terça-feira, 20 de abril de 2004

Democracia e desenvolvimento

No meu artigo de hoje no Público abordo alguns temas controversos sobre a revolução do 25 de Abril. Entre outros que merecem ser discutidos conta-se o da relação entre a instauração do regime democrático e o desenvolvimento económico-social. Existe uma ideia corrente de uma correlação positiva entre democracia e desenvolvimento, tal como antes se sustentava uma correspondência entre a ditadura e o atraso económico e social. Não era por acaso que a oposição sublinhava os dados da pobreza e do subdesenvolvimento durante o Estado Novo, imputando-os ao regime autoritário, tal como é natural que hoje se apontam as estatísticas do desenvolvimento económico e social desde 1974 como prova da superioridade da democracia.
Sem esquecer que a relação entre desenvolvimento e democracia – que tem afinidade com a relação entre democracia e economia de mercado, mas que não se confunde com ela – constitui um dos temas clássicos da ciência política e da teria da democratização, importa lembrar que no caso português o 25 de Abril surge em pleno surto de crescimento económico do País, que vinha desde os anos 60 e que porventura um dos fundamentos da revolução foi justamente a abertura social e as expectativas sociais que esse crescimento trouxe, às quais o regime do Estado Novo não estava em condições de corresponder. Por outro lado, é indesmentível que sem a instauração do regime democrático Portugal não poderia ter entrado na então CEE e não poderia ter beneficiado das ajudas e das condições favoráveis que dela resultaram e que explicam o grande salto de desenvolvimento posterior, o qual em muitos aspectos não tem paralelo com nenhum outro período da nossa história.

Vital Moreira

Sentimento antiparlamentar

Sobre o tema do sentimento antiparlamentar do PCP ver a nota de João Tunes em retrospectiva histórica no Bota Acima:

« (...) Mas, na concepção marxista-leninista, a Solução não passa por aí [pelo Parlamento]. Sabe-se onde está: na classe operária, nas Comissões de Trabalhadores, nos Sindicatos, nas greves, nas manifestações, na revolta, em todas as revoltas, que crescerão até chegarem à Revolução. A intervenção parlamentar é, apenas, uma “frente”, uma frente visível mas transitória e precária. A base de fé é sempre “isto não vai lá com votos”, mas e apenas até lá, quantos mais votos melhor. O brilho, quando excessivo, do trabalho parlamentar dos deputados comunistas sempre foi olhado internamente com desconfiança. (...)»

segunda-feira, 19 de abril de 2004

«A verdade não é anti-semita»

Se Tanya Reinhart, professora nas Universidades de Utrecht e de Telavive, autora do livro «Destruir a Palestina - A segunda metade da guerra de 1948» – que acaba de ser editado entre nós –, não fosse, como é, judia e israelita, o mínimo de que seria acusada pelos representantes ideológicos da direita israelita seria de “anti-semitismo”, que é o chavão com que eles pretendem inibir e silenciar toda a crítica da ocupação dos territórios e da opressão dos palestinianos. Sucede porém que, independentemente do juízo crítico da autora, há os factos, que não podem ser apagados, tão notórios eles são, mesmo se os falcões israelitas não hesitem negá-los (nisso imitando a tentativa negacionista pró-nazi em relação ao holocausto).
Como ela diz em entrevista ao Público: «Porque os judeus foram perseguidos, não só durante o século XX mas ao longo de toda a História, deveriam mais do que ninguém ser sensíveis ao sofrimento que é infligido a outros pelo seu próprio povo.» Infelizmente é este juízo moral que falta em tantas das manifestações de defesa da política palestinicida de Israel.

À procura da região Centro

Numa entrevista dada à nova revista regional Prime Negócios, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), Paulo Pereira Coelho – um dirigente distrital do PSD, cuja escolha para esse cargo representou uma ruptura com a tradição de nomear para esse cargo personalidades altamente qualificadas pelo seu perfil universitário ou técnico (desde Manuel Porto a José Reis) – fez algumas declarações surpreendentes, desde a desvalorização do aeroporto da Ota para a região, bem como das paragens do futuro TGV, terminando por considerar também que a criação das novas entidades supramunicipais é irrelevante para a região, não implicando nenhuma alteração.
Diz o entrevistado que a região Centro «não existe politicamente de forma articulada», o que não é propriamente animador. Mas depois desta entrevista do seu presidente é de duvidar que ela possa adquirir identidade própria sem ao menos uma visão estratégica dos seus interesses específicos.

O outro exército de ocupação

Além das forças militares da coligação liderada pelos Estados Unidos existe uma outra importante força de ocupação no Iraque. São os profissionais e empresas privadas de segurança ao serviço não somente das empresas de reconstrução mas também da administração ocupante. A segurança do próprio "procônsul" americano Paul Bremmer está a cargo deste exército privado. Tais milícias privadas desempenham portanto típicas funções militares. A privatização de funções públicas “American style” estende-se agora às próprias tarefas militares.
Calcula-se que o seu número seja superior a 15 000 elementos, segundo o Repubblica (ou 20 000 segundo o New York Tymes), recrutados em todo o mundo por dezenas de empresas especializadas, principalmente entre antigos militares e polícias. Especialmente bem remunerados – até mil dólares por dia, segundo o Repubblica –, a factura da segurança pode atingir segundo o New York Times até 25% do custo dos projectos de reconstrução do Iraque. Apesar de especialmente bem armados, eles constituem um dos alvos principais da resistência iraquiana. Pertenciam a esse exército de mercenários os quatro norte-americanos massacrados em Faluja e os quatro italianos feitos reféns (um dos quais executado).
Quanto custa realmente manter a ocupação de um País?

Vim para ajudar o grupo.

Tenho o fascínio dos aeroportos. Melhor: de um aeroporto. Mas não é por causa dos aviões, das viagens, nem sequer pelas hospedeiras que o aeroporto de Lisboa sempre me encantou.
Nos meus 18 anos de ilha Terceira, havia sempre uma altura do ano em que sonhava com o aeroporto de Lisboa - no verão. Momento do ano ao qual, na gíria futebolística, se chama defeso.
É a época em que chegam os reforços aos grandes clubes. E eu, benfiquista doente, ficava a vê-los chegar e prometer sonhos pela televisão.
Mais ainda: desde que aterrei em Lisboa pela primeira vez, e sempre que chego ou parto com a Portela como escala, tenho o gozo enorme de colocar a minha mala no carrinho, pôr os óculos escuros e estilosos, e passar anónimo por corredores cheios de gente que espera alguém, enquanto respondo às perguntas imaginárias de repórteres invisíveis:

"Sim, vim para o Benfica. Estou muito feliz. Vou marcar muitos golos. Seremos campeões, com a graça dji Deus, né?".

A onda referendária

Parece adquirido que Blair vai anunciar a convocação de um referendo sobre a nova Constituição Europeia no Reino Unido. Pressionado pela direita e pelos liberais-democratas, o chefe do Governo britânico, que falhou o seu compromisso sobre um referendo acerca da adesão ao Euro e que até agora tinha negado a necessidade de qualquer consulta popular sobre a Constituição, efectua assim uma substancial mudança de posição, que poderá ter repercussão noutros países onde existe controvérsia sobre a questão.

«Cuidado com o teu telhado»

Este post do Pedro Caeiro no Mar Salgado merece aplauso e meditação.

(R)evolução

Uma das melhores "charges" sobre a tonteria ideológica do Governo de comemorar os 30 anos do 25 de Abril em nome da "Evolução" é seguramente a do José Mário Silva no Blogue de Esquerda.

(Uma nota pessoal: o link que aí se encontra para uma edição electrónica de "O Capital" de Marx remete para uma tradução publicada em 1973 em Coimbra, pela Centelha, numa edição preparada por mim próprio e pelo José Teixeira Martins, que um anónimo cibernauta resolveu digitalizar e disponibilizar na Internet...)

Devastador

... o comentário de Vasco Pulido Valente em relação à trapalhada das declarações governamentais sobre a presença de forças portuguesas no Iraque.

«Estado de letargia do PS»

«(...) No mesmo site [do Público] pude ler os comentários feitos pelo deputado Alberto Costa do PS, não sei se em representação do partido ou se a título pessoal, sobre este mesmo assunto [as declarações de Durão Barroso sobre a retirada das forças espanholas do Iraque]. O melhor que conseguiu articular foi que a posição era "indelicada" e "carente de sentido de Estado". É confrangedor e preocupante, para quem como eu tem esperança numa alternativa de esquerda ao actual governo, o estado de indigência ideológica e de mediocridade revelada na comunicação dos actuais dirigentes do PS.
O país está num estado depressivo como já não há memória. A maioria dos cidadãos comuns vive desalentada com a falta de perspectivas e de horizontes de esperança. O P.S. em vez de empreender um combate firme, sem cedências ao populismo e à demagogia, mantém-se num estado de letargia incompreensível parecendo que contagiado pela depressão geral. Parece desligado da realidade e pouco importado com a sorte dos seus eleitores e da sua tradicional base social de apoio.
Confesso-me decepcionado, tanto mais que esperava muito mais do Eduardo Ferro Rodrigues. Não reconheço nele a chama de outros tempos, a sua conhecida capacidade de enfrentar o “establishment”, pelo contrário vejo-o rendido ao aparelho e aos socialistas encartados que se comportam como “governantes-à-espera-da-vez-deles”. No plano ideológico quando se esperava um PS combativo a afirmar a validade do seu programa e a acentuar as diferenças para o governo, vemo-lo mais preocupado com a defesa das suas credenciais de gestores e “estadistas”. Depois queixam-se que o Bloco de Esquerda está a tomar um relevo desproporcionado ao seu peso eleitoral na comunicação social, pudera são, no plano ideológico, praticamente a única oposição de esquerda ao governo.»


(J.J.N.T.M, Matosinhos)

Euroenglish

Até aos anos 90 o Francês manteve um lugar paritário com o Inglês como língua de trabalho na UE, aliás com predominância na Comissão, ajudado pela envolvência francófona de Bruxelas. A entrada dos países escandinavos, onde a língua de Molière não é cultivada, representou um sério golpe para a sua importância na Comunidade, acentuado o crescente predomínio do Inglês. (Por exemplo, no mestrado europeu de direitos humanos em que participo deixou de ser possível fazer cumprir, em relação a esses países, o requisito de conhecimento de Francês que consta dos estatutos originários...). O alargamento para 25 países com os países do Leste vai traduzir-se numa segunda machadada nas pretensões do Francês, como reconhece o próprio Le Monde. A única língua veicular comum passa a ser definitivamente a língua de Shakespeare, embora numa versão Euroenglish, bem mais pobre e mais funcional.
A UE está em vias de possuir uma Constituição, que também define um hino e um dia oficial da União. Não consta dela a definição de uma língua da União. Mas não é preciso: na vida real ela é imparavelmente o Inglês.

domingo, 18 de abril de 2004

"Mons parturiens..."

Deus Pinheiro, cabeça-de-lista do PSD-PP às eleições europeias: foi para esta "surpresa" requentada que se fez tanta "caixinha" e tanto suspense? A coligação governamental está mesmo em maus lençóis!...

Repressão académica no Estado Novo

Uma das novidades da luta académica de 1969 em Coimbra em relação a movimentos anteriores (1962, 1965), como sublinhou Osvaldo Castro, foi o apoio de um considerável sector do corpo docente, incluindo entre os professores seniores. De facto, nomes como Orlando de Carvalho, Paulo Quintela, Teixeira Ribeiro, entre vários outros, constituíram uma importante arma na “legitimação” académica da mobilização estudantil. Esse apoio era naturalmente ainda mais amplo entre os assistentes, designadamente na Faculdade de Direito, onde havia uma notória maioria oposicionista, o que proporcionou a aprovação de uma moção de apoio aos estudantes logo no início do processo. Coube-me a proclamação pública dessa posição, feita da escadaria da "Via Latina" perante um numeroso ajuntamento de estudantes.
Foi, aliás, por essa e por outras acções menos públicas (o facto de ser também estudante de pós-graduação permitia-me participar ainda na vida estudantil) que no Outono desse ano, já terminada a luta académica, fui afastado do cargo – juntamente com o meu colega e amigo José Manuel Correia Pinto –, por decisão directa do então Ministro da Educação, José Hermano Saraiva, que vinha do último governo salazarista, numa decisão arbitrária, sem processo e sem direito de defesa, típica do regime. Tendo eu ficado por Coimbra a ultimar o mestrado, acabei por ser reintegrado (ou melhor, recontratado) no ano seguinte pelo Ministro subsequente, José Veiga Simão, por proposta, deve dizer-se, do próprio director da Faculdade, Afonso Queiró (já contei esta história noutra ocasião). Correia Pinto, que emigrou logo para Moçambique, por lá ficou até ao 25 de Abril 1974. Perdeu-se seguramente um excelente universitário, tendo sido um brilhante estudante e um “barra” no direito civil (faz hoje parte da direcção da APAD, a agência portuguesa para a ajuda ao desenvolvimento).
Um episódio tardio da repressão académica no Estado Novo...

Vital Moreira

O triunfo do 17 de Abril

Coimbra, ontem: sessão do 35º aniversário do 17 de Abril de 1969, que desencadeou a grande luta estudantil coimbrã desse ano, cinco anos antes do 25 de Abril de 1974. Inesperado foi ver na mesma mesa os principais dirigentes académicos de então (Alberto Martins, Osvaldo Castro, Celso Cruzeiro, etc.) juntamente com José Miguel Júdice, o actual bastonário da Ordem dos Advogados, que em 1969 pertencia à extrema-direita académica e tinha sido mesmo presidente da detestada comissão administrativa da AAC, nomeada pelo Governo, até às eleições do início desse ano que restauraram o autogoverno da Academia coimbrã, com a vitória esmagadora da direcção que haveria de conduzir a referida luta.
O facto deve-se à ousadia tanto da actual direcção da AAC, presidida por um estudante da Juventude Socialista, que organizou o evento comemorativo, como do próprio Júdice (entretanto afastado das posições políticas de então), que numa inteligente intervenção soube recordar os conflitos de outrora e prestar homenagem aos seus adversários de há 35 anos. Que melhor triunfo de um movimento político do que receber o reconhecimento dos seus próprios adversários da altura?

Citações antibushistas

«Como pode um dos presidentes mais visivelmente ignorantes de história e geografia na história presidencial americana ser aquele que muda a história e a geografia de um mundo que não compreende e que não conhece?»
(Vittorio Zucconi, "L'arma di distruzione di massa", La Repubblica, 9-4-2004)

«Os maiores recrutadores de terroristas são Bush e Sharon.»
(Tarik Ali, entrevista ao El País, 16-4-2004)

A secção portuguesa da "Brigada Wolfowitz"

Perante a confessada necessidade de reforço das tropas norte-americana no Iraque, em consequência do aumento da resistência à ocupação, Paul Kennedy, especialista em segurança internacional da Universidade de Yale e crítico da invasão, propõe o envio da “Brigada Wolfowitz”, constituída pelo próprio Paul Wolfowitz, o secretário de Estado da Defesa dos Estados Unidos – tido como o principal cérebro da estratégia neoconservadora – e todos os seus sequazes na concepção e na defesa da invasão e ocupação do Iraque (o El País publicou uma versão espanhola do texto).
Essa brigada poderia aliás internacionalizar-se, com a adição de todos os membros dos clubes de fãs do citado Wolfowitz em cada país da coligação que apoia a ocupação do Iraque. No caso português, de tão numerosa que é a coorte dos seus seguidores, a contribuição nacional poderia mesmo superar em número o batalhão da GNR que lá se encontra. Com esse enorme reforço, o Primeiro-ministro português já não teria de se humilhar a dizer aos poucos civis nacionais no Iraque para abandonarem esse País, por Portugal não lhes poder garantir a segurança pessoal. Uma nutrida secção portuguesa da Brigada Wolfowitz é a solução!

Os humilhados da terra

Face ao assassínio do novo líder do Hamas por Israel, é fácil concluir que na sua recente visita a Washington Sharon não obteve de Bush somente a aprovação para o seu plano de anexação de territórios palestinianos, mas também luz verde para continuar a sua política de assassínio sistemático dos dirigentes palestinianos. Ou seja, os Estados Unidos tornam-se cúmplices directos do terrorismo de Estado israelita. Ainda se não deram conta que quanto mais oprimem, humilham e desesperam os palestinianos, menos saídas deixam para a resistência destes que não seja pelo recurso a acções terroristas?

sábado, 17 de abril de 2004

Que se niquem!

À primeira vista, é mais uma manifestação do engenho globalizante da Nike. Mas quando olhamos mais de perto, detectamos pormenores arrepiantes no último spot publicitário do líder mundial em equipamentos desportivos. O confronto entre as selecções de Portugal e do Brasil resulta numa clara manifestação de inferioridade das cores lusas, algo a que certamente os actores portugueses não se prestaram e provavelmente nunca perceberão. Primeiro, os magros monossílabos trocados entre os craques das duas selecções lusófonas são na língua de Aznar. Segundo, após uma finta inicial bem sucedida de Figo, passamos o resto do tempo a levar rabetas dos brasileiros. Terceiro, somos claramente classificados de caceteiros, a julgar pelos lances violentos dos nossos craques e pelas equimoses evidenciadas pelo escrete canarinho na imagem final do anúncio. Devemos nicar a Nike ou fazer um exame de consciência?

Luís Nazaré

Filósofos da arquibancada

É o que nós todos somos. Tomara que revelássemos o talento dos autores da campanha publicitária da TMN sobre o Euro 2004. Um forte aplauso à qualidade do texto e das imagens do spot. Quando queremos, somos tão capazes quanto os melhores.

Luís Nazaré

Keep walking

É o slogan de um dos mais brilhantes anúncios dos últimos anos, uma obra-prima da publicidade criativa. Deste canto digital, o meu humilde tributo ao Johnnie Walker.

Luís Nazaré

sexta-feira, 16 de abril de 2004

NEVOEIRO ENVOLVE PRESTAÇÃO DE CONTAS

O debate público em Portugal raramente permite discutir com seriedade qualquer assunto. É destino? Será fado? Os números, os estudos, a simples prestação de contas, surgem a público de tal modo que dá sempre para desconfiar... para pensar que aspectos principais foram escamoteados, que, afinal, não foram fornecidos todos os elementos para se ajuizar da coisa.
A propósito da prestação pública das contas dos Hospitais SA, o editorial de João Cândido da Silva, no Diário Económico de hoje, diz tudo. Afinal quanto nos custou a mudança, quem pagou o quê, qual a dimensão do défice, qual a melhoria na prestação de cuidados...? Queremos saber, mas é tudo nevoeiro!
E portanto, é simples: os que estavam convencidos de que a mudança era, em si, positiva, deixam-se embalar pela propaganda; os que não estavam convencidos, mantêm-se descrentes. Ponto final. Grande qualidade de debate!

Jorge Wemans

Por isso te conto… (35 anos depois do 17 de Abril de 1969)

Eram tempos diferentes. Imagino mesmo que a um jovem universitário dos dias de hoje possa parecer um tanto estranho o sacrifício, o empenhamento militante e a ilimitada solidariedade dos jovens que viveram e participaram nas lutas do movimento associativo estudantil no longínquo ano de 1969.
Tínhamos então, os mesmos vinte anos que tu tens hoje.
E a nossa coragem -- têm dito e escrito por aí que fomos uma “ geração de coragem” -- não era mais nem diferente da dos jovens de hoje. Sim, eram tempos diferentes.
A liberdade estava ainda com cinco anos de atraso.
O país sangrava numa guerra colonial que matava e estropiava jovens da tua idade.
A liberdade de palavra e de opinião era garrotada pela censura prévia dos jornais ou ponto de partida para a cadeia. Delitos de opinião, dirás. Sim, de facto. Mas assim se proibiam e apreendiam livros, discos, jornais, filmes e peças de teatro.
Os partidos políticos estavam ilegalizados, o direito de manifestação era jugulado pelo autoritarismo fascista e brutalmente reprimido pelas forças policiais.
Por isso te conto…
Em 17 de Abril de 1969 não tivemos alternativa.
Era a dignidade de uma geração e a honra da Associação Académica de Coimbra contra o opróbrio dos serventuários do regime.
De um lado, a cabeça erguida das raparigas e rapazes de 20 anos que lutavam pelo direito de ter voz e usá-la, do outro, a visão canhestra das cabeças baixas vergadas pelo peso do cacete da vergonha. De um lado, a Universidade, alunos e professores numa entrelaçada maioria solidária, do outro o despudor sem norte de um regime entrincheirado na repressão e na mentira.
Por isso te conto…
Coimbra foi uma cidade sitiada durante meses, mas os teus colegas de então transformaram-na no baluarte da resistência juvenil e inundaram-na da alegria criativa que só jovens de vinte anos sabem inventar. A greve às aulas com ocupação das faculdades, a corajosa greve a exames, a prisão de centenas de rapazes e raparigas, o encerramento da universidade e da AAC ou a incorporação compulsiva de 49 dirigentes estudantis nas fileiras do exército colonial, são apenas factos que substanciam o ardor de uma luta juvenil e que pontuam a negro a indómita repressão que se abateu sobre os estudantes de Coimbra.
Era a honra associativa que estava em causa. Optámos por fazer dela bandeira académica, sabíamos das consequências e assumimos a sua inevitabilidade.
Mas disso já te terão contado…
E, provavelmente, também saberás que os sicários do regime autoritário viriam a ter de recuar em toda a linha nas medidas repressivas aplicadas.
A dignidade e a honra estudantis ficaram intocadas. E os estudantes de Coimbra viriam a encontrar nos canos das espingardas do 25 de Abril as mesmas flores que haviam distribuído à população da cidade nos alvores da greve a exames…

Osvaldo Sarmento e Castro (Vice-Presidente da Direcção-Geral AAC, em 1969)

Apoios que comprometem

O insignificante sub-secretário de Estado da Cultura que em 1992 censurou um livro de José Saramago, por ser “contrário à moral cristã”, declarou ontem que a sua atitude contou com o apoio e solidariedade do então Primeiro-Ministro, Cavaco Silva. A acusação é muito grave, pelo que, mesmo vinda de personagem pouco credível e interessado em invocar essa "cobertura" política, importa que o visado esclareça se ela corresponde à verdade, pois existe uma diferença considerável entre não se ter oposto à censura e tê-la apoiado expressamente.
É a credibilidade do antigo primeiro-ministro como possível futuro candidato à presidência da República que está em causa.

Post scriptum (com agradecimento ao CE pela observação) - E quanto a Santana Lopes -- que era o responsável governamental pela cultura e portanto o superior político da criatura --, é de presumir obviamente que deu luz verde à decisão censória do seu subordinado. Será que também ele (igualmente potencial candidato à presidência da República) faria hoje o mesmo?

Quando até o império recua...

Face a ameaças de atentados contra alvos norte-americanos na Arábia Saudita, o Governo dos Estados Unidos aconselha os seus cidadãos a saírem rapidamente do País, seguindo assim a via iniciada no que respeita ao Iraque por diversos países europeus, entre os quais a França, a Rússia, Portugal, etc.
Tendo essa atitude sido criticada por alguns em nome da "firmeza contra o terrorismo", o que vão fazer agora os adeptos caseiros da intransigência? Calar-se prudentemente? Inventar qualquer diferença entre os dois casos? Mudar de opinião? Ou ser mais papistas que o papa?

O TPI e os PALOPs

O que se passa com a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) pelos PALOPs? Todos eles assinaram o tratado, mas até agora nenhum o ratificou, nem mesmo Cabo Verde, um dos países com melhor registo em termos de estabilidade democrática e de Estado de Direito. Na África são já 22 os países que o fizeram, sendo por isso mais chocante a omissão dos cinco da CPLP. Em 2003 foi emitida em Coimbra, numa reunião da CPLP, uma declaração conjunta dos países lusófonos a favor da ratificação do Tratado. Mas só três o fizeram até ao momento: Portugal, Brasil e Timor-Leste.
Em Março passado realizou-se em Brasília uma conferência ibero-americana-lusófona sobre o Tribunal Penal Internacional, com participação de quase todos os PALOPs, tendo sido emitidas uma declaração de apoio à ratificação ("Declaração de Brasília sobre a Corte Penal Internacional"). Não seria de aproveitar a ocasião para que a diplomacia portuguesa se empenhasse junto dos governos dos países atrasados para conseguir a ratificação tão rapidamente quanto possível?

A União Europeia contra a conspiração Sharon-Bush

Como era de esperar, a UE não aceita o cambalacho entre Sharon e Bush sobre a questão palestiniana, pelo qual o segundo -- à margem de qualquer acordo com os demais patrocinadores do “roteiro para a paz” na Palestina, nomeadamente a UE -- aprovou entusiasticamente o plano do primeiro para abandonar a faixa de Gaza mas a troco da anexação da maior parte do território ocupado da Cisjordânia onde estão instalados os (ilegais) colonatos judaicos.
Javier Solana, o chefe da política externa da União, declarou que esta não aceita nenhuma alteração das fronteiras de 1967, à data da ocupação, a não ser que resulte de acordo entre as duas partes.
Resta saber que providências é que a UE conta tomar contra esta deliberada afronta norte-americana, em que os Estados Unidos sacrificaram unilateralmente a solidariedade com os demais parceiros e os interesses da paz na Palestina em função dos interesses do seu dilecto aliado, Israel.
Vai ser também interessante saber a posição do exército de comentadores que normalmente alinham entre nós com as posições da política externa de Bush. Não é de excluir que mais uma vez optem por Washington contra a Europa...

quinta-feira, 15 de abril de 2004

Memórias antifascistas: Raimundo Narciso e a ARA

Uma entrevista de Raimundo Narciso ao blogue Bota Acima: a breve história na primeira pessoa de um dos responsáveis e operacionais da organização especial do PCP para a acção directa no final do Estado Novo. Sobre ela escreveu também um livro, justamente intitulado “ARA – Acção Revolucionária Armada: A história secreta do braço armado do PCP” (Lisboa, 2000), que conta, num registo muito despojado, um pedaço pouco conhecido da luta antifascista (ver também o seu website pessoal).
Nos 30 anos do 25 de Abril, quando algum revisionismo político tenta desvalorizar a revolução e, implicitamente, branquear a ditadura, eis um notável testemunho pessoal de alguém que se entregou denodadamente a fazer a diferença entre o antes e o depois do 25 de Abril. Obrigado, Raimundo!

«A palavra pia»

«Domingo de Páscoa. Sol, rebentos, flores -- o renascimento da Natureza. Centenas de foguetes anunciam o compasso; uma vez por ano Cristo retribui a visita semanal dos crentes, a provar que também ressuscitou.
À noite, num programa de grande audiência da TV, almofadada pela rodela vermelha ao canto, exibem-se crianças como manequins (custa-me dizer modelos) desfilando com ademanes maricóides, sob o aplauso idiota do público em cena e a activa conivência chula das famílias de vedetas a haver.
Não se exibem para outras crianças, que a rodela ao canto o desaconselha, mas para adultos que apreciem modelos destes.
O programa é dirigido por uma das figuras do espectáculo implicada no processo de pedofilia da Casa Pia; na primeira fila, um padre mediático aplaude o festival da exploração infantil. A rodela vermelha imitava uma auréola de duvidoso resplendor.
A palavra pia tem significados diversos.»

(HCM, Coimbra)

«Afastar Bush é imperioso»

«Seduzido pelas fantasias teóricas dos neoconservadores, adeptos da democratização universal à bomba, e cego pela superioridade militar americana, Bush conseguiu resultados notáveis: tratou mal os aliados e enfraqueceu a NATO; desprezou a ONU e agora pede-lhe ajuda; alienou os moderados muçulmanos; por acção e omissão sua, o conflito israelo-palestiniano está pior do que nunca; esqueceu-se de prever o pós(?)-guerra no Iraque; o fiasco iraquiano impulsionou o terrorismo, em vez de o travar; e deu o flanco aos terroristas com Guantánamo e similares. A conversão de Khadafi em ditador bom não chega para contrabalançar.»
Aplauso! Mais um possesso do “anti-americanismo primário”? Não, é simplesmente o moderado Francisco Sarsfield Cabral, num excerto da sua coluna de hoje no Diário de Notícias (leia o resto!). Para escrever o que ele escreveu basta ter sensibilidade e independência de juízo.