segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Sociologia dos média

«Estado funciona pior do que sector privado» -- titula o Diário de Notícias de hoje, dando conta de um inquérito sociológico. Mas, lendo o conteúdo da notícia, a rubrica poderia também ser a seguinte: «Administração Pública está a melhorar».
Por que é que a opção editorial "só poderia ser" a primeira?

Juízes-funcionários

Parece-me evidente que os juízes são titulares de cargos públicos e não funcionários públicos -- o que não é a mesma coisa --, ainda que se lhes possa e deva aplicar o regime destes naquilo que não seja incompatível com a função judicial.
Todavia, quando os juízes têm sindicato, fazem greve e, de vez em quando, invocam um horário de trabalho (!?), correm o risco de ser inadvertidamente tomados por aquilo que parecem ser e não por aquilo que são.

Referendo (5)

Há quem sustente que deve haver referendo sobre o Tratado europeu só porque havia um compromisso eleitoral nesse sentido. Mas o pior que se pode fazer de um mau compromisso é cumpri-lo "a outrance", sobretudo quando o objecto do compromisso mudou substancialmente.
Ora, se se justificava manter esse compromisso em relação ao Tratado Constitucional, nada justifica a sua manutenção quando aquele foi substituído por um tratado de revisão, muito diferente na sua natureza e alcance político.

Referendo (4)

Perguntam-me também o que farei, se vier a ser convocado um referendo sobre o Tratado em si mesmo, globalmente considerado. É simples: mantendo a minha discordância, defenderei a aprovação do Tratado, por fazer dele um juízo globalmente positivo, embora não concordando com algumas das suas normas.
Obviamente, num referendo desses, sobre centenas de questões diferentes, "em pacote", tudo depende do balanço entre pontos positivos e negativos e do peso que cada cidadão atribui a cada um deles.

Adenda
A minha convicção é que um tal referendo teria uma participação comprometedoramente baixa, dada a natureza extremamente inóspita do documento e da maioria dos temas nele tratados.

Referendo (3)

Insistem em perguntar-me por que é que sou contra o referendo do novo Tratado europeu. Insisto em responder duas coisas: (i) sou contra o referendo do Tratado em si mesmo, globalmente considerado, por considerar demagógico submeter a votação popular directa um documento que quase ninguém consegue ler e que trata de centenas de questões de diferente natureza e alcance (maior demagogia só a daqueles que consideram que invocar este incontestável argumento significa considerar o povo "burro"...); (ii) não sou contra o referendo sobre questões políticas concretas envolvidas no Tratado, devidamente identificadas, nem muito menos sou contra um futuro referendo sobre a questão básica da integração de Portugal da UE, referendo que aliás o novo Tratado vem possibilitar, ao admitir a saída de Estados-membros por decisão unilateral, a concretizar mediante um acordo com a União (pese haver ignorantes atrevidos que julgam que para haver um referendo é preciso haver primeiro um projecto de lei ou de tratado...).

Referendo (2)

Por falar em referendos de fácil compreensão pelos eleitores, será que o próximo referendo incidirá sobre os termos da concessão da rede rodoviária nacional à empresa Estradas de Portugal (sob proposta do BE) ou sobre a revisão do Código de Processo Penal (sob proposta do PCP)?

Referendo (1)

Está visto que não é preciso ler o Tratado de Lisboa para haver referendo. Este poderia incidir, não sobre as centenas de alterações aos tratados vigentes constantes das 200 páginas do Tratado e anexos, mas sim sobre o sumário de dez linhas que J. Pacheco Pereira oferece generosamente ao povo, suprindo assim a dificuldade da leitura daquele...
O que seria da democracia directa, sem estas benévolas cartilhas para ilustração das massas?

domingo, 28 de outubro de 2007

Benefícios

O facto de o Banco de Portugal não ser uma instituição de crédito não deveria ser razão para considerar lícito o que é proibido nas demais instituições bancárias, nomeadamente os empréstimos a administradores. Antes pelo contrário, tratando-se de uma instituição pública. Além disso, para além da lei há a ética.

Rever normas penalisantes

O “Correio da Manhã” de ontem anunciava que a Associação de Juízes pela Cidadania (AjpC) vai lançar a 14 de Novembro a recolha de assinaturas para uma petição visando obrigar a AR a reabrir a discussão sobre as recentes leis penais. Com os objectivos especificos de eliminar a norma que permite que a figura do crime continuado seja aplicada a crimes contra pessoas, designadamente vítimas de abusos sexuais, e de revogar o artigo que impede a publicação de escutas que não estejam em segredo de justiça, sem autorização do visado.
Vou esperar para ler o texto antes de assinar. Com os objectivos concordo.

Gostava de ter escrito isto

O que o Vicente Jorge Silva escreveu no jornal “SOL“ de ontem, sobre as declarações do PGR relativamente à profusão de escutas telefónicas legais e ilegais. Reproduzo um extracto porque o jornal ainda não está on-line:

“ E, no entanto, toda a gente sabe que se trata de um segredo de polichinelo. Absolutamente insólito é que seja necessária uma entrevista da figura cimeira do Ministério Público para que esse segredo não possa continuar a ser convenientemente ocultado - e também que, até agora, o PGR não tenha assumido e denunciado, em termos institucionais e públicos, a importância do problema, limitando-o a um desabafo mediático. Afinal quem escuta quem, como e porquê? Como se explica que o PGR não disponha de meios para fazer face a uma situação tão gravosa para os direitos, liberdades e garantias constitucionais?"

Hermitage ou Hermitolice?

A Russia abarrota de rublos do petróleo e do gás. E tanto Putin como os novos magnates e mafiosos de Moscovo comprazem-se em ostentar a opulência. A Exposição do Hermitage em Lisboa serve obviamente para projectar a grandeza russa passada no presente.
Mas o que é inacreditável é que quem paga não são os abastados russos: somos nós, os pelintras dos portugueses, porque o erário público é suposto “entrar” ao lado dos financiadores privados portugueses, laboriosamente angariados pelo Ministério da Cultura. Não chegava cedermos o Palácio da Ajuda...
Claro que o MC continua a não arranjar dinheiro para restaurar os nossos museus, ajudar devidamente o teatro, o cinema, a musica ou as artes, sem falar de promover a cultura e os artistas e agentes culturais portugueses no exterior: as nossas embaixadas estão escandalosamente desaproveitadas, sem um chavo para actividades culturais (exceptuando uns fochagos brilhantes,em tempos de presidência europeia, como a extrordinária Exposição"Encompassing the World", que foi um sucesso em Washington e vai ser outro em Bruxelas - a excepção que confirma a regra).
Mas para promover o Hermitage, arranjou-se dinheiro, tempo e engenho e propaganda!
Até porque a pagamos, espero que Exposição venha a ser um êxito em número de visitantes e também que renda os duvidosíssimos dividendos de projecção cultural cosmopolita que o Ministério da Cultura antecipa.
De qualquer sorte, esta Exposição já vai ficar nos anais: como demonstração da mais deslumbrada parolice. Com a agravante de querer fazer de todos nós tolinhos!
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sábado, 27 de outubro de 2007

O tratado

Corre por aí, como se fosse evidente, que "o Tratado de Lisboa recupera 90% do Tratado Constitucional de 2004".
Mas há aí uma grande confusão. Quando muito, ele reproduz 90% das inovações do tratado de 2004 (sem conceder quanto à diferença qualitativa do que ficou de fora). Todavia, a grande diferença está em que este compilava e refundia num único instrumento "constitucional" todos os tratados anteriores, designadamente o Tratado de Roma de 1957 e o Tratado de Maastricht de 1992, incluindo todas as políticas económicas constantes do primeiro. Já o Tratado de Lisboa é somente um conjunto de alterações aos tratados anteriores, sem proceder à "novação" e substituição destes, como sucedia em 2004.
Por isso, em rigor, o Tratado de Lisboa não versa senão sobre uma pequena parte do Tratado Constitucional de 2004.

Quando a explicação "não cola"

A comparação que Putin fez com os mísseis soviéticos em Cuba de 1962 pode ser forçada, mas a justificação dos Estados Unidos para a instalação de mísseis na fronteira europeia da Rússia -- na Polónia e na República Checa --, alegadamente para defesa contra ataques de mísseis de "rogue States", como o Irão, não pode ser levada a sério. Se tal fosse o propósito, então esses mísseis de intercepção não ficariam mais bem instalados, digamos, na Turquia ou na Grécia? O que é que eles fazem na fronteira russo-polaca, completamente fora do possível trajecto dos hipotéticos ataques?

"No regulatrion"

«In a paper presented just before his death, Mr. Gramlich wrote that “the subprime market was the Wild West. Over half the mortgage loans were made by independent lenders without any federal supervision.” What he didn’t mention was that this was the way the laissez-faire ideologues ruling Washington — a group that very much included Mr. Greenspan — wanted it. They were and are men who believe that government is always the problem, never the solution, that regulation is always a bad thing.» (Paul Krugman, New York Times).
Também entre nós ha quem pense que "o Estado é sempre o problema, não a solução, e que a regulação e sempre uma má coisa". Ouvi alguns deles na conferência da ERC sobre regulação.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Putin, o desmancha-prazeres


Andavam tantos governantes europeus em doce idílio, a negar que a UE tivesse alguma coisa a ver ou opinar quanto ao projecto americano de posicionar radares e inteceptores anti-balísticos na Polónia e na Republica Checa... Alegavam que a questão era apenas do foro bilateral (argumento ecoado também por Solana) ou que só competia discutir no quadro da NATO...
E eis se não quando chega esse desmancha-prazeres do Putin e... zumba! atira-lhes com a criança, espinoteante, para o regaço, em plena Cimeira UE-Russia!
Vários desses líderes europeus tentarão de novo varrer a irritante criatura ABM para baixo do tapete, metodologia em que são exímios...
O PE, no entanto - mancomunado com Putin, acusarão alguns - prepara-se para intimar o Conselho da UE a encarar de frente o problema ABM.
Entre outras e mais relevantes questões de fundo, o sistema projectado pela Administração Bush tem um problemazinho em que valia a pena atentar bem, cá pelo burgo: se se justificasse e fosse tecnicamente fiável (e ainda não se sabe em qualquer caso), o sistema não teria alcance para proteger todos os países europeus aliados dos EUA na NATO: não cobriria parte da Itália, da Espanha... e Portugal inteiro!

Direitos humanos: a lebre de Putin

Confesso-me perplexa por ver o embandeirar em arco com a proposta do Presidente Putin de criar “um instituto euro-russo capaz de promover e de acompanhar as matérias de direitos humanos". E penalizada por tal proposta ser publicitada como o resultado glamoroso da abordagem que o tema direitos humanos terá merecido na Cimeira UE-Russia.
Devo esclarecer que nada tenho contra o "activar do diálogo entre as autoridades e estruturas não-governamentais sobre questões eleitorais, liberdade de expressão, minorias étnicas e imigrantes que se encontrem em território russo ou europeu" que o Presidente russo explicou ser o objectivo do tal “instituto russo-europeu para a liberdade e direitos humanos”. Muito pelo contrário.
Mas porque não activar esse diálogo nas instituições já existentes, em que participam tanto a Russia, como todos os países da UE?
Instituições que têm, justamente, como tarefa essencial dialogar sobre os desempenhos de cada Estado Membro em relação aos compromissos que assumiram quanto aos direitos humanos e à democracia. Instituições onde a interacção entre governos e estruturas não-governamentais é uma realidade e, de facto, o motor das acções e recomendações que dirigem aos Estados Membros.
Falo do Conselho da Europa, a que a Russia acedeu em 1996.
E da OSCE – Organização de Segurança e Cooperação Europeia, a que a Russia pertence desde o início.
Ou, ainda, de órgãos como o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, que existe para se pronunciar sobre os direitos humanos em todos os Estados Membros da ONU, Russia e países da UE incluídos, naturalmente.
A lebre que Putin tirou da cartola e fez aparentemente emocionar os seus interlocutores da UE em Mafra nada tem de novo, nem de especial, como manobra de diversão que é. Serve para despistar e atirar poeira aos olhos dos incautos. E para tentar desvalorizar instituições como o Conselho da Europa ou a OSCE, que já várias vezes criticaram fundamentamente a Russia de Putin por violações dos direitos humanos e graves entorses ao Estado de Direito.
Que Putin queira tornar irrelevante o Conselho da Europa e a OSCE, não admira. Agora que a UE alinhe, é impensável e indefensável.
E se não, veremos se a lebre não vai perder-se pelo caminho, de Mafra a Moscovo...

Economia de mercado

No fórum da Antena 1 desta manhã, que versou sobre a proposta de fusão do BPI com o BCP, a primeira opinião dos ouvintes manifestou-se pela nacionalização da banca e a segunda defendeu uma reunião urgente do conselho de ministros (provavelmente para proibir o negócio).
Está visto que o crédito da economia de mercado não é propriamente elevado no conceito popular...

"Regulação mínima"

Assisti a uma parte da conferência promovida pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) sob o lema "Para uma cultura de regulação", tendo intervindo numa das suas sessões. Pude assim presenciar à cruzada dos interessados contra a regulação, em nome de uma mítica auto-regulação, para a qual os operadores ainda pouco contribuíram.
Ao iniciar a minha comunicação, ocorreu-me dizer, provocativamente, citando o dito romano sobre os lusitanos ("Não se governam, nem se deixam governar"), que os média portugueses nem se auto-regulam nem se querem deixar regular.

"Mulheres na segurança internacional"

Sessão Pública

Mulheres na Segurança Internacional
Sete anos da Resolução 1325 do CS/NU - como a cumpre Portugal?

Segunda-feira, 29 Outubro, 11.00 - 13.00
Sede do Parlamento Europeu, Lisboa
Largo Jean Monet, n.º 1-6, 1269-070, Lisboa


Introdução por Ana Gomes

Experiências pessoais relatadas por:

Margarida Figueiredo, Embaixadora, Ministério dos Negócios Estrangeiros

Maria João Marcelo Curto, Investigadora, Instituto Nac. Engenharia, Tecn. e Inovação

Inês Rapazote, Jornalista, Assessora do Ministro da Defesa Nacional

Sete anos depois de ter sido aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU a resolução 1325, que recomenda o envolvimento de mais mulheres em todo o tipo de missões internacionais de paz e de resolução de conflitos, o que faz Portugal para a cumprir? Para quando um plano nacional de acção?

Esta audição marcará o lançamento da WIIS-Portugal (Women in International Security), uma rede informal de mulheres empenhadas na Segurança e Defesa, através da sua actividade na política, na administração pública, nas forças armadas e policiais, nas magistraturas, na indústria, no jornalismo, na academia, etc.

APAREÇA!

EU-Rússia, EU-África, bombas de fragmentação e ópio afegão

Já estão disponíveis na Aba da Causa quase todas as intervenções que fiz durante a última sessão plenária do Parlamento Europeu. Uma sobre as relações EU-Rússia e outra sobre as relações entre a União e África. Mais uma sobre bombas de fragmentação e outra sobre a produção de ópio para fins médicos no Afeganistão. Foi uma sessão agitada.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

"Development Days" em Lisboa - brilhantemente abrilhantados

Abdul Gayoom vai abrilhantar a cerimónia de abertura dos "DEVELOPMENT DAYS", uma orgia mediática que o Comissário Louis Michel, responsável na Comissão Europeia pelo Desenvolvimento, organiza anualmente e que, desta vez, terá lugar em Lisboa, de 7 a 9 de Novembro.
Está previsto que o PM José Sócrates inicie os discursos no dia 7 de manhã, seguido do Presidente da Comissão, Durão Barroso. Logo depois será a vez de Abdul Gayoom abrilhantar a sessão.
Abdul Gayoom fala como Presidente das Maldivas, um país arquipelágico que está condenado a desaparecer do mapa se o mundo inteiro nada fizer rapidamente para travar o aquecimento global.
Pormenor de somenos para quem o escolheu para abrilhantar os "DEVE DAYS" é que Abdul Gayoom é só o ditador que está há mais tempo no poder em toda a Ásia. Muita gente sabe que as Maldivas existem à beirinha da India, mas convem que também saiba que são há quase 30 anos desgovernadas por um narcisista senil, de seu nome Abdul Gayoom.
Estamos, sem dúvida, perante uma escolha judiciosa, brilhante, da Comissão Barroso: uma "estrela" destas a abrir os festejos "DEVE DAYS" augura cá um foguetório para a Cimeira UE-África!
Este será apenas o primeiro de uma profusão de ditadores, com Mugabe à cabeça, a "abrilhantar" as passadeiras vermelhas de Lisboa nos próximos meses.
Começa ofuscante, sem dúvida, a série de eventos "em prol do desenvolvimento" a realizar em Portugal até ao final da nossa presidência...

Portugal na linha da frente

É bom ver Portugal entre os países na linha da frente da construção da Europa da segurança e da defesa. Li com agrado as notícias recentes sobre a assinatura, na Holanda, do tratado que cria a Força de Gendarmerie Europeia, a EUGENDFOR - cujo núcleo embrionário em Vicenza, Itália, visitei há uns meses .
A EUGENDFOR é composta por contingentes de forças policiais para-militares de cinco países - Holanda, Espanha, Portugal, Itália e França.
Esta força, com vocação para ser usada nas missões da Política Europeia de Segurança e Defesa da UE, preenche uma lacuna importante nas missões de paz: por vezes unidades puramente militares ou puramente policiais não são capazes de responder aos desafios complexos de "ambientes não estabilizados e de risco acrescido."
Portugal contribui com 181 militares da GNR para o contingente potencial desta força - a segunda maior contribuição depois da Itália.
A primeira missão desta força terá lugar já nos próximos dias com o envio de 140 gendarmes para a Bósnia, entre os quais cerca de 35 elementos da GNR.
Só assumindo as suas responsabilidades internacionais na área da segurança e da defesa em Timor, no Kosovo, na Bósnia, no Congo, no Afeganistão, no Sudão, no Líbano e em breve no Tchade, é que Portugal conquista um lugar à mesa onde são tomadas as decisões.
Portugal, como membro da ONU e da UE, também tem que assumir a sua quota-parte da responsabilidade de proteger.
E para o fazer de forma eficaz e sustentável (incluindo financeiramente), Portugal precisa de estar integrado em todo o tipo de forças europeias, como a EUGENDFOR, e em todo o tipo de missões PESD.
Por isso, quando oiço uns sujeitos anti-europeus para aí a bradar que "o novo Tratado Reformador vai militarizar a Europa", esclareço que não é verdade - e não é mesmo. Mas também não me coibo de lhes atirar que de uma certa "militarização" está a Europa bem precisada, porque sem ela tem militarizaçao à mesma (no quadro da NATO, para os países que a integram) e sem qualquer autonomia estratégica. Designadamente para poder exercer a responsabilidade de proteger, onde quer que seja necessário e outros não queiram ou possam chegar.

Tratamento de favor

O que é surpreendente é que a Universidade Católica ainda estivesse a receber subsídios do Orçamento, para além do muito dinheiro que recebe dos programas públicos de apoio ao ensino privado. A que título é que a UC se arroga um tratamento de favor em relação às demais universidades privadas? Não lhe basta o nutrido subsídio encapotado ao seu pólo de Viseu, também ele um privilégio sem nenhuma justificação?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Referendo sobre o quê?

Concordo, no essencial, com a proposta do Vital Moreira no post "Referendo(5)", embora talvez não com a formulaçao concreta que propõe .
Eu que defendi um referendo sobre a falhada Constituição e não renego.
Mas o Tratado Reformador não é mais a Constituição (com grande pena minha...) - os 5% a 20% de diferença no ADN mudam o "bicho". E o animal tornou-se muito mais intratável por quem é leigo na matéria, acolhendo-se entre a floresta de Tratados que o precederam.
Acresce que a Europa precisa absolutamente das novas regras de funcionamento que o Tratado estabelece (e que no essencial são as já propostas na Constituição). E os europeus - portugueses incluidos - precisam desesperadamente que a Europa funcione.
Para que haja Tratado a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2009 é preciso que 27 Estados Membros o ratifiquem antes. Se a ratificação falhar em algum, lá se nos vai o Tratado de Lisboa "pró galheiro"... Esta era uma consideração que não tínhamos que ter em 2004, mas que temos obrigatoriamente de ponderar em finais de 2007.
Tanto mais que Portugal exerce actualmente a Presidência da UE: temos a responsabilidade de não deixar que se crie um "efeito dominó" que torne inelutável no Reino Unido a realização de um referendo, que decerto acarretaria não apenas o chumbo do Tratado, mas o esfrangalhamento desta União Europeia.
Por todas estas considerações - e sem renegar o método de ratificação que defendi para a Constituição para a Europa - considero que o referendo que haverá a levar a cabo em Portugal, não se deve centrar no Tratado, mas sobre a questão de fundo:
queremos nós, portugueses, continuar a participar na construção do projecto europeu consubstanciado na UE?
Qualquer que seja a formulação (mas eu prefiro-as pela positiva).
E a esta questão de fundo a minha resposta é SIM, evidentemente.

O Tratado e os "velhos do Restelo"

Multiplicam-se nos media portuguesese tomadas de posição a tentar instilar medo da mudança e a contrariar quem se regozija com o resultado da cimeira de Lisboa de 18-19 de Outubro passado. Dizem-nos que "o novo Tratado desequilibra o conjunto em favor dos Estados mais populosos" (Público, dia 20.10.2007), ou que a abolição das presidências rotativas, o fim da atribuição de um Comissário europeu a cada Estado Membro e a nova maioria qualificada por 'dupla maioria' vão submeter a União Europeia à tirania de um directório de países grandes, poderosos e egoístas.
Esquecem-se os 'velhos do Restelo' que as Presidências rotativas tiravam coerência e continuidade às políticas da União, que não funciona uma equipa de Comissários alargável à medida que a União for crescendo, e que as alianças no Conselho Europeu costumam reflectir uma miríade de geometrias variáveis dependendo do tema, com os papões (os países grandes/populosos) alinhando frequentemente com países pequenos, e não uns com os outros.
No que diz respeito à morte da supra-nacionalidade da Comissão e ao suposto triunfo do método intergovernamental, convirá sublinhar que com a abolição do veto e a introdução da co-decisão na esmagadora maioria das políticas europeias (com a importante excepção da política externa, ao contrário do que diz Sarsfield Cabral em artigo recente), o direito de iniciativa da Comissão, mais do que salvaguardado, é alargado.
Enfim, felizmente que estes avanços foram salvos das cinzas da Constituição. E muita coisa vinha já de trás, de Nice. Agora é um pouco tarde para aqueles que subitamente estão a descobrir que a governação da UE vai mudar, e que países como Portugal vão ter que encontrar formas mais criativas de fazer valer os seus interesses do que se agarrar a ter sempre um Comissário (e alguns ainda hão-de explicar-nos para que serviram....) ou tentar desesperadamente marcar a agenda europeia durante uma esporádica e efémera presidência.
Quando o Tratado Reformador entrar em vigor vai ser-nos exigida mais agilidade, melhor preparação diplomática e política e mais poder de iniciativa para navegar entre os escolhos da dupla maioria.
Mas navegar nunca nos assustou, a nós portugueses. Até somos mesmo muito bons sobre as ondas, deixando carpideiras com medo das mudanças no Restelo...

Rankings escolares

O problema com os "rankings" escolares é que provavelmente as melhores escolas são feitas pelos melhores alunos, ou seja, os oriundos das elites sociais, com melhores condições de sucesso escolar, e que, muitas vezes, ainda seleccionam os seus alunos. A correlação inversa, entre as escolas menos bem classificadas e a origem social menos favorável dos alunos, também é em geral verdadeira. A escola que ficou mais bem classificada seguramente ficaria longe dos primeiros lugares, se tivesse os alunos da pior; e a escola com piores resultados daria uma grande salto na classificação, se tivesse os alunos da melhor.
Como habitualmente sucede, os comentadores puseram em relevo o domínio das escolas privadas no "top ten"; deveriam também assinalar a larga representação de escolas privadas entre as piores. Ao contrário do que pretendeu insinuar, não existe uma equação biunívoca entre escola de qualidade e escola privada.

Governo do Continente?

As questões colocadas pelo líder regional do PS da Madeira são inteiramente pertinentes. Primeiro, seria conveniente que o Estado, que transfere muitos milhões para o orçamento regional, dedicasse umas sobras ao devido investimento nos serviços do Estado na região. Segundo, não existe nenhuma razão para que o Governo da República abdique de dar visibilidade a esses mesmos investimentos, incluindo através da presença do PM ou de ministros na respectiva inauguração. O mesmo vale, de resto para os Açores.
Por um lado, os açorianos e madeirenses têm direito a serviços públicos estaduais tão bons como os do Continente. Segundo, apesar do reduzido número de serviços do Estado que subsistem nas regiões autónomas (entre eles os tribunais, as forças armadas, as forças de segurança, as universidades), o Governo da República ainda não se tornou o governo apenas do Continente...

Referendo (5)

Embora, a meu ver, o Tratado de Lisboa não deva ser referendado em si mesmo, ele mesmo proporciona a possibilidade de um referendo europeu a sério, ou seja, um referendo sobre a permanência de Portugal na UE.
De facto, o novo tratado permite agora a saída de qualquer Estado-membro da UE, a ser formalizada através de um acordo com a União. Portanto, depois de entrado em vigor o novo Tratado, pode ser convocado um referendo, cumprindo os requisitos constitucionais, com a seguinte simples e clara pergunta:
«Portugal deve sair da UE?»
De resto, é este o único referendo que merece haver sobre a questão, suprindo aquele que deveria ter existido aquando da adesão (mas nessa altura a nossa Constituição não permitia referendos). Referendar tratados de revisão da UE, como o Tratado de Lisboa, seria um sucedâneo pobre e democraticamente equívoco. Aliás, a generalidades dos opositores dos tratados de revisão são na verdade contra a UE.
Querem um referendo europeu? Então aí está o verdadeiro e genuíno referendo europeu!

Aditamento
Será a pensar neste referendo, que José Sócrates anda a fazer "fazer caixinha" sobre a questão? Se é assim, chapeau!

Aditamento 2
Entretanto, António Vitorino não exclui a opção de Sócrates por um referendo sobre a ratificação do próprio Tratado, embora sem adiantar em que termos.

Referendo (4)

Ao contrário do que matreiramente aqui se insinua, não existe nenhuma contradição entre o que escrevi aqui e aqui, pela simples razão de que existe uma diferença essencial de natureza jurídica e política entre o Tratado Constitucional e o Tratado de Lisboa, como mostrei aqui.
De resto, para ver o que tenho escrito sobre o referendo basta utilizar a função de pesquisa do Blogger (ali acima), com a palavra "referendo".

Referendo (3)

Por princípio, defendo que não deve haver referendos sobre leis ou tratados internacionais em si mesmos, cuja aprovação deve estar reservada à AR, à qual pertence o poder legislativo e o poder de aprovar tratados. Os referendos devem incidir sobre questões políticas concretas, a ser depois vertidas em leis ou tratados pela AR (se o referendo for positivo), como sucedeu com o referendo da despenalização do aborto.
Era esta, aliás, a filosofia constitucional do referendo entre nós, até que a revisão constitucional de 2005, tendo em vista o prometido referendo sobre o Tratado Constitucional de 2004 (que não veio a ser convocado), veio permitir referendos directamente sobre tratados respeitantes à UE.
Independentemente da minha discordância com esse regime especial (que não vale para outros tratados nem para as leis), penso que tal hipótese deve ser excepcional e que não faz sentido submeter a referendo tratados que, pela sua extrema complexidade, não permitam que a generalidade das pessoas possam inteirar-se sobre o que é que se decide no referendo, como é o caso, a meu ver, do novo Tratado de Lisboa (nesse aspecto assaz diferente do malogrado Tratado Constitucional, como mostrei aqui).
Trata-se de uma simples questão de seriedade democrática.
Aditamento
É evidente que já poderia fazer sentido um referendo, não sobre o tratado em si mesmo, globalmente considerado, mas sim selectivamente sobre as principais inovações políticas que ele traz à UE (embora não seja fácil fazer uma selecção destas...).