sexta-feira, 7 de outubro de 2005

El Baradei, Nobel da Paz

60 anos depois de Hiroshima e Nagasaki, a ameaça nuclear continua presente. Cada vez mais, assistindo-se à insanidade da proliferação nuclear, na era do terrorismo global.
Neste contexto, é justo que o egípcio Mohammed El Baradei, Director Geral da Agência Internacional de Energia Atómica, tenha sido este ano galardoado Prémio Nobel da Paz, pelo sua incansável dedicação à causa do uso pacífico do átomo.
Um dos seus maiores êxitos foi a descoberta do programa nuclear ilegal no Iraque de Saddam em 1991, ao que se seguiram anos de inspecções da ONU rigorosas, sistemáticas e, como hoje bem o sabemos, 100% bem sucedidas. El Baradei não teve medo de declarar publicamente antes da Segunda Guerra do Golfo que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E tinha razão, tornando-se alvo de ferozes ataques de uma Casa Branca sedenta de acção militar.
Nem tudo foram sucessos, porém: à margem do Tratado de Não Proliferação,Israel continua a cultivar a perigosa «ambiguidade» que acicata vizinhos no Médio Oriente; a India e o Paquistão também desenvolveram armas nucleares à margem do TNP; o programa nuclear líbio - entretanto abandonado - foi desenvolvido nas barbas da AIEA; a Agência foi expulsa da Coreia do Norte; e o Irão está perto (em 10 anos talvez) de ter a capacidade para construir a Bomba.
Na maior parte destes e de outros casos a Agência dirigida por El Baradei fez o que pôde, com persistência, coragem e tacto, perante uma comunidade internacional relutante em cumprir os compromissos de desarmamento nos termos do TNP - em especial os cinco Membros Permanentes do Conselho de Segurança da ONU, dois dos quais membros da UE.
Para todos os efeitos, o Nobel da Paz atribuido a El Baradei premeia merecidamente o trabalho da Agência e sublinha a importância fundamental das suas inspecções para garantir a aplicação do Tratado de Não Proliferação. A maior parte de nós, cidadãos comuns, não o percebe nem sente. Mas a sobrevivência da Humanidade depende crucialmente desse trabalho.

Assim o quiseram

Apesar de maioritária em Lisboa, dizem as sondagens que a esquerda se prepara para perder mais uma vez a presidência do município para a direita.

Os mortos de Melilla

Os imigrantes subsaharianos mortos pela polícia marroquina em mais uma tentativa de entrada maciça em Melilla são uma responsabilidade de toda a Europa. Não somente pela repressão selectiva contra a imigração africana (em comparação com a leniência face à imigração do leste europeu ou asiática), mas sobretudo pelo défice de apoio ao desenvolvimento da África. Um das maiores ameaças à estabilidade social europeia está na miséria africana, aqui tão perto.

Semântica "a la carte"

Os sindicalistas militares acham que a "vigília" que fizeram junto a São Bento não foi uma manifestação. Os sindicalistas policiais que apelaram à recusa colectiva de sancionar as infracções ao Código da Estrada acham que isso não é uma greve.
E, se calhar, também acham que devem ser levados a sério!

Democracia à moda da Madeira

«Alguns dias depois de ameaçar dar um "pontapé no traseiro" de Jorge Coelho, [Alberto João] Jardim, num comício anteontem realizado em São Martinho, admitiu que iria escandalizar os "fariseus da política" ao felicitar o candidato do PSD e presidente da junta daquela freguesia pela agressão a candidatos do PS: "Parabéns, Pimenta, pelo castigo infligido aos que vieram provocar o povo."» (Público de hoje).
Isto passa-se em Portugal. Ao pé disto, Ferreira Torres é um modelo de virtudes cívicas...

Correio dos leitores: Centenário da República

1. «Numa época em que se fala, com alguma pertinência, do excesso de dias feriados em Portugal, é forçoso reconhecer que o 5 de Outubro é um dos melhores candidatos a ser eliminado como dia feriado. A implantação da república é algo que nada diz à imensa maior parte dos portugueses, que não têm qualquer consciência dos eventuais benefícios que dela se tenham extraído. Ao contrário de valores como a independência (1 de Dezembro) ou a liberdade (25 de Abril), a república nenhuma ressonância tem no coração dos portugueses, e o 5 de Outubro é hoje encarado, até pelos historiadores, como uma data muito condicionada pelas condições políticas muito específicas do seu tempo. A primeira república foi um desastre político que só veio piorar o que já vinha da monarquia. (...)»
Luís Lavoura

2. «(...) O centenário da República, daqui a 5 anos, não deve ser uma comemoração histórica, muito menos uma comemoração passadista da 1ª República. Antes deve ser uma reflexão sobre os valores republicanos (liberdade, igualdade e responsabilidade política, ética de serviço público, laicismo, etc.), sobre a contribuição da "cidadania republicana" para a democracia em Portugal e sobre o modo como renovar e aprofundar a cidadania democrática no segundo século da República.
Por isso acho bem que a comissão de ideias para o centenário não seja presidida por um historiador (...).»

A. J. Soares

Património comum

A enciclopédia Wikipedia tornou-se uma verdadeiro fenómeno da Internet. Produzida em "open source" por milhares de pessoas anónimas por todo o mundo, em numerosas línguas (estando a versão portuguesa entre as 10 maiores), ela é testemunho da capacidade individual de realizar projectos de interesse comum sem qualquer retribuição, nem sequer o do reconhecimento pessoal (dado que as entradas não são assinadas). Uma interessante análise do fenómeno Wikipedia pode ver-se aqui.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

(In) Justiça - III - Financiamentos partidários e não só...

Da minha intervenção no XIV Congresso do PS, Guimarães, 2.10.2004 (publicado no CAUSA NOSSA a 3.10.04):

"Um governo do PS ao serviço dos cidadãos tem de apostar num Estado respeitável e respeitado, estratega, garante da eficiência das políticas governamentais e dos serviços públicos. E para isso é preciso dar prioridade à justiça fiscal, ao combate à fraude e evasão fiscal, aos branqueadores de dinheiro sujo, à economia paralela. Sem reforma do sistema fiscal nenhuma outra reforma funcionará, nem a da justiça, nem da saúde, nem a da educação, nem na segurança social. Porque sem reforma do sistema fiscal não haverá nem dinheiro, nem Estado, nem - por este andar - classes médias.
Mas o PS não terá credibilidade para fazer reformas neste país se não fizer a sua própria reforma, se não accionar mecanismos de defesa e controle no seu interior contra o tráfico de influências e a dominação por interesses económicos ocultos. Nesta magnífica cidade de Guimarães, que a espada do Fundador nos ajude a todos, no PS, a cortar a direito contra a corrupção e caciquismo. Esse é o grande desafio que tens pela frente, Camarada José Socrates - continuar as reformas iniciadas por Ferro Rodrigues. Eu estou convencida de que foi por isso que ele e Paulo Pedroso foram tão miseravelmente atacados.
Uma grande oportunidade para a reforma, a transparência e prestação de contas no PS virá com a entrada em vigor da nova lei de financiamento dos partidos em 2005. Apelo ao Secretário-Geral para que comece a publicar anualmente todos os dados, reais, sobre o financiamento e despesas do Partido".


PS - Continuo a pensar o mesmo nesta data. Incluindo por que Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso foram tão miseravelmente atacados.

(In)Justiça - II - Financiamentos partidários e não só....

Extracto de entrevista radiofónica com Ferro Rodrigues transcrita no PÚBLIC0 em 28.4.2003:
"Entrevistado no programa Diga Lá Excelência, da Rádio Renascença e do PÚBLICO, Ferro Rodrigues conta a sua versão das negociação com o PSD sobre a reforma do sistema político. Tudo começou nas conversas com Durão Barroso após o apelo de Jorge Sampaio, no 25 de Abril do ano passado, para que as mudanças avançassem, independentemente da crise financeira do Estado. O processo continuou nas negociações entre Santana Lopes e Alberto Martins e falhou a 48 horas da aprovação parlamentar. A pressão dos autarcas por causa da sisa e a situação financeira do Estado foram as razões invocadas pelo primeiro-ministro, num telefonema feito de Paris, para adiar para 2005 a entrada em vigor de uma parte da lei de financiamento dos partidos: os artigos que dizem respeito ao aumento das subvenções públicas (dinheiro do Orçamento do Estado para os partidos)e à previsão de penas de prisão para quem infringir a lei.O fim dos financiamentos anónimos é a principal alteração significativa da lei que entra já em vigor.Assim, o Parlamento aprovou, na passada quinta-feira, uma nova lei, que consagra o que foi acordado entre os dois partido, mas que remete uma parte da sua aplicação para daqui a dois anos, o que levou o PS a votar contra. Uma história que quebrou a relação de confiança entre o líder do PS e Durão Barroso.
P. - Está satisfeito com a primeira fase da reforma do sistema político? R. - O que se passou não foi a concretização de nenhuma primeira fase de qualquer reforma do sistema político. O que aconteceu foi a aprovação de uma lei dos partidos que não era algo de verdadeiramente prioritário. Depois, foi aprovada uma lei sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, mas que no essencial só entra em vigor daqui a quase dois anos. Não é o essencial do que estava previsto que pudesse acontecer e que era, para já, o fim dos financiamentos anónimos.
(...)O Presidente da República, no 25 de Abril de 2002, disse que a questão do financiamento dos partidos e das leis eleitorais, entre outras matérias relacionadas com o sistema político, devia ser alterada. (...) Nesse contexto, eu tive um convite do primeiro-ministro para nos conhecermos melhor, depois da eleição (...)estabelecemos nesse encontro uma posição de princípio de abertura às ideias do Presidente. (...) tomei a iniciativa, antes do final do ano, de me dirigir às lideranças de PSD e PP, para lhes dizer que considerávamos urgente que até ao 25 de Abril...
(...)apontei três pontos, que resultavam da primeira conversa com o dr. Durão Barroso: uma nova lei de partidos, uma nova lei de financiamento dos partidos e das campanhas...
(...)Durão Barroso nomeou Santana Lopes como seu representante para esta negociação - eu indiquei Alberto Martins -, eles falaram várias vezes e chegaram à conclusão de que havia todas as condições para que este compromisso fosse conseguido. Nunca exigimos qualquer verba especial...
P. - Mas falou-se nisso... R. - Houve contactos feitos com as pessoas que dirigiram as campanhas eleitorais anteriores no PS e no PSD e elas concluíram que um determinado tipo de verbas para a actividade corrente dos partidos e outra para as campanhas era absolutamente lógico. Chegou-se, por isso, ao número da duplicação das verbas para o funcionamento corrente e números variados consoante a natureza das eleições. A dada altura, perguntei a Alberto Martins se havia condições financeiras do Estado para fazer isto. Ele respondeu-me que já tinha discutido a questão com Santana Lopes e que este lhe dissera que o problema tinha sido colocado no PSD ao mais alto nível e que a ministra das Finanças não levantaria qualquer obstáculo.
P. - Então porque é tudo correu mal? R. - Eu estava absolutamente convencido que o trabalho final era meramente técnico, porque as soluções políticas estavam encontradas. Acontece que, 48 horas antes, o dr. Durão Barroso telefona-me de Paris a dizer: meu caro, tivemos ontem uma reunião da comissão permanente do PSD e não há condições para que haja qualquer aumento do financiamento da actividade partidária por meios públicos, visto que há muitos problemas com os autarcas, a função pública... Ora, isso não estava em causa porque a questão das dificuldades era conhecida no momento em que este compromisso tinha sido estabelecido. A partir daí, o PSD tentou criar na opinião pública a ideia de que os socialistas são um bando de despesistas que querem que os partidos vivam em grande à custa do erário público e que o dr. Durão Barroso deu um murro na mesa contra um acordo irresponsável. Isto é de um populismo inaceitável. "

(In) Justiça - I - Financiamentos partidários e não só...

O Presidente da República fez no Dia da República mais uma proposta (embrulhada) para combater a corrupção e a fuga ao fisco. O Juíz Conselheiro Alfredo José de Sousa em declarações hoje à SIC-Notícias, ao abandonar as funções de Presidente do Tribunal de Contas, denunciou a inoperância do Ministério Público no prosseguimento das acusações que deveriam resultar das investigações do TC.
A propósito, refresque-se a memória:

I - Ferro Rodrigues, no encerramento do XIII Congresso do PS 17.11.2002 em que foi confirmado como Secretário-Geral do PS:

"É tempo de debatermos, de forma séria, reformas importantes para o futuro de Portugal. Como a reforma do sistema político. A reforma do sistema político deve ser relançada na agenda nacional.Se não o fizermos, cavaremos ainda mais o fosso entre os cidadãos e a política. A AR deve debater as propostas de revisão do sistema eleitoral. Do financiamento partidário. Da lei dos partidos. É fundamental dar passos efectivos neste sentido.
Apelamos, por isso, a todos os partidos e nomeadamente ao PSD. Para que participe construtivamente. Com seriedade. Com sinceridade. Neste debate, que só chegará a bom porto se for possível um acordo tão alargado quanto possível.
A reforma do sistema político começa dentro dos partidos".

Referendo

Por mais de uma vez objectei aqui contra a forma corrente de designar o próximo referendo sobre a despenalização do aborto, como "referendo do [ou: sobre o] aborto" (fórmula preferida, et pour cause, pelos partidários do não). Na verdade, o referendo não é sobre o aborto em si mesmo -- coisa que não é referendável --, mas sim sobre saber se ele deve, ou não, deixar de ser criminalmente punido (quando realizado nas primeiras 10 semanas de gestação). Trata-se, portanto, de uma designação tecnicamente errada e politicamente desaconselhável.
Qual não é o meu espanto quando descubro que a própria resolução aprovada na AR, sobre proposta do PS adopta justamente a mesma designação errada ("referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez")! Esperemos que o PR corrija o lapso, visto que ele não está vinculado a usar a mesma designação, mas somente o teor da pergunta que lhe foi proposta para o referendo (e essa está correctamente formulada).

Feudalismo corporativo

O meu artigo desta semana no Público está agora disponível na Aba da Causa.

A juíza

A nomeação de Harriet Miers para juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos é uma operação tipicamente à George Bush. Trata-se da uma sua conselheira jurídica na Casa Branca, uma advogada de direito comercial vinda do Texas sem senhum currículo profissional notável, sem nenhuma experiência judicial e sem nenhum conhecimento específico de direito constitucional. Puro amiguismo político. Assim vai sendo "bushificada" a Supreme Court, para um longo período de tempo no futuro...

Correio dos leitores: Serviços sociais da PCM

«(...) Como o fim dos privilégios deve abranger a totalidade da Administração Pública, pois que só assim haverá equidade na mesma, gostaria de o ver defender publicamente (...) a extinção dos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros, com os quais, aliás se fundiram recentemente os Serviços Sociais do Ministério da Saúde, por força do Dec. Regulamentar n.º 4/2005, de 9 de Junho.
Poderá, aliás, Vª Exa. consultar a página www.sspcm.gov.pt e aí verificar quais as regalias que tais serviços oferecem aos seus beneficiários, desde subsídios para creches e jardins de infância, amas, estudos, até centros de convívio com festas e bailes, uma Estalagem ? Estalagem do Cruzeiro ? que funciona como centro de férias e lazer, até exames médicos efectuados pelo Departamento de Clínica Geral da Faculdade de Medicina do Porto comparticipados em cerca de 75%.»

José Rodrigues

Comentário
Sobre isto entendo três coisas: (i) todos os serviços sociais (SS) dos diferentes ministérios deveriam ser fundidos numa só estrutura, de modo a poupar despesas de gestão e permitir a partilha de recursos, bem como a uniformização de regimes em relação a toda a Administração central do Estado; (ii) os SS não deveriam conceder regimes especiais em matéria de cuidados de saúde, à margem da ADSE, não fazendo sentido manter tais regimes para certos ministérios, quando se está a lutar pela sua eliminação em relação a todos os corpos especiais; (iii) os serviços proporcionados pelos SS (creches, etc.) devem observar a regra do utente-pagador, para não constituírem uma sobrecarga para as finanças públicas e um privilégio para os seus beneficários em relação aos demais funcionários.
Impõe-se portanto uma revisão do regime dos SS na Administração pública.

Centenário da República

Diferentemente do que alguns perceberam à pressa, a comissão sobre a celebração do centenário da República (1910-2010), a que vou presidir, só tem por mandato uma reflexão sobre os objectivos e o modo de proceder a tal comemoração, bem como a elaboração de um relatório com propostas correspondentes, incluindo as iniciativas a realizar. Daí a sua composição, bem como a limitação do seu mandato temporal (6 meses). As estruturas operacionais da celebração haverão de surgir mais tarde, depois da definição da filosofia, do modelo e da arquitectura da mesma.

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

SOS para o SIS

Até que enfim que a Juíza Margarida Blasco se demitiu da direcção do SIS, para onde fora nomeada por ter a qualidade de velha amiga e colaboradora do Dr. Durão Barroso.
Há uns meses, ainda no governo de Santana Lopes, a Directora do SIS recebeu-me simpaticamente (simpatia é outras das suas qualidades), quando fiz uma ronda pelos serviços e chefias relevantes para me inteirar dos problemas nacionais de segurança (de que trato como Vice-Presidente da Subcomissão de Segurança e Defesa do PE, e que muito me interessam perceber, nesta desgraçada era do terrorismo global, em que o nosso jardim á beira-mar plantado oferece oportunidades ideais para a operação de redes criminais de suporte a terroristas, quanto mais não seja para a logistica).
Fiquei aterrada quando soube pouco depois que a Senhora Juíza pôs na rua o seu número dois, um veterano do SIS que, pelo menos, percebia do que andava a fazer.
É que eu, defensora da nomeação de mulheres a postos de direcção política e técnica e sobretudo nas áreas de onde as mulheres têm andado arredadas, não quero mulheres apenas por serem mulheres. Para isso, quaisquer homenzinhos servem.
Veremos que «inteligência» o Governo de José Sócrates nos reserva para um lugar tão crucial para o combate ao terrorismo. É que a Senhora Juíza, não esqueçamos, foi nomeada com o amén do PS na AR!

Correio dos leitores: Ainda a questão da sessão legislativa

«Diz o art. 167.º/4 CRP que as propostas de referendo recusadas não podem ser renovadas "na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República".
Isto que pus entre aspas, se bem leio, quer dizer que prossegue a mesma sessão legislativa depois das eleições, caso contrário a ressalva não teria sentido.
Logo, se a sessão legislativa depois de Fevereiro é a mesma que decorria aquando da dissolução, então essa sessão só acabou agora no Verão. Logo, estamos noutra sessão e o referendo pode ser renovado.
Isto parece-me um argumento claro. Envio-lhe este email porque penso que não o incluíra na sua explicação anterior.»

AC

A greve dos juízes

Como se mostrou no Prós & Contras, existe controvérsia entre os juristas sobre se os juízes gozam do direito à greve.
Como titulares de cargos públicos, os juízes não são funcionários públicos nem trabalhadores, pelo que não gozam directamente de tal direito por efeito da Constituição, que só garante tal direito aos trabalhadores. Contudo, não havendo também uma proibição constitucional expressa, tal direito poderá ser reconhecido aos juízes pela lei, ao abrigo da cláusula constitucional de que o elenco constitucional de direitos fundamentais não exclui outros direitos reconhecidos pela lei (ou pelo direito internacional). Isso só não seria admissível, se se entendesse, com Jorge Miranda, que a greve é intrinseca e absolutamente inconciliável com a função judicial, tal como configurada na Constituição. Seja como for, a verdade é que não existe nenhuma lei que reconheça aos juízes o direito de fazer greve, pelo que falta o necessário título jurídico.
Evidentemente deixaria de haver lugar a controvérsia, se a lei regulasse expressamente essa matéria, seja reconhecendo tal direito aos juízes, ainda que com limitações, seja proibindo-o de todo em todo.

Correio dos leitores: Farmácias

«(...) Os militares, os magistrados, as polícias, os advogados, os professores, a Associação~Nacional de Farmácias (ANF), os próprios sindicatos, etc., constituem neste país verdadeiras tribos. Os próprios militares falam de "vida militar" por oposição à "vida civil" (ou civilizada?). Muitos magistados apresentam a sua profissão como algo à parte das outas profissões ("sagrada" ?!).
O Governo actual revelou grande coragem ao enfrentar estas "castas" de privilegiados e está a sofrer da parte delas uma reacção brutal. Nalguns pontos já recuou e temo muito que recue mais. Por exº. não vi ainda implementada a possibiliade de abrir mais farmácias, prometida pelo Governo. Em Braga são práticamente as mesmas do "antigamente", enquanto que a população triplicou ou quadruplicou. Temos de andar vários quilómetros para encontrar uma das duas farmácias de serviço e nas horas normais é preciso esperar em "bicha" por vezes 1 hora para ser atendido! (...)»

Barreiros Martins

terça-feira, 4 de outubro de 2005

"Feudalismo"

«Curiosamente, a reivindicação de estatutos privilegiados privativos é acompanhada da mais latitudinária utilização dos instrumentos sindicais dos trabalhadores comuns, incluindo a manifestação e a greve, mesmo quando o seu estatuto público é manifestamente incompatível com eles, como sucede com os militares e os juízes, os primeiros porque a natureza das suas funções o não pode consentir, os segundos porque nem sequer são funcionários ou trabalhadores, mas sim titulares de cargos públicos, a quem não se podem estender de pleno os direitos próprios dos trabalhadores.»
(Excerto do meu artigo de hoje no Público: link exclusivo para assinantes).

Correio dos leitores: Privatização da REN

«Em relação à anunciada privatização da REN, devo referir que, embora seja claramente um caso de monopólio natural, não decorre desse facto, parece-me, que a gestão da rede seja necessariamente pública. O que o Estado deve assegurar é que, quem quer que seja o operador da rede eléctrica nacional, ele não possa auferir rendas monopolísticas, garantindo apenas uma retribuição do capital compaginável com o mercado. Para tal, tem importância fundamental o papel da ERSE. Ao contrário do que diz o Luís Lavoura noutro comentário ao mesmo "post", o caso da Portugal Telecom é distinto, tratando-se de um sistema em que o Estado português enveredou pela situação de acesso negociado em vez de acesso regulado, o que obrigou os operadores privados de telecomunicações a negociarem com o operador da rede, seu concorrente, o acesso à mesma. (...)
No caso da REN, e desde que se garanta o acesso de todos os operadores sem discriminação à rede (incumbência da ERSE), não vejo porque é que isso possa trazer "engulhos" ao mercado. Ou porque é que isso traduz uma perda de soberania económica. (...)Na vizinha Espanha, a REE é detida pelos geradores de electricidade e a CLH (distribuidora de carburantes) é detida pelos vários operadores de gás natural e petróleos em Espanha, Galpenergia incluída.»

Pedro Martins Barata

E a reforma institucional?

A UE ultrapassou com dificuldade o escolho da oposição da Áustria à abertura das negociações para a adesão da Turquia. Mas quem ganhou foi a Croácia, que, "por coincidência", viu antecipada a decisão de abertura do seu próprio processo negocial e que seguramente entrará na UE muito mais cedo do que a Turquia (se é que esta alguma vez entrará...). Portanto, retoma-se o processo de alargamento, quando ainda mal está "digerida" a grande ampliação precedente.
Entretanto, com a suspensão "sine die" do processo de ratificação da Constituição Europeia, no seguimento da rejeição popular na França e na Holanda, continuará indefinidamente congelada a reforma institucional da União. Até onde poderá a UE continuar a expandir-se, sem adaptar as suas instituições?

Como era óbvio...

... a greve dos magistrados e funcionários judiciais só tem a ver com a defesa dos privilégios de que hoje gozam, alguns dos quais o Governo decidiu extinguir, por razões de equidade social e de solidariedade no esforço de equilíbrio das finanças públicas -- nomeadamente o sistema privativo de saúde, que custa aos utentes da justiça 15 milhões de euros por ano --, mas de que os magistrados não querem abdicar. Toda a retórica sobre a independência dos juízes (como se ela estivesse em perigo!...) e sobre os males da justiça não passa de manobra de diversão. Admitisse o ministro voltar atrás, e logo as outras pretensas razões de queixa desapareceriam.

Que país, este!

Ver o presidente do STJ a intervir em directo num debate na televisão - isso já é pouco comum. Vê-lo polemizar com o Governo sobre o estatuto económico-profissional dos juízes - isso é pelo menos descabido. O presidente de um supremo tribunal deveria ser um exeomplo de discrição e distanciamento em relação às coisas mundanas. Pelos vistos, há quem não pense assim...

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Correio dos leitores: Privatização da REN

«A privatização da REN é a repetição do erro que foi feito com a venda da rede fixa de telefones à Portugal Telecom. Desde então esse erro tem tido repetidas e nefastas consequências, pois que o Estado perdeu a capacidade de impor condições de concorrência iguais para todas as empresas, e impõe aos consumidores de telefones fixos a correspondente factura. A ANACOM tem-se mostrado impotente para debelar o trunfo de que a Portugal Telecom dispõe.
Já agora, podiam privatizar também a REFER [rede ferroviária]...»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Derrotas

«(...) Eduardo Prado Coelho, no Público de hoje, consegue escrever um artigo sobre as eleições autárquicas que começa assim: "Não tenhamos ilusões: a imagem do PS que vai resultar das próximas eleições autárquicas é a de uma enorme derrota", sem mencionar, uma única vez, o seu amigo Manuel Maria Carrilho que, no entanto, não parece estar em condições de conquistar a Câmara de Lisboa.
Quer dizer, uma enorme derrota do PS - mas da qual Carrilho não será minimamente responsável! Extraordinário!»

J. P. Pessoa e Costa

Comentário

De facto, no artigo citado EPC menciona expressamente entre as causas de algumas previsíveis derrotas do PS a má escolha dos candidatos, citando os casos do Porto, de Coimbra, de Oeiras, mas omitindo o caso de Lisboa, onde a quase certa derrota se ficará a dever em grande parte à inadequação do candidato (que EPC apoia), visto que o PS parecia ter à partida boas condições para ganhar.

Soberania

O plano apresentado pelo Governo para o sector energético (liberalização, concorrência entre a Galp e a EDP no gás e na electricidade, privatização dos operadores) é claro e tem lógica. Só não vejo o sentido que faz a anunciada privatização da REN, a qual passará a gerir as infra-estruturas de transporte da electricidade e do gás.
Tais infra-estruturas são básicas para preservar um mínimo de soberania económica do País; constituem "monopólios naturais", por definição imunes à concorrência; as suas receitas derivam das tarifas reguladas, pagas pelos operadores. Que sentido faz então privatizar essas infra-estruturas, para além do propósito de realizar encaixe financeiro? E vale isso a perda do controlo público sobre essas redes e o perigo de a REN ir parar a mãos estrangeiras (designadamente espanholas)?

Correio dos leitores: Em defesa dos juízes

«(...) Já que o cita [o artigo do Público de Marinho e Pinto sobre os juízes]-- o que eu, numa lógica cartesiana que me parece aceitável, interpreto como um sinal do seu apoio e concordância --, pergunto-lhe directamente a si, Sr. Professor, o que a Marinho Pinto caberia perguntar: quais são os "supermercados especiais a preços mais baratos" em que me posso abastecer?; quais são os "transportes gratuitos" em que posso viajar, para além dos transportes públicos entre o local de trabalho e a residência (...); quais são as "compensações para despesas específicas" a que tenho direito e que, por certo, no futuro terei de exigir judicialmente ao Estado já que nunca as recebi? quais são os "médicos mais caros" a que posso recorrer - para assim deixar de pagar do meu bolso, como sempre fiz, as consultas da especialidade de que a minha filha menor infelizmente necessita e cujos médicos se recusam a fazer protocolo com os SSMJ?
(...) O que é que eu, que nem sindicalizado sou, os meus antigos estagiários (...), as largas dezenas de colegas que conheço pessoalmente - e que são bons profissionais por mais que Marinho Pinto diga o oposto e o Sr. Professor aplauda -, fizemos para confiscar ao povo português a sua soberania? O que é que nós fizemos para merecer isto? (...)».

A A (Juiz de Direito)

domingo, 2 de outubro de 2005

(In) Justiça - III

Mais notas sobre imprensa recente:
DN de 30.9 - «Os negócios entre Câmaras municipais e clubes de futebol, ganharam uma nova dimensão com a construção de estádios para o Euro 2004». O Presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, acusou a PJ de nada ter feito no combate à corrupção na Câmara do Porto «apesar de solicitada».
PÚBLICO de 27.9 - a presença de juízes nos orgãos disciplinares do futebol com o pagamento em senhas de presença «continua a gerar polémica na magistratura. Uns pensam que a prestação de serviços juridicos remunerados por magistrados judiciais em exercicio colide claramente com a dignidade constitucional própria da função jurisdicional». Mas enquanto a polémica prossegue, eles continuam a ganhar as senhazinhas de presença.... E se uma Comissão Disciplinar da Liga de Outros Chutadores tambem ostentasse avençar juízes e outros magistrados judiciais ?
EXPRESSO de 1.10 - «Assessora da PGR fala sobre corrupção no MP»: Teresa Sousa, já condenada por corrupção, extorsão e violação do segredo de Justiça disse em Julho, em julgamento, à Procuradora que pedia a sua condenação em 10 anos de prisão «se sou dona dos segredos da PGR e se eu for condenada - sei que vou sê-lo - não tenho a menor dúvida de que terei muita coisa para revelar. Haverá muitos colegas seus que estarão aqui sentados como eu». Não se percebe por que as revelações sobre os chamados «processos confidenciais», que Teresa Sousa coordenava na PGR, já do conhecimento dos Procuradores, tardam a ser divulgadas à imprensa e/ou pela imprensa.
EXPRESSO de 1.10 - O Conselho de Cooperação Económica da UE recomenda ao governo, com carácter urgência o cumprimento de cinco exigências: à cabeça «resolver o problema da Justiça», logo seguido de «combater a economia paralela e a evasão fiscal». Dois problemas interligados, evidentemente.
PÚBLICO de 1.10.05 - Juízes, magistrados do MP e funcionários judiciais fazem greve em protesto por redução de férias e outras regalias. Por isso se preocupa o MEDEL (Magistrados Europeus para a Democracia e a Liberdade). «Há um clima preocupante de ataque ao poder judicial em diversos paises europeus» diz o Presidente do Sindicato dos Magistrados Judiciais, António Cluny, «a análise global tornou evidente a existência de um percurso de enfraquecimento das magistraturas, sobretudo nos paises onde se combatem interesses poderosos» onde se têm observado «retaliações contra os magistrados». Em Portugal não é preciso - elas encarregam-se de dar tiros nos pés. Será por isso que também parecem tão pouco eficazes no combate aos «interesses poderosos» e assim cada vez mais descredibilizam a Justiça? É que, apesar de muitos profissionais sérios, competentes e dedicados, a Justiça em Portugal é lenta, de má qualidade em geral, desgovernada na ética profissional e, suspeita-se, cada vez mais infiltrada pela corrupção.

(In) Justiça - II

Mais notas sobre imprensa recente:
PÚBLICO de 27.9, artigo de José Vítor Malheiro -«Há 15.455 menores a viver em instituições, à espera de decisão judicial para serem adoptados». «Os processos de adopção não estão a andar mais depressa, a nova lei não tornou as adopções mais céleres. Está tudo na mesma e as crianças continuam à espera». Mesmo depois de se conhecer o caso Caso Pia (só a ponta do «iceberg»), e os maus-tratos e assassínios da Joana e outras crianças às mãos de familiares pervertidos. Porque «muitos juizes continuam a despachar a tutela de crianças com base em convicções religiosas ou ideológicas(...) mesmo quando os técnicos aconselham o contrário».
PÚBLICO de 28.9.05 - «Esquema do "saco azul" do PS-Felgueiras foi usado em vários outros municípios. Ministério Público concluiu pela existência de "fortes indícios da prática de crimes contra o Estado" imputáveis "a responsáveis e titulares de cargos políticos". Novos processos foram abertos há ano e meio, mas não tiveram até hoje qualquer andamento». Comentários para quê ?
PÚBLICO de 28.9.05 - «Um relatório do Conselho Superior da Magistratura avaliou 94 tribunais como deficientes e muito maus em termos de produtividade e de apreciação global». 37 tribunais são considerados exemplares. Sem comentários.