quinta-feira, 6 de maio de 2004

Outsourcing

“(…) Quanto mais postos de trabalho exportarmos, mais a classe média se transformará a breve trecho numa espécie em risco. Só que a democracia americana assenta precisamente no vigor da classe média, sem a qual não teria condições para sobreviver. Por isso, sempre que exportamos trabalho, exportamos um pedaço das nossas fundações democráticas.

(…) Não existe maior ameaça para o papel dos Estados Unidos, enquanto democracia mais forte do planeta, do que a insistência do mundo dos negócios no paradoxo extremo: uma classe média desempregada. Se a deslocalização industrial prosseguir, legaremos aos nossos descendentes uma classe média fragilizada que não estará apta a suportar uma democracia viável.

É esta a bottom line da deslocalização industrial.”


(Carta de um leitor californiano, Dennis Clausen, à revista The Nation, de 10 de Maio)

Assim não vale!

No seu artigo de hoje no Público, José Pacheco Pereira critica o meu artigo de 3ª feira passada sobre as coligações eleitorais com pequenos partidos mais ou menos inexistentes, como a CDU, afirmando que eu vim “defender Os Verdes”.
Mas não é verdade! A primeira condição para uma crítica honesta é não imputar indevidamente uma posição facilmente criticável a quem queremos criticar.
Na verdade, dando eu de barato a «duvidosa representatividade política» dos Verdes e a sua natureza instrumental na coligação com o PCP, o único propósito do meu artigo foi objectar contra a sugestão do chefe do governo de tomar medidas legislativas, aliás não explicitadas, contra tais coligações. Conclui o meu artigo deste modo: «Mas num Estado de direito constitucional nem tudo o que é politicamente censurável [caso da CDU] pode ser licitamente proibido». Era só isso que estava em causa, independentemente da minha avaliação política da situação, que é obviamente condenatória, mesmo que não coincida em tudo com a apreciação de Pacheco Pereira (por exemplo, não vejo qual é a diferença entre não se saber o que vale um partido, porque nunca foi a votos sozinho, e saber-se que ele vale por exemplo 0,5% ou menos, como sucedeu com algumas coligações do passado, em que partidos desses acabaram com representação da AR em virtude de coligações com o PSD e com o PS....).

Actualização (7 de Maio):

Pacheco Pereira já me deu razão (aqui). Tudo bem, assim.

Parabéns...

... a J. Pacheco Pereira pelo primeiro ano do Abrupto. Ele contribuiu como poucos para a relevância pública da blogosfera postuguesa. Longa vida!

Desleixo

Passou praticamente despercebido, mesmo por parte das oposições, mais um disparate do Governo na área da justiça. Na candidatura a juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em consequência do próximo termo do mandato no actual juiz Português, Ireneu Cabral Barreto – que bem merece ser reconduzido –, Portugal deveria ter indicado três candidatos elegíveis, nos termos da normas em vigor. Ora, segundo foi noticiado, com base numa selecção pedida pelo Governo ao Conselho Superior da Magistratura, os dois juízes indicados a par do actual juiz em funções não preenchiam os necessários requisitos, pelo que a lista foi rejeitada na Assembleia Parlamentar do Conselho de Europa e a eleição teve de ser adiada! Uma vergonha!
De resto, continuo a defender que a selecção de candidatos a juízes de tribunais internacionais deve ser feito de modo desgovernamentalizado, público e transparente, mediante um procedimento equiparado ao que está previsto na Constituição para os tribunais supremos nacionais, ou seja, um concurso aberto a juízes, magistrados do Ministério Público e outros juristas qualificados. A escolha dos juízes dos tribunais internacionais não deve ser uma tarefa do Governo nem ficar reservada a juízes de carreira da ordem judicial comum.

Europartido, euroblogue

O novo presidente do Partido Socialista Europeu, o dinamarquês Poul N. Rasmussen, eleito no Congresso de 24 de Abril passado, em competição com o italiano Giuliano Amato, acaba de lançar o seu weblog pessoal, dedicado às eleições europeias de 10-13 de Junho próximo. Pode ver-se no próprio site do PSE.
Nas palavras do próprio autor, o seu papel «it's about making the PES a true, real European political party.»
De facto, sem verdadeiros partidos políticos europeus, como pode haver uma verdadeira “polity” europeia e genuínas eleições europeias?

Ao acaso pela blogosfera pátria

1. Consolidação nos serviços profissionais
O Causidicus desamparou o escritório solitário e juntou-se à Grande Loja, reforçando o que já era um grande superfície bloguística.

2. Tiro ao alvo
Eis o blogue oficioso da juventude socialista de Coimbra especificamente dirigido contra o actual executivo municipal presidido por Carlos Encarnação. «Desencarnação» - bem achado, o nome.

3. Prémio concisão
Um blogue onde as palavras se medem ao milímetro, para não ultrapassarem «duas linhas». «Lacónico», mas eficaz.

4. Um blogue de missão
«O Blogue "SaúdeSA" insere, a par de textos de crítica à política de saúde do actual governo, textos de humor sobre o processo de empresarialização dos hospitais do SNS, tendo como principal protagonista o famoso XAVIER SA, intrépido administrador executivo de um hospital SA.
Trata-se de um gestor hospitalar feito à pressa, pertencente ao pacote de nomeações do ministro Luís Filipe Pereira para os 31 hospitais SA. A personagem foi ficcionada a partir da observação, no terreno, de vários destes gestores de pacotinha e da forma, absolutamente estranha, desconcertante e inábil, como actuam nesse complexo meio que é o da actividade hospitalar.
O nosso lema é com humor lutar para que o Serviço Nacional de Saúde funcione da forma mais eficiente possível e contribua, cada vez mais e melhor, para o bem estar dos cidadãos portugueses.»

Émulo continental de Alberto João Jardim?

«Temos uma oposição ranhosa e mixuruca, sem sentido de Estado nem da dignidade, quer na sua obscena modalidade jacobino-socialista, quer na sua caquética variante estalino-intersindical, quer na sua ignominiosa expressão lumpen-trotskista. Não sabe nem quer discutir política. Anda a glosar há décadas as mesmas frases feitas. É incapaz de propor alternativas sérias. Quando diz trazer novidades, só cai na torpeza e na má-fé. Uma tropa-fandanga sem capacidade de entender o mundo, sem honestidade intelectual para análise dos problemas e das conjunturas, sem vergonha na cara quanto às suas próprias responsabilidades, sem ideias na cabeça quanto ao futuro.»
(Vasco Graça Moura, "País dos zeros à esquerda" Diário de Notícias, 6-5-2004)

Assim vai, cheio de elevação e de fair play, o discurso político da maioria governamental em Portugal!

quarta-feira, 5 de maio de 2004

Jardim e a vitrina dos tarados

Sabe-se há muito que Alberto João Jardim constitui um verdadeiro “case study” a nível psiquiátrico. Mas para quem porventura o tenha esquecido ele encarrega-se de relembrar essa evidência, em especial nos momentos eleitoralmente mais quentes, quando o seu descontrolo emocional e de linguagem se manifesta de forma mais desbragada e esquizofrénica.

Há nele uma tendência reconhecidamente patológica para atribuir aos outros aquilo que são traços constantes do seu comportamento psicótico. Ou seja: Jardim transfere para terceiros o reflexo da sua própria imagem ao espelho. Incapaz de assumir o que é e como é, Jardim rejeita esse reflexo desagradável para um “inimigo externo” (que tanto pode ser a oposição, a comunicação social, o “colonialismo” de Lisboa, a III República, a Trilateral, o “sistema”, ou simplesmente alguém que tenha o azar de pensar pela sua própria cabeça e exprimir opiniões não exactamente coincidentes com as suas).

Na sua moção ao congresso regional do PSD, Jardim escreve, entre outros nacos de antologia, que os partidos da oposição madeirense são “uma vitrina para tarados, complexados ou frustrados conseguirem a visibilidade patologicamente pretendida, ao ponto de servirem de instrumentos de fogo sobre o PSD-Madeira por parte de sinistros grupos económicos, vindos de um passado de má memória”.

Tal como o espelho que lhe devolve a imagem que ele rejeita, a vitrina dos tarados de Jardim é um expositor das suas próprias paranóias persecutórias.

Jardim e os seus acólitos são perseguidos pelos fantasmas e os símbolos que eles mesmos criaram, como se viu na forma como “celebraram” o 25 de Abril. Foi uma reedição do habitual festival de má-criação, ressentimento e recriminações trogloditas contra tudo o que não tenha a marca iluminada do jardinismo. Jardim inaugurou o maior túnel da Madeira sem se dar conta que a obsessão das obras públicas subterrâneas é já uma metáfora da “caverna de primatas” em que ele e a sua corte se encerram cada vez mais. Na Assembleia Regional, nem o respectivo presidente prescindiu de uma oratória de taberna e o deputado Coito Pita atirou um cravo ao chão. Ele não tem culpa do nome que usa, mas se é assim que pretende honrá-lo pode dizer-se que entre o nome e o gesto a coincidência será tudo menos ocasional. Coitado do Coito! Coitado “povo superior” que tão alarvemente se pavoneia nesta vitrina de tarados!

Vicente Jorge Silva

As fotografias da ignomínia

«But these photos are us. Yes, they are the acts of individuals (though the scandal widens, as scandals almost inevitably do, and the military's own internal report calls the abuse "systemic"). But armies are made of individuals. Nations are made up of individuals. Great national crimes begin with the acts of misguided individuals; and no matter how many people are held directly accountable for these crimes, we are, collectively, responsible for what these individuals have done. We live in a democracy. Every errant smart bomb, every dead civilian, every sodomized prisoner, is ours.»

(Philip Kennicott, «A Wretched New Picture Of America, Photos From Iraq Prison Show We Are Our Own Worst Enemy», Washington Post, 5 de Maio, 2004)

"Quousque tandem…?"

Face a aleivosias como esta declaração do PSD na Assembleia Regional da Madeira contra a República e os dirigentes dos seus serviços na Região, e perante o habitual silêncio cúmplice do PSD nacional, quando é que o Presidente da República resolve intervir na desgraçada “guerra das bandeiras”, tanto mais que no caso o alvo é um serviço da Marinha? Depois de ter intervindo como facilitador da recente revisão constitucional que ampliou extraordinariamente os poderes das regiões autónomas, o mínimo que se espera do Presidente é que não deixe achincalhar mais a autoridade da República no reino de Alberto João Jardim.

Diplomatas americanos contra Bush

Seguindo os seus colegas britânicos, que publicaram uma carta aberta condenando o seguidismo da política externa britânica em relação a Washington nos casos de Iraque e de Israel/Palestina, um numeroso grupo de ex-diplomatas norte-americanos veio também criticar severamente a política de Bush em relação ao Médio Oriente, em especial o apoio a Sharon, em violação do "roteiro para a paz" acordado com as Nações Unidas, a UE, a Rússia.
Há excessos que nem os normalmente discretos diplomatas podem tolerar! A não ser que também eles tenham sido todos atacados pelo vírus do "anti-americanismo primário", como diriam, mais papistas que o papa, os habituais representantes ideológicos do Pentágono nas terras lusitanas...

Tristemente só

Cuba vai ficando cada vez mais isolada internacionalmente. No seguimento da condenação pela Comissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra, pela violação persistente dos mais básicos direitos fundamentais (repressão de oposicionistas, liberdade de expressão, liberdade de reunião, etc.), Fidel Castro atacou violentamente os países latino-americanos que alinharam nessa condenação, levando dois deles a mandar chamar os seus embaixadores em Havana, nomeadamente o Peru e o México, sendo este tradicionalmente o maior aliado de Cuba no mundo latino-americano.
É o destino de todos os regimes autoritários na sua fase de declínio, incapazes de mudar e incapazes de aceitar as críticas. Como é triste ver esvair-se assim, sem honra nem glória, numa desgastada ditadura pessoal vitalícia, uma revolução que inicialmente tanto prometeu à luta contra a opressão das pessoas e dos povos...

Como de costume...

Pelo segundo ano consecutivo verificam-se problemas graves com o concurso de professores do ensino básico e secundário. Pior, os problemas este ano são ainda mais graves, com exclusão indevida de milhares de candidatos das listas provisórias. É mais uma prova de desmazelo e incompetência do Ministério da Educação. Este já anunciou a próxima publicação de novas listas corrigidas, com um novo período de reclamação. Mas, depois dos problemas do ano anterior, como foi possível lançar novamente um concurso deficiente e publicar listas obviamente e massivamente “gatadas”, sem as verificar previamente?
E não acontece nada? Ninguém é responsável?

terça-feira, 4 de maio de 2004

Porto!

Grande Porto, sofremos por ti e vibrámos com o teu feito! A minha tertúlia benfiquista estará a teu lado, como sempre, até à vitória final.
Luís Nazaré

Beneficiários das coligações

No meu artigo de hoje no Público abordei a questão das coligações eleitorais e em especial o caso da CDU e da duvidosa representatividade dos Verdes, explicitamente posta em causa pelo Primeiro-Ministro num debate na Assembleia da República.
A propósito de coligações ocorre perguntar: considerando fiáveis as sondagens eleitorais conhecidas, será que o PP elegeria algum deputado nas próximas eleições europeias, se não concorresse em coligação com o PSD? Embora a coligação se justifique pelo propósito de atenuar, pela soma dos votos de ambos os partidos, a dimensão da previsível derrota e de neutralizar o discurso euro-hostil do PP, não poderá o PM vir posteriormente considerar a coligação um mau negócio para o PSD ou, mesmo, questionar a legitimidade da representação do PP no Parlamento Europeu?

a bondade dos desconhecidos IV

Da terceira vez que me esmurraram foi por desespero. O desconhecido nunca me perdoou. A namorada dele pôs-me o mercurocromo.

a bondade dos desconhecidos III

A segunda vez que me esmurraram na vida eu merecia. Mas o desconhecido deixou-me responder. Ficámos amigos.

a bondade dos desconhecidos II

A primeira vez que me esmurraram na vida foi por engano. O soco era para outro. Mas o desconhecido levou-me ao hospital.

a bondade dos desconhecidos I

"Toda a vida dependi da bondade dos desconhecidos."
in "Tudo sobre a minha mãe", de Pedro Almodóvar

Compagnon de Rute

A Rute era uma das pessoas mais próximas de mim. Perdi-a no meio de uma intriga absurda que nunca cheguei a perceber donde veio, como começou ou quem a criou. Deixámos de ser amigos de um dia para o outro, sem explicação.
Passaram (e passam) 5 anos sem a ver.
Não posso dizer - sequer - que sinta a falta dela, tal a forma como cortámos relações. Mas ontem, por um absurdo da vida, conheci acidentalmente uma pessoa íntima da minha ex-amiga.
Contou-me que ela acabou o curso, voltou para o Alentejo, prepara-se para entrar para a PJ. Fico estranhamente feliz. Um, dois, três. Numa frase, a desconhecida resumiu os 3 sonhos simples que a Rute acalentava. E que referia, vezes sem conta, nas demasiadas horas difíceis que a vida lhe deu. Realizou-os todos. E eu, a contas com os meus desejos por concretizar e as metas que os amigos próximos continuam a perseguir, não pude evitar uma imensa felicidade pelo presente de uma amiga que nunca mais terei.

aforismos de directa (10:01 a.m.)

Um vinho com 100 anos e sessenta minutos é uma hora na vida de um homem.

Tiago Rodrigues

actor, argumentista, poeta, produtor, encenador - leiam-no no seu Mundo Perfeito.

Novas lógicas

Subscrevo, em geral, o comentário de Vital Moreira sobre a recente entrevista de João Salgueiro (JS) à Rádio Renascença. Só não entendo a lógica do raciocínio de JS sobre os mercados e as suas putativas parecenças com as causas da política. Olhemos de perto:

«Porque há muita coisa no curto prazo que não pode ser resolvida pelo mercado”. É bem verdade, mas se com isso JS pretende dizer que o mercado tudo resolve no longo prazo, é porque já se perdeu nas causas apostólicas de João César das Neves, coisa de que duvido. Se, pelo contrário, a sua descrença é intemporal, ficamos à espera de uma nova revelação.

“Nós hipertrofiamos a função de mercado, o que tem lógica porque o mercado estava muito recalcado pelo condicionamento industrial e pelo proteccionismo [que raio de lógica é esta?], mas não se pode dispensar uma estratégia de médio e longo prazo, e que as empresas têm, mas o país não.». Alguém é capaz de descortinar estratégias de longo prazo no mundo dos negócios? Se é certo que os políticos são falhos de visão, não é certamente o tecido empresarial que tem lições de futuro a dar-lhes.

Apostilas das terças

1. Cheiro a esturro
Com dois ex-ministros do PSD a aparecerem como face visível da Carlyle no negócio da privatização da Galp (Ângelo Correia e Martins da Cruz, este saído do presente Governo e recentemente enviado em representação oficial à Africa do Sul!), e ainda por cima dispondo do financiamento da CGD, o banco do Estado presidido por outro ex-Ministro do PSD, como é que se espera que uma eventual vitória no concurso não fique a cheirar a esturro? A pergunta é feita por Nicolau Santos no Expresso online, e tem toda a pertinência.

2. Judicialização da política
O ministro Paulo Portas desafiou o deputado Francisco Louçã a prescindir da imunidade parlamentar para responder pelas acusações que o segundo fez ao governo sobre uma alegado envolvimento governamental no apoio da CGD ao grupo norte-americano Carlyle na candidatura à privatização da Galp.
Trata-se de tontice ou de má-fé. Portas sabe: a) que a imunidade parlamentar não é renunciável; b) que, mesmo sendo infundada, a referida acusação é irrelevante sob o ponto de vista penal; c) que num debate parlamentar a uma acusação política se responde com uma refutação política. Nós ficámos a saber: a) que se não houvesse imunidades parlamentares Portas accionaria judicialmente meia oposição por injúria ao governo; b) que Portas não distingue entre a esfera da controvérsia política e o campo da lei penal.
A barra dos tribunais não foi feira para dirimir combates políticos entre o Governo e a oposição, como se sabe desde os primórdios do governo representativo. Pelos vistos há quem ainda não se não tenha dado conta disso.

segunda-feira, 3 de maio de 2004

João Salgueiro

Há personalidades assim. Sabedoras, ponderadas, politicamente moderadas e pessoalmente independentes, apesar da filiação partidária. Refiro-me a João Salgueiro, presidente da SEDES e da Associação de Bancos, membro mais ou menos distanciado do PSD, longe da proeminência que teve há vinte anos. Perante a entrevista à Rádio Renascença e ao Público, hoje publicada neste último, sentimos que mesmo quando não compartilhamos da sua visão política nem podemos acompanhá-lo nas suas opiniões temos de reconhecer a pertinência dos seus alertas e a consistência das suas posições.
Uma pequena antologia:

O mercado
«Porque há muita coisa no curto prazo que não pode ser resolvida pelo mercado. Tudo o que não tem que ver com os bens de mercado, os bens públicos, a redistribuição, a implantação regional o planeamento urbano, o mercado não pode resolver. Nós hipertrofiamos a função de mercado, o que tem lógica porque o mercado estava muito recalcado pelo condicionamento industrial e pelo proteccionismo, mas não se pode dispensar uma estratégia de médio e longo prazo, e que as empresas têm, mas o país não.»

A crise
«Desta vez, a crise que atravessamos tem uma nova natureza. O quadro mundial é outro, diferente de há dez anos, e altera-se de dia para dia, vejam os efeitos da China no comércio mundial, ao nível das matérias-primas e dos produtos acabados, e nos serviços da União Indiana. Já não podemos desvalorizar a moeda e apagar os erros, como acontecia antes. E um processo de ajustamento sem desvalorizar é mais difícil. Em terceiro lugar, começa haver desemprego de pessoas com formação superior e até com mestrados. É a primeira vez que está a acontecer. E temos a concorrência dos países do alargamento na captação de investimento estrangeiro. Há agora uma conjugação de factores muito grande que nos levará a perceber que ou mudamos de vida, ou vamos pagar a conta daqui a alguns anos e não serão muitos.»

Sociedade civil
«A sociedade civil tinha possibilidade de ter muito mais influência na vida politica, sem substituir os partidos. Temos uma democracia representativa mas é preciso que funcione. Há passividade dos cidadãos que se limitam a votar, e no intervalo não exigem dos eleitos o que eles prometeram fazer, há ineficácia das instituições, e há o escasso prestígio de que muitos políticos gozam.»

Constituição europeia
«Deveríamos ter já suscitado o problema da lógica regional e da coesão em novas coordenadas, porque com a Europa a 25 terão de existir novas coordenadas. Ora este problema não foi debatido em nenhuma universidade, não foi posto à discussão. Não é possível haver Constituição europeia sem haver finanças europeias. Não há políticas comuns, sem recursos comuns. Ficou completamente à margem da discussão sobre a Constituição europeia o problema do federalismo fiscal ou da revisão do orçamento europeu. Isto não é aceitável.»

A derrota de Sharon

A pesada derrota de Sharon no referendo interno dentro do Likud sobre o plano de retirada da faixa de Gaza não deixa dúvidas sobre a resistência da direita israelita a qualquer cedência no que respeita aos territórios ocupados. Dali ninguém os tira a bem. Encorajados pelo partido na política de colonização judaica dos territórios, os membros do partido governamental, muitos com interesses directos nos colonatos, não aceitam nenhum abandono, mesmo a troco da anexação definitiva de Jerusalém e da Cisjordânia, que Sharon lhes garantia.
Depois disto como pode ainda haver ilusões de que a retirada israelita dos territórios ocupados e a criação de um Estado palestiniano pode depender da boa vontade do Governo israelita?

Vocação minoritária

A propósito do post antecedente do Luís Nazaré sobre a vitória do Benfica noto que existe uma clara maioria benfiquista tanto no Causa Nossa como no meu círculo de familiares e amigos. Definitivamente não consigo pertencer à maioria em nada!...

domingo, 2 de maio de 2004

Adoro a segunda circular

A vitória sobre os leões soube-me pela vida. Eles até jogaram melhor, nem mereciam perder, mas a bola é assim mesmo. Já que fomos escandalosamente prejudicados na primeira volta – como é usual acontecer nos jogos com o Sporting –, ao menos que a sorte, por uma vez, nos acompanhasse. Para o próximo ano cá estaremos, contra o Porto de Camacho e o Sporting de Queiroz.
Luís Nazaré

O "sindicato" mundial das entidades locais

O Presidente da República Jorge Sampaio, também na sua qualidade de antigo presidente da Câmara municipal de Lisboa e de presidente da Federação Mundial das Cidades Unidas (FMCU), participa hoje em Paris na sessão inaugural do congresso fundador da Organização Mundial de Cidades e Autarquias Locais Unidas (United Cities and Local Governments), produto da fusão da referida FMCU com a União Internacional de Autoridades Locais (UIAL), decidida em 2001 no congresso do Rio de Janeiro.
A nova organização internacional vai ser seguramente uma das mais influentes entre as numerosas organizações internacionais de organismos públicos intra-estaduais, que se vão multiplicando em todas as áreas (universidades, entidades reguladoras, tribunais de contas, tribunais constitucionais, ordens profissionais, etc., etc.) e que testemunham a crescente expressão internacional de entidades públicas internas, que no quadro da concepção “westfaliana” do Estado estavam confinadas às fronteiras nacionais. Juntamente com as ONGs internacionais, produto da nova “sociedade civil mundial”, as organizações internacionais de entidades públicas internas são outra das novas categorias de protagonistas da cena internacional, a par dos Estados e das organizações inter-estaduais.

Tortura e humilhação de prisioneiros no Iraque

A Amnistia Internacional emitiu um comunicado declarando que os casos de tortura e maus tratos de prisioneiros pelas forças de ocupação no Iraque não são casos isolados e exige uma investigação completa, bem como a punição dos culpados.

«Our extensive research in Iraq suggests that this is not an isolated incident. It is not enough for the USA to react only once images have hit the television screens.
Amnesty International has received frequent reports of torture or other ill-treatment by Coalition Forces during the past year. Detainees have reported being routinely subjected to cruel, inhuman or degrading treatment during arrest and detention. Many have told Amnesty International that they were tortured and ill-treated by US and UK troops during interrogation. Methods often reported include prolonged sleep deprivation; beatings; prolonged restraint in painful positions, sometimes combined with exposure to loud music; prolonged hooding; and exposure to bright lights. Virtually none of the allegations of torture or ill-treatment has been adequately investigated by the authorities


Como se já não bastasse a ocupação em si mesma, ainda a tornam mais detestável com estas sórdidas violações dos direitos humanos. Imagine-se que os Estadios Unidos não tinham ido invadir e ocupar o Iraque supostamente para implantar a democracia e os direitos humanos!...

Actualização
Entretanto o Independent de hoje revela a existência de um relatório militar americano contendo "revelações horrendas" sobre numerosos casos de tortura e maus tratos de prisioneiros iraquianos. A pergunta que se coloca é obvia: sendo os abusos do conhecimento das autoridades militares, pelo menos, porque não fizeram nada para punir os culpados? Se não tivesse havido a fuga das fotografias publicadas há dias, algum vez teria vindo a público a informação sobre os acontecimentos?