem como, desconsiderando liminarmente a hipótese da AlQaeda, tentar fazer esquecer na memória dos espanhóis a decisão de alinhar com Bush na invasão e ocupação do Iraque contra uma esmagadora oposição popular.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro. A fúria dos enganados e ofendidos virou-se contra o embuste e a arrogância. A força das manifestações espontâneas de sábado e a humilhação a que foram sujeitos Aznar e Rajoy em pleno momento do voto, aos gritos de “mentirosos” e “manipuladores”, mal deixavam entender a vaga de rejeição popular que se manifestou na massiva acorrência às urnas e na estrondosa derrota do PP e que deu ao PSOE uma vitória que há três dias estava complemente fora das suas conjecturas.
A justiça eleitoral escreve direito por linhas tortas...

Vital Moreira

Revolta contra a mentira


Os espanhóis votaram contra a mentira, contra o cinismo e contra a manipulação. Mais do que a vitória do PSOE nas legislativas de domingo, o mais significativo e exemplar foi a elevada participação eleitoral e a rejeição do abuso da boa-fé dos cidadãos, cometido pelo partido no poder, o PP, depois dos atentados terroristas de quinta-feira.

A odiosa ETA servia claramente os objectivos eleitoralistas do PP. Todos os espanhóis civilizados estavam unidos e imunizados contra a organização terrorista basca, responsável por uma interminável sequência de crimes. Só que a assinatura real e directa dos massacres ferroviários não era da ETA mas da Al-Qaeda e, para o PP, isso não convinha que se soubesse a tempo das eleições. Mas soube-se – e isso também fez toda a diferença. Despertou os abstencionistas e levantou o ânimo cívico dos espanhóis contra a mentira oficial.

A ironia é que, à partida, o PP tinha todas as condições para sair vitorioso das urnas, porventura com maioria absoluta. O governo Aznar era celebrado por toda a Europa devido à sua performance económica, o PSOE não parecia oferecer uma alternativa consequente e sólida – e, finalmente, o clima de insegurança suscitado pelo terrorismo tendia a favorecer, como é tradicional, a reedição de uma maioria de direita.

Mas há uma coisa que, para além da boa-fé, não é possível explorar impunemente: é a dor. A dor de um povo atingido pela barbárie e vê depois essa dor ser instrumentalizada como um argumento eleitoral, objecto de uma mentira e uma impostura obscenas.

Tudo começou, se bem estamos lembrados, com outra mentira de proporções inéditas e que George Bush e os seus aliados europeus exploraram de forma indecente para justificar a invasão do Iraque. Tal como a ETA não tinha exactamente a ver com a Al-Qaeda, Saddam Hussein não era propriamente um aliado directo de Bin-Laden. Mas isso pouco importava, pouco importou, tal como a ficção das armas de destruição maciça supostamente existentes no Iraque.

A grande lição de civismo e maturidade democrática que nos chega de Espanha será suficiente para fazer escola noutros países, onde idênticos abusos da boa-fé dos cidadãos têm sido impunemente cometidos? Este é um ano de muitas eleições, a maior parte sobretudo “simbólicas”, mas algumas muito “práticas”, como é o caso das presidenciais americanas. Bush pagará, também ele, o preço da mentira? Esperemos ardentemente que sim.

Vicente Jorge Silva

domingo, 14 de março de 2004

Uma manobra desastrada

Às vezes a aldrabice política não compensa. Felizmente que os eleitores vão rejeitando cada vez mais o eleitoralismo fácil, e o oportunismo sem regras. Aquilo que se vê logo que parece verdade mas não é, ou que nem sequer parece, como desta vez! As manobras eleitorais do PP nos últimos dias foram descaradamente despudoradas, sem pingo de ética. Tiveram a resposta merecida, hoje, em Espanha. Que ela sirva de lição a muitos outros. Para o futuro. A bem da política e da democracia.

Maria Manuel Leitão Marques

Sniff

Ficará certamente na nossa memória o ar compungido e atordoado que os directores do Público e da SIC Notícias exibiram nos ecrãs da televisão perante as primeiras notícias da derrota do PP em Espanha. José Manuel Fernandes não conseguiu articular um único dos seus raciocínios modelares, multiplicando-se em lapsos e lugares-comuns. Ricardo Costa, visivelmente combalido, não resistiu sequer ao juizinho de valor eticamente reprovável, ao afirmar que “Aznar era tratado de modo injusto pelo eleitorado”. Só faltou mesmo o director do Expresso, para que a expressão de pesar tivesse um cariz mais profundo e solidário. Aguardemos o seu próximo editorial.

Luís Nazaré

Entidade Reguladora da Saúde

Boa notícia a de que foi finalmente escolhido o presidente da Entidade Reguladora da Saúde, criada há uns meses para regulamentar e supervisionar o sistema de saúde, tendo-se tornado absolutamente necessária no seguimento da vasta reforma por que está a passar o sector, a começar pela empresarialização de muitos hospitais públicos. Já tardava a sua instituição concreta.
Juntamente com isso é revelado que a referida entidade não vai ficar sedeada em Lisboa, mas sim no Porto. Outro aplauso. Já basta de macrocefalia administrativa!

Adenda (15.03):
Só é pena que ao fim de várias semanas o Governo não tenha sido capaz de escolher uma personalidade politicamente independente, tendo optado por uma pessoa associada ao partido do Governo. Pesem embora as qualidades reconhecidas ao presidente designado, não é seguramente esta uma boa garantia de autonomia da ERS perante o mesmo Governo.

Vital Moreira