quinta-feira, 10 de março de 2005

Correio dos leitores: "Fuga ao poder"

«Parece que a fuga ao poder não é apenas vocação dos bloquistas. Há na nossa praça muita gente do PS, ou dele próxima, que não aceitou o convite para fazer parte do governo recusando assumir um "compromisso de poder" para os 4 anos e meio bem difíceis que se avizinham. Será que Sócrates é demasiado alinhado à direita? Será que chegaram à idade de se aburguesarem em que é mais cómodo ficar a ver? Será que em 2009 se as coisas correrem bem por mérito da governação PS e de uma "ajudinha internacional" já estarão disponíveis? Entre a "vocação oposicionista" dos bloquistas e a falta de "vocação para o poder" dos que recusaram participar, prefiro os primeiros: é que do BE nunca esperei nada porque estava na cara o que queriam e dos outros esperei muito mas desiludiram-me.

P.S.: Parabéns ao José Magalhães por aceitar participar e ter, finalmente, abandonado (?) o interminável e insuportável Quadratura do Círculo, ex-Flashback. Uff!!!»


MJMiranda

Fuga ao poder

Parece que o Bloco de Esquerda não quer entrar na coligação sugerida pelo PS para as eleições municipais de Lisboa, preferindo concorrer sozinho. A ser verdadeira esta informação, isto quer dizer que o BE mantém-se fiel à sua "vocação oposicionista", recusando compromissos de poder, tal como já tinha anunciado nas eleições parlamentares que não participaria numa coligação de Governo.
Partindo do princípio de que desta vez, apesar de ter subido a sua votação na capital, isso não porá em risco a conquista da câmara pelo PS (como sucedeu em 2001), permanece em aberto a questão de saber que sentido tem esta estratégia de "fuga ao poder". Não será evidente que o BE corre o risco de ficar longe de repetir nas eleições autárquicas o êxito alcançado nas eleições legislativas?

Um estudo...

...sobre os blogues portugueses, da autoria de Hugo Neves da Silva, pode ver-se aqui (via Blasfémias).

Confusões editoriais

O Diário de Notícias on line continua desorientado. Ontem entre os editorialistas aparecia Vasco Graça Moura. O DN ainda não virou órgão oficial da candidatura presidencial de Cavaco Silva, pois não?

quarta-feira, 9 de março de 2005

Viés das palavras

«Rússia assassinou o chefe supremo da guerrilha» [tchetchena] -- titula o Público de hoje, em primeira página, ao referir-se à eliminação de um líder da guerrilha secessionista dessa república russa, responsável por numerosos actos terroristas, tanto na Tchetchénia como na Rússia. Se se tratasse da eliminação de algum chefe terrorista iraquiano pelas forças de ocupação norte-americanas, será que se falaria também em "assassínio"? E se se tratasse de um caso de "eliminação selectiva" dos chefes radicais palestinianos pelas tropas israelitas que ocupam a Palestina, o termo utilizado seria igualmente o de "assassínio"?

Antologia do dislate

«Aliás, análises recentes feitas por um grupo de intelectuais franceses e italianos, com "best sellers" publicados, concluem que as semelhanças "desta" União europeia com o regime soviético, na prática, são muito mais do que parece. (...) O golpe de Estado mediático que aconteceu em Espanha e que colocou Zapatero no poder, repetiu-se em Portugal [nestas eleições], não faltando nem os SMS no fim da campanha.»
O Diário de Notícias acha mesmo que desatinos deste jaez, ainda por cima escritos em Português trôpego, têm cabimento nas suas páginas?

Liberdade religiosa e traje escolar

Foi há dias noticiado que um tribunal britânico reconheceu a uma jovem muçulmana o direito de usar na escola o "jilbab" (traje comprido e folgado que esconde as formas corporais), em vez do uniforme escolar, invocando a sua liberdade religiosa (dando como provado que a religião islâmica, pelo menos na sua versão mais estrita, exige que o traja feminino deixe à vista somente o rosto e as mãos). Deve essa decisão ser condenada em nome da separação entre o Estado e a religião, visto que se tratava de uma escola pública? Ou deve ser considerada como um simples reconhecimento do direito individual à expressão pública da confissão religiosa, que em nada afecta (penso eu) a separação e neutralidade religiosa do Estado?
Depois da polémica lei francesa contra o uso de sinais religiosos nas escolas públicas (mas que foi desencadeada por causa do lenço-de-cabeça islâmico) e da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Estrasburgo) que não considerou violadora da liberdade religiosa uma lei turca que proíbe o mesmo lenço nas universidades, a questão do usos dos trajes muçulmanos nas escolas não cessa de levantar polémica.

Os maus exemplos pegam-se

«Faculdade de Direito [da Universidade de Lisboa] encerrada a cadeado». Julgávamos que se tratava de atavismo coimbrão...

Direitos das mulheres e Constituição Europeia

Palestra sobre os direitos das mulheres e a igualdade de direitos entre homens e mulheres na nova Constituição europeia, a convite da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas. Sublinhei a considerável mais-valia trazida nesta matéria pelo tratado constitucional em relação aos tratados vigentes, sobretudo por via da incorporação da Carta de Direitos Fundamentais.
É evidente, porém, de que as coisas podem ser vistas de uma maneira menos encomiástica, ou seja, do ponto de vista do défice entre o que lá está e o que lá deveria estar, tendo em conta as reivindicações feitas. De facto, a alternativa é entre valorizar os ganhos efectivos ou rejeitá-los, a pretexto de que deveriam ser maiores. Suspeito que o debate da Constituição Europeia, em todas as matérias, vai obedecer a este paradigma. Nada é perfeito à luz do que deveria ser. O problema é se em nome disso devemos rejeitar o que constitui uma inegável (e no caso concreto, enorme) melhoria, mantendo o "status quo". Por essa ordem de ideias, poucas constituições e convenções internacionais que hoje celebramos teriam sido alguma vez aprovadas...

Serviços públicos

"Salvaguardar os serviços públicos" -- tema do meu artigo de ontem no Público (como habitualmente disponibilizado também no Aba da Causa).

terça-feira, 8 de março de 2005

Armas nucleares: ilegais e imorais

As armas nucleares são ilegais e imorais. Por isso, há cinco anos, o Mundo rejubilou quando se celebrou em Nova Iorque um consenso histórico em torno do NPT - Tratado de Não-Proliferação: os Estados detentores de armas nucleares assumiram então o compromisso inequívoco de eliminar arsenais, abrindo o caminho ao desarmamento nuclear, nos termos do artigo VI do Tratado. O Mundo rejubilou e não era para menos: desde a entrada em vigor do Tratado em 1970, 30 anos tinham decorrido para que se conseguisse finalmente, ultrapassada a Guerra Fria, alcançar um compromisso com esta clareza: "um marco tão significativo para a Paz no Mundo", como disse entçao o SG das NU, Kofi Annan.
Cinco anos depois, a poucos dias de Maio, abre-se a subsequente Conferência de Estados Parte para Revisão do Tratado, e o panorama é assustadoramente diferente: a posição dos EUA modificou-se substancialmente face ao NPT e aos compromissos assumidos, anunciando, inclusivamente, a Administração Bush a intenção de desenvolver novas tecnologias de armas nucleares, envolvendo somas astronómicas (desviadas assim quer do já tão desequilibrado orçamento americano, quer das dotações que os EUA deveriam investir no combate à pobreza e pelo desenvolvimento global). Os Estados Unidos e outros Estados detentores de armas nucleares partes do Tratado não respeitaram desde então os seus compromissos de desarmar, nem deram sinais de quererem reduzir os arsenais nucleares. Ainda hoje, os Estados Unidos mantêm estacionadas no território da Europa 480 armas nucleares e continuam a rejeitar a ratificação do CTBT - (Convenção para a proibição de testes nucleares). E o resultado é que outros Estados-Parte não se sentem também vinculados a respeitar os seus compromissos no âmbito do NPT: depois da invasão do Iraque, sob o falso pretexto da existência de armas de destruição maciça, possuir ou fazer crer que se possui armamento nuclear passou a "dar estatuto" internacionalmente, se não mesmo a ser percepcionado como factor de dissuasão e auto-protecção. É o que está em causa no Irão e noutros países, digam eles o que disserem. Estados como Israel, Índia e Paquistão, detentores - eles também - de armas nucleares, permanecem fora do Tratado e não vêm assim incentivos, nem se sentem sequer pressionados, para tornar-se parte. Mais preocupantemente, ainda, a Coreia do Norte tenta retirar-se do Tratado e faz chantagem sobre a comunidade internacional. Chegamos ao ponto de ver a invocação do estatuto de Estado detentor de armas nucleares no argumentário de candidatura a membro permanente do CS das NU.
Passados 5 anos, como sublinha expressivamente o Painel de Alto Nível das NU sobre Perigos, Ameaças e Desafios, estamos num momento em que a erosão do regime da não proliferação pode tornar-se irreversível e resultar na proliferação em cascata. E o panorama é tanto mais grave quanto hoje sabemos que há elevados riscos de materiais nucleares caírem em mãos de terroristas, muitos nem sequer controlados por Estados. O caso do alto responsável e cientista paquistanês AQ Khan deveria ter accionado todos os alarmes, mas nem sequer nunca foi explicado publicamente em toda a sua extensão e implicaçoes. De acordo com o referido Painel, peritos estimam que basta que terroristas consigam deitar mão a 50 kg de urânio enriquecido, quantidade que caberia num volume equivalente a seis pacotes de um litro de leite, e passá-la em contrabando, para poderem criar uma bomba nuclear improvisada capaz de arrasar uma cidade de dimensões médias.
A "proliferação em cascata" só pode ser impedida se se unirem os esforços da comunidade internacional e se enveredar decididamente por soluções multilaterais eficazes. Desde logo importa garantir a aplicação escrupulosa da resolução 1540 do CS das NU, com vista a evitar que terroristas e agentes não-estatais adquiram armas nucleares. Pelo reforço da cooperação, eliminação stocks de urânio enriquecido, protecção dos contentores que dão entrada no portos e novas regras que regulem o enriquecimento do urânio. Promover a aplicação global desta resolução do CS, implica para a UE integrá-la no fulcro da sua política para com países terceiros.
A próxima revisão do NPT é também oportunidade que não pode ser perdida. A UE pode e deve desempenhar nela um papel decisivo. O que implica que os dois Estados da UE detentores de armas nucleares, França e Grã-Bretanha, não apenas cumpram o compromisso de desarmar, mas se coordenem numa estratégia para a revisão do NPT com os outros parceiros europeus, permitindo accionar uma PESC/PESD eficazes.
A UE deve liderar uma acção concertada de retorno ao caminho de compromisso universal no sentido da não proliferação e do desarmamento nuclear. O que passa pela ilegalização e desencorajamento do desenvolvimento de novas gerações de armas nucleares, venham de onde vierem. Como sublinha Kofi Annan no seu relatório do Milénio, "não ajuda ao objectivo de não proliferação nuclear que os Estados detentores de armas nucleares continuem a insistir que tais armas, nas suas mãos, promovem a segurança, enquanto que em outras mãos constituem um perigo para a Paz mundial".
O reforço do multilateralismo passa ainda por conferir ao Tratado uma maior operacionalidade apoiando, por exemplo, a criação de um Gabinete que institucionalize e operacionalize de forma permanente o funcionamento do Tratado. E passa também pelo reforço da Agência Internacional de Energia Atómica, que tem desempenhado um papel importantíssimo na verificação e pelo restabelecimento da confiança entre os Estados, seriamente abalada com os desenvolvimentos recentes. A UE tem procurado desempenhar um papel de mediação no caso do Irão. É incompreensível que não esteja envolvida directamente nas negociações com a Coreia do Norte. Em ambos os casos, o contributo da AEIA é fundamental. Face ao papel que desempenha no âmbito do Tratado e ao curriculum na prevenção da proliferação nuclear, a Agência, face ao orçamento que dispõe, revela-se, como diz o relatório do Painel de Alto Nível, uma extraordinária pechincha ("stands out as an extraordinary bargain").
Dada a situação de real emergência e de prioridade absoluta que o combate pela não-proliferação nuclear hoje reveste, o PE deve enviar uma missão para acompanhamento da intervenção europeia na Conferência de Revisão do NPT, assumindo um papel de vigilância sobre a actuação dos Estados-Membros e de promoção do reforço do Tratado, em coerência com as diversas resoluções que tem aprovado e com o apoio que expressou à campanha dos "Mayors for Peace", liderada pelo Presidente da Câmara de Hiroshima.

(Intervenção no Plenário do PE, 8.3.05)

Iniquidade fiscal

Não há ideia ultraliberal que José Manuel Fernandes não julgue defensável. Agora chegou a vez da taxa única (flat rate) do imposto do rendimento, em vez das actuais taxas múltiplas, progressivas, em função do nível de rendimento. Sucede que progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal (que aliás tem garantia constitucional entre nós) responde a um requisito de justiça social e de igualdade substantiva.
Pode certamente discutir-se o número de escalões (que talvez devam ser reduzidos em homenagem à simplificação fiscal), bem como taxa aplicável ao escalão mais elevado (que aliás já é hoje bastante mais baixa do que já foi, sendo entre nós consideravelmente inferior à de muitos outros países). O que não faz sentido é defender a taxa única e a proporcionalidade do imposto, só porque em alguns países ex-comunistas isso se tornou moda.
Entre nós já se verificam dois factores que diminuem fortemente a progressividade do imposto de rendimento em especial e do sistema fiscal em geral: (i) os rendimentos mais altos beneficiam de mais deduções e isenções (despesas de saúde, inventivos à poupança, etc.) do que os mais baixos; (ii) os impostos indirectos, que são indiferentes ao rendimento, têm um peso maior do que na generalidade dos outros países europeus. Por isso, a taxa única no IRS acabaria por tornar o sistema fiscalmente regressivo e socialmente iníquo.

segunda-feira, 7 de março de 2005

Um blogger que virou ministro

O Puxapalavra viu uma dos seus autores transferido para o Governo. Ganhou obviamente o segundo e perdeu o primeiro. Muitas felicidades para o Mário Lino na sua nova missão (apesar das SCUTs...).

A ofensiva de Carrilho

Manuel M. Carrilho mobiliza o apoio da corporação dos intelectuais, artistas e ofícios correlativos na sua luta pela candidatura socialista à câmara de Lisboa. Não é provável que Ferro Rodrigues replique com uma manifestação popular em seu apoio (aliás, tem mantido um impecável silêncio sobre o assunto). A pergunta é se José Sócrates vai continuar a deixar diminuir a sua liberdade de decisão sobre o assunto.

Infelizmente na Casa Branca há vírus bélicos imunes às vacinas

«A experiência do Iraque deve ser a vacina definitiva contra os unilateralismos» (Adriano Moreira, numa entrevista Rádio Renascença/Público, que vale a pena ler por inteiro).

Quem tem coragem?

«Gostava de ver declarado o fim do novo sistema retributivo da função pública. Diz-se novo mas tem 14 anos. Essa história dos escalões e das progressões automáticas custou em média um aumento de 4% ao ano da massa salarial da função pública. É muito dinheiro e mal gasto, porque compensa-se a mera passagem do tempo sem um mínimo de estímulo ou de prémio. Era importante do ponto de vista simbólico acabar com esse sistema. Daria um sinal de introdução na administração pública de um ambiente de mérito e de progressão salarial ligada ao desempenho. Do ponto de vista económico, gostava de ver uma eficácia acrescida no sistema de incentivos.»
Daniel Bessa, no Diário de Notícias (sublinhados acrescentados).

Retirada dos ocupantes do Líbano? E do Iraque?

Os americanos preparam-se para sair do Iraque antes das próximas eleições previstas para o fim de 2005.... Esta seria, pelo menos, a ilacção a tirar das recentes declarações do Presidente Bush, ao exigir a retirada total das forças sírias do Líbano: "Não pode haver democracia bem sucedida enquanto o país estiver sob ocupação de forças estrangeiras", disse Bush em entrevista ao New York Post. Estou totalmente de acordo. O chefe da diplomacia britânica, Straw, disse, logo a seguir, que, se necessário, a ONU poderia reforçar a Força de Paz no Líbano para garantir a segurança após a retirada das tropas sírias. Mais uma vez, concordo inteiramente.
Aplicando o princípio subjacente a este raciocínio de Bush à situação no Iraque, as forças americanas deveriam saír até ao fim deste ano. Para que se realizassem as eleições previstas sem a presença de forças estrangeiras. E, se necessário, o que é previsível, poderia reforçar-se a presença da ONU no Iraque.
Se virmos bem, a avaliar pelo ritmo de repatriamento das tropas por parte dos países da coligação, a retirada do Iraque já está em movimento: Portugal retirou as suas forças em 12 de Fevereiro passado; três dias depois o PM dinamarquês anunciava o regresso iminente dos seus militares. Até ao fim de Março partirão do Iraque as tropas holandesas, depois as romenas, ucranianas e húngaras. Entretanto começará o repatriamento dos polacos até ao fim do ano. Antes já o tinham feito a Espanha, a Noruega, a Estónia, a Nova Zelândia, a República Dominicana, as Honduras, a Nicarágua e Filipinas.
Esta sequência levou a imprensa de Itália, um dos últimos países europeus ainda activo na coligação, a dizer recentemente: "loro tutti via, noi a Nassiriya". Revelador do sentimento italiano antes mesmo do incidente deste fim de semana. Incidente, em que as forças americanas dispararam sobre o carro que transportava a jornalista Giuliana Sgrena, que acabara de ser libertada como refém, ferindo-a e matando um dos elementos dos serviços secretos italianos que ajudara ao seu resgate. Imaginamos o que sentem os italianos agora...

Os alfaiates da História

"O que lá vai, lá vai! Não interessa agora..." - dizem os que antes defenderam a invasão do Iraque - discutir se a guerra foi ou não legítima (uma questão teológica, como dizia Durão Barroso...). "O que interessa agora é unirmo-nos todos, americanos e europeus, na reconstrução do Iraque". É difícil para aqueles que, como eu, sempre estiveram contra a forma como foi decidida a guerra, passar uma esponja sobre todos os erros cometidos. As mentiras e os enganos. As falsas razões. As suas consequências. As vidas perdidas e estropiadas. É difícil pôr uma pedra sobre o assunto sem saber se a Administração Bush - mandato 2 -, não obstante a recém-descoberta simpatia e abertura face à Europa, insiste na visão voluntarista e unilateral Bush - mandato 1.
E mais difícil ainda se torna quando se começa a ouvir com alguma insistência - vindo de quem pede para não julgarmos o passado - que a invasão do Iraque está justificada pelo exemplo democrático que instilou no Médio Oriente. Que, se não fossem os americanos com a sua acção no Iraque não haveria o tal vento de democracia a percorrer a região. Quantas razões mais serão utilizadas para justificar um acto ilícito à luz do direito internacional? Armas de destruição maciça, guerra ao terrorismo, luta pela democracia....
É cedo ainda para escrever a História, mas tudo está a ser preparado para registar que a visão de Bush ao conduzir a guerra no Iraque apontava mais longe. Apontava já à implantação da democracia no Médio Oriente, ou até no Mundo (há já comentadores encartados sobre a influência do caso Iraque no processo de democratização da Ucrânia). E que não se olharam a meios para se atingir objectivo tão nobre. Pois! Para os defensores desta versão da História, os fins justificam os meios.
Cuidado com os visionários! E mais ainda com os alfaiates do reino que nos descrevem orgulhosamente "o manto real" que vão tecendo.

Loja das Ideias

«Este blogue é um exercício de cidadania de um grupo de portugueses que pretendem debater publicamente ideias sobre Ciência, Cultura e Política. O nosso compromisso é, antes de mais nada, com a Ética, a Estética e o Rigor, pelo que o escrutínio da razão será o contraponto à imaginação e ao humor». Assim abre o novo Bolgue - LOJA DAS IDEIAS - que o Carlos Pinto-Ferreira e o João Sentieiro resolveram animar. Feliz no nome e promissor nos conteúdos, a Loja merece uma visita. Sejam Bem Vindos!

Memórias acidentais: Por que não fui ministro...

...há 10 anos. Sem filiação partidária nem actividade política desde a minha saída contenciosa do PCP vários anos antes, eu tinha participado empenhadamente nos "Estados Gerais" que contribuíram para a vitória do PS nas eleições de 1995. Por insistência de Guterres, tinha aceitado ser candidato a deputado por Coimbra (embora apenas como primeiro suplente, para tornar claro que não desejava voltar à AR) e tinha assumido algum protagonismo na campanha eleitoral, por causa de doença de Manuel Alegre, que era o cabeça de lista. Apesar disso, foi com alguma surpresa que, poucos dias depois das eleições, Guterres me chamou ao largo do Rato para me convidar para o Governo.
Ele disse as razões do seu interesse em ver-me no Governo e da escolha para a pasta em causa (que tinha natureza eminentemente política), nomeadamente o meu empenhamento na vitória socialista, a minha passada experiência parlamentar, o meu saber académico e profissional. Eu já levava preparada a resposta negativa (mesmo não sabendo ao certo qual era o pelouro), pelo que não pedi nenhum tempo de reflexão. Invoquei dois argumentos pessoais e dois políticos, qualquer deles bastante só por si: (i) tinha agendadas provas académicas dentro em pouco, que não poderia adiar vários anos e que não queria prestar na condição de governante; (ii) não me sentia muito motivado para desempenhar tarefas governativas; (iii) tinha algumas divergências políticas com o programa eleitoral (por exemplo a eliminação de portagens na CREL), com as quais teria de me solidarizar no Governo; (iv) sendo independente, eu não poderia desempenhar bem um cargo que pressupunha uma forte identificação com o Partido e com o grupo parlamentar. Com tais argumentos não me foi difícil resistir à sua insistência.
Assim se frustrou, por vontade própria, essa minha oportunidade ministerial. O mínimo que posso dizer é que ainda hoje considero ter sido uma decisão acertada. Já o mesmo não posso dizer de, pouco tempo depois, ter recusado também o convite para representante do PS no Conselho de Estado, que implicava muito menos compromissos. Em contrapartida, passado um ano vim a aceitar o desafio para presidir à Comissão parlamentar de revisão constitucional, entretanto constituída, para o que tive de assumir o mandato de deputado. Como se sabe as coisas estiveram longe de correr bem e senti-me forçado a abandonar o cargo antes do fim da tarefa, que se revelou pouco gratificante. Com isso dei também por encerrada a minha vida parlamentar.
Definitivamente a actividade política directa deixara de me fascinar como antes. Recolhi-me desde então a um assumido distanciamento crítico, semanalmente pontuado pela coluna no Público...

Boa ideia

«António Costa poderá ficar com a tutela das autarquias.» Sendo ele ministro de Estado e da Administração Interna, com o pelouro da administração territorial, faz sentido ter uma visão integrada de todo o sector.

Heterodoxia comunista

Existe algures na Europa um Partido Comunista que está no poder desde 2001, que ganha eleições democráticas e que tem como prioridade a adesão do seu País à União Europeia e o distanciamento em relação a Moscovo. É a Moldávia, uma antiga república da União Soviética, encravada entre a Ucrânia e a Roménia.
O Mundo já não é como soía ser. Será que o PCP tolera que eles continuem a usar a designação de partido comunista?

domingo, 6 de março de 2005

Depuração da história

O CDS resolveu retirar o retrato de Freitas do Amaral da sua sede. Fazem bem, pois é sempre bom depurar a história. O pior que pode suceder a um partido de princípios é pactuar com traidores. Aliás, pela mesma ordem de ideias há mais dois antigos presidentes do partido cuja imagem também deve ser igualmente removida: Lucas Pires, que acabou deputado do PSD, e Manuel Monteiro, que acabou a fundar o PND.
Partido peculiar, este, de onde os líderes desapegam com tal frequência. E Portas, será que acaba a sua carreira política por aí?...

"O fascismo nunca existiu"?

A história de Conceição Matos, ou a memória da luta contra a ditadura em Portugal. Para que não esqueça.

Os serviços públicos

Segundo o Expresso (suplemento de Economia) «os CTT tornaram-se uma empresa financeira rentável à custa do desprezo pelos utentes --, logo são cada vez menos os correios de Portugal. E prestam um serviço incompetente e próprio do 3º mundo.»
Infelizmente os serviços postais não são os únicos serviços públicos onde os níveis de satisfação dos utentes estão em declínio. A compatibilização da empresarialização e da busca da rentabilidade económica com as "obrigações de serviço público" constitui uma questão essencial. Os serviços públicos constituem um elemento primordial da "civilização europeia"; fazem parte integrante do modelo social europeu; estão referenciados nos tratados da UE e na Constituição europeia.
Um governo socialista tem de colocar os serviços públicos entre as suas prioridades. É isso que está na base do sucesso dos partidos social-democratas escandinavos e do partido trabalhista britânico. A gestão empresarial e a busca de eficiência não podem marginalizar as obrigações de serviço público. Pelo contrário. Quanto mais eficiente for a sua gestão maior margem existe para eles darem conta das suas incumbências de serviço público.

Condenados ao desemprego

Em sectores de ponta, como as telecomunicações, o crescimento coabita com o decréscimo do emprego. Quase todos os países da UE revelam uma sensível perda de emprego nesse sector nos últimos anos. Segundo o Observatório da Comunicação, citando o Eurostat, «parece haver uma relação directa entre as medidas de desregulação e privatização, que ao mesmo tempo que permitem a globalização e o crescimento do sector, têm um efeito directo no nível de oferta de emprego neste sector». O crescimento passa pela eliminação de postos de trabalho, diminuindo a factura salarial. Más notícias para as perspectivas de emprego na Europa.

Governo masculino

Tem razão a leitora que assinala o pequeno número de mulheres no novo Governo, apenas duas (Educação e Cultura) entre 16 ministros. De facto, mesmo que não se siga o padrão de paridade adoptado pelo governo do PSOE em Espanha, poucos governos europeus serão tão pouco "gender-balanced" como este, o que não quadra propriamente bem com o currículo do PS na luta pela participação das mulheres na actividade política.
Curiosamente as organizações feministas ainda se não manifestaram...

sábado, 5 de março de 2005

Banana Republic

A história dos monovolumes é verdadeiramente digna de uma república das bananas. Na ordem racional das coisas, subscrevo inteiramente a posição de Vital Moreira, no post Trapalhadas de Efeito Retardado (mais abaixo). Na ordem solidária das coisas, congratulo-me pelo facto de o leitor João Leitão e umas centenas mais de outros proprietários de veículos de dimensões idênticas às dos monovolumes VW passarem a pagar menos uns cobres nas portagens (desde que sejam aderentes da Via Verde...) à custa de umas desprezáveis centenas de milhares de automobilistas cujas viaturas não aderem ao mesmo conceito "familiar". Na ordem patriótica das coisas, até nem me importaria de contribuir para que a VW trouxesse para a Auto-Europa o seu novo modelo de descapotável de turismo, acaso acreditasse que a passagem dos monovolumes para a classe 1 da Brisa era decisiva na escolha final do construtor. Acontece que não é. A esta hora, as trapalhadas portajeiras da Lusitânia já devem ter dado azo a muitas gargalhadas ruidosas em Wolfsburg. Por isso, na minha ordem primária das coisas, exijo que, caso os alemães gorem as nossas expectativas e desloquem a produção do novo modelo para uma qualquer Baratávia, a situação tarifária inicial seja reposta e os condutores de veículos "anti-familiares" sejam desagravados e materialmente ressarcidos.

O maldito défice orçamental

Várias vezes defendi aqui que, dado o mau estado das finanças públicas e a estagnação da economia, o controlo do défice orçamental não poderia bastar-se com cortes nas despesas e com receitas extraordinários, sendo previsível a necessidade de aumento das receitas fiscais, ou seja aumento de impostos, como admite o titular das Finanças do novo Governo, secundado aliás por economistas como Miguel Beleza.
De resto, José Sócrates não excluiu a subida de impostos antes das eleições, tendo-se limitado a desmentir ocasionalmente uma notícia que previa a subida do IVA. Resta saber se, excluída previsivelmente também a subida do IRC e do IRS, será suficiente a subida dos impostos indirectos especiais, como os que incidem, por exemplo, sobre os combustíveis e o tabaco.
Por outro lado, considerando o défice escondido no orçamento deixado por Bagão Félix, é de duvidar se a questão da subida de impostos pode ser evitada já no próximo e inevitável orçamento rectificativo...

O melão, o limão, a banana e o strawberry

Ao dispor na banca do Aba da Causa.