sábado, 26 de agosto de 2006

Evidente? Nem tanto!

O ministro dos negócios estrangeiros italiano sugeriu uma força da ONU para Gaza, se a missão do Líbano for bem sucedida. E por que não também para a Cisjordânia, após retirada da ocupação israelita, como desde há muito propõem os palestinianos? Parece uma via óbvia para a paz na Palestina, com segurança para Israel e libertação dos territórios ocupados, não é?
Mas é fácil antecipar o não israelita: Israel recusa-se a abrir mão da Cisjordânia, ou pelo menos de boa parte dela, incluindo Jerusalém. Aí é que está a raiz de todos os problemas...

PS - Entretanto, Israel continua a sua razia nos territórios palestinianos: 178 mortos só em Julho! Caso houvesse paz, como é que o exército israelita poderia viver sem a sua quota mensal de palestinianos eliminados?

Correio dos leitores: ADSE

« (...) Sem qualquer intenção de contrariar o que vem afirmando nos seus "privilégios", não resisto à tentação de admitir que possa não estar ao corrente dos projectos que circulam no seio da administração pública e dos meios castrenses, quanto à integração da "assistência militar" na ADSE (entendam-se aqui todos os quatro ramos das forças armadas e os paramilitares após ou em consequência da unificação dos seus sistemas ainda mais específicos, o que inclui quatro hospitais só em Lisboa), associando, assim, mais um sistema de saúde e engordando a ADSE.
Sendo eu um funcionário da administração pública, estou e estarei sempre muito mais preocupado com existência de um sistema de saúde com qualidade e que sirva todos cidadão deste país do que com a criação/manutenção de pequenos, médios ou grandes sistemas específicos; no entanto, não me parece que seja esta a tendência, ao tomar conhecimento da dimensão da descredibilização dos sistemas públicos de saúde através de maus e viciados funcionamentos, por um lado, e pelo avanço dos sistemas de saúde privados criados pelas seguradoras e pelos bancos, por outro.»

Armando M.

Correio dos leitores: A prontidão de Israel para a guerra

«(...) Creio que no seu mais recente 'post' sobre a guerra no Líbano, refere algo que contraria o que lhe tentei explicar [anteriormente]: "(...) Israel preferiu desencadear, acto contínuo, uma guerra punitiva contra o Hezbollah e contra o Líbano -- guerra, aliás, que já estava preparada, como se viu pela sua prontidão -- (...)"
É verdade que esta (como outras) intervenção militar já estava esboçada e, portanto, de certo modo, planeada. Agora, afirmando-o como afirmou e sem mais explicações, o leitor é levado a considerar que esta intervenção específica (com os seus prazos, motivos,
etc.) foi projectada previamente. Pode não ter sido.
Também pode ter sido. A rapidez da mobilização dos meios não o pode clarificar. Quando muito, seria a venda antecipada pelo Chefe do Estado-Maior do Exército da sua carteira de acções, que denunciaria uma ordem política prévia, mas nunca a prontidão das forças militares de Israel.
Na verdade, a rapidez da mobilização dos meios justifica-se, sumariamente, com os seguintes aspectos: a) a existência de planos de contingência para intervenções militares nesta região; b) uma lista actualizada de alvos (note-se que não foi apenas o Hezbollah o atacado, Israel aproveitou a circunstância e eliminou algumas infra-estruturas essenciais na zona, nomeadamente para acções ofensivas convencionais contra Israel); c) a existência de um grande número de unidades militares em elevado estado de alerta em Israel; d) o posicionamento geográfico das tropas de Israel; e) a capacidade de Israel para conduzir uma campanha de ataques aéreos que permitiram, de forma rápida, a chegada das forças terrestres.
Não estou a dizer que não tenha havido um projecto específico para aproveitar (ou causar) uma escaramuça que justificasse uma intervenção. Agora, afirmá-lo com total segurança é, permita-me, ignorar a impressionante capacidade de Israel para "fazer a guerra". Israel encontra-se entre os cinco países com mais experiência bélica em conflitos recentes e em missões similares às que empreendeu no Líbano. Isso não é de ignorar. (...).»
Pedro Monteiro

Correio dos leitores: horas extraordinárias

«Sobre as horas extraordinárias o que se pergunta é se os dirigentes que o Governo põe à frente dos diferentes serviços são da sua confiança ou se, pelo contrário, estão lá para gerir as organizações em função do interesse dos funcionários e do despautério geral. Só deve fazer horas extraordinárias quem comprovadamente não conseguir fazer o trabalho nas horas normais. Pode haver funcionários a mais [num serviço], mas a menos para um trabalho especifico que outros não sabem fazer. Essa avaliação espera-se feita pelos dirigentes máximos, de resto quase sempre pelo menos 3.
O problema é que o Governo não confia nos seus representantes políticos e nos seus directores gerais. (...)».

A.Monteiro

Cartel

«Concorrência vai investigar ligação aérea Lisboa - Porto.» Já não era sem tempo! Se não há um cartel entre a TAP e a Portugália, bem parece, com "code share" e tudo! Pelo menos a ter em conta os elevados preços praticados.

O «Guantanamo Bay Express»

E porque carga de água é que haveria de haver suspeitas que motivassem uma investigação, mesmo agora a posteriori relativamente a um voo civil privado entre Islamabad e o Porto e outro entre o Porto e Washington em 2002?
Bom, antes de mais porque de Islamabad pode vir tudo: droga, armas, tecidos, equipas de cricket ou... suspeitos para interrogatório com tortura e prisão indefinida em Guantanamo ou algures.
Por isso teria sido conveniente inspeccionar. É para isso que servem os SEF e a DG Alfândegas nos aeroportos, ou não?
E agora, convém investigar.
Porque este aviãozinho, um Gulfstream V turbojet, de matrícula N379P em 2002, é já mais conhecido pelo sinistro "Guantanamo Bay Express".
E a verdade preocupante é que sob essa matrícula e também sob a matrícula N8068V, fez 29 voos partindo ou chegando do Porto entre 24/9/2001 e 12/7/2004. Ah, e também passou quatro vezes por Lisboa... E logo por azar fretado pelas pouco recomendáveis «empresas» PREMIER EXECUTIVE e STEVENS EXPRESS.
A história dos registos deste avião Gulfstream V turbojet pode ser encontrada no site http://en.wikipedia.org/wiki/N44982. Ele começou por ter a matrícula N581GA, depois em 2000 passou a N379P e em Dezembro de 2003, sob o mesmo proprietário, passou a N8068V. Já em 2004 passou a N44982 e mais recentemente, em Janeiro de 2006, passou a N126 CH.
Ao mesmo tempo foi mudando de mãos. Quando era NP379 e N8068V pertencia à empresa PREMIER EXECUTIVE que, segundo demonstrou Dana Priest, em artigo no Washintgon Post de 27 de Dezembro de 2004, é afinal apenas uma mera caixa postal. Segundo o artigo do NY Times «C.I.A. Expanding Terror Battle Under Guise of Charter Flights», de Scott Shane, Stephen Grey e Margot Williams, datado de 31 de Maio de 2005, a C.I.A. usa companhia fictícias que não têm sede, só caixas postais ou endereços ao cuidado de advogados ou ecutivos «fantasmas»: "Philip P. Quincannon, for instance, is listed as an officer of Premier Executive Transport Services and Crowell Aviation Technologies, both listed to the same Massachusetts address, as well as Stevens Express Leasing in Tennessee".
O mesmo artigo também diz que "An analysis of thousands of flight records, aircraft registrations and corporate documents, as well as interviews with former C.I.A. officers and pilots, show that the agency owns at least 26 planes, 10 of them purchased since 2001. The agency has concealed its ownership behind a web of seven shell corporations that appear to have no employees and no function apart from owning the aircraft. The planes, regularly supplemented by private charters, are operated by real companies controlled by or tied to the agency, including Aero Contractors and two Florida companies, Pegasus Technologies and Tepper Aviation."
Depois de 1 de Dezembro de 2004, já sob a matrícula N44982, a propriedade deste Gulfstream V foi transferida para a BAYARD FOREIGN MARKETING de Portland, Oregon - outra caixa postal. Agora, desde 20de Janeiro de 2006, o proprietário registado é a N126CH INC, de 2930 Biscayne Blvd, Miami, Florida 33137-4122 .
O artigo do NY TIMES acima citado refere que foi num Business Jet operado pela Aero Contractors e propriedade pela PREMIER EXECUTIVE , que o alemão Khaled Al Masri (já libertado e ouvido pela Comissão de inquérito do PE) foi raptado de Skopje, Macedonia, e levado para Bagdad e depois para Cabul, a 24 de Janeiro de 2004.
E sob a matrícula N379P, está provado na Suécia por investigações dos media (programa de TV "Cold Facts") e por inquérito parlamentar e do Ombudsman, que em 18 de Dezembro de 2001 este avião, ao serviço da PREMIER EXECUTIVE, serviu para ir buscar à Suécia dois refugiados egipcios, Ahmed Azija e Mahammad Zery, entregues pelas autoridades à CIA. Dois refugiados que, para vergonha e má consciência do governo social-democrata, acabaram a amargar indefinidamente numa cadeia egipcia, onde ainda recebem visitas do consulado sueco e vão sendo torturados....
Para quem precise de recapitular como funcionam as «extrordinary renditions» operadas através dos chamados voos da CIA, nada melhor que citar um perito da própria CIA. No artigo do THE GUARDIAN 'One huge US jail', de 19 de Março de 2005, Robert Baer, antigo funcionário da CIA no Médio Oriente, explica:
"Nós vamos buscar o suspeito ou arranjamos um dos nossos países parceiros para o fazer. Então o suspeito é levado num transporte civil para um terceiro país onde - não vamos estar com espinhas - é usada a tortura. Se se quer um bom interrogatório, manda-se a pessoa para a Jordânia. Se se quer que seja morta, manda-se para o Egipto ou para a Síria. De qualquer modo, os EUA não podem ser censurados, porque não fazem o trabalho pesado".

Por onde e como passou Murat Kurnaz?

Segundo as agências noticiosas, Murat Kurnaz, o turco-alemão esta semana libertado de Guantanamo, foi preso no Paquistão em finais de 2001, entregue às forças americanas e mais tarde, em 2002, transportado para Guantanamo.
Segundo os dados do EUROCONTROL publicados na última edição da revista VISÃO (ver artigo «Ligações Perigosas» de Rui Costa Pinto), houve um voo do avião de matrícula N379P, fretado pela companhia PREMIER EXECUTIVE, que saiu de Islamabad a 23/5/02 em direcção a Rabat, de onde se dirigiu para o PORTO, onde chegou em 25/5/02, às 8.32 da manhã. Pernoitou no PORTO e de lá saiu no dia seguinte, 26/5/02, às 8.00 horas, em direcção a Washington.
Esse avião não é qualquer um. Já é conhecido como o sinistro "Guantanamo Bay Express". (explico no post seguinte).
O que é que custa, o que é que impede, as autoridades portuguesas de esclarecerem junto da AR, ou do PE (e o que chegar AR pode logo ser encaminhado para o PE) e para os portugueses interessados, como eu, que tipo de voos civis privados eram aqueles que foram autorizados em Maio de 2002?
Se eram de passageiros ou de carga?
Se de carga, que carga e para quem?
Se de passageiros, que passageiros? (as listas têm de ser indicadas às autoridades para os voos serem autorizados, segundo informou o MNE Freitas do Amaral na AR em 13/12/2005).
E quem constituia a tripulação?
É que um dia destes, inevitavelmente, vai apurar-se por onde passou e como chegou a Guantanamo o infeliz Murat Kurnaz. E confirmando-se desde já que não foi por Portugal, entretanto dormiamos todos mais descansados. Incluindo o PS e o Governo do PS.

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Este deve ter ido a nado...

Das agências noticiosas Deutsche Welle, France Press e Reuters de ontem, 24/8 :
Depois de quatro anos e meio de prisão em Guantanamo Bay, Cuba, Murat Kurnaz -- um cidadão turco, residente na Alemanha e em processo de aquisição da nacionalidade alemã - foi devolvido à família.
Um avião especial da Força Aérea americana transportou anteontem Kurnaz para a base americana de Ramstein, Alemanha. Foi entregue às autoridades alemãs, que o libertaram.
Kurnaz, alcunhado de "o Taliban de Bremen", foi preso no Paquistão no final de 2001, entregue aos serviços americanos e levado para Guantanamo Bay em 2002 sob suspeita de ter lutado com a Al Qaeda.
Um tribunal americano estabeleceu que as alegações sobre Kurnaz não eram verdade. Os serviços de informação americanos e alemães concluiram já em 2002 que Kurnaz não tinha ligações com a Al-Qaeda, os Taliban ou qualquer ameaça terrorista, disse Baher Azmy, professor de Direito da Seton Hall Law School, que assumiu a representação de Kurnaz desde 2004.
"As provas do governo contra Kurnaz iam de incrivelmente tangenciais até por vezes totalmente fantasiosas" disse Azmy. "O caso de Kurnaz demonstra a vergonhosa falsidade das repetidas afirmações do governo de que Guantanamo só tem emperdernidos terroristas ou pessoas capturadas no campo de batalha" disse Azmy.
"Depois de anos de martirização, tortura e privação de direitos, Kurnaz está livre" disse o advogado alemão de Kurnaz, Bernhard Docke.
A sua libertação ocorre depois de meses de conversações entre os governos americano e alemão. A Chanceler Angela Merkel suscitou o caso com o Presidente George W. Bush. Kurnaz disse ter sofrido tratamentos degradantes, incluindo humilhação sexual, tortura de água e profanação do Islão, em Guantanamo.
Segundo relatos do «Der Spiegel», Berlim recusou os pedidos americanos de que Kurnaz ficasse sob vigilância constante e o passaporte lhe fosse confiscado. Mas não poderá voltar completamente à vida anterior. A justiça em Bremen tenciona investigá-lo por suspeitas de pertencer a uma rede criminosa.
120 presos já ilibados de suspeitas, segundo as autoridades americanas, estão à espera de ser transferidos de Guantanamo para outros países.
Cerca de 450 prisioneiros continuam em Guantanamo.

Privilégios (10)

«"O Bloco de Esquerda apresentará na abertura do ano parlamentar uma proposta para a reposição da tabela anterior [da ADSE] e vai propor uma avaliação rigorosa das regras de prestação e dos preços dos serviços em todo o Serviço Nacional de Saúde", anunciou Fernando Rosas, da comissão política do BE. (...) Rosas defendeu que o combate aos novos preços da saúde [na ADSE] deve ser uma prioridade para os trabalhadores da função pública, considerando que se trata de "uma agressão inadmissível a mais de um milhão de pessoas"» (Público de hoje, link só para assinantes).
Decididamente, trata-se de pura demagogia! O que é "uma agressão inadmissível" (para utilizar a hipérbole bloquista) à generalidade dos cidadãos, que "só" têm acesso ao SNS, é gastar milhões dos impostos de todos para sustentar regalias para os funcionários do Estado, à margem do SNS! O que o BE devia defender era a extinção da ADSE e a transferência das suas verbas para o SNS, em benefício de todos. Em vez disso, o BE porta-se como se fosse o "sindicato político" dos funcionários (o que, sem malevolência, corre o risco de passar por defesa de interesses próprios...).

Privilégios (9)

A propósito da ADSE, um leitor defende que se trata de uma «obrigação do Estado para com os seus trabalhadores».
Contesto essa visão. Desde logo, se fosse uma obrigação, deveria valer para todos os trabalhadores da Administração pública (incluindo os que têm regime de contrato de trabalho) e não somente para os funcionários propriamente ditos, como é o caso. Segundo, e mais importante, a obrigação do Estado quanto à garantia do direito à saúde consiste em criar e manter o SNS, como sistema universal, para todos, incluindo os funcionários públicos (a ADSE foi criada quando não havia SNS).
Por conseguinte, o Estado não só não tem o dever de prestar regalias adicionais, como nem sequer tem o direito de desviar dinheiro dos contribuintes em geral para privilegiar uma parte do seus trabalhadores em relação aos demais cidadãos. Esse dinheiro faz falta ao SNS. E para privilégios dos funcionários, já basta a absoluta segurança no emprego e os demais vantagens ligadas ao seu estatuto. Se querem ter vantagens adicionais na saúde, façam o que os demais cidadãos têm de fazer: contratar um seguro de saúde.

Privilégios (7)

«Quem não gostava de, descontando apenas 1 por cento do ordenado [para a ADSE], ter acesso, quando precisa, a serviços de saúde à escolha, pagando apenas aqueles preços?» (Paulo Ferreira, Público de hoje, link só para assinantes).

Cessar de asnear

Dedico a transcrição da entrevista do ex-agente da CIA Michael Scheuer (ver post acima "Um olhar da CIA sobre o legado de Bush") ao meu colega no Parlamento Europeu, do PSD, Vasco Graça Moura. Pelo seu artigo "Cessar o quê?", publicado dia 23 no DIARIO DE NOTICIAS.
O deputado do PSD acha que "a ONU não presta para nada", explica que "a UE não existe militarmente" (atlanticistas ferrenhos como ele fazem muito por isso), sustenta que só os EUA e a Grã-Bretanha «parecem ter compreendido todas as implicações civilizacionais e geoestratégicas» da sobrevivência de Israel face ao mundo islâmico e às redes terroristas» e defende que «os israelitas não terão outro remédio senão neutralizar o potencial do Irão».
Se "a ONU não presta para nada", porque será que os EUA se esmifraram por obter a resolução 1701 na ONU? Quem é que foi determinante para a abortolice que a resolução 1701 é (implicitamente capítulo VI, já que o capítulo VII não é mencionado) a refrear o mandato da UNIFIL e sem explicar como e quem desarmará o Hezbollah? Não, não foi Kofi Annan, nem mais de 180 membros da ONU que a pariram: bastaram 5 membros permanentes, liderados pelos EUA e pela França que negociaram praticamente entre si a resolução (Blair achou mais importante ir a banhos nas Caraíbas...). A ONU só não presta quando alguns dos seus mais decisivos membros também não prestam e/ou não a sabem fazer prestar.
E se a Europa é tão inexistente militarmente, porque será que americanos e israelitas estão a suplicar aos europeus, franceses incluídos, que se apressem a reforçar a UNIFIL no Líbano, apesar da abortolice da 1701? E porque será que os prescientes EUA e RU não estão preparados para contribuir para a força internacional no Líbano, em lugar dessa Europa «que não existe militarmente»?
E, ainda, porque é que os clarividentes governos americano e britânico deixaram que o Irão ficasse com tanta faca e queijo na mão ao longo dos últimos anos na região?
E porque é que Israel, se não tem outro remédio senão atacar o Irão para lhe neutralizar o potencial nuclear, ainda não atacou, ou não atacou mais cedo?
E, finalmente, será que Israel vai ser tão bem sucedido no ataque ao Irão como foi no Líbano?
Talvez um ex-agente da CIA - criatura teoricamente não classificável de "alma ingénua" ou "de esquerda pós soviética" - auxilie Vasco Graça Moura a encontrar as respostas.

Albano Nogueira

Por razões de vizinhança familiar e de íntima amizade com familiares seus, acompanhei os últimos anos da vida do embaixador Albano Nogueira, há dias falecido na sua residência de Coimbra. Mas o meu conhecimento acerca dele vinha de há muitos anos, quando os meus interesses literários me levaram a conhecer o movimento da "Presença", ao qual ele pertenceu (na imagem, o "grupo de Coimbra" dos anos 30, em que ele aparece entre José Régio e J. Gaspar Simões, no primeiro plano, e F. Lopes Graça e A. Casais Monteiro, no segundo plano) -- haveria ainda de fundar, juntamente com Miguel Torga, a revista Manifesto (1936) --, bem como a acompanhar a sua continuada actividade de crítico literário (sobretudo na Colóquio Letras, da Fundação Gulbenkian), que mantinha a par da sua actividade de representante diplomático no exterior.
Aqui fica a minha sentida homenagem.

Um olhar da CIA sobre o legado de Bush

A CIA não tem só agentes sem escrúpulos e sem cérebro que executam raptos e entregam a tortura e prisões de outros, pessoas que consideram suspeitas de terrorismo. Tem alguns que pensam - e pensam bem, mesmo que americano-centricamente. Aliás, boa parte dos agentes da CIA são pagos para pensar, analisar, decifrar, explicar. Alguns desses até têm escrúpulos e, indignados com o comportamento e a ineficácia da Administração Bush, estão a ser preciosas fontes de informação de todas as investigações em curso sobre as várias desastrosas vertentes da "guerra contra o terrorismo" (por isso, que se cuidem governos e funcionários que julgam poder manter os chamados "voos da CIA" debaixo da carpete...).
Um destes é Michael Scheuer, que foi agente da CIA durante 22 anos antes de se demitir em 2004, quando era chefe no Centro de Contra-terrorismo e especializado em ...bin Laden. Vale a pena ler a entrevista que dá à revista "Harper's Magazine", em 23 de Agosto, intitulada "Six Questions for Michael Scheuer on National Security"
Transcrevo extractos:
1.We're coming up on the five-year anniversary of the 9/11 attacks. Is the country safer or more vulnerable to terrorism?
On balance, more vulnerable. (...) But for the most part our victories have been tactical and not strategic. (...) In the long run, we're not safer because we're still operating on the assumption that we're hated because of our freedoms, when in fact we're hated because of our actions in the Islamic world. There's our military presence in Islamic countries, the perception that we control the Muslim world's oil production, our support for Israel and for countries that oppress Muslims such as China, Russia, and India, and our own support for Arab tyrannies. The deal we made with Qadaffi in Libya looks like hypocrisy: we'll make peace with a brutal dictator if it gets us oil. President Bush is right when he says all people aspire to freedom but he doesn't recognize that people have different definitions of democracy. Publicly promoting democracy while supporting tyranny may be the most damaging thing we do. From the standpoint of democracy, Saudi Arabia looks much worse than Iran. We use the term "Islamofascism" - but we're supporting it in Saudi Arabia, with Mubarak in Egypt, and even Jordan is a police state. We don't have a strategy because we don't have a clue about what motivates our enemies.
(...)
4. Has the war in Iraq helped or hurt in the fight against terrorism?
It broke the back of our counterterrorism program. Iraq was the perfect execution of a war that demanded jihad to oppose it. You had an infidel power invading and occupying a Muslim country and it was perceived to be unprovoked. Many senior Western officials said that bin Laden was not a scholar and couldn't declare a jihad but other Muslim clerics did. So that religious question was erased.
Secondly, Iraq is in the Arab heartland and, far more than Afghanistan, is a magnet for mujahideen. You can see this in the large number of people crossing the border to fight us. It wasn't a lot at the start, but there's been a steady growth as the war continues. The war has validated everything bin Laden said: that the United States will destroy any strong government in the Arab world, that it will seek to destroy Israel's enemies, that it will occupy Muslim holy places, that it will seize Arab oil, and that it will replace God's law with man's law. (...) Now they have a safe haven in Iraq, which is so big and is going to be so unsettled for so long. For the first time, it gives Al Qaeda contiguous access to the Arabian Peninsula, to Turkey, and to the Levant. We may have written the death warrant for Jordan. If we pull out of Iraq, we have a problem in that we may have to leave a large contingent of troops in Jordan. All of this is a tremendous advantage for Al Qaeda. We've moved the center of jihad a thousand miles west from Afghanistan to the Middle East.
(...)
6. Has the war in Lebanon also been a plus for the jihadists?
Yes. The Israel-Hezbollah battle validates bin Laden. It showed that the Arab regimes are useless, that they can't protect their own nationals, and that they are apostate regimes that are creatures of the infidels. It also showed that the Americans will let Israel do whatever it wants. It was clear from the way the West reacted that it would let Israel take its best shot before it tried diplomacy. (...)The most salient point it showed for Islamists is that Muslim blood is cheap. Israel said it went to war to get back its captured soldiers. The price was the gutting of Lebanon. Olmert said that Israel would fight until it got its soldiers back and until Hezbollah was disarmed. Neither happened. No matter how you spin it, this will be viewed as a victory for Hezbollah. Israel withdrew from southern Lebanon six years ago. Since then there have been the two intifadas, and now this. The idea of Israel being militarily omnipotent is fading.
7. And finally, an extra question - what needs to be done? (..) the truth is the best place to start. We need to acknowledge that we are at war, not because of who we are, but because of what we do. We are confronting a jihad that is inspired by the tangible and visible impact of our policies. People are willing to die for that, and we're not going to win by killing them off one by one. (...)
At the core of the debate is oil. As long as we and our allies are dependent on Gulf oil, we can't do anything about the perception that we support Arab tyranny - the Saudis, the Kuwaitis, and other regimes in the region. Without the problem of oil, who cares who rules Saudi Arabia? If we solved the oil problem, we could back away from the contradiction of being democracy promoters and tyranny protectors. We should have started on this back in 1973, at the time of the first Arab oil embargo, but we've never moved away from our dependence. As it stands, we are going to have to fight wars if anything endangers the oil supply in the Middle East.
What you want with foreign policy is options. Right now we don't have options because our economy and our allies' economies are dependent on Middle East oil. What benefit do we get by letting China commit genocide-by-inundation by moving thousands and thousands of Han Chinese to overcome the dominance of Muslim Uighurs? What do we get out of supporting Putin in Chechnya? He may need to do it to maintain his country, but we don't need to support what looks like a rape, pillage, and kill campaign against Muslims. The other area is Israel and Palestine. We're not going to abandon the Israelis but we need to reestablish the relationship so it looks like we're the great power and they're our ally, and not the other way around. We need to create a situation where moderate Muslims can express support for the United States without being laughed off the block.

Perdendo o Afeganistão e não só

"Losing Afghanistan", é o título de um editorial do The New York Times de ontem, que vale a pena ler. Sublinha um ponto que eu venho martelando desde 2003 : que ao desviar a acção para o Iraque, sem deixar que se apanhasse Bin Laden e se investisse a sério na governação democrática e na reconstrução do Afeganistão, a Administração Bush estava condenada (e condenava o mundo) a dar argumentos, terreno e recrutas ao terrorismo internacional.
Transcrevo dois parágrafos:
"Nearly five years after American military forces help topple a Taliban government that provided sanctuary and training camps to Osama bin Laden, there is no victory in the war for Afghanistan, due in significant measure to the Bush administration's reckless haste to move on to Iraq and shortsighted stinting on economic reconstruction."
(...)
"Americans are coming to see the war in Iraq as something apart from the war against 9/11-style terrorism - and a distraction from it. The war in Afghanistan has always been an essential part of that larger struggle. That makes it a war that America simply cannot afford to lose".

Responsabilidade política

Não acompanho o generalizado criticismo da saída do presidente da câmara municipal de Setúbal, a "pedido" (melhor se diria por imposição) do partido por que foi eleito, o PCP. Num sistema de democracia de partidos, como o nosso, em que os cargos electivos são providos por via partidária (mesmo no caso das autarquais locais, onde os partidos não gozam do monopólio de candidatura, as hipótesses de eleição à margem dos partidos são muito reduzidas), não só é natural, como até é desejável, que os partidos mantenham um escrutínio sobre o exercício do mandato dos seus eleitos e possam mesmo retirar-lhes o apoio e instá-los à demissão, caso vejam motivo para isso, desde as que razões sejam transparentes (o que não foi o caso) e desde que se mantenha, em última instância, a liberdade individual do titular do mandato (o que se verifica no caso, mesmo se os autarcas do PCP acatam sem protesto as decisões do partido).
Num sistema democrático em que os protagonistas são os partidos, a responsabilidade política dos titulares de cargos políticos providos por candidatura partidária começa por ser uma responsabilidade individual perante os próprios partidos -- e ainda bem, ressalvados os princípios da trasparência e da dignidade dos visados.
Afinal, o mau desempenho do cargo reflecte-se também, e sobretudo, sobre o respectivo partido e sobre as hipóteses de manutenção das posições políticas conquistadas. No caso concreto, por exemplo, o PCP pode ter dados que o levassem a temer que o inquérito aos caso das aposentações compulsivas fictícias na CMS pudesse levar à perda de mandato do presidente, com os inerentes custos políticos para o partido (foi pena, porém, que não tenha deixado transparecer essas razões).
É claro que se pode defender que, dada a dimensão cada vez mais personalizada que assumem as eleições para as câmaras municipais, em que a figura dos candidatos tem um papel decisivo na escolha dos eleitores, não deveria ser possível ter um novo presidente sem novas eleições. Mas isso é outra questão.

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Privilégios (6)

Tenho de destacar que o primeiro problema constitucional da ADSE, para além questão da sua incongruência com o SNS como sistema universal, é a sua obrigatoriedade. Na verdade, se os funcionários públicos, como quaiquer cidadãos, têm acesso ao SNS, tendencialmente gratuito, como é que podem ser obrigados a contribuir para outro sistema alternativo, de natureza contributiva, incluindo para pagar os cuidados no SNS a que deveriam ter direito gratuitamente?
Nem se diga que se trata de um "bom negócio", porque o que se recebe em troca vale bem a pequena contribuição. A verdade é que os funcionários públicos podem preferir não ter essa regalia, ou só a ter a título voluntário.

Privilégios (5)

Entre nós, os regimes de segurança social e de saúde de base profissional são um resquício do corporativismo, porque foi com base nos sindicatos corporativos e no âmbito das relações de trabalho que foram criadas as incipientes prestações no domínio da seguraça social e da assistência na saúde (através das "caixas de previdência"), limitadas aos assalariados e alguns profissionais independentes (caso das caixas de previsência de algumas ordens). No sector público, como os sindicatos estavam proibidos na função pública, o "patrão" Estado criou unilateralmente regimes de protecção para os seus servidores (nomeadamente a CGA e a ADSE).
Tais esquemas "profissionais" são portanto anómalos num sistema de serviços universais de segurança social e de saúde, cuja criação após a Constituição de 1976 levou à integração/extinção de quase todas aquelas instituições, com algumas excepções no sector privado (bancários, advogados, jornalistas e algumas mais), que se mantêm ao arrepio dos princípios constitucionais da unidade e universalidade dos serviços públicos de saúde de e de segurança social. A maior inércia manifestou-se na Administração pública, onde os sistemas de segurança social e de protecção na saúde tinham sido mais desenvolvidos, e onde a resistência dos interessados e a falta de vontade política mais pesaram na manutenção do status quo pré-constitucional, até ao presente.
Por isso, mesmo que a ADSE não implicasse consideráveis custos adicionais para o Estado (por suposta equivalência entre o que a ADSE custa e aquilo que o SNS recebe dela ou teria de gastar com os beneficiários dela, se a mesma não existisse), sempre restaria a questão de fundo: porquê a manutenção de um regime privativo para a função pública, se existe constitucionalmente um sistema público de saúde para todos (incluindo os funcionários)?

Adenda: Além do mais, a ADSE obnubila os custos reais da saúde para o orçamento do Estado, que se não resumem ao SNS nem ao orçamento do Ministério da Saúde. No entanto, deve reparar-se que uma das minhas alternativas ao actual SNS é fazer do dele "uma imensa ADSE", genralizando a toda a gente o modelo daquela (com a devida revisão das contribuições individuais para o sistema e das comparticipações dos mesmos nos cuidados de saúde)...

Correio dos leitores: ADSE

« [Na sua análise dos custos da ADSE], parte do pressuposto de que ela duplica a utilização: usa o público e, simultaneamente, o privado... Ora, ou usa um ou outro (...). Se os beneficiários da ADSE estivessem hoje só no SNS custariam algo mais do que os 900 milhões daquele subsistema. É que, o sistema (...) paga os serviços aos prestadores (centros de saúde, hospitais, convencionados ou livres...) e paga mais caro ao público.»
Manuel Piteira

Comentário
Mesmo admitindo que os beneficiários da ADSE fariam o mesmo consumo de cuidados de saúde no SNS (hipótese optimista), se aquela não existisse, e que os custos dos cuidados no SNS e no sector privado (pagos pela ADSE) fossem alternativos e mais ou menos equivalentes (há sempre as vantagens de escala do SNS e os seus recursos inaproveitados), a ADSE sempre proporciona e paga uma coisa adicional : a prontidão dos cuidados e a possibilidade de escolha (para além dos cuidados praticamente indisponíveis no SNS, como a estomatologia). É por essa mais valia que os beneficiários não querem prescindir dela, mesmo tendo de descontar 1% do seu vencimento, significando que ela vale mais do que isso. De resto, há que contabilizar os custos administrativos da ADSE (pessoal, instalações e equipamentos), que não são despiciendos e que obviamente são um encargo suplementar em relação ao SNS.
No entanto, mesmo que a ADSE não implicasse custos adicionais para o Estado (por suposta equivalência entre o que a ADSE custa e aquilo que ela e poupa e paga ao SNS), sempre restaria a questão de fundo: porquê um regime específico para a função pública, se existe constitucionalmente um sistema público de saúde para todos (incluindo os funcionários)?
Vital M

Privilégios (4)

Nos posts precedentes esqueci-me de sublinhar (embora isso esteja implícito)que a ADSE não beneficia todos os trabalhadores da Administração pública, mesmo dentro do "sector público administrativo" (visto que sempre excluiu o sector público empresarial), mas somente os que gozam do regime de função pública, não contemplando os contratados ao abrigo da lei do contrato de trabalho da Administração pública, de 2003 (e outras leis avulsas anteriores). Isso quer dizer que a ADSE se vai tornando um privilégio dentro da própria Administração pública (e até dentro de cada serviço público), pois o pessoal em regime de contrato de trabalho, embora seja ainda uma pequena minoria (não existem números oficiais disponíveis), virá seguramente a crescer no futuro, à medida que aquele regime se for generalizando.
(Isto leva-me a admitir uma forma expedita de extinção indirecta da ADSE, ou seja, mediante uma rápida extinção do regime da função pública! O problema está em que isso é improvável, salvo para o futuro, tendo os actuais funcionários públicos direito a manter esse estatuto. Direitos adquiridos "obligent".)

Privilégios (3)

duas soluções para a ADSE (para além da manutenção do status quo): (i) extinguir o serviço, deixando de cobrar a respectiva contribuição; (ii) tornar o serviço facultativo e elevar as contribuições, de modo a equilibrar as finanças do serviço, que deveria passar a ter autonomia financeira e ser financeiramente auto-sustentável.
Sistemicamente, a primeira solução é a mais coerente com a natureza universal do SNS e com a igualdade entre os cidadãos (e isto independentemente dos seus custos); de resto, se ao fim de tantos anos os funcionários públicos deixaram de ter um regime privativo de segurança social, passando os novos funcionários, desde o início do corrente ano, a integrar o regime geral de segurança social, por que é que não há-de fazer-se o mesmo no caso da saúde? A segunda solução é um "second best", tornando a ADSE num sub-sistema de saúde complementar facultativo, essencialmente contributivo, uma espécie de seguro de saúde gerido pelo Estado.

Declaração de interesses:
sou beneficiário da ADSE (embora pouco praticante, quer por desnecessidade, quer por desleixo no pedido dos reembolsos...), pelo que, mais uma vez, defendo soluções contra o meu interesse pessoal.

Privilégios (2)

Pelo que decorre do post precedente, os protestos dos sindicatos da função pública contra o aumento da contribuição dos beneficiários em alguns dos actos financiados (ou comparticipados) pela ADSE, que em alguns casos importa em menos de de 1-euro-1, são verdadeiramente indecentes.

Privilégios

As notícias sobre alguns aumentos das contribuições dos beneficiários nos cuidados de saúde financiados pela ADSE vêm chamar, uma vez mais, a atenção para esse "subsistema de saúde" dos funcionários públicos. Criado ainda nos anos 60 do século passado, manteve-se após a criação do SNS, apesar de isso contrariar a natureza supostamente universal e geral deste (assim o define a Constituição).
Os funcionários preferiram obviamente manter o seu sistema privativo, que lhes custa uma "ninharia" de 1% das suas remunerações (de que estão isentos os funcionários aposentados, vá-se lá saber porquê...) e lhes dá acesso a forte comparticipação nos cuidados em regime de medicina convencionada e de livre escolha, para além do SNS. O Estado encontrou um meio de minorar os encargos, fazendo pagar à ADSE os cuidados prestados pelo SNS aos seus beneficiários (o que, aliás, não tem muita lógica, visto que eles são constitucionalmente beneficiários deste ao mesmo título que os demais cidadãos).
As contas da ADSE encontram-se disponíveis no seu site. O relatório relativo a 2005 revela duas coisas evidentes: o grande crescimento das despesas, muito para além do orçamentado, e a grande dependência do orçamento do Estado. A primeira reflecte, de forma agravada, o crescimento geral das despesas de saúde. A segundo mostra que as contribuições dos beneficiários -- que aliás entram nas contas do Estado e não da ADSE (que não dispõe de autonomia financeira) -- cobrem uma reduzida percentagem dos encargos: 100 milhões de euros de receita contra 871 milhões de despesas correntes, sem contar as elevadas despesas de PIDDAC! Mesmo que se adicionem os reembolsos à ADSE de outras entidades públicas, além do Estado (uns 50 ou 100 milhões), o diferencial entre receitas geradas e despesas realizadas é enorme, e só diminui o seu significado, se descontarmos os pagamemtos da ADSE ao SNS e se entrarmos em linha de conta com os gastos que o SNS poupa por não ter de prestar os cuidados que os beneficiários da ADSE buscam no sector privado. O défice é naturalmente financiado pelos impostos, sendo evidente que os funcionários públicos beneficiam de uma considerável regalia em matéria de saúde (a somar a outras...), em comparação com os demais cidadãos, beneficiários gerais do SNS.
Quando se impõe uma redução do défice público, não se compreende a manutenção desta situação. De resto, independentemente da questão dos custos, em termos sistémicos nada justifica a existência de um sistema de saúde específico para os funcionários públicos. O Governo "atacou" no ano passado a maior parte dos regimes de saúde especiais do sector público, mas manteve intocado o principal regime especial, que é o da ADSE. De duas uma: ou o ADSE deve ser extinto, ou então o seu regime deve ser ampliado a todos os cidadãos, com as necessárias correcções quanto ao financiamento.
Na verdade, se na criação do SNS se tivesse adoptado a filosofia de base da ADSE (sistema de base essencialmente contributiva, com moderado co-pagamento dos cuidados de saúde pelos beneficiários, desde que com isenção em relação aos que não têm meios), o problema do financiamento do SNS não existiria como hoje o conhecemos e a pressão sobre os impostos seria menor (dado que não teriam de sustentar em geral o SNS). Provavelmente a essa questão teremos de reverter, décadas depois...
(Revisto.)

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Mais uma organização reconhecidamente anti-americana e anti-semita

«Amnistia Internacional acusa Israel de destruição deliberada de infra-estruturas civis libanesas».

Opções de guerra

Os adeptos da guerra do Líbano insistem em protestar que não foi Israel que a começou. Na verdade, ela teve como pretexto a captura de dois soldados israelitas pelo Hezbollah num raid sobre a fronteira com o Líbano. Mas importa registar que o objectivo declarado do Hezbollah era bem definido e limitado. O secrétário-geral da movimento chiita, Nasrallah, anunciou na altura da operação que o objectivo era um troca de prisioneiros com Israel, por intermédio de "negociações indirectas". O que estave em causa, portanto, era obter "moeda de troca" para conseguir a libertação de muitos militantes do Hezzbollah em poder de Israel há anos, capturados durante a ocupação israelita do sul do Líbano, a quem sempre se recusou a libertar.E o líder chiita acrescentou explicitamente: «Não queremos uma escalada militar no Sul nem desejamos arrastar a região para uma guerra».
Sem dar margem para nenhuma tentativa de negociação, Israel preferiu desencadear, acto contínuo, uma guerra punitiva contr o Hezbollah e contra o Líbano -- guerra, aliás, que já estava preparada, como se viu pela sua prontidão --, para «partir a espinha» do Hezbollah. Não conseguiu esse objectivo, nem recuperar os dois soldados. Agora, porém, vai ter de fazer o que no início não quis: a troca de prisioneiros, mediante as tais conversações indirectas que antes enjeitou. Só é de lamentar que pelo meio tenha ficado a destruição de meio Libano e a morte de mais de um milhar de pessoas, entre os quais mais de 150 israelitas.
Opções de guerra...

terça-feira, 22 de agosto de 2006

"Censura!"

O gabinete do Primeiro-Ministro não reagiu à brutal acusação do crítico de televisão Eduardo Cintra Torres, na sua coluna habitual do Público, há dias, segundo a qual dispõe de «informações [que] indicam que o gabinete do primeiro-ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios, [sendo] ordens directas do gabinete de Sócrates.»
É certo que a acusação, baseada em fontes não identificadas (e portanto insusceptível de ser comprovada) não é muito verosímil, pois, mesmo que tal lhes passasse pela cabeça, não se vê o gabinete de Sócrates a "cair" na tolice de contactar a RTP -- nem a administração nem a direcção de informação são conhecidos como "gente do Governo" -- para "proibir" a cobertura televisiva dos fogos florestais, nem se imagina os visados a acatar a "censura". Todavia, dada a gravidade da acusação, e não sendo o autor da acusação propriamente um inimputável, pode a mesma, se não desmentida, ganhar uma credibilidade que à primeira vista não merece.
É este um ónus da responsabilidade política num Estado democrático: quando um governante é acusado de alguma patifaria, mesmo infundada -- salvo se obviamente imaginária ou malévola --, não é o acusador que tem de provar a dita, mas os acusados que têm de provar (ou pelo menos de protestar) que ela não tem fundamento. Como diria o Engº Guterres, é a vida!

Mais rigor, precisa-se

Lê-se no Público de hoje (link só para assinantes):
«Na prática, o fim da publicação da celebração e renovação de contratos individuais de trabalho significa que a grande maioria das entradas para a administração pública - nomeadamente para cargos de assessores do Governo e outros postos normalmente associados a contratações políticas - deixaria de ser escrutinada pelos cidadãos.»
Não é assim. Por um lado, no sector público administrativo, ressalvados os institutos públicos, a maior parte do pessoal da Administração pública continua a ter o regime de funcionário público - cuja nomeação continua a ser publicada -- e não o do contrato de trabalho; por outro lado, na generalidade dos casos o pessoal dos gabinetes e demais pessoal de nomeação "política" (nomeadamente dirigentes da Administração) também não é contratado, não estando portanto as suas nomeações isentas de publicação oficial. A conclusão do texto citado é, portanto, infundada.
Já exprimi neste blogue a minha posição sobre esta matéria, criticando a dispensa de publicação do recrutamento de pessoal em regime de contrato de trabalho (que, aliás, está sujeito a um procedimento público de selecção, pelo que não poderia ser "escondida"). Mas um pouco de rigor jornalístico na análise das coisas não faz mal a ninguém, sendo aliás um dever profissional.

"A nossa família perdeu a guerra"

Tocante, e de grande dignidade, sem ira nem ressentimento, o texto do escritor israelita David Grossman, hoje publicado no El País, sobre a morte de um seu filho, sargento do exército, na Guerra do Líbano.

Insólito país, este

Em França, a direita hesita numa pequena isenção do imposto de sucessões em favor do cônjuge sobrevivo, mas nem isso provavelmente avançará, porque, como observou um dirigente da maioria de direita, o Governo não pode dar uma mensagem de "tudo em favor dos ricos", a um ano das eleições presidenciais.
Em Portugal, porém, o imposto sobre sucessões e doações foi furtivamente revogado em 2003, pelo Governo Durão Barroso, depois de ter sido desconstitucionalizado na revisão constitucional de 1997, com o acordo do PS. Assim desapareceu, desamparadamente, um dos mais justos impostos, em termos sociais. Em Portugal, os ricos nada têm a temer, em matéria fiscal.
Insólito país, este.