segunda-feira, 19 de abril de 2004

(R)evolução

Uma das melhores "charges" sobre a tonteria ideológica do Governo de comemorar os 30 anos do 25 de Abril em nome da "Evolução" é seguramente a do José Mário Silva no Blogue de Esquerda.

(Uma nota pessoal: o link que aí se encontra para uma edição electrónica de "O Capital" de Marx remete para uma tradução publicada em 1973 em Coimbra, pela Centelha, numa edição preparada por mim próprio e pelo José Teixeira Martins, que um anónimo cibernauta resolveu digitalizar e disponibilizar na Internet...)

Devastador

... o comentário de Vasco Pulido Valente em relação à trapalhada das declarações governamentais sobre a presença de forças portuguesas no Iraque.

«Estado de letargia do PS»

«(...) No mesmo site [do Público] pude ler os comentários feitos pelo deputado Alberto Costa do PS, não sei se em representação do partido ou se a título pessoal, sobre este mesmo assunto [as declarações de Durão Barroso sobre a retirada das forças espanholas do Iraque]. O melhor que conseguiu articular foi que a posição era "indelicada" e "carente de sentido de Estado". É confrangedor e preocupante, para quem como eu tem esperança numa alternativa de esquerda ao actual governo, o estado de indigência ideológica e de mediocridade revelada na comunicação dos actuais dirigentes do PS.
O país está num estado depressivo como já não há memória. A maioria dos cidadãos comuns vive desalentada com a falta de perspectivas e de horizontes de esperança. O P.S. em vez de empreender um combate firme, sem cedências ao populismo e à demagogia, mantém-se num estado de letargia incompreensível parecendo que contagiado pela depressão geral. Parece desligado da realidade e pouco importado com a sorte dos seus eleitores e da sua tradicional base social de apoio.
Confesso-me decepcionado, tanto mais que esperava muito mais do Eduardo Ferro Rodrigues. Não reconheço nele a chama de outros tempos, a sua conhecida capacidade de enfrentar o “establishment”, pelo contrário vejo-o rendido ao aparelho e aos socialistas encartados que se comportam como “governantes-à-espera-da-vez-deles”. No plano ideológico quando se esperava um PS combativo a afirmar a validade do seu programa e a acentuar as diferenças para o governo, vemo-lo mais preocupado com a defesa das suas credenciais de gestores e “estadistas”. Depois queixam-se que o Bloco de Esquerda está a tomar um relevo desproporcionado ao seu peso eleitoral na comunicação social, pudera são, no plano ideológico, praticamente a única oposição de esquerda ao governo.»


(J.J.N.T.M, Matosinhos)

Euroenglish

Até aos anos 90 o Francês manteve um lugar paritário com o Inglês como língua de trabalho na UE, aliás com predominância na Comissão, ajudado pela envolvência francófona de Bruxelas. A entrada dos países escandinavos, onde a língua de Molière não é cultivada, representou um sério golpe para a sua importância na Comunidade, acentuado o crescente predomínio do Inglês. (Por exemplo, no mestrado europeu de direitos humanos em que participo deixou de ser possível fazer cumprir, em relação a esses países, o requisito de conhecimento de Francês que consta dos estatutos originários...). O alargamento para 25 países com os países do Leste vai traduzir-se numa segunda machadada nas pretensões do Francês, como reconhece o próprio Le Monde. A única língua veicular comum passa a ser definitivamente a língua de Shakespeare, embora numa versão Euroenglish, bem mais pobre e mais funcional.
A UE está em vias de possuir uma Constituição, que também define um hino e um dia oficial da União. Não consta dela a definição de uma língua da União. Mas não é preciso: na vida real ela é imparavelmente o Inglês.

domingo, 18 de abril de 2004

"Mons parturiens..."

Deus Pinheiro, cabeça-de-lista do PSD-PP às eleições europeias: foi para esta "surpresa" requentada que se fez tanta "caixinha" e tanto suspense? A coligação governamental está mesmo em maus lençóis!...

Repressão académica no Estado Novo

Uma das novidades da luta académica de 1969 em Coimbra em relação a movimentos anteriores (1962, 1965), como sublinhou Osvaldo Castro, foi o apoio de um considerável sector do corpo docente, incluindo entre os professores seniores. De facto, nomes como Orlando de Carvalho, Paulo Quintela, Teixeira Ribeiro, entre vários outros, constituíram uma importante arma na “legitimação” académica da mobilização estudantil. Esse apoio era naturalmente ainda mais amplo entre os assistentes, designadamente na Faculdade de Direito, onde havia uma notória maioria oposicionista, o que proporcionou a aprovação de uma moção de apoio aos estudantes logo no início do processo. Coube-me a proclamação pública dessa posição, feita da escadaria da "Via Latina" perante um numeroso ajuntamento de estudantes.
Foi, aliás, por essa e por outras acções menos públicas (o facto de ser também estudante de pós-graduação permitia-me participar ainda na vida estudantil) que no Outono desse ano, já terminada a luta académica, fui afastado do cargo – juntamente com o meu colega e amigo José Manuel Correia Pinto –, por decisão directa do então Ministro da Educação, José Hermano Saraiva, que vinha do último governo salazarista, numa decisão arbitrária, sem processo e sem direito de defesa, típica do regime. Tendo eu ficado por Coimbra a ultimar o mestrado, acabei por ser reintegrado (ou melhor, recontratado) no ano seguinte pelo Ministro subsequente, José Veiga Simão, por proposta, deve dizer-se, do próprio director da Faculdade, Afonso Queiró (já contei esta história noutra ocasião). Correia Pinto, que emigrou logo para Moçambique, por lá ficou até ao 25 de Abril 1974. Perdeu-se seguramente um excelente universitário, tendo sido um brilhante estudante e um “barra” no direito civil (faz hoje parte da direcção da APAD, a agência portuguesa para a ajuda ao desenvolvimento).
Um episódio tardio da repressão académica no Estado Novo...

Vital Moreira

O triunfo do 17 de Abril

Coimbra, ontem: sessão do 35º aniversário do 17 de Abril de 1969, que desencadeou a grande luta estudantil coimbrã desse ano, cinco anos antes do 25 de Abril de 1974. Inesperado foi ver na mesma mesa os principais dirigentes académicos de então (Alberto Martins, Osvaldo Castro, Celso Cruzeiro, etc.) juntamente com José Miguel Júdice, o actual bastonário da Ordem dos Advogados, que em 1969 pertencia à extrema-direita académica e tinha sido mesmo presidente da detestada comissão administrativa da AAC, nomeada pelo Governo, até às eleições do início desse ano que restauraram o autogoverno da Academia coimbrã, com a vitória esmagadora da direcção que haveria de conduzir a referida luta.
O facto deve-se à ousadia tanto da actual direcção da AAC, presidida por um estudante da Juventude Socialista, que organizou o evento comemorativo, como do próprio Júdice (entretanto afastado das posições políticas de então), que numa inteligente intervenção soube recordar os conflitos de outrora e prestar homenagem aos seus adversários de há 35 anos. Que melhor triunfo de um movimento político do que receber o reconhecimento dos seus próprios adversários da altura?

Citações antibushistas

«Como pode um dos presidentes mais visivelmente ignorantes de história e geografia na história presidencial americana ser aquele que muda a história e a geografia de um mundo que não compreende e que não conhece?»
(Vittorio Zucconi, "L'arma di distruzione di massa", La Repubblica, 9-4-2004)

«Os maiores recrutadores de terroristas são Bush e Sharon.»
(Tarik Ali, entrevista ao El País, 16-4-2004)

A secção portuguesa da "Brigada Wolfowitz"

Perante a confessada necessidade de reforço das tropas norte-americana no Iraque, em consequência do aumento da resistência à ocupação, Paul Kennedy, especialista em segurança internacional da Universidade de Yale e crítico da invasão, propõe o envio da “Brigada Wolfowitz”, constituída pelo próprio Paul Wolfowitz, o secretário de Estado da Defesa dos Estados Unidos – tido como o principal cérebro da estratégia neoconservadora – e todos os seus sequazes na concepção e na defesa da invasão e ocupação do Iraque (o El País publicou uma versão espanhola do texto).
Essa brigada poderia aliás internacionalizar-se, com a adição de todos os membros dos clubes de fãs do citado Wolfowitz em cada país da coligação que apoia a ocupação do Iraque. No caso português, de tão numerosa que é a coorte dos seus seguidores, a contribuição nacional poderia mesmo superar em número o batalhão da GNR que lá se encontra. Com esse enorme reforço, o Primeiro-ministro português já não teria de se humilhar a dizer aos poucos civis nacionais no Iraque para abandonarem esse País, por Portugal não lhes poder garantir a segurança pessoal. Uma nutrida secção portuguesa da Brigada Wolfowitz é a solução!

Os humilhados da terra

Face ao assassínio do novo líder do Hamas por Israel, é fácil concluir que na sua recente visita a Washington Sharon não obteve de Bush somente a aprovação para o seu plano de anexação de territórios palestinianos, mas também luz verde para continuar a sua política de assassínio sistemático dos dirigentes palestinianos. Ou seja, os Estados Unidos tornam-se cúmplices directos do terrorismo de Estado israelita. Ainda se não deram conta que quanto mais oprimem, humilham e desesperam os palestinianos, menos saídas deixam para a resistência destes que não seja pelo recurso a acções terroristas?

sábado, 17 de abril de 2004

Que se niquem!

À primeira vista, é mais uma manifestação do engenho globalizante da Nike. Mas quando olhamos mais de perto, detectamos pormenores arrepiantes no último spot publicitário do líder mundial em equipamentos desportivos. O confronto entre as selecções de Portugal e do Brasil resulta numa clara manifestação de inferioridade das cores lusas, algo a que certamente os actores portugueses não se prestaram e provavelmente nunca perceberão. Primeiro, os magros monossílabos trocados entre os craques das duas selecções lusófonas são na língua de Aznar. Segundo, após uma finta inicial bem sucedida de Figo, passamos o resto do tempo a levar rabetas dos brasileiros. Terceiro, somos claramente classificados de caceteiros, a julgar pelos lances violentos dos nossos craques e pelas equimoses evidenciadas pelo escrete canarinho na imagem final do anúncio. Devemos nicar a Nike ou fazer um exame de consciência?

Luís Nazaré

Filósofos da arquibancada

É o que nós todos somos. Tomara que revelássemos o talento dos autores da campanha publicitária da TMN sobre o Euro 2004. Um forte aplauso à qualidade do texto e das imagens do spot. Quando queremos, somos tão capazes quanto os melhores.

Luís Nazaré

Keep walking

É o slogan de um dos mais brilhantes anúncios dos últimos anos, uma obra-prima da publicidade criativa. Deste canto digital, o meu humilde tributo ao Johnnie Walker.

Luís Nazaré

sexta-feira, 16 de abril de 2004

NEVOEIRO ENVOLVE PRESTAÇÃO DE CONTAS

O debate público em Portugal raramente permite discutir com seriedade qualquer assunto. É destino? Será fado? Os números, os estudos, a simples prestação de contas, surgem a público de tal modo que dá sempre para desconfiar... para pensar que aspectos principais foram escamoteados, que, afinal, não foram fornecidos todos os elementos para se ajuizar da coisa.
A propósito da prestação pública das contas dos Hospitais SA, o editorial de João Cândido da Silva, no Diário Económico de hoje, diz tudo. Afinal quanto nos custou a mudança, quem pagou o quê, qual a dimensão do défice, qual a melhoria na prestação de cuidados...? Queremos saber, mas é tudo nevoeiro!
E portanto, é simples: os que estavam convencidos de que a mudança era, em si, positiva, deixam-se embalar pela propaganda; os que não estavam convencidos, mantêm-se descrentes. Ponto final. Grande qualidade de debate!

Jorge Wemans

Por isso te conto… (35 anos depois do 17 de Abril de 1969)

Eram tempos diferentes. Imagino mesmo que a um jovem universitário dos dias de hoje possa parecer um tanto estranho o sacrifício, o empenhamento militante e a ilimitada solidariedade dos jovens que viveram e participaram nas lutas do movimento associativo estudantil no longínquo ano de 1969.
Tínhamos então, os mesmos vinte anos que tu tens hoje.
E a nossa coragem -- têm dito e escrito por aí que fomos uma “ geração de coragem” -- não era mais nem diferente da dos jovens de hoje. Sim, eram tempos diferentes.
A liberdade estava ainda com cinco anos de atraso.
O país sangrava numa guerra colonial que matava e estropiava jovens da tua idade.
A liberdade de palavra e de opinião era garrotada pela censura prévia dos jornais ou ponto de partida para a cadeia. Delitos de opinião, dirás. Sim, de facto. Mas assim se proibiam e apreendiam livros, discos, jornais, filmes e peças de teatro.
Os partidos políticos estavam ilegalizados, o direito de manifestação era jugulado pelo autoritarismo fascista e brutalmente reprimido pelas forças policiais.
Por isso te conto…
Em 17 de Abril de 1969 não tivemos alternativa.
Era a dignidade de uma geração e a honra da Associação Académica de Coimbra contra o opróbrio dos serventuários do regime.
De um lado, a cabeça erguida das raparigas e rapazes de 20 anos que lutavam pelo direito de ter voz e usá-la, do outro, a visão canhestra das cabeças baixas vergadas pelo peso do cacete da vergonha. De um lado, a Universidade, alunos e professores numa entrelaçada maioria solidária, do outro o despudor sem norte de um regime entrincheirado na repressão e na mentira.
Por isso te conto…
Coimbra foi uma cidade sitiada durante meses, mas os teus colegas de então transformaram-na no baluarte da resistência juvenil e inundaram-na da alegria criativa que só jovens de vinte anos sabem inventar. A greve às aulas com ocupação das faculdades, a corajosa greve a exames, a prisão de centenas de rapazes e raparigas, o encerramento da universidade e da AAC ou a incorporação compulsiva de 49 dirigentes estudantis nas fileiras do exército colonial, são apenas factos que substanciam o ardor de uma luta juvenil e que pontuam a negro a indómita repressão que se abateu sobre os estudantes de Coimbra.
Era a honra associativa que estava em causa. Optámos por fazer dela bandeira académica, sabíamos das consequências e assumimos a sua inevitabilidade.
Mas disso já te terão contado…
E, provavelmente, também saberás que os sicários do regime autoritário viriam a ter de recuar em toda a linha nas medidas repressivas aplicadas.
A dignidade e a honra estudantis ficaram intocadas. E os estudantes de Coimbra viriam a encontrar nos canos das espingardas do 25 de Abril as mesmas flores que haviam distribuído à população da cidade nos alvores da greve a exames…

Osvaldo Sarmento e Castro (Vice-Presidente da Direcção-Geral AAC, em 1969)

Apoios que comprometem

O insignificante sub-secretário de Estado da Cultura que em 1992 censurou um livro de José Saramago, por ser “contrário à moral cristã”, declarou ontem que a sua atitude contou com o apoio e solidariedade do então Primeiro-Ministro, Cavaco Silva. A acusação é muito grave, pelo que, mesmo vinda de personagem pouco credível e interessado em invocar essa "cobertura" política, importa que o visado esclareça se ela corresponde à verdade, pois existe uma diferença considerável entre não se ter oposto à censura e tê-la apoiado expressamente.
É a credibilidade do antigo primeiro-ministro como possível futuro candidato à presidência da República que está em causa.

Post scriptum (com agradecimento ao CE pela observação) - E quanto a Santana Lopes -- que era o responsável governamental pela cultura e portanto o superior político da criatura --, é de presumir obviamente que deu luz verde à decisão censória do seu subordinado. Será que também ele (igualmente potencial candidato à presidência da República) faria hoje o mesmo?

Quando até o império recua...

Face a ameaças de atentados contra alvos norte-americanos na Arábia Saudita, o Governo dos Estados Unidos aconselha os seus cidadãos a saírem rapidamente do País, seguindo assim a via iniciada no que respeita ao Iraque por diversos países europeus, entre os quais a França, a Rússia, Portugal, etc.
Tendo essa atitude sido criticada por alguns em nome da "firmeza contra o terrorismo", o que vão fazer agora os adeptos caseiros da intransigência? Calar-se prudentemente? Inventar qualquer diferença entre os dois casos? Mudar de opinião? Ou ser mais papistas que o papa?

O TPI e os PALOPs

O que se passa com a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) pelos PALOPs? Todos eles assinaram o tratado, mas até agora nenhum o ratificou, nem mesmo Cabo Verde, um dos países com melhor registo em termos de estabilidade democrática e de Estado de Direito. Na África são já 22 os países que o fizeram, sendo por isso mais chocante a omissão dos cinco da CPLP. Em 2003 foi emitida em Coimbra, numa reunião da CPLP, uma declaração conjunta dos países lusófonos a favor da ratificação do Tratado. Mas só três o fizeram até ao momento: Portugal, Brasil e Timor-Leste.
Em Março passado realizou-se em Brasília uma conferência ibero-americana-lusófona sobre o Tribunal Penal Internacional, com participação de quase todos os PALOPs, tendo sido emitidas uma declaração de apoio à ratificação ("Declaração de Brasília sobre a Corte Penal Internacional"). Não seria de aproveitar a ocasião para que a diplomacia portuguesa se empenhasse junto dos governos dos países atrasados para conseguir a ratificação tão rapidamente quanto possível?

A União Europeia contra a conspiração Sharon-Bush

Como era de esperar, a UE não aceita o cambalacho entre Sharon e Bush sobre a questão palestiniana, pelo qual o segundo -- à margem de qualquer acordo com os demais patrocinadores do “roteiro para a paz” na Palestina, nomeadamente a UE -- aprovou entusiasticamente o plano do primeiro para abandonar a faixa de Gaza mas a troco da anexação da maior parte do território ocupado da Cisjordânia onde estão instalados os (ilegais) colonatos judaicos.
Javier Solana, o chefe da política externa da União, declarou que esta não aceita nenhuma alteração das fronteiras de 1967, à data da ocupação, a não ser que resulte de acordo entre as duas partes.
Resta saber que providências é que a UE conta tomar contra esta deliberada afronta norte-americana, em que os Estados Unidos sacrificaram unilateralmente a solidariedade com os demais parceiros e os interesses da paz na Palestina em função dos interesses do seu dilecto aliado, Israel.
Vai ser também interessante saber a posição do exército de comentadores que normalmente alinham entre nós com as posições da política externa de Bush. Não é de excluir que mais uma vez optem por Washington contra a Europa...

quinta-feira, 15 de abril de 2004

Memórias antifascistas: Raimundo Narciso e a ARA

Uma entrevista de Raimundo Narciso ao blogue Bota Acima: a breve história na primeira pessoa de um dos responsáveis e operacionais da organização especial do PCP para a acção directa no final do Estado Novo. Sobre ela escreveu também um livro, justamente intitulado “ARA – Acção Revolucionária Armada: A história secreta do braço armado do PCP” (Lisboa, 2000), que conta, num registo muito despojado, um pedaço pouco conhecido da luta antifascista (ver também o seu website pessoal).
Nos 30 anos do 25 de Abril, quando algum revisionismo político tenta desvalorizar a revolução e, implicitamente, branquear a ditadura, eis um notável testemunho pessoal de alguém que se entregou denodadamente a fazer a diferença entre o antes e o depois do 25 de Abril. Obrigado, Raimundo!

«A palavra pia»

«Domingo de Páscoa. Sol, rebentos, flores -- o renascimento da Natureza. Centenas de foguetes anunciam o compasso; uma vez por ano Cristo retribui a visita semanal dos crentes, a provar que também ressuscitou.
À noite, num programa de grande audiência da TV, almofadada pela rodela vermelha ao canto, exibem-se crianças como manequins (custa-me dizer modelos) desfilando com ademanes maricóides, sob o aplauso idiota do público em cena e a activa conivência chula das famílias de vedetas a haver.
Não se exibem para outras crianças, que a rodela ao canto o desaconselha, mas para adultos que apreciem modelos destes.
O programa é dirigido por uma das figuras do espectáculo implicada no processo de pedofilia da Casa Pia; na primeira fila, um padre mediático aplaude o festival da exploração infantil. A rodela vermelha imitava uma auréola de duvidoso resplendor.
A palavra pia tem significados diversos.»

(HCM, Coimbra)

«Afastar Bush é imperioso»

«Seduzido pelas fantasias teóricas dos neoconservadores, adeptos da democratização universal à bomba, e cego pela superioridade militar americana, Bush conseguiu resultados notáveis: tratou mal os aliados e enfraqueceu a NATO; desprezou a ONU e agora pede-lhe ajuda; alienou os moderados muçulmanos; por acção e omissão sua, o conflito israelo-palestiniano está pior do que nunca; esqueceu-se de prever o pós(?)-guerra no Iraque; o fiasco iraquiano impulsionou o terrorismo, em vez de o travar; e deu o flanco aos terroristas com Guantánamo e similares. A conversão de Khadafi em ditador bom não chega para contrabalançar.»
Aplauso! Mais um possesso do “anti-americanismo primário”? Não, é simplesmente o moderado Francisco Sarsfield Cabral, num excerto da sua coluna de hoje no Diário de Notícias (leia o resto!). Para escrever o que ele escreveu basta ter sensibilidade e independência de juízo.

Revoltante

A notícia da execução de um dos quatro reféns italianos no Iraque é revoltante. Pior que o terrorismo que atinge vítimas anónimas, o frio assassínio de reféns civis, mesmo tratando-se de “seguranças” privados, sobe mais um degrau na escala da barbárie (ainda por cima com envio de imagens brutais a uma estação de televisão). O Iraque tornou-se um palco de todas as desgraças.

quarta-feira, 14 de abril de 2004

Francisco Lyon de Castro

Quando o conheci não era operário, era empresário.
Quando o conheci não era novo. Nem velho. Foi apenas há três anos. Mas, como poucos, tinha opiniões arejadas sobre o tema de que falei naquela noite: o comércio e a cidade.
Quando o conheci não militava no PCP. Mas, segundo me contaram, não faltava a uma conferência da União das Associações de Comércio e Serviços de Lisboa. Fiquei contente por o ter como espectador.
Quando o conheci, afinal, já o conhecia há muito tempo (desde os livros da Europa-América que o meu Pai comprava em Quelimane, na Livraria Transmontana).
Quando o conheci, eu disse apenas «foi um gosto», e foi.

MMLM

Valentia à custa alheia

Desta vez José Manuel Fernandes excedeu-se manifestamente na defesa da ocupação do Iraque. No seu editorial de hoje o director do Público protesta contra a França e a Alemanha, bem como contra Durão Barroso, por terem aconselhado os seus nacionais que se encontrem no Iraque a abandonarem esse País, dada a insegurança reinante, designadamente o risco de serem capturados como reféns. No caso dos civis portugueses, o risco é ainda maior pelo facto de Portugal participar nas forças de ocupação. No entender de JMF – que seleccionou aqueles países de entre vários outros que emitiram mensagens semelhantes –, isso significa enviar uma «mensagem de fraqueza aos terroristas».
Mas esta posição não é sustentável. O dever de qualquer Estado é defender os seus nacionais em situações de risco no estrangeiro e avisá-los quando não está em condições de o fazer, como é o caso. Se eles permanecerem é que podem servir de instrumento das facções radicais iraquianas anti-ocupação. A que propósito é que civis estrangeiros inocentes hão-de servir de reféns ou bodes espiatórios do conflito desencadeado pela aventura militar de Washington e dos seus aliados no Iraque? E quantas vezes é que os próprios Estados Unidos não aconselharam já os seus nacionais a deixarem outros países em situações de insegurança grave?
Para sacrifício de civis inocentes já bastam os inúmeros iraquianos que morrem todos os dias no seu próprio País desde a invasão, vítimas de atentados terroristas e de operações das forças de ocupação. É fácil pregar valentia à custa do risco alheio.

Vital Moreira

«A América doente»

Vale a pena ler a entrevista de Paul Krugman ao diário italiano La Repubblica. O célebre economista norte-americano -- que em breve estará em Portugal, e que, como colunista semanal do New York Times, tem protagonizado uma crítica severa da Administração Bush, incluindo a invasão do Iraque -- identifica os fundamentos da “doença americana”.
A aliança entre o poder económico, a direita radical política e religiosa e a passividade dos média –, eis os ingredientes que explicam a natureza da política americana sob o domínio de George Bush.

«Terrorismo verbal»

“Os especialistas nacionais na guerra de contra-informação sobre o Iraque alegram-se com a contagem de mortos que diariamente se faz dos soldados americanos.”
«É com estas palavras que Luís Delgado dá início a mais um dos seus artigos de opinião sobre a guerra no Iraque no Diário Digital de ontem. As palavras são brutais, ainda que escritas por alguém que, tal como Alberto João Jardim, atingiu um estatuto de inimputável. Mas então devemos ignorar? Mas não é ele presença diária num jornal e num canal de TV, ditos de referência? Esta frase e o autor são elucidativos do actual nível de qualidade do comentário político nos “media” e do desnorte que grassa nas fileiras pró-Bush. Quanto mais evidente se torna a dimensão do desastre, mais intensificam a sanha guerreira, mais aguçam a agressividade no comentário, mais cavam funda a injúria e mais expandem o terrorismo verbal. Quando já não restam argumentos credíveis recorrem aos julgamentos de carácter.
As palavras do Luís Delgado incomodam-me, porque me incomodam todos extremistas e todos os terroristas, ainda que só armados de palavras.»


(J.J.N.T.M., Matosinhos)

terça-feira, 13 de abril de 2004

Novas do PREC

Tal como no Verão Quente de 75, o novo PREC (Processo de Regionalização Em Curso) surpreende-nos diariamente. Quando, há umas semanas, verberei o esquartejamento do país em dezassete “regiões”, mal sabia que o resultado final seria de vinte e três, fora umas quantas situações de indefinição territorial que poderão terminar em irredutíveis aldeias gaulesas, afastadas do “progresso” que o PREC e as suas ridículas áreas metropolitanas insinuam.

Primeiro, a pobre Nazaré. Apanhada de surpresa pela torrente ocidental dos municípios vizinhos, entalada geograficamente por Alcobaça, resta-lhe uma de três opções: aderir ao Oeste que não deseja, esperar por uma excepção à lógica de continuidade territorial do PREC para poder abraçar Leiria, ou encontrar um Panoramix decente e mandar às urtigas a pax congeminada por Isaltino de Morais e seus seguidores. Por mim, que sinto alguma responsabilidade por via onomástica, seguiria sem hesitações o caminho da independência.

Depois, as patéticas declarações do secretário de Estado para o PREC. Que a regionalização seria mal-amada mas a a descentralização bem-querida pelos portugueses, que a transferência de competências e recursos era uma matéria menor, que o esforço governativo iria agora incidir na agregação das putativas vinte e três regiões numa malha mais racional (!), que o PREC era o único modelo capaz de unir os portugueses, entre outras preciosidades.

Não sei quanto mais tempo durará este folhetim, para desespero das próprias autarquias, forçadas a contragosto a aderir a um modelo em que não acreditam. Estamos no puro domínio do faz-de-conta, onde só a dura realidade da abstrusa malha administrativa portuguesa continua incólume, para desespero dos cidadãos.

Luís Nazaré

Survival

Consegui sobreviver a oito dias de quase isolamento digital, após um ataque suicida de um vírus tão devastador e resistente (com espantosas mutações e artes de dissimulação) que só o arsenal bélico e a competência dos técnicos da Microsoft conseguiram eliminar, numa operação pós-pascal de perseguição implacável. Aplausos pela esquerda à Microsoft, que também os merece.

O que é extraordinariamente curioso é que, cá em casa, há quatro computadores e quatro ligações autónomas à Internet. A minha e a da minha mulher estão super-protegidas com anti-virus e firewalls de diversas proveniências; as das minhas duas filhas não dispõem de qualquer dispositivo protector. Eu e a minha mulher não temos ligações digitais suspeitas (que eu saiba) nem fazemos downloads de programas quaisquer, enquanto as minhas filhas passam o tempo a descarregar bits de proveniência mais que duvidosa. A elas, nada lhes acontece, nunca foram infectadas, não sabem o que são os estragos de um surto viral. A mim e à minha mulher, surgem-nos problemas com uma regularidade impressionante.

Um velho amigo meu, experiente cidadão do mundo, perguntava-me na quinta-feira passada: “Ainda não percebeste que, se não houver permanentes ataques de novas estirpes virais, não se vendem novas versões de preservativos?”. É um cínico, este meu amigo…

Luís Nazaré

Soros contra Bush (carta de um leitor)

"Com mais esta prova da apoio à política espansionista israelita, Bush pretende obviamente cativar o importante voto dos judeus norte-americanos nas eleições presidenciais de Novembro e Sharon procura tirar argumentos aos superfalcões israelitas" [Vital Moreira]

«Nem todos os judeus norte-americanos (ou não) assinam por baixo das acções de Sharon. Um deles é judeu, fugiu do nazismo e é um dos maiores capitalistas americanos: George Soros. Comecei a ler "The Bubble of American Supremacy" onde se pode ler isto (ja tinha sido publicado no Atlantic Monthly):

"(...) Even so, September 11 could not have changed the course of history to the extent that it has if President Bush had not responded to it the way he did. He declared war on terrorism, and under that guise implemented a radical foreign-policy agenda whose underlying principles predated the tragedy. Those principles can be summed up as follows: International relations are relations of power, not law; power prevails and law legitimizes what prevails. The United States is unquestionably the dominant power in the post-Cold War world; it is therefore in a position to impose its views, interests, and values. The world would benefit from adopting those values, because the American model has demonstrated its superiority. The Clinton and first Bush Administrations failed to use the full potential of American power. This must be corrected; the United States must find a way to assert its supremacy in the world.
This foreign policy is part of a comprehensive ideology customarily referred to as neoconservatism, though I prefer to describe it as a crude form of social Darwinism. I call it crude because it ignores the role of cooperation in the survival of the fittest, and puts all the emphasis on competition. In economic matters the competition is between firms; in international relations it is between states. In economic matters social Darwinism takes the form of market fundamentalism; in international relations it is now leading to the pursuit of American supremacy.
(...) The war on terrorism as pursued by the Bush Administration cannot be won. On the contrary, it may bring about a permanent state of war. Terrorists will never disappear. They will continue to provide a pretext for the pursuit of American supremacy. That pursuit, in turn, will continue to generate resistance. Further, by turning the hunt for terrorists into a war, we are bound to create innocent victims. The more innocent victims there are, the greater the resentment and the better the chances that some victims will turn into perpetrators.
(...) I propose replacing the Bush doctrine of pre-emptive military action with preventive action of a constructive and affirmative nature. Increased foreign aid or better and fairer trade rules, for example, would not violate the sovereignty of the recipients. Military action should remain a last resort. The United States is currently preoccupied with issues of security, and rightly so. But the framework within which to think about security is collective security. Neither nuclear proliferation nor international terrorism can be successfully addressed without international cooperation. The world is looking to us for leadership. We have provided it in the past; the main reason why anti-American feelings are so strong in the world today is that we are not providing it in the present". »


(NF)