terça-feira, 23 de novembro de 2004

O referendo (1): Por que não voltar atrás?

Com implícita aprovação, José Pacheco Pereira cita uma pergunta de João Miranda no "Blasfémias": "Lembra-se de ter votado em referendo em todas as disposições da Constituíção Europeia que agora nos dizem que já há muito estão em funcionamento?"
É caso para perguntar: ao ser eleito deputado ao Parlamento Europeu e ao participar na votação de legislação que segundo a Constituição portuguesa seria da competência da AR se Portugal não pertencesse à CE/UE, será que Pacheco Pereira o fez sob protesto, por os preceitos dos tratados que prevêem a eleição do PE por sufrágio directo e os seus poderes legislativos nunca terem sido aprovados em referendo em Portugal (nem na maior parte dos Estados-membros)?

Radicalismo

Numa atitude típicamente radical, Daniel Oliveira considera uma aberração jurídica e um grande erro político a proposta apresentada pelo PCP para a suspensão da perseguição penal do aborto até à sua despenalização efectiva. Entende mesmo que é a "solução pior possível".
A mim não me parece nada disso (só acho indefensável uma suspensão de âmbito geral, incluindo nos casos em que não é defensável a despenalização). Não há aberração jurídica, porque nada impede que as leis sejam suspensas; quem pode o mais (revogar ou amnistiar) pode o menos (suspender). Não me parece um erro, porque a proposta consegue o objectivo essencial, que é a de cessar a humilhante sujeição de mulheres a julgamento (e a uma possível condenação a prisão) e elimina o principal fundamento do aborto clandestino, pois é a punição penal que gera a clandestinidade. Além disso, a suspensão ampliaria uma dinâmica social antipunitiva que só poderia ter como epílogo a despenalização.
Defender que mais vale manter as coisas como estão porque de outro modo se perde força política para uma definitiva despenalização e legalização do aborto -- eis o que parece desde logo uma posição assaz cruel para as vítimas da actual situação. Não se pode andar a promover ruidosas manifestações contra os julgamentos do crime de aborto e depois recusar uma solução que acaba com esse mal, como antecipação de uma futura despenalização. A não ser que se considere mais importante manter um capital de queixa política do que acabar com o sofrimento das vítimas...

Sim à Constituição europeia, porquê?

1. Dúvidas de um leitor
«(...) Sou um mero cidadão deste País, cuja função é somente votar, e aquilo que vou procurando tomar conhecimento é através da minha participação cívica em grupos de amigos; lembro-me da festa que foi, salvo erro em 1973, a derrota de G. D'Estaing a favor de Miterrand e todas as implicações internas que isso nos poderia acarretar (G.E. fornecia, pela porta-do-cavalo, o regime de Salazar). Pergunto: hoje o mesmo indivíduo - pai da Constituição europeia feita em cima-do-joelho - oferece assim tantas garantias que possamos, de ânimo leve, sem qualquer esclarecimento sermos confrontados a responder sim ou não? Sim ou não o quê?
Eu não fui achado nem perdido a dar a minha opinião sobre os anteriores tratados e o conhecimento deles é tão superficial. Sei é que alguns países foram consultados, consulta essa negativa, e que não foi fácil ultrapassar essa questão, sem concessões. (...) Bem sei que se não fosse a UE e o euro hoje seríamos a Argentina da Europa. Mas, pergunto: A Europa acaba com um não? Ou é um acto de fé? E o Reino Unido? Não basta um para inviabilizar?»

José Ferreira

2. Comentário

a) Giscard d'Estaing foi somente o presidente e dinamizador da "Convenção" que elaborou o projecto de tratado constitucional, que era composta por dezenas de membros, representando o Parlamento Europeu e a Comissão, bem como os parlamentos e os governos nacionais. Muitas das ideias de Giscard não vingaram. Vários outros membros, como o comissário António Vitorino, tiveram acção de relevo na Convenção. Nenhum tratado da CE/UE foi até agora elaborado de forma tão transparente e tão participada. O texto foi finalmente aprovado, com algumas alterações, pelos governos dos 25 Estados-membros.

b) O tratado constitucional não foi feito "em cima do joelho". Foram meses de intenso trabalho, com relatórios de comissões especializadas formadas dentro da Convenção e várias versões das propostas. Está tudo documentado no site da Convenção.

c) Os tratados internacionais são normalmente aprovados pelos parlamentos, sem recurso a referendo. Também não é comum o referendo popular de leis. Têm sido muito poucos os referendos nacionais sobre a revisão dos tratados CE/UE nos demais países. Nos casos em que houve rejeição (Dinamarca e Irlanda), a situação foi superada por novo referendo, sem alteração substancial dos tratados em causa.

d) A meu ver o novo Tratado deve ser aprovado, não pelo risco de "a Europa acabar" com a sua rejeição (tal risco não existe naturalmente), nem por receio de sermos forçados a sair da UE (embora este risco possa ser real, se o Tratado for aprovado por uma grande maioria dos outros países), mas sim porque as suas virtude superam os seus defeitos: reforça a democracia europeia, dá mais poderes aos cidadãos e aos parlamentos nacionais e em geral eleva a posição da UE no mundo.

"Saneamento Político"

Escreve Eduardo Cintra Torres na sua crónica de televisão no Público
de ontem
:
«Com a brutalidade anunciada, os três primeiros objectivos do Governo na área da informação estão realizados: afastar Marcelo da TVI, afastar a Direcção do DN e afastar a Direcção de Informação da RTP.
(...) Um governo brutal e perigoso como o de Santana não tolerava que a TV pública fosse sempre independente e não acatasse ordens ao menos nos momentos-chave. Com um pretexto qualquer, a direcção de Rodrigues dos Santos foi saneada politicamente. O seu afastamento constitui um retrocesso de anos na credibilidade da informação da RTP, como referia o "Expresso" em editorial (20/11).
(...) Porquê o descaramento da intervenção do Governo em matéria de informação, que é simbolizada pelo duplo flic-flac de costas do ministro Morais Sarmento de um para outro governo PSD? Parece contraproducente. Mas é que este Governo é opaco, como disseram, a propósito do orçamento, diversos economistas. (...) Precisa de confundir a opinião pública. Precisa de fazer as suas coisas lá no Governo o mais depressa possível, antes que se descubram. Por isso, este Governo está pronto a pagar os custos da brutalidade da intervenção mediática se isso distrair e se o mantiver lá mais uns meses.» (Sublinhados acrescentados).
O problema com o controlo governamental dos média está em que o crime compensa, por mais brutal que ele seja, beneficiando o infractor e permitindo-lhe no final escapar impune e quiçá aplaudido eleitoralmente. É por isso que talvez não baste ao Presidente vetar o ensaio de SPG (Serviço da propaganda governamental) que Morais Sarmento congeminara. Tempos difíceis, os que estamos a viver...

Media 2

Além de ter aceite o veto político do Presidente da República à central de propaganda do Governo, Santana Lopes começa a dar sinais de querer libertar-se da doentia obsessão com os media que persegue o seu Executivo. Uma das demonstrações dessa boa-vontade seria a proposta (também perfilhada pelo PS) de «privatizar» os meios de comunicação actualmente nas mãos da PT.

O propósito (de Santana e do PS) poderá ser louvável na intenção, mas as suas consequências, no momento presente, talvez se revelem desastrosas. Se se pretende «privatizar» os media detidos pela PT, seria interessante saber quem são os candidatos à privatização: se eles existem e se se mostram em condições de assegurar os padrões de qualidade e pluralismo informativo indispensáveis. Ora, nenhum dos grupos portugueses de media existentes parece reunir essas condições.

Uns porque já têm uma posição dominante no mercado, numa dimensão comparável ou até superior à PT (é o caso do grupo Balsemão). Outros porque já demonstraram não ter vocação para assegurar padrões de qualidade e pluralidade informativa exigíveis à sobrevivência de um jornalismo de referência (ou são ainda permeáveis às pressões políticas: casos da Media Capital ou da Cofina). Outros ainda porque não estão manifestamente interessados nisso e já detêm produtos equiparáveis no mercado (caso da Sonae, com o «Público»).

Restam os grupos estrangeiros, mas será essa uma solução politicamente adequada? Além disso, haverá, entre esses grupos, candidatos reais que ofereçam garantias ao pluralismo informativo e à imprensa de qualidade (como o grupo do «El Pais», do «Le Monde», por exemplo)? Nada o indica para já.

Uma outra alternativa seria um novo grupo formado de raiz, que se abalançasse a tal propósito, dentro do referido enquadramento de qualidade e pluralismo. Mas quem conhece com alguma intimidade as realidades dos negócios dos media em Portugal (e pessoalmente sei do que falo), não pode deixar de manter uma atitude céptica a esse respeito.

Curiosamente, do que ninguém fala nem quer falar (nem o actual Governo, nem o PS, nem aparentemente a administração da PT) é do que poderia vir a ser o aproveitamento virtuoso da «golden share» do Estado na PT para promover um sólido esteio da imprensa de qualidade e que funcionasse, na prática, como um regulador do mercado. É uma hipótese que há muito venho ingloriamente defendendo.

A partir do momento em que, erradamente, e por iniciativa do PS, a PT absorveu o grupo Lusomundo, a única forma de contrariar o carácter perverso dessa concentração seria utilizar o seu potencial regulador a favor de um serviço público da comunicação social de qualidade. Bastava apenas que aos governos fosse interditada a tutela política da PT e que esta desse expressão positiva e construtiva à «golden share» do Estado. Estado não é sinónimo de Governo (e muito menos a agente de propaganda do Governo). O problema é saber se a PT é capaz de emancipar-se da tutela dos sucessivos Governos e actuar como uma entidade independente, isenta e idónea. Será sonhar demais?

Vicente Jorge Silva

Media 3

A comunicação social, pela sua própria natureza e exposição pública, deveria ser uma das actividades mais sensíveis às regras da transparência. Mas as últimas semanas mostraram-nos, pelo contrário, de que talvez não haja sector tão fechado, tão opaco, com bastidores tão misteriosos como os media.

Levámos algum tempo a perceber o que se tinha passado com o «caso Marcelo» e, agora, corremos o risco de voltar a mergulhar no escuro até ser possível deslindar o que esteve efectivamente por detrás da demissão da direcção de informação da RTP. Marcelo demorou uns dias largos a esclarecer o que ocorrera na TVI e os jornalistas da direcção demissionária da RTP parecem querer seguir-lhe o exemplo. Por outro lado, a administração do canal público de televisão tende também a caprichar numa imitação do presidente da TVI, Paes do Amaral.

Rodrigues dos Santos tem toda a razão ao afirmar que a nomeação de uma correspondente da RTP em Madrid, segundo critérios avessos à estrita qualificação jornalística, constitui um precedente grave e inadmissível do ponto de vista da independência editorial. Mas se a sua relação com a administração tinha sido, até aí, um aparente mar de rosas (sem pressões nem ameaças, como disse no Parlamento), como se explica esta súbita e inexplicável ruptura? Mistério.

O mistério maior reside, porém, nos critérios que determinaram a escolha final da administração, ao preferir a quarta candidata melhor classificada em concurso e recusando-se a explicar o facto de não ter optado por profissionais que haviam revelado melhores habilitações jornalísticas.

A administração invocou critérios de «representação da empresa», coisa que decididamente não consta das normas de selecção para um cargo jornalístico (que não é propriamente um cargo de tipo diplomático, ou de gestão e relações públicas). Como director de jornais participei em várias nomeações de correspondentes no estrangeiro e em nenhuma circunstância tive de ser confrontado pelas respectivas administrações com qualquer exigência suplementar (e opaca) de «representação da empresa». Será que por ser empresa pública, a RTP deve obedecer a critérios que extravasam as competências estritas do exercício jornalístico? Será isto admissível e justificável, seja a que luz for? Ou será porque há outros critérios, menos confessáveis e opacos, que coarctam a independência jornalística a favor de uma misteriosa e indevida «representação» empresarial ? Como se explicam e admitem tantos mistérios e se responde à suspeita legítima das intromissões políticas?

Vicente Jorge Silva

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

Media 1

O Presidente da República vetou a Central de Comunicação do Governo. Invocou razões políticas. E curiosamente, obedientemente, Santana Lopes deu-se logo por satisfeito. O que constitui uma forma indirecta de reconhecer que a iniciativa patrocinada por Morais Sarmento não era tão inocente e tão transparente como se queria apresentar.

Ora, à partida, nada deveria ser mais lógico e razoável (é de resto prática corrente nos mais variados países democráticos) do que o propósito do Governo em dotar-se de uma estrutura de coordenação comunicacional que racionalizasse o fluxo de informações dispersas pelos mais variados ministérios e departamentos oficiais. E, também à partida, isso não tinha nada a ver com o peso maior ou menor, excessivo ou insuficiente, da presença do Governo nos meios de comunicação social. Desse estrito ponto de vista, não se perceberia a razão «política» do veto de Sampaio.

A verdadeira questão é que o Governo deixou que a comunicação social se convertesse na obsessão febril (e quase exclusiva) da sua actividade, como se tem visto pela sucessão de casos e comportamentos desastrados a que assistimos nos últimos tempos. Sendo assim, a projectada central de comunicação não constituiria uma estrutura técnica de coordenação informativa mas a mera capa de uma central de propaganda. É natural que um Governo, qualquer Governo, se proponha propagandear a obra que faz (má ou boa, é outra questão). O que já não é de todo natural (e nada, mesmo nada democrático) é que a propaganda tenda a ocupar o lugar da obra feita. E que o Governo se transforme num monstro virtual da sua própria propaganda.

Vicente Jorge Silva

Navegar é preciso

Há um ano atrás, quando «transformámos» o nome de um restaurante do Bairro Alto onde jantávamos (e continuamos a jantar às vezes) em bandeira desta viagem bloguística, confessei aqui o meu embaraço de navegador relutante. Embarquei por amizade, mas também para ensaiar um novo espaço de liberdade onde até então me sentia como peixe fora da água. Hoje, apesar da minha quase incurável dificuldade em passar do «velho» jornalismo onde me criei para outro comprimento de onda «comunicacional», só tenho motivos para me sentir feliz e gratificado com a aventura. Blogar, postar, faz-nos soltar as amarras no momento em que nos apetece, sem termos de esperar pela folha impressa do jornal. E talvez também tenha sido para mim uma cura de rejuvenescimento jornalístico.

É um gesto libertador que pode fazer-nos (pelo menos fez-me) dar um novo sentido ao espírito de companheirismo e amizade, ao gosto de partilhar um lugar nosso e uma causa nossa, para além das diferenças de ideias e opiniões que saudavelmente nos separam. Mas neste apagar da primeira vela, é justo que ao cantar os parabéns não esqueçamos o timoneiro mor deste barquinho virtual: o Vital. Se não fosse ele e a sua persistência, a outra vela, a do barco, não teria singrado pelo mar fora. Obrigado Vital e obrigado Maria Manuel que lhe dás ânimo e nos alertas para as tantas vezes que preguiçamos. Obrigado a vocês todos, queridos companheiros de navegação, lançados ao vento de uma adolescência reencontrada. (E desculpem lá o tom baboso e porventura piroso deste desabafo).

Vicente

Regresso a casa...

A situação não podia ser mais caricata! Já nos tínhamos encontrado no elevador e, verificando que não nos conhecíamos, murmurámos um curto, ainda que bem-educado, "Boa noite!".
Com algum espanto (penso que mútuo) verificámos de seguida que íamos para o mesmo andar. Fomos. E conseguimos ultrapassar as duas portas do elevador sem gastarmos o tempo infinito que é suposto um tal obstáculo fazer perder a dois portugueses. O pior é que no patamar saem dos bolsos dois molhos de chaves e, chave em riste, dirigimo-nos para a mesma porta!
Alto lá! Aqui quem mora sou eu e não o conheço de parte nenhuma!
Num microsegundo de espanto podem caber os mais disparatados pensamentos:
"Enganei-me no andar? - Não pode ser, conheço todos os vizinhos e este nunca o vi!"
"Mas quem é que terá dado a chave de casa a este tipo? - Não. Nenhum de nós o faria sem primeiro avisar."
"O homem deve estar enganado - mas parece tão convicto quanto eu!"
"Co's diabos, estarei louco e já não sei onde moro?"
"Tou a sonhar, ou diante de um tarado?"
Ao fim de um segundo, vislumbrei um pequeníssimo sinal de hesitação no meu concorrente. Uf! havia uma porta para voltar ao real... Encostei-me a ela: "O senhor onde é que mora?" [pergunta absolutamente cretina diante de alguém que se prepara para meter a chave na porta daquilo que pensa ser a sua casa]. E a resposta sossegou-me: casa emprestada por amigos ausentes do país a um emigrante que trocou os números de polícia e subiu para o prédio errado. Confusão desfeita, indicações úteis dadas para encontrar o número do prédio que pretendia, mais "boas-noites" e a porta do elevador fechada com o inesperado concorrente metido lá dentro. Uf!
Apesar de tudo, foi meio a medo que meti a minha chave na fechadura da porta e enorme o alívio sentido quando ela se abriu e verifiquei que o interior correspondia ao que eu sabia ser a minha casa.
Safa! Ele há coisas que nos abalam até à raiz do nosso nome. Olha se eu já não soubesse onde morava!

Jorge Wemans

PS - Com este post regresso à minha casa que é o Causa Nossa. Depois de tão longa ausência ditada por excesso de afazeres profissionais, causas múltiplas e razões várias, espero não me ter enganado na porta e... bater à porta da Causa mais frequentemente

O livro dos elogios (1)

Não poucas vezes já tive de pedir o chamado livro de reclamações. Nos restaurantes, nos serviços públicos, no comboio, nos aviões. Nunca me tinha dado conta que não há um livro para os elogios: de uma iniciativa, de um serviço, de um funcionário, de um gesto certo na hora certa. De alguém que se destaca do esperado, do solicitado, do que lhe é devido. Resolvi abri-lo aqui. Hoje, é vez da Portugália. Aqui fica o elogio ao seu serviço de qualidade. Em contra tendência e à revelia de outras companhias aéreas concorrentes (que não são de tarifas baixas), mantém jornais a bordo e um catering que excede tudo o que pudéssemos estar à espera, na forma e na substância, viajando em voo curto na Europa (menos de 3 h) e em classe económica.

No dia em que faz um ano


Hoje a Causa faz um ano. 395.713 leitores, muitas letras, 1544 posts. Num ano aprendeu a andar, umas vezes mais depressa, outras mais devagar. E aprendeu a falar, umas vezes com mais força, raras quase a sussurrar. É também causa de amigos, juntos para o jantar (Casa Nostra, há tanto tempo). Só por isso vale pena que se tente alimentar esta Causa que é de tantos e parece não parar.

A pergunta (9)

Um referendo serve para perguntar aos cidadãos se estão de acordo com uma certa mudança político-jurídica. Nunca se pergunta se concordam com o que está (por exemplo, «concorda com a eleição directa do Parlamento europeu?»), mas sim se aprovam, ou não, uma inovação constante de um projecto de lei ou de tratado, ou passível de ser objecto de lei ou tratado.
Por isso, não tem sentido uma crítica à pergunta aprovada para o referendo sobre a Constituição europeia, segundo a qual ela deixa de fora mais de metade do Tratado, concretamente as políticas comunitárias constantes da parte III. A razão é simples: aí não há nenhuma mudança, mantendo-se o que está no actual tratado da Comunidade Europeia.

Precipitação

André Belo tem toda a razão neste post do Barnabé sobre a acusação de F. Nunes Vicente no Mar Salgado -- de que não me tinha dado conta -- contra este inocente "post scriptum" de Ana Gomes aqui no CN. De facto, a acusação que não faz sentido. Ver uma manifestação de anti-semitismo na simples curiosidade sobre uma possível conexão entre o talento empresarial e uma hipotética filiação judaico-portuguesa da comissária Kroes (apelido pronunciado "Cruz", o que motivou a, aliás pouco verosímil, hipótese de Ana Gomes) é tanto mais infeliz e injusto, quanto AG manifesta expressamente um sentimento de perda pela expulsão da comunidade luso-judaica no sec. XVI.
A acusação de antisemitismo é demasiado grave para poder banalizar-se assim. Infelizmente já há demasiadas ocasiões em que a sua denúncia e condenação se justificam plenamente. Não a desgastemos indevidamente.

Saudação (3, 4, 5, ...)

Registamos as saudações do Fórum Comunitário (Walter Rodrigues), do Barnabé (André Belo), do Blasfémias (PMF), do Bloguítica (Paulo Gorjão), do Paixão da Educação (José Gustavo Teixeira), do Incursões e Cum grano salis (Lemos da Costa), do Blogaperatório (J. Teófilo Duarte), do Memória Virtual (Leonel Vicente), do Abnóxio (Ademar F. S.), do Tugir (L. Novaes Tito e C. M Castro), do Cartas de Londres (B. Cardoso Reis), do Aviz (F. J. Viegas), do Mar Salgado (Pedro Caeiro e também de F. Nunes Vicente), do Água Lisa (João Tunes), de A Praia (Ivan Nunes), do Briteiros (José A. Martins), do La Pipe (João R. David), do Sentidos da Vida (J. Mário Teixeira), do Dizeres Meus ...
Obrigado a todos eles, bem como os demais que indvertidamente tenhamos omitido.

Saudação (2)

«Sou vosso leitor praticamente desde a primeira hora e neste momento considero indispensável a leitura diária do "Causa Nossa". Creio mesmo que se trata de um dos poucos blogues a atingir a marca de escrita de referência na "blogosfera". (...) Parabéns e continuem o excelente trabalho.»

Nuno Pinho/Resistente Existencial

A primeira saudação

«Caro Causa Nossa:

Ao longo do primeiro ano de vida o «Causa Nossa» conseguiu um enorme sucesso (quase 400 mil visitas de leitores interessados) e tornou-se uma estrela de primeira grandeza a brilhar no firmamento bloguístico.
À medida que o poder político e o económico se conluiam para controlar a informação, um blogue que a inteligência, cultura e sensibilidade dos seus colaboradores tornou uma referência obrigatória, contribui para a diversidade informativa e pluralismo de opinião.
O empenhamento na defesa dos direitos humanos, a persistência na denúncia das arbitrariedades e injustiças, o amor à democracia e ao europeísmo, fazem de «causa nossa» a nossa causa e transformam um projecto culto num objecto de culto.
Espero que este aniversário seja o primeiro de muitos do projecto culto, civilizado e europeu que devemos a uma plêiade de bloggers.
Um abraço amigo e votos de felicidade para o causa nossa, os seus autores e as suas causas. »

Coimbra, 22-11-2004, 0:03:27


Carlos Esperança

Primeiro aniversário

O Causa Nossa completa hoje um ano. Relembrando a nossa "declaração editorial" de 22 de Novembro de 2003, temos razões para pensar que cumprimos inteiramente. Os elevados níveis de audiência que atingimos (entre os mais altos dos blogues portugueses), a grande frequência das referências noutros blogues, a numerosa correspondência dos leitores e o crescente reconhecimento fora da blogosfera deixam-nos compreender que a nossa iniciativa valeu a pena. O CN ocupa hoje um lugar de relevo entre os blogues de ideias e de opinião.
Ficamos gratos a todos os que nos acompanharam neste primeiro ano. Vamos continuar.

Os do Causa Nossa

domingo, 21 de novembro de 2004

A Esquerda e a Constituição Europeia

Manuel Alegre no Expresso de sábado passado:
«É bom para a Europa que o Tratado inclua a Carta dos Direitos Fundamentais. Mas tem carga a mais, nomeadamente a parte III, com cerca de 240 artigos sobre políticas concretas. Pergunto (...) se a eventual constitucionalização de preceitos que configuram um programa neo-liberal não poderá vir a pôr em causa o próprio modelo social europeu. A Europa não é só o Banco Central, mas um projecto de cidadania, um projecto democrático, político, social e cultural. E é nesta perspectiva que se deve discutir e votar o Tratado, pondo o acento tónico na coesão, em políticas de emprego e, sobretudo, na consolidação e renovação da democracia e do modelo social europeu.»
Manuel Alegre não tem razão nestas considerações. Ao contrário do que parece ele pressupor, o Tratado constitucional europeu não é mais liberal do que os actuais tratados e é seguramente mais social. De facto, o tal capítulo sobre as políticas da UE não contém nenhuma novidade, sendo uma pura transcrição do que já se encontra no actual tratado da CE e que provém na generalidade do Tratado de Roma de 1957, sendo por isso um tanto forçado falar num "programa neoliberal" anterior ao neoliberalismo dos anos 80/90. Aliás, apesar da sua manutenção sem alteraçãoes no Tratado constitucional, as referidas políticas da UE só podem tornar-se menos "neoliberais", pois devem ser agora prosseguidas à luz dos novos princípios sociais fundamentais da "constituição europeia" -- onde se contam expressamente os objectivos de «justiça social», «progresso social», «pleno emprego», «desenvolvimento sustentável», «combate contra a exclusão social», e onde se encontra uma cláusula de garantia institucional dos serviços públicos bem mais forte do que actualmente--, bem como à luz da Carta de Direitos Fundamentais, onde se inclui uma importante lista de direitos económicos, sociais e culturais, que não constam dos Tratados em vigor e que doravante passam a reger a actividade legislativa e as políticas públicas da UE enuncidas na referida Parte III.
Por conseguinte, com o novo Tratado não se perde nada quanto ao modelo social europeu, antes se ganha uma considerável mais-valia para o mesmo. A UE que resulta do novo Tratado é muito menos uma simples organização de mercado e mais um «projecto democrático, político, social e cultural» (que Manuel Alegre reclama) do que actualmente. Ele deixa maior margem para políticas sociais progressistas do que os tratados vigentes (que apesar de tudo já permitiram as políticas de um Jacques Delors).

PS -- Face a estas inequívocas (se bem que infundadas) reservas de Manuel Alegre ao Tratado constitucional da UE, ecoando as posições negativas de uma parte do PS francês, percebe-se agora por que é que a moção da sua candidatura a líder do PS era inteiramente omissa sobre o assunto...

Nostalgia II

A dos habitantes da Aldeia da Luz, comidos pela "saudade, pena e desgosto". A sua alma ficou submersa pela albufeira do Alqueva, esse "espelho de água a perder de vista que tomou o lugar dos campos cheios de árvores e lindas flores". Hoje, no Público, o jornalista Carlos Dias explica o vazio de um povo que perdeu as suas referências.
Luís Nazaré

Nostalgia I

Após a surpreendente declaração de Mário Soares sobre a vulnerabilidade do regime a aventuras militares, é a vez de Vasco Lourenço garantir, no jornal A Capital, que "se as forças armadas não tivessem vindo a ser destruídas como têm vindo de alguns anos a esta parte e não tivéssemos o chapéu da União Europeia, provavelmente já tinha havido uma tentativa de golpe de Estado". É caso para dizer que só estaremos descansados quando acabarmos de vez com a tropa.
Luís Nazaré

Celso Furtado (1920-2004)


Nenhum estudante progressista nos anos 60 podia ignorar a obra de Celso Furtado, nomeadamente A Formação Económica do Brasil (1959) e Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961), que devo guardar algures nos esconsos da minha bilioteca dispersa. Poucos como ele ajudaram a formar as nossas ideias sobre o subdesenvolvimento, o Brasil e a América Latina (link para a sua biobibliografia). Poucos como ele mereceram a nossa admiração pela resistência intelectual contra a ditadura militar depois de 1964 (que lhe valeu o exílio) e pela contribuição para a restauração democrática no Brasil. Aqui fica a minha homenagem pessoal.

A pergunta (8)

«O que eu não entendo é que razões levaram o PS a não rever a Constituição em tempo oportuno -- na última e recente revisão, nomeadamente --, sabendo que este problema se iria por, mais cedo ou mais tarde.
Agora temos o PS comprometido com esta "pergunta" que já está a criar as condições para que apareçam muitos novos "eurocépticos" de ocasião, ou então mais um record de abstenção.
Quem terá sido a "cabecinha pensadora" que preferiu esta pergunta à necessária revisão?»

(Nelson Henriques)

Credibilidade

Já referi várias vezes que uma das condições para o PS (re)construir a sua credibilidade como alternativa de governo, depois da imagem negativa que ficou da sua última experiência governativa, consiste em dar provas de seriedade e responsabilidade em matérias orçamentais e financeiras. Por isso, a oposição socialista à demagógica proposta governamental de descida do IRS (pouco significativa quanto ao seu montante, mas irresponsável em termos de consolidação das finanças públicas nas actuais circunstâncias) vai no bom sentido.

sábado, 20 de novembro de 2004

A pergunta (7)

Não é a Assembleia da República que convoca os referendos, mas sim o Presidente da República. Portanto, a pergunta aprovada em S. Bento para o referendo da constituição europeia pode não ser aceita por Belém, que pode recusá-la liminarmente, antes mesmo de a enviar para o Tribunal Constitucional para verificação da sua conformidade constitucional e legal. Face à reacção negativa em relação à pergunta aprovada (há que reconhecê-lo...), cabe ao PR avaliar à partida se é de avançar com ela ou se é de parar para pensar.
O pior que poderia suceder era substituir o necessário debate sobre o tratado constitucional por uma polémica estéril acerca da pergunta do referendo, que só poderia favorecer os partidários do não...

Já não há respeito pelo centralismo democrático

Mais uma leva de militantes comunistas protesta publicamente, em vésperas de Congresso, contra o "sectarismo" e o "fechamento" do PCP. Mas não têm razão: afinal publicam uma "carta aberta", criticando o partido fora dos seus organismos -- em flagrante violação das sagradas regras do centralismo democrático -- e se calhar nem repreendidos são, muito menos expulsos, como mereciam, pelo flagrante acto de "fraccionismo" colectivo. No PCP já reina a rebalderia. É o prelúdio do fim.

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

«O espelho imaginário...

... de Santana» --, eis o título da coluna de Vicente Jorge Siva no Diário Económico de hoje (também no Aba da Causa, com link na coluna de blogues aqui ao lado).

A pergunta (6)

«Também a mim, a pergunta me parece pouco clara e objectiva. Ela comporta, no fundo, três questões. Por isso - e uma vez que conheço pouco as exigências, constitucionais ou outras, postas em torno dos referendos em geral -, pergunto se não seria possível desdobrá-la, efectivamente, em três pontos ou alíneas, precisando um pouco, ao mesmo tempo, o respectivo sentido e conteúdo e destacando as suas maiores novidades. Do género:
«Concorda com o sentido traçado para o processo de integração, no quadro da recentemente aprovada Constituição Europeia, em relação aos seguintes aspectos:
- aprofundamento e obrigatoriedade, para todos os Estados membros, dos direitos de cidadania constantes da sua Carta dos Direitos Fundamentais;
-substituição da regra da unanimidade, aplicável até hoje a um conjunto significativo de matérias, pela regra fundamental da maioria qualificada;
- definição de um novo quadro institucional e, em especial, a consagração de novos órgãos (Presidente da União e MNE)?»
É porque tal como está - e a menos que se desenvolva, com carácter intensivo, todo um programa de formação (pelos meios de comunicação social e outros) - , duvido que a maior parte das pessoas saiba ao que vai... (...)»

(Nazaré Cabral)

A pergunta (5)

Um leitor no Expresso online:
«O problema é que, com os níveis de literacia do povo português, não há pergunta que seja compreensível, qualquer que seja a matéria sujeita a referendo, tirando talvez o futebol e a quinta das abencerragens anormais da TVI.»

A pergunta (4)

Uma das objecções contra a pergunta do referendo sobre o tratado constitucional da UE tem a ver com o facto de só haver uma pergunta, abarcando três questões diversas, o que dificulta a resposta para quem não tenha a mesma opinião em relação às três questões.
Mas no referendo sobre um tratado internacional a separação de perguntas não faz muito sentido, visto que o tratado tem depois de ser aprovado, ou não, em globo pela Assembleia da República, de acordo com a resposta do referendo, não havendo a possibilidade de aprovação ou reprovação parcial. Um "não" sobre uma questão singular implica um não sobre tudo, pois o tratado não poderia ser aprovado. O caso seria diverso se estivesse em causa uma lei, que pode sempre ser afeiçoada na especialidade pela AR.
No caso em apreço, como sucede em qualquer decisão em que estejam em causa várias questões, votará favoravelmente quem concordar com todas elas ou quem, embora discordando de alguma, considere que ela é menos importante do que aquelas com que concorda; e votará contra quem discordar de todas elas ou quem, embora concordando com alguma, entenda que ela é menos importante do que aquelas com que discorda. O que conta é o juízo sobre o conjunto.
De resto, se a pergunta fosse directa e genericamente sobre o tratado («Está de acordo com o Tratado Constitucional da UE?»), como muitos defendem, também só haveria uma pergunta, sendo porém infinitamente maior a dificuldade da decisão, dado o enorme número de questões e de variáveis a considerar em todo o texto do tratado.

A pergunta (3)

Na contestação da pergunta do referendo sobre a Constituição europeia já ouvi defender que não tem sentido perguntar sobre a Carta de Direitos Fundamentais porque obviamente não há ninguém contra ela.
Mas não é verdade. Houve muita gente contra a CDF quando ela foi aprovada há quatro anos (mas sem força jurídica até agora) e há muita gente contra a sua inserção no tratado constitucional, justamente porque um "bill of rights" é uma das expressões essenciais da "constitucionalidade". Logo, quem é contra a própria noção de Constituição Europeia, a par (e acima) das constituições nacionais -- como sucede com todos os "soberanistas" ("constituição só há uma, a nacional e mais nenhuma")--, é necessariamente contra a constitucionalização da Carta. O inverso sucede naturalmente com quem defende que a UE deve ser assumida expressamente como entidade constitucional "a se", como comunidade política de Estados e de cidadãos. Ora não há constituição sem "bill of rights". Por isso faz todo o sentido a inclusão dessa questão no referendo.