segunda-feira, 12 de maio de 2008

Desacordo

«Frente Comum e Fesap sem acordo no contrato de trabalho da função pública».
Se os sindicatos acabam por não assinar nenhum acordo, o Governo deveria retirar todas as propostas de alteração que fez com o objectivo de conseguir um compromisso (salvo as que considere boas independentemente desse objectivo). Os sindicatos deveriam habituar-se à ideia de que os acordos supõem cedências mútuas e que sem acordos não há cedências unilaterais.

Duplicidade

«Cinco ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia exprimiram hoje em Tbilissi o seu apoio à soberania da Geórgia e à sua integridade territorial (...)».
Não consta que a soberania da Georgia esteja em perigo. Já quanto à sua "integridade territorial", posta em causa pela autodeclaração de independência da Abkázia e da Ossétia do Sul, os países da UE não estão nas melhores condições para a defender, face ao apoio dado à declaração unilateral de independência do Kosovo face à Sérvia. Se quer ser eficaz na cena internacional, a UE não pode ter dois pesos e duas medidas para situações idênticas.

sábado, 10 de maio de 2008

Privacidade

A liberdade de imprensa não pode prevalecer contra tudo...

USA 2008

Decididamente, Barack Obama tem a vitória assegurada como candidato presidencial do Partido Democrata. À sua vantagem nos delegados eleitos soma-se agora a vantagem nos "superdelegados" (delegados por inerência). A notável resistência de Hillary Clinton, que dependia da esperança na preferência dos superdelegados, é doravante inglória.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Socialismo polissémico

Discordo desta análise de João Cardoso Rosas (com o qual, de resto, concordo muitas vezes).
Primeiro, já há muito -- a começar com o SPD alemão, no célebre congresso de Bad Godesberg de 1959 -- que os partidos socialistas e social-democratas abandonaram a ideia originária de "economia socialista", enquanto sistema económico alternativo ao capitalismo, baseado na "socialização" dos meios de produção, tendo-se rendido à economia de mercado. Aliás, isso mesmo resulta da adesão de todos eles à UE, desde o início baseada numa "economia de mercado assente na livre concorrência" (como estabelece o Tratado de Roma, de 1957). Por isso, hoje ninguém espera, ou teme, que um Governo socialista desate a fazer nacionalizações. Portanto, não há nenhum engano ou equívoco quanto a esse ponto.
Segundo, apesar desse abandono da "economia socialista", não é ilegítimo que os partidos socialistas conservem a antiga denominação, dado que continuam a lutar pelas suas principais bandeiras na esfera social, designadamente direitos sociais, inclusão social, coesão social, Estado social, enfim, justiça social.
Em suma, os partidos socialistas há muito disseram adeus ao "socialismo económico", mas os ideiais socialistas nunca se limitaram a isso. Por isso, dizer "adeus ao socialismo", como quer JCR, é por um lado redundante e por outro lado indevido.

ADSE

A Ministra da Saúde bem pode lamentar o "negócio" da ADSE com o Hospital da Luz, mas é evidente que o subsistema de saúde dos funcionários públicos, que não faz parte do SNS, tem todo o direito de comprar serviços a hospitais privados, desde que estes adiram às condições gerais definidas por aquele. O único problema é saber se os hospitais públicos podem competir com os privados nesse mercado.
[Corrigido]

Um pouco mais de rigor, sff

Dizer num título que «59% das escolas têm amianto» -- deixando entender que envolvem risco para a saúde das crianças e do pessoal escolar -- é pouco sério, visto que, como depois se diz no corpo da notícia, se trata de valores muito abaixo dos admitidos pelos padrões internacionais, logo inofensivos.
Um jornal de referência como o DN não pode dar guarida a alarmes demagógicos como este.
Aditamento
O DN corrigiu hoje a notícia de ontem, embora sem a referir. Bastava um pouco mais de zelo jornalístico para evitar o frete de ontem à demagogia.

O BES e o BOB


Os craques de relações públicas dos craques de esquemas “off-shore” do BES acharam que podiam ofuscar o pagode e pagar-se uma aura de “responsabilidade social” e de “desenvolvimento sustentável”, trazendo à nossa costa a estrela do rock políticamente correcto BOB GELDOF.
Esqueceram-se que estes tipos do rock e, ainda mais, do políticamente correcto, costumam ser irreverentes e incontroláveis.
E vai daí os craques do BES panicaram quando o BOB explicou – diante de audiência que incluia representantes angolanos – que “Angola é gerida por criminosos”. E agacharam quando os amigos de Luanda lhes explicaram que não toleram brincadeiras...
Logo eles, que do BES e da ESCOM conhecem Angola e os seus criminosos como as suas mãozinhas, estando mesmo bem uns para os outros...
Moral da história:
O BOB não é bobo.
Pôs o BES ... a trocar as mãos pelos pés.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Competição no PSD




Tão desinteressante, tão "déjà vu", tão vazio, que nem vale a pena comentar.
O PS só tem que se inquietar porque é o país que sofre: uma boa oposição estimula a boa-governação.
Quanto ao mais: venha a Dra. Manuela Ferreira Leite! O Engº Sócrates pode continuar a dormir descansado, mas ao menos sempre se eleva o nível do debate.

Contaminação nas Lajes


Dizem as agencias noticiosas que os aquíferos em torno da Base das Lajes estão contaminados por produtos químicos usados pelos americanos na lavagem dos tanques de combustíveis há mais de 40 anos.
O processo é visível a olho nu, mas até hoje ninguém se incomodou muito, a começar pelos governantes locais e regionais, sem falar nos nacionais!
Os poluidores devem pagar? Isso é em países em que as gentes se respeitam. Em Portugal o reflexo tende a ser outro, rasteiro: “são americanos os poluidores? pois, façam favor de continuar a poluir...”
No entanto, de repente, um relatório de 2005 – americano, pois então - faz tocar a rebate na Praia da Vitória em 2008. E todos em catadupa, autarcas, governantes regionais e até o Ministro do Ambiente acordam e prometem investigar autónomamente, através do portuguesinho LNEC, a extensão e efeitos da dita contaminação.
É aí que entra em acção a Cônsul dos utilizadores da Base das Lajes na Ilha Terceira: certamente com instruções de Washington, a senhora veio tentar controlar as lusas veleidades investigatórias e vá de querer que as suas autoridades opinem sobre quem tem ou não competência para estudar o assunto.
Do LNEC levou logo resposta adequada, a provar que as hostes da engenharia e ciência cá do burgo não estão demasiado contaminadas com complexos de subserviência.
Em contraste com o silêncio ensurdecedor do MNE e do MDN, entidades que há muito deveriam estar a trabalhar para defender os interesses portugueses postos em causa pela contaminação de décadas. E que já deviam ter instado os EUA a tratarem o assunto pelas vias diplomáticas e políticas adequadas e a sem demora retornarem a Sra. Cônsul às suas tamanquinhas de passar vistos e dar protecção consular aos seus nacionais.
O tratamento deste assunto em Portugal é sintomático da forma como defendemos (ou melhor, não defendemos os interesses nacionais.
Este é um tema da maior relevância com que convinha confrontar quem tem responsabilidades de governação. E, já agora, quem aspira a tê-las, a começar pelos candidatos à liderança do PSD.

Um polícia à frente da PJ


Nada tenho contra, se o polícia é bom e sabe da Polícia que vai dirigir. E parece que este é do melhor que por cá temos. Mais do que ter a confiança do Ministro que o designou, dá confiança que tenha apoio de Maria José Morgado.

Contra, contra mesmo, estou relativamente a vozes críticas que logo se ergueram por razões fedorentamente corporativas. Como a do Dr. António Martins, em nome da Associação Sindical dos Juízes, que alega que um Polícia à frente da PJ não pode ser “independente” como seria um magistrado.
Este soturno sindicalista quer por-nos a rir à gargalhada!
Basta lembrar a eficácia da “independência” dos últimos magistrados que mais recentemente passaram pela direcção da PJ. Quando se afoitaram a manifestar-se “independentes” foram logo postos no olho da rua: além do Dr. Alípio Ribeiro de que agora fomos aliviados, houve o Dr. Santos Cabral (que me pareceu muito competente), mal denunciou que a PJ não tinha dinheiro nem para mandar cantar um cego.
Oh, e que dizer desse expoente da “independência” que antes por lá passara, ali ferrado pelo Dr. Durão Barroso, o inefável Dr. Adelino Salvado, que empanturrava jornalistas incautos com informações tendenciosas e difamatórias sobre o processo Casa Pia?

Aliviados do Dr. Alípio


Isto de um homem passar de controleiro a controlado não podia dar bom resultado!
Ainda por si um homem que exalava uma “gravitas” artificial, só ultrapassada pelo carão façanhudo com que fala para as câmaras o seu antigo controlado.
Uma “gravitas” incongruente com a forma ligeira como veio admitir a “precipitação” da constituição dos McCann como arguidos (e até deve ter tido razão quanto à substância).
Uma “gravitas” incongruente com a forma ligeira como veio dizer que a PJ ficava melhor num Ministério do Interior (e até pode ter tido razão quanto à substância). Tão ligeira, tão ligeira que logo a seguir se achou ....“alipiado”.

US elections: enough is enough!


Obama, this is the moment to ask her to be your Vice-President!
Don’t worry! She most likely will not accept.
But the point will have been made with all Democrats: it is time for Hillary to go.
It is time to stop tearing the party apart. It is time to unite and go after the Republican candidate.

Hillary, please go! We admire you. But this is not your time, definitely. Not because you are a woman, a bit because you are a Clinton and much more because you dared to stay yourself.
We need you now to help bring the Democrats together and help bring even more people against the Republican candidate.

Birmânia - a responsabilidade de proteger


Pobres, pobres, pobres birmaneses!
Já não lhes bastava a opressão e miséria impostas por uma brutal Junta militar. A incompetência e desconfiança patológica dos ditadores levou-os a ignorar os avisos de perigoso ciclone chegados da India.
Agora, cinco dias e dezenas de milhares de cadáveres depois, com Rangum e o delta do Irrawady destroçados, os feridos e desalojados sem socorro, nada para comer e água contaminada para beber, é urgente a solidariedade internacional. A solidariedade que tanto faltou nas últimas décadas aos birmaneses.
É tempo de a comunidade internacional - através da ONU, das ONGS humanitárias e dos media internacionais - entrar de roldão na Birmânia. Primeiro para fazer chegar a ajuda a quem sobreviveu. Depois, para ajudar os birmaneses a escorraçar a junta opressora.
No Aceh, o tsunami abriu as portas ao referendo e à paz. Na Birmânia, também se poderá transformar esta calamidade numa oportunidade para a democracia e para o desenvolvimento.
Com ou sem resolução do Conselho de Segurança da ONU a intimar a Junta a levantar as restrições de entrada no país, esta é a altura de avançar em força para a Birmânia, entrando por todas as portas e janelas. A responsabilidade de proteger não pode continuar um chavão inconsequente.

Não é bem assim

«Hospitais públicos vão poder roubar doentes a privados» --, diz o Jornal de Notícias de hoje. Mas não é bem assim. Do que se trata é de permitir que os hospitais públicos possam candidatar-se à prestação de serviços remunerados a outras unidades do SNS (por exemplo, meios complementares de diagnóstico), em competição com prestadores privados, de modo a rentabilizar a sua capacidade instalada.

Correio da Causa: "Empobrecimento democrático"

«[Em relação ao seu artigo de ontem no Público] estamos de acordo que o país precisa de "suprir o défice de reflexão democrática" e estamos também de acordo que o actual governo "não tem primado pela imaginação e pelo debate que esta questão requer".
Onde aparentemente não estamos de acordo é na absolvição do governo por este pecado de omissão. Infelizmente, por muito que isso nos custe, o governo não peca apenas por falta de imaginação – ele peca, sobretudo, por ser agente activo do empobrecimento democrático do país. Cito apenas dois exemplos:
1) O culto da personalidade – a democracia é colegialidade, equilíbrio de poderes, diálogo, discussão. A imagem que este governo deliberadamente nos dá é o oposto: o culto da personalidade messiânica (com a agravante de o messias conduzir o povo para lado nenhum e a "salvação" – convergência económica e cultural com a Europa – estar cada vez mais distante).
2) A submissão ao poder económico – de qualquer governo, mas em particular de um governo "de esquerda", espera-se que defina e aplique regras claras sobre o jogo económico. Os favores que este governo tem feito aos grupos económicos, desde o alargamento dos contratos de concessão sem concurso público (porto de Lisboa, barragens, etc., etc.) até à impunidade garantida aos bancos (BCP, BPN, etc., etc.) até à interferência descarada no mercado (opa telecom, auto-estradas, televisão, etc., etc.) são inqualificáveis. Este governo não só não teve a coragem de acabar com o famigerado "bloco central de interesses" como o tem alimentado, incessantemente.
Pode-me dizer que não existem alternativas credíveis de governo, nem do lado da oposição, nem do interior do PS. É verdade, mas o argumento não é válido, do meu ponto de vista, como justificação dos erros fundamentais deste governo. O que é grave não são erros pontuais nesta ou naquela "policy" – o que é verdadeiramente grave é a falta de "politics" – uma política de "democracia social".
Já tivemos governos (Pintassilgo, Guterres) com boa "politics" e medíocres "policies" (pelo menos, ao nível da implementação). Não qualifico as "policies" deste governo; mas, sobre a sua "politics", o meu desencanto não podia ser maior e o meu juízo não podia ser mais negativo.»

Jorge V.

USA 2008

Nas primárias das eleições presidenciais de ontem Hillary Clinton deve ter ganho Indiana, enquanto Barack Obama deve ter levado a melhor na Carolina do Norte. O impasse no campo Democrata mantém-se. Obama perdeu velocidade e não consegue o "tie break". Clinton aguenta, mas não logra diminuir significativamente a distância.
Aditamento
No conjunto dos dois estados, Obama teve um pequeno saldo positivo no que respeita aos delegados eleitos, tendo por isso aumentado a sua vantagem sobre a sua adversária. À beira do fim da corrida, a balança continua a pender a favor do senador do Illinois.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Visita ao Afeganistão - X


Malalai Joya tinha só 22 anos quando na Loya Jirga, em 2003, denunciou o esquema para dar respeitabilidade a criminosos de guerra que se estava a preparar, tornando-os membros do parlamento e do governo.
Depois, em 2005, foi esmagadoramente eleita pela sua provincia para ir como deputada para a Wolesy Jirga.
Ali, sempre que Malalai pedia a palavra, os seus colegas atiravam-lhe garrafas de água, desligavam-lhe os microfones, insultavam-na e até de violação a ameaçaram. Chegaram a bater-lhe dentro do Parlamento.
Um dia, em 2006, Malalai disse na televisão que alguns no Parlamento se comportavam pior do que num estábulo.
O “insulto” aos seus colegas parlamentares serviu para ilegalmente suspenderem Malalai das funções de deputada até ao fim da legislatura. E depois tiraram-lhe o passaporte diplomático e um dia ao passar a fronteira terrestre para o Paquistão viu-se travada: estava numa lista de 300 criminosos impedidos de sair do país, segundo lhe disseram.
Hoje Malalai continua a ser perseguida e ameaçada, não tem protecção do Estado,nem de nenhuma embaixada, dorme de casa em casa, graças ao apoio de gente amiga (e da Human Rights Watch) e raramente sai à rua.
Veio ver-nos sob a protecção de ...uma burka.
Chateamos toda a gente – parlamentares, ministros, o Presidente Karzai – sobre a injustiça contra Malalai. E contra Pervez Kambaksh (um jovem estudante de jornalismo condenado à morte por querer discutir a situação da mulher no Islão) e contra mais de cem pessoas que estão condenadas a morte num país onde a justiça evidentemente não funciona.
E não vamos parar de chatear. Quer as autoridades afegãs, quer as americanas e europeias, na NATO e fora dela, que entronizaram o actual regime em Kabul e respaldam com o seu silêncio e omissão a arbitrariedade e injustiça contra estas e muitas outras pessoas.
Se alguma coisa acontecer a Malalai e se os outros forem executados, a culpa não será só dos responsáveis afegãos.

Visita ao Afeganistão - IX


De regresso a Kabul, torna-se ainda mais importante saber das mulheres, falar com mulheres, falar sobre as mulheres.
Nunca haverá democracia nenhuma no Afeganistão, por mais reconciliação que se consiga e por mais Al Qaeda que se irradique, se as mulheres continuaram a ser mal-tratadas, escravizadas, desprezadas e desvalorizadas medievalmente, como acontece ainda hoje por todo o lado no Afeganistão.
E a situação das mulheres realmente nunca preocupou nem os americanos, nem demasiado os europeus.
Há 25% de mulheres no Parlamento afegão (imposição da ONU), mas na maior parte são familiares dos senhores da guerra, estão lá para não falar, para não fazer ondas, para obedecer, para votar como lhes mandarem.
Mas há algumas extraordinárias excepções. Que falam, denunciam, expõem e se batem pelos direitos de todas as mulheres e de todos os homens no Afeganistão. Com risco das suas vidas e dos familiares. Como a corajosa deputada Shoukria Barakzai .Que teve de mandar os filhos para fora do país, mas continua sem se calar.

Visita ao Afeganistão -VIII

O Coronel do PRT italiano de Herat é muito simpático. Mas ele e os outros não nos conseguem convencer que o PRT faz melhor a reconstrução do que as ONGs podiam fazer, com a vantagem de a integrarem em estratégias de desenvolvimento de longo prazo.
Um projecto, desenvolvido pela ONG francesa Humaniterra (financiado pela França e a Comissão Europeia) deixa-nos confortados – a Unidade para Queimados do Hospital local. Um novo hospital, ao lado do velho. Construido de raiz. Onde trabalham médicos e enfermeiras afegãs que foram receber formação a França. Há muitos e sobretudo muitas queimadas, fora os/as que morrem. Actualmente internadas mais de 12 crianças (água a ferver entornada, é a causa mais comum). E várias mulheres – na maior parte auto-imoladas, tão insuportávéis são as suas vidas. Vejo duas, ligadas da cabeça aos pés que se contorcem nas camas, as caras em carne viva, estorricadas. Uma visão dantesca, a trazer-me à cabeça a Eufrásia Lobato naquele hospital de Jacarta... “Nem na Europa, elas sobreviveriam...” dizem-me os médicos.
A par da Unidade para Queimados, a Humaniterra com apoio do governador e outras das autoridades locais, criou abrigos para mulheres e há cinco anos que faz campanha para desencorajar as auto-imolações. “Agora há menos imolações e muito mais divórcios”, informa-me uma enfermeira.

Visita ao Afeganistão - VII

Herat, a 150 km da fronteira com o Irão. Uma mancha muito verde e longa, rodeada de deserto. Uma cidade de cruzamentos na antiga Rota da Seda, central na Idade Média. É ainda a segunda do Afeganistão.
A Mesquita Azul é prodigiosa. Impressiona. Tanto como as avenidas bem lançadas, limpas e emsombreadas por árvores de grande porte.
Nas ruas nota-se a azáfama dos artesãos, comerciantes, estudantes que passam. Dezenas, centenas de burkas azuis confraternizam à saída de uma escola, mas também há muitas jovens de caras descobertas.
O governador de Herat parece esperto que se farta, um homem de acção, sente-se. Um Hazara, a braços com a rivalidade um predecessor (Ismail Khan) que quer voltar, embora esteja no governo central. A influência do Irão, ali ao lado, é positiva, garante-nos o governador.
À frente do restaurante de onde desfrutamos um vista magnifica de toda a cidade, a miudagem mergulha na piscina para refrescar os mais de 30 graus de temperatura de ar seco.
A insegurança de Kabul está muito longe.

Visita ao Afeganistão - VI


A caminho de Herat, duas horas de voo para oeste de Kabul.
Sobrevoamos milhares de vales fininhos, verdejantes, entre montanhas agrestes e áridas, algumas cobertas de neve.
O verde será das plantações de papoilas de ópio?

Visita ao Afeganistão - V


Segurança é o que hoje não há em Kabul e muitas cidades e provincias do Afeganistão.
O atentado contra o Presidente Karzai, reivindicado pelos Talibans, se tivesse sido bem sucedido, poderia ter precipitado uma guerra civil. Implicou cumplicidades de dentro do seu próprio governo, das suas forças de segurança.
O próprio Karzai, quando nos recebeu no dia 1, reconheceu que o falhanço era das suas forças, há mais de um mês avisadas. “Talibans – mas quem são esses talibans? Todos podem autodenominar-se de talibans”, disse-nos Karzai.
Karzai, que, como todos em Kabul hoje, advoga a necessidade de negociar com os Talibans, que são afegãos, ao contrário da Al Qaeda.
Hekmatyar é o nome de um, entre muitos senhores da guerra que estão no governo, no parlamento, nas forças segurança; e que actualmente conspiram contra Karzai.
Um nome que Karzai não disse, mas todos bichanavam em Kabul. Alto e bom som, só se ouvia que Karzai é fraco, negoceia com todos, aceita tudo o que americanos e outros lhe ditam e não se impõe a ninguém.

Visita ao Afeganistão - V


Temos o magnifico Hotel Serena praticamente por nossa conta: foi atacado à bomba em Janeiro pela dupla Taliban/Al Qaeda e desde aí a comunidade internacional corta-se de vir jantar.
As famosas rosas de Kabul cultivam-se nos jardins do Hotel.
Por detrás as encostas áridas dos montes, pelas quais trepa o casario cor de terra, feito de tijolos de lama.
Antes os montes eram verdejantes, cobertos de abetos, pinheiros e cedros antigos.
Antes dos soviéticos virem e arrasarem tudo. Por razões de segurança, claro.

Visita ao Afeganistão - IV




Depois do Banco Mundial, acabamos por ir almoçar às 14.30 na cantina do quartel-general da ISAF, que reabriu de propósito para nos dar de comer.
O jardim é um oasis e corre uma brisa que agita as bandeiras dos membros NATO contribuintes.
Não encontrei o contigente português – como somos uns dos poucos países que não têm “caveats” (e bem!), os nossos são mandados para onde for preciso: tinham acabado de ser enviados para Kandahar.
Mais tarde, no Hotel, jantei com o General Martins Branco, porta-voz da ISAF, e o Tenente Coronel Miguel Freire.
Assaltou-me uma dúvida - porque vai afinal Portugal retirar o contingente português em Junho? porque falta o dinheiro ou porque há eleições no horizonte?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Visita ao Afeganistão - III

Ao segundo dia, domingo de manhã, atravessamos uma cidade deserta (e de ruas poeirentas incrivelmente limpas). Enquanto reuniamos na delegação da UNAMA (e que prazer reencontrar um velho amigo de Jakarta, o Bo Asplund) veio a notícia de que a cerca de um kilometro e meio dali, tinha havido um atentado contra o Presidente Karzai. Na Parada Oficial que era suposta celebrar a vitória dos mujahedines contra os soviéticos. Havia mortos e feridos, mas o Karzai escapara ileso.
Parada estava a cidade inteira, só passavam ambulâncias e carros militares e da polícia. Impensável voltar ao Hotel ou dirigirmo-nos para a ISAF (NATO) onde estava prevista a reunião seguinte. Atravessamos a rua e aproveitamos para antecipar o encontro com os responsáveis locais do Banco Mundial.
Chega-nos entretanto uma notícia que a todos entristece: uma dos mortos é o nosso colega afegão Samkanai (que conhecemos de reuniões em Bruxelas). No dia seguinte a segurança não nos deixará ir ao funeral.

Visita ao Afeganistão - II


Logo que chegamos a Kabul, pirei-me do grupo para ir almoçar e ser apropriadamente “briefada” pelo meu querido e velho amigo (e cúmplice das conspirações por Timor Leste) Francesc Vendrell, que há quase cinco anos é em Kabul o Representante Especial da UE (mas está de saída). Os seguranças que nos rodeavam (excessivamente, obcessivamente) só me deixaram partir do Hotel quando confirmaram que ele tinha mandado um jipe blindado para me vir buscar.

Visita ao Afeganistão I

Integrei uma delegação do Parlamento Europeu que esteve no Afeganistão, entre 26 de Abril e 1 de Maio ultimos. Um dia destes escrevo um artigo sobre o que vi e conclui. Aqui ficam para já uns apontamentos dispersos.
Antes de partirmos, em Bruxelas recebemos “briefings” de segurança da Comissão e do Conselho – imagens horripilantes de restos de vítimas atentados, talibans armadilhados para explodir em cada esquina, militantes da Al Qaeda à nossa espreita em cima de qualquer telhado ou debaixo de qualquer burka.... O objectivo era desencorajar-nos de ir, havia informações de que atentados estavam em preparação.
Alguns assustaram-se e desistiram.
Mas ele tanto há MEPs “copinhos de leite”, como há MEPs de “barba rija” (incluindo mulheres impecavelmente depiladas). O General Morillon chefiava, eu "vice-ava". Fomos e fomos mesmo. Seis homens e três mulheres.