1. Comentando o meu anterior post sobre a Geringonça, um leitor, identificado com a direita, lamenta a "injustiça eleitoral" que se traduziu no afastamento do governo que "tirou o país da crise" e no acesso ao governo do "partido que a tinha provocado", desfrutando agora da retoma económica posta em marcha pelo primeiro.
Ora, mesmo aceitando esta simplificação do processo, a verdade é que "injustiças eleitorais" semelhantes já tinham ocorrido anteriormente. Assim, em 1985, o PSD foi o beneficiário da retoma económica subsequente à crise de 1983-85, enfrentada pelo Governo presidido por Mário Soares, tendo o PS pagado pesadamente nas urnas os custos económicos e sociais da crise, que tinha sido gerada pelos anteriores governos do PSD. Mercê da ajuda da subsequente chegada dos fundos europeus, Cavaco Silva esteve 10-dez-10 anos no poder, tendo o reinado do PSD findado somente com a crise económica de 1993.
Aliás, apesar de esta última crise já estar debelada em 1995, nas eleições desse ano o PSD sofreu uma grande derrota perante o PS de Guterres, que depois esteve no governo durante seis anos, beneficiando da retoma económica e do lançamento do Euro, até à inversão do ciclo económico.
O ciclo político da alternância governativa entre o PS e o PSD tende a acompanhar, embora com atraso, o ciclo económico.
2. A lógica destas situações é, por via de regra, elementar: em termos simplistas, e salvo fatores políticos extraordinários (como por exemplo o desastrado Governo Santana Lopes em 2004/5), os eleitores tendem a punir nas urnas quem lhe vai ou foi recentemente "ao bolso" e a premiar eleitoralmente quem lhes põe dinheiro no bolso. A perceção sobre a situação económica e social é determinante.
Uma política orçamental expansionista ad hoc pode perturbar esta "lei de bronze", como aconteceu com a inesperada vitória eleitoral do PS em 2009, mas ainda aí se tratou de "meter dinheiro no bolso" dos eleitores, sobretudo dos funcionários públicos.
3. Por esta ordem de ideias, o PSD só poderá regressar ao governo depois de esgotado o atual ciclo económico, o que não parece estar para breve. A ter em conta os anteriores exemplos citados, os governos que "apanham a boleia" da retoma económica depois de uma crise não se limitam a cumprir um mandato, e até tendem a reforçar a sua votação na segunda legislatura, como sucedeu com Cavaco Silva em 1987 (maioria absoluta) e com Guterres em 1999 (à beira da maioria absoluta).
Tal é a perspetiva positiva de António Costa nas eleições do ano que vem.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 7 de maio de 2018
domingo, 6 de maio de 2018
Contra o lóbi agrícola europeu
Publicado por
Vital Moreira
Eis a minha habitual coluna semanal de ontem no Dinheiro Vivo, desta vez sobre a proposta da Comissão Europeia para o próximo Quadro Financeiro Multianual (2021-27).
Geringonça (10): Uma história afeiçoada
Publicado por
Vital Moreira
1. O encómio da"Geringonça", na abertura deste artigo de Pedro Nuno Santos no Público, merece algumas notas à margem.
Antes de mais, o acordo não criou nenhuma "solução de governo maioritária", nem trouxe o BE e o PCP "para a esfera governativa", pois pelo menos o PCP faz questão de insistir que se trata de um Governo minoritário e que não apoia o Governo. Em várias ocasiões, o Governo teve de beneficiar do apoio da direita contra os seus alegados aliados e noutras foi derrotado por uma aliança dos mesmos com a direita, numa "geometria variável" que é típica dos governos minoritários. Nada disto quadra com a noção de "governo maioritário".
Importa também não esquecer que o acordo da Geringonça cobrou um significativo preço político ao PS, na renúncia a parcelas importantes do seu programa eleitoral, como por exemplo, o imposto sucessório, a apoio fiscal ao rendimento dos trabalhadores com baixos salários, a "condição de recursos" nas prestações sociais não contributivas, a reforma eleitoral, etc.
2. Quando aos resultados, sem negar o contributo do programa e da ação governativa para "a recuperação de rendimentos e direitos, o crescimento económico e a criação de emprego" - nomeadamente pelo aumento do rendimento disponível, contrariado, porém, pelo corte no investimento público -, a verdade é que a retoma económica já vinha de trás, desde o final de 2013, e foi essencialmente puxada pela retoma económica europeia, pelo boom turístico e pela política monetária expansionista do BCE, pelo que teria existido, mais décima menos décima, qualquer que fosse o Governo.
Não é por acaso que vários outros países europeus, com governos de outra cor política, conseguiram os mesmos resultados ou melhores, no que respeita ao crescimento económico e ao emprego.
3. A ordem dos fatores é importante. Não foi o fim da austeridade que gerou o crescimento, mas sim o contrário: foi a retoma iniciada anteriormente na economia e no emprego que proporcionou as condições orçamentais para desativar os cortes nos rendimentos e nas prestações sociais. De resto, a própria austeridade começou a ser reduzida logo em 2015, em relação aos salários da função pública.
É óbvio que a reversão mais rápida das medidas de austeridade proporcionou uma aumento do poder de compra que ajudou a dinamizar a economia, induzindo um círculo virtuoso. Mas isso não altera a sequência dos fatores.
4. Além de ser obviamente um acordo político de via reduzida, essencialmente limitado à política de rendimentos - ficando de fora a defesa, a segurança, as relações externas, a política europeia, incluindo a política de comércio externo, etc. -, a Geringonça revelou-se sobretudo uma solução conjuntural, limitada ao atual tempo das "vacas gordas económicas", enquanto o excedente orçamental permite pagar os elevados custos da política de rendimentos imposta pelos parceiros no acordo, sem impossibilitar a política de consolidação orçamental.
Por isso, a solução de 2015 não é repetível noutras circunstâncias económicas menos fagueiras, retirando-lhe capacidade para ser uma solução de governo duradoura, para "todas as estações".
5. Por último, é pelo menos ousado defender que foi a solução governativa de 2015 que "salvou o PS do destino de outros partidos europeus da mesma família política".
A meu ver, o PS salvou-se do desastre que atingiu outros partidos social-democratas muito antes, quando, mercê do derrube do seu Governo em 2011 por uma coligação da direita e dos agora parceiros da Geringonça, e da subsequente derrota eleitoral, foi dispensado de gerir o penoso programa de assistência externa, que ele próprio tinha negociado, tendo voltado ao Governo quando o "trabalho sujo" já tinha sido concluído pela direita e a retoma da economia e do emprego já estavam em marcha.
Tivesse sido o PS a gerir o programa de austeridade, e teria sido punido nas urnas tão severamente como o foram outros partidos socialistas que não tiveram a mesma fortuna.
[revisto; aditado nº 3]
Adenda
É curioso o eco que este post encontrou na imprensa mainstream, por exemplo, AQUI e AQUI. Sucede que nada do que aqui se diz é novo neste mesmo blogue, nos últimos dois anos e meio; basta fazer uma busca nos anteriores posts desta mesma série. Por isso, não se justifica tal aranzel, salvo porventura pela proximidade do Congresso do PS e pelo debate político-doutrinário que corre no partido. Mas eu nem sequer sou filiado, sendo apenas um observador externo, ainda que interessado.
Antes de mais, o acordo não criou nenhuma "solução de governo maioritária", nem trouxe o BE e o PCP "para a esfera governativa", pois pelo menos o PCP faz questão de insistir que se trata de um Governo minoritário e que não apoia o Governo. Em várias ocasiões, o Governo teve de beneficiar do apoio da direita contra os seus alegados aliados e noutras foi derrotado por uma aliança dos mesmos com a direita, numa "geometria variável" que é típica dos governos minoritários. Nada disto quadra com a noção de "governo maioritário".
Importa também não esquecer que o acordo da Geringonça cobrou um significativo preço político ao PS, na renúncia a parcelas importantes do seu programa eleitoral, como por exemplo, o imposto sucessório, a apoio fiscal ao rendimento dos trabalhadores com baixos salários, a "condição de recursos" nas prestações sociais não contributivas, a reforma eleitoral, etc.
2. Quando aos resultados, sem negar o contributo do programa e da ação governativa para "a recuperação de rendimentos e direitos, o crescimento económico e a criação de emprego" - nomeadamente pelo aumento do rendimento disponível, contrariado, porém, pelo corte no investimento público -, a verdade é que a retoma económica já vinha de trás, desde o final de 2013, e foi essencialmente puxada pela retoma económica europeia, pelo boom turístico e pela política monetária expansionista do BCE, pelo que teria existido, mais décima menos décima, qualquer que fosse o Governo.
Não é por acaso que vários outros países europeus, com governos de outra cor política, conseguiram os mesmos resultados ou melhores, no que respeita ao crescimento económico e ao emprego.
3. A ordem dos fatores é importante. Não foi o fim da austeridade que gerou o crescimento, mas sim o contrário: foi a retoma iniciada anteriormente na economia e no emprego que proporcionou as condições orçamentais para desativar os cortes nos rendimentos e nas prestações sociais. De resto, a própria austeridade começou a ser reduzida logo em 2015, em relação aos salários da função pública.
É óbvio que a reversão mais rápida das medidas de austeridade proporcionou uma aumento do poder de compra que ajudou a dinamizar a economia, induzindo um círculo virtuoso. Mas isso não altera a sequência dos fatores.
4. Além de ser obviamente um acordo político de via reduzida, essencialmente limitado à política de rendimentos - ficando de fora a defesa, a segurança, as relações externas, a política europeia, incluindo a política de comércio externo, etc. -, a Geringonça revelou-se sobretudo uma solução conjuntural, limitada ao atual tempo das "vacas gordas económicas", enquanto o excedente orçamental permite pagar os elevados custos da política de rendimentos imposta pelos parceiros no acordo, sem impossibilitar a política de consolidação orçamental.
Por isso, a solução de 2015 não é repetível noutras circunstâncias económicas menos fagueiras, retirando-lhe capacidade para ser uma solução de governo duradoura, para "todas as estações".
5. Por último, é pelo menos ousado defender que foi a solução governativa de 2015 que "salvou o PS do destino de outros partidos europeus da mesma família política".
A meu ver, o PS salvou-se do desastre que atingiu outros partidos social-democratas muito antes, quando, mercê do derrube do seu Governo em 2011 por uma coligação da direita e dos agora parceiros da Geringonça, e da subsequente derrota eleitoral, foi dispensado de gerir o penoso programa de assistência externa, que ele próprio tinha negociado, tendo voltado ao Governo quando o "trabalho sujo" já tinha sido concluído pela direita e a retoma da economia e do emprego já estavam em marcha.
Tivesse sido o PS a gerir o programa de austeridade, e teria sido punido nas urnas tão severamente como o foram outros partidos socialistas que não tiveram a mesma fortuna.
[revisto; aditado nº 3]
Adenda
É curioso o eco que este post encontrou na imprensa mainstream, por exemplo, AQUI e AQUI. Sucede que nada do que aqui se diz é novo neste mesmo blogue, nos últimos dois anos e meio; basta fazer uma busca nos anteriores posts desta mesma série. Por isso, não se justifica tal aranzel, salvo porventura pela proximidade do Congresso do PS e pelo debate político-doutrinário que corre no partido. Mas eu nem sequer sou filiado, sendo apenas um observador externo, ainda que interessado.
sábado, 5 de maio de 2018
200 anos de Marx
Publicado por
Vital Moreira
Não é preciso ter lido O Capital nem ser marxista para reconhecer duas coisas: (i) que Marx conferiu à luta dos trabalhadores e dos explorados em geral uma base doutrinária e um horizonte político sem precedentes e (ii) que foi o pensador que mais influenciou a história social e política da humanidade, mercê das doutrinas económicas, políticas, sociais e filosóficas que levam o seu nome, ou se inspiram na sua obra.
A história dos últimos 170 anos que decorreram desde o Manifesto Comunista (1848), que também passam esta ano, não teria sido seguramente a mesma, para o bem e para ao mal. Durante mais de um século, os debates e os conflitos políticos travaram-se em nome de, ou contra, o marxismo. E nem o facto de o desmoronamento do mundo soviético há três décadas ter assinalado a derrota do sistema económico e político construído supostamente em seu nome (a meias com Lénine) apaga esse impacto histórico.
E para comemorar os 200 anos do seu nascimento não precisamos de nos associar às celebrações oficiais ao PCP ou da República Popular da China, que reivindicam a sua herança, mesmo se mutilada. Há mais Marx, para além dos seus autoproclamados herdeiros político-ideológicos.
A história dos últimos 170 anos que decorreram desde o Manifesto Comunista (1848), que também passam esta ano, não teria sido seguramente a mesma, para o bem e para ao mal. Durante mais de um século, os debates e os conflitos políticos travaram-se em nome de, ou contra, o marxismo. E nem o facto de o desmoronamento do mundo soviético há três décadas ter assinalado a derrota do sistema económico e político construído supostamente em seu nome (a meias com Lénine) apaga esse impacto histórico.
E para comemorar os 200 anos do seu nascimento não precisamos de nos associar às celebrações oficiais ao PCP ou da República Popular da China, que reivindicam a sua herança, mesmo se mutilada. Há mais Marx, para além dos seus autoproclamados herdeiros político-ideológicos.
Dois séculos de constitucionalismo em Portugal
Publicado por
Vital Moreira
Acaba de ser publicado na revista História do Jornal de Notícias o terceiro de uma série de artigos em coautoria com o Prof. José Domingues sobre a revolução de 1820, as Cortes constituintes de 1821-22 e a Constituição de 1822, que inaugurou a era constitucional moderna em Portugal. O presente artigo versa sobre a polémica de 1820, logo após a revolução, sobre a convocação e o formato representativo das Cortes constituintes, as primeiras na história nacional.
A série de textos explora muitas fontes textuais e iconográficas inéditas e vai abranger todos os aspetos relevantes do processo que correu entre a revolução de 24 de agosto de 1820, no Porto, contra o absolutismo, e a aprovação da Constituição, em 23 de setembro de 1822. Foram dois anos que marcaram uma das mudanças mais profundas na histórica política no País. Curiosamente, quase o mesmo tempo que durou a processo que, um século e meio depois, levou da revolução de 25 de abril de 1974 contra a ditadura, à aprovação da atual Constituição, em 2 de abril de 1976.
A série de textos explora muitas fontes textuais e iconográficas inéditas e vai abranger todos os aspetos relevantes do processo que correu entre a revolução de 24 de agosto de 1820, no Porto, contra o absolutismo, e a aprovação da Constituição, em 23 de setembro de 1822. Foram dois anos que marcaram uma das mudanças mais profundas na histórica política no País. Curiosamente, quase o mesmo tempo que durou a processo que, um século e meio depois, levou da revolução de 25 de abril de 1974 contra a ditadura, à aprovação da atual Constituição, em 2 de abril de 1976.
sexta-feira, 4 de maio de 2018
Direito à habitação
Publicado por
Vital Moreira
Com uma semana de atraso, aqui vai o link para a minha coluna de opinião no Dinheiro Vivo de sábado passado, que versa sobre as propostas legislativas governamentais relativas à nova política de habitação, com um aplauso à principal (efetivação do direito de todos a uma habitação condigna, que é um direito social constitucionalmente protegido) e uma reserva sobre uma política complementar (a política de "renda acessível" para a chamada "classe média").
Rutura
Publicado por
Vital Moreira
A saída de José Sócrates do PS, de que foi secretário-geral - hoje anunciada num artigo no JN -, era expectável a partir do momento em que o PS decidiu abandonar o "pacto de silêncio" interno sobre as gravíssimas acusações penais e políticas que impendem sobre ele. E é evidente que a sua acertada decisão põe fim a um constrangimento que se vinha tornando altamente nocivo para o partido.
Sócrates não pode queixar-se de "condenação antecipada sem julgamento", visto que o mal-estar do PS (e não só) é independente da condenação, ou não, em sede criminal. Sem necessidade de enunciar todos os factos incontroversos que são política e moralmente comprometedores (como, por exemplo, a publicação de um livro sem mencionar publicamente a colaboração recebida de terceiros), a verdade é que, mesmo na narrativa do antigo primeiro-ministro sobre os generosos e continuados "empréstimos" do amigo empresário - que sempre escondeu -, ela mesma mostra que ele levou uma vida claramente acima das suas possibilidades, a expensas alheias, ainda enquanto primeiro-ministro, e depois de deixar de o ser, o que se não coaduna com o contenção e a discrição (para não falar da não dependência económica de terceiros) que se exigem a um líder e a um primeiro-ministro socialista, ainda menos quando pautou a sua governação por uma exigência de rigor orçamental e, depois da crise, de austeridade orçamental. O rigor financeiro começa nas contas pessoais.
Para além do juízo criminal, que compete exclusivamente aos tribunais, há o juízo político, que cabe à coletividade política. Para além da lei e da sanção pela sua violação, há a "ética republicana" no exercício de cargos políticos e a censura pelo seu incumprimento. Nesses dois foros, todos os cidadãos são juízes.
Adenda
Além de ficar grato pelo autoafastamento do seu ex-líder, libertando-o do constrangimento criado, o PS ganha mais legitimidade e mais autoridade para denunciar publicamente os graves atropelos da Constituição e da lei no processo penal contra ele e para defender a sua ação à frente de um dos governos mais clarividentes e mais reformistas que tivemos (e que integrou vários dos ministros do atual Governo), até ser atropelado pela crise financeira de 2008 e afastado pela aliança entre a direita e a extrema-esquerda parlamentar em 2011.
Adenda 2
A defesa que Sócrates faz de Manuel Pinho revela lealdade e coerência, mas tem um problema: é que, ao contrário dele mesmo, que nega e refuta desde o início, sem desfalecimento, as acusações de que é alvo, Pinho não se deu ao cuidado de desmentir a grave acusação que veio a público. Sob o ponto de vista penal, é obviamente ao Ministério Público que cumpre provar a acusação, mas politicamente o silêncio do ex-ministro é insustentável, até porque, a ter existido, a sua conduta não tem somente eventual relevância penal, constituindo, antes de mais, uma gravíssima violação da ética política.
Sócrates não pode queixar-se de "condenação antecipada sem julgamento", visto que o mal-estar do PS (e não só) é independente da condenação, ou não, em sede criminal. Sem necessidade de enunciar todos os factos incontroversos que são política e moralmente comprometedores (como, por exemplo, a publicação de um livro sem mencionar publicamente a colaboração recebida de terceiros), a verdade é que, mesmo na narrativa do antigo primeiro-ministro sobre os generosos e continuados "empréstimos" do amigo empresário - que sempre escondeu -, ela mesma mostra que ele levou uma vida claramente acima das suas possibilidades, a expensas alheias, ainda enquanto primeiro-ministro, e depois de deixar de o ser, o que se não coaduna com o contenção e a discrição (para não falar da não dependência económica de terceiros) que se exigem a um líder e a um primeiro-ministro socialista, ainda menos quando pautou a sua governação por uma exigência de rigor orçamental e, depois da crise, de austeridade orçamental. O rigor financeiro começa nas contas pessoais.
Para além do juízo criminal, que compete exclusivamente aos tribunais, há o juízo político, que cabe à coletividade política. Para além da lei e da sanção pela sua violação, há a "ética republicana" no exercício de cargos políticos e a censura pelo seu incumprimento. Nesses dois foros, todos os cidadãos são juízes.
Adenda
Além de ficar grato pelo autoafastamento do seu ex-líder, libertando-o do constrangimento criado, o PS ganha mais legitimidade e mais autoridade para denunciar publicamente os graves atropelos da Constituição e da lei no processo penal contra ele e para defender a sua ação à frente de um dos governos mais clarividentes e mais reformistas que tivemos (e que integrou vários dos ministros do atual Governo), até ser atropelado pela crise financeira de 2008 e afastado pela aliança entre a direita e a extrema-esquerda parlamentar em 2011.
Adenda 2
A defesa que Sócrates faz de Manuel Pinho revela lealdade e coerência, mas tem um problema: é que, ao contrário dele mesmo, que nega e refuta desde o início, sem desfalecimento, as acusações de que é alvo, Pinho não se deu ao cuidado de desmentir a grave acusação que veio a público. Sob o ponto de vista penal, é obviamente ao Ministério Público que cumpre provar a acusação, mas politicamente o silêncio do ex-ministro é insustentável, até porque, a ter existido, a sua conduta não tem somente eventual relevância penal, constituindo, antes de mais, uma gravíssima violação da ética política.
+ Europa (9): Contra a corrente doméstica
Publicado por
Vital Moreira
1. Divergindo da curiosa unanimidade política que se instalou entre nós na apreciação negativa da proposta da Comissão relativa ao "Quadro Financeiro Plurianual" da União Europeia para 2021-2027, eu penso que ela vai na boa direção.
Tendo de contar com a perda da contribuição financeira do Reino Unido - que é a segunda mais importante, depois da Alemanha - e havendo necessidade de financiar novas áreas de interesse primordial para a União - como a segurança, a defesa, a imigração, a investigação e a inovação -, a única solução, para além de um previsto aumento das receitas, terá de ser a de reduzir as verbas das mais pesadas rubricas de despesa da União, nomeadamente a política agrícola comum (PAC) e política de coesão (fundos estruturais), como mostra a figura acima.
É fácil ser contra a redução de certas despesas da União quando elas nos beneficiam e são pagas pelos outros. Mas, nas palavras da Comissão, com que concordo, a proposta «alinha o orçamento com as prioridades políticas atuais» da União.
2. De resto, o corte nessas rubricas é assaz moderado (cerca de 6%), visto que a cobertura da perda britânica e o financiamento das novas necessidades são assegurados em grande parte por um aumento de receitas, derivado quer de um ligeiro aumento das contribuições do Estados-membros, quer de novos recursos próprios, o que é de saudar.
Para Portugal, em particular, é muito mais importantes beneficiar de apoios acrescidos para ciência e inovação, que são essenciais para melhorar a produtividade e a competitividade da economia nacional em geral, bem como dos novos programas propostos para apoiar reformas e o investimento nos Estados-membros, do que gastar milhões e milhões em ajudas diretas aos rendimento dos empresários agrícolas, de que beneficiam sobretudo os maiores.
O orçamento da União não pode continuar refém do pequeno mas coeso e fortíssimo lóbi agrícola.
Tendo de contar com a perda da contribuição financeira do Reino Unido - que é a segunda mais importante, depois da Alemanha - e havendo necessidade de financiar novas áreas de interesse primordial para a União - como a segurança, a defesa, a imigração, a investigação e a inovação -, a única solução, para além de um previsto aumento das receitas, terá de ser a de reduzir as verbas das mais pesadas rubricas de despesa da União, nomeadamente a política agrícola comum (PAC) e política de coesão (fundos estruturais), como mostra a figura acima.
É fácil ser contra a redução de certas despesas da União quando elas nos beneficiam e são pagas pelos outros. Mas, nas palavras da Comissão, com que concordo, a proposta «alinha o orçamento com as prioridades políticas atuais» da União.
2. De resto, o corte nessas rubricas é assaz moderado (cerca de 6%), visto que a cobertura da perda britânica e o financiamento das novas necessidades são assegurados em grande parte por um aumento de receitas, derivado quer de um ligeiro aumento das contribuições do Estados-membros, quer de novos recursos próprios, o que é de saudar.
Para Portugal, em particular, é muito mais importantes beneficiar de apoios acrescidos para ciência e inovação, que são essenciais para melhorar a produtividade e a competitividade da economia nacional em geral, bem como dos novos programas propostos para apoiar reformas e o investimento nos Estados-membros, do que gastar milhões e milhões em ajudas diretas aos rendimento dos empresários agrícolas, de que beneficiam sobretudo os maiores.
O orçamento da União não pode continuar refém do pequeno mas coeso e fortíssimo lóbi agrícola.
quinta-feira, 3 de maio de 2018
Nos 70 anos da DUDH
Publicado por
Vital Moreira
As minhas primeiras declarações públicas depois de ter sido nomeado comissário das comemorações dos 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH). No Diário de Coimbra de hoje.
Um péssimo serviço à causa palestina
Publicado por
Vital Moreira
1. Sempre apoiei a causa palestina pelo fim da ocupação e da anexação israelita e pelo reconhecimento do Estado da Palestina (sem pôr em causa a existência do Estado de Israel). E sempre separei a condenação da repressão israelita e da instalação dos colonatos nos territórios ocupados em relação a qualquer atitude antijudaica, de que jamais compartilhei, apesar de Israel se definir como Estado judaico.
De resto, a minha oposição não visa o Estado de Israel mas sim a sua política ilegal de expansão territorial e de repressão dos palestinos. Os sofrimentos dos judeus sob o nazismo (e não só) não podem justificar os sofrimentos infligidos por Israel aos palestinos. E estar contra o expansionismo israelita nada tem a ver com antissemitismo, como o Governo de Israel sempre acusa, instrumentalizando demagogicamente a justa recusa daquele.
2. Por isso, não posso deixar de me revoltar com as declarações há dias proferidas pelo chefe do governo palestino, Mahmud Abbas, segundo as quais, na informação da BBC, «the Jewish question that was widespread throughout Europe was not against their religion, but against their social function, which relates to usury and banking and such».
Quando passam no final deste ano 80 anos sobre a "Noite de Cristal" (destruição maciça das montras dos estabelecimentos de judeus), que marcou uma escalada na ofensiva antijudaica na Alemanha nazi, rumo à "solução final" (o plano de extermínio), as palavras do líder palestino, ignorando o genocídio judaico, não são somente uma infâmia, são também um enorme tiro no pé da causa palestina, só servindo para dar argumentos a Israel e para alienar apoiantes de sempre.
Com lideres destes, a Palestina não precisa dos inúmeros inimigos que tem...
Adenda (4/5)
Apesar de tardio, este pedido de desculpas de Abbas é bem-vindo, mas não apaga todo o mal que as suas inaceitáveis declarações causaram à causa palestina.
De resto, a minha oposição não visa o Estado de Israel mas sim a sua política ilegal de expansão territorial e de repressão dos palestinos. Os sofrimentos dos judeus sob o nazismo (e não só) não podem justificar os sofrimentos infligidos por Israel aos palestinos. E estar contra o expansionismo israelita nada tem a ver com antissemitismo, como o Governo de Israel sempre acusa, instrumentalizando demagogicamente a justa recusa daquele.
2. Por isso, não posso deixar de me revoltar com as declarações há dias proferidas pelo chefe do governo palestino, Mahmud Abbas, segundo as quais, na informação da BBC, «the Jewish question that was widespread throughout Europe was not against their religion, but against their social function, which relates to usury and banking and such».
Quando passam no final deste ano 80 anos sobre a "Noite de Cristal" (destruição maciça das montras dos estabelecimentos de judeus), que marcou uma escalada na ofensiva antijudaica na Alemanha nazi, rumo à "solução final" (o plano de extermínio), as palavras do líder palestino, ignorando o genocídio judaico, não são somente uma infâmia, são também um enorme tiro no pé da causa palestina, só servindo para dar argumentos a Israel e para alienar apoiantes de sempre.
Com lideres destes, a Palestina não precisa dos inúmeros inimigos que tem...
Adenda (4/5)
Apesar de tardio, este pedido de desculpas de Abbas é bem-vindo, mas não apaga todo o mal que as suas inaceitáveis declarações causaram à causa palestina.
terça-feira, 1 de maio de 2018
Aplauso (8): Colóquio sobre a Shoah e outros genocídios
Publicado por
Vital Moreira
Aplauso para este colóquio da Universidade Nova de Lisboa sobre o Holocausto e outros genocídios, organizado, entre outros, pela conhecida historiadora Irene Pimentel.
Quando passam 70 aos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que é antes de mais uma condenação universal aos horrores do nazismo e da II Guerra Mundial, importa recordar e tirar lições dessa negação absoluta da vida e da dignidade humana que foi o plano nazi de extermínio dos judeus durante a Guerra.
Quando passam 70 aos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que é antes de mais uma condenação universal aos horrores do nazismo e da II Guerra Mundial, importa recordar e tirar lições dessa negação absoluta da vida e da dignidade humana que foi o plano nazi de extermínio dos judeus durante a Guerra.
Comissário de uma boa causa
Publicado por
Vital Moreira
Convidado para a função de "comissário" do Grupo de Trabalho para as comemorações, não tinha como recusar, tendo em conta as minhas responsabilidades de décadas com o estudo, o ensino e a promoção dos direitos humanos. Há causas que merecem a pena e desafios a que se não pode dizer não!
segunda-feira, 30 de abril de 2018
Livro de reclamações (23): Complicadex
Publicado por
Vital Moreira
A ADSE (subsistema de saúde dos funcionários públicos) oferece aos beneficiários a possibilidade de solicitarem por via da Internet o reembolso de despesas de saúde pagas a prestadores não convencionados. Mas só na aparência!
Depois de aceder à página de beneficiário no site da ADSE com as devidas credenciais pessoais, é preciso preencher o formulário eletrónico disponibilizado com os dados necessários: NIF do prestador, tipo de prestação, data e valor do serviço. É necessário também digitalizar a fatura do serviço e enviá-la, junto com o requerimento, por via eletrónica.
A surpresa vem quando, julgando estar tudo concluído, recebemos, ato contínuo, a instrução de... imprimir e enviar tudo, junto com a fatura original, para um endereço postal indicado! A pergunta óbvia é: então para que serve o envio do requerimento e da cópia da fatura por via eletrónica?
Esta duplicação de vias, num serviço supostamente online, é verdadeiramente surreal e desafia qualquer ideia de simplificação administrativa, de administração sem papel e de procedimentos user-friendly.
Como já se tinha verificado antes, a propósito do cartão de beneficiário, o Simplex ainda está por chegar à ADSE!
Depois de aceder à página de beneficiário no site da ADSE com as devidas credenciais pessoais, é preciso preencher o formulário eletrónico disponibilizado com os dados necessários: NIF do prestador, tipo de prestação, data e valor do serviço. É necessário também digitalizar a fatura do serviço e enviá-la, junto com o requerimento, por via eletrónica.
A surpresa vem quando, julgando estar tudo concluído, recebemos, ato contínuo, a instrução de... imprimir e enviar tudo, junto com a fatura original, para um endereço postal indicado! A pergunta óbvia é: então para que serve o envio do requerimento e da cópia da fatura por via eletrónica?
Esta duplicação de vias, num serviço supostamente online, é verdadeiramente surreal e desafia qualquer ideia de simplificação administrativa, de administração sem papel e de procedimentos user-friendly.
Como já se tinha verificado antes, a propósito do cartão de beneficiário, o Simplex ainda está por chegar à ADSE!
O que o Presidente não deve fazer (13): Um veto problemático
Publicado por
Vital Moreira
1. O veto presidencial do da chamada "Lei da Uber" apresenta argumentos assaz questionáveis, baseados num confronto parcial entre o regime dos táxis e o "modo Uber".
Desde logo, além das vantagens mencionadas de que gozam os táxis, elas incluem também generosas isenções fiscais, de que as novas plataformas digitais de transporte não beneficiam. Do mesmo modo, a contingentação e as tarifas fixas não são handicaps dos táxis mas sim vantagens, conferindo-lhes um mercado protegido na sua atividade, ao contrário do "modo Uber", que é um mercado aberto e concorrencial, quer quanto à oferta quer quanto aos preços (apesar do "excesso regulatório" da lei agora vetada, como mostrei AQUI).
O decreto da AR vetado pelo PR acaba por impor aos operadores e às plataformas eletrónicas as mesmas obrigações de serviço público dos táxis (obrigação de prestar serviço, transporte de pessoas de mobilidade reduzida e de animais domésticos, etc.), sem gozarem das mesmas vantagens e, mesmo, com exigências acrescidas (idade dos veículos, limitação do tempo de trabalho diário, etc.).
Se existe desigualdade de condições, ela favorece os táxis.
2. O PR defende que a contribuição regulatória prevista para a nova modalidade de transporte deveria ser mais elevada, de modo a diminuir a diferença de preços existente em relação aos táxis.
Ora, os táxis não estão sujeitos a nenhuma contribuição, o que ofende o princípio da igualdade, e não faz sentido utilizar uma contribuição regulatória para outro fim que não seja financiar a autoridade reguladora, como mostrei num texto anterior (AQUI). Transformar, inconstitucionalmente, uma contribuição regulatória num imposto compensatório de alegadas prejuízos causados aos táxis não "lembraria ao careca", parafraseando uma expressão popular de que o PR gosta.
3. Por último, é pena que o veto presidencial não mencione sequer um ponto primordial desta questão, que é o interesse dos utentes e as vantagens que a nova modalidade de transporte veio trazer à mobilidade urbana, quer em si mesma quer nas transformações que ela está a provocar nos próprios táxis.
Se o problema, afinal, se resume ao facto de os operadores da nova modalidade de transporte praticarem preços mais competitivos para os utentes - apesar de não gozarem das vantagens fiscais e outras dos táxis e de não incorrerem em evasão tributária, tão frequente nestes -, a solução é simples. Em vez de fazer elevar artificialmente os preços daqueles, através da sobrecarga de uma contribuição que os segundos não pagam, e que vai ser suportada pelos utentes com preços mais altos, a solução está em abolir as tarifas fixas dos táxis e permitir-lhes concorrer nos preços com os novos operadores!
Mas é isso que os táxis desejam?!
Desde logo, além das vantagens mencionadas de que gozam os táxis, elas incluem também generosas isenções fiscais, de que as novas plataformas digitais de transporte não beneficiam. Do mesmo modo, a contingentação e as tarifas fixas não são handicaps dos táxis mas sim vantagens, conferindo-lhes um mercado protegido na sua atividade, ao contrário do "modo Uber", que é um mercado aberto e concorrencial, quer quanto à oferta quer quanto aos preços (apesar do "excesso regulatório" da lei agora vetada, como mostrei AQUI).
O decreto da AR vetado pelo PR acaba por impor aos operadores e às plataformas eletrónicas as mesmas obrigações de serviço público dos táxis (obrigação de prestar serviço, transporte de pessoas de mobilidade reduzida e de animais domésticos, etc.), sem gozarem das mesmas vantagens e, mesmo, com exigências acrescidas (idade dos veículos, limitação do tempo de trabalho diário, etc.).
Se existe desigualdade de condições, ela favorece os táxis.
2. O PR defende que a contribuição regulatória prevista para a nova modalidade de transporte deveria ser mais elevada, de modo a diminuir a diferença de preços existente em relação aos táxis.
Ora, os táxis não estão sujeitos a nenhuma contribuição, o que ofende o princípio da igualdade, e não faz sentido utilizar uma contribuição regulatória para outro fim que não seja financiar a autoridade reguladora, como mostrei num texto anterior (AQUI). Transformar, inconstitucionalmente, uma contribuição regulatória num imposto compensatório de alegadas prejuízos causados aos táxis não "lembraria ao careca", parafraseando uma expressão popular de que o PR gosta.
3. Por último, é pena que o veto presidencial não mencione sequer um ponto primordial desta questão, que é o interesse dos utentes e as vantagens que a nova modalidade de transporte veio trazer à mobilidade urbana, quer em si mesma quer nas transformações que ela está a provocar nos próprios táxis.
Se o problema, afinal, se resume ao facto de os operadores da nova modalidade de transporte praticarem preços mais competitivos para os utentes - apesar de não gozarem das vantagens fiscais e outras dos táxis e de não incorrerem em evasão tributária, tão frequente nestes -, a solução é simples. Em vez de fazer elevar artificialmente os preços daqueles, através da sobrecarga de uma contribuição que os segundos não pagam, e que vai ser suportada pelos utentes com preços mais altos, a solução está em abolir as tarifas fixas dos táxis e permitir-lhes concorrer nos preços com os novos operadores!
Mas é isso que os táxis desejam?!
domingo, 29 de abril de 2018
Praça da República (2) - Retorno da regionalização administrativa?
Publicado por
Vital Moreira
1. O recente acordo entre o PS e o PSD acerca da descentralização, na parte em que prevê uma "2ª fase da descentralização" e a instituição de uma comissão independente para estudar e fazer propostas sobre um nível de administração territorial "subnacional", fez surgir de novo a especulação sobre a intenção de fazer ressurgir o projeto de regionalização, congelado há vinte anos, desde o referendo que a rejeitou.
Mas é evidente que, apesar de fazer parte do modelo de Estado unitário descentralizado previsto na CRP desde 1976, a instituição das "regiões administrativas" (para as distinguir das regiões autónomas dos Açores e da Madeira) está obrigatoriamente dependente, desde a revisão constitucional de 1997, de um referendo (único referendo obrigatório na Constituição). E é manifesto que não está na agenda política nem mudar a Constituição, para afastar a necessidade de referendo, nem convocar um novo referendo, sendo improvável que o processo possa ser retomado enquanto houver dúvidas sérias sobre o êxito de um novo referendo.
2. O que não foi devidamente notado foi o facto de o referido acordo sepultar definitivamente as duas propostas do PS para esta legislatura, de criar efetivamente um nível de administração territorial subnacional e transmunicipal dotado de legitimidade eleitoral própria ou derivada, através da transformação das atuais "áreas metropolitanas" de Lisboa e do Porto em autarquias metropolitanas, dotadas de atribuições próprias e de órgãos diretamente eleitos, e através da eleição, embora indireta, das direções das atuais cinco áreas de administração regional do Estado (CCDRs).
Embora sem retomarem o processo de regionalização, as primeiras seriam verdadeiras autarquias regionais, ou seja, um nível de descentralização territorial entre os municípios e o Estado. E as segundas, embora mantendo-se como expressão de desconcentração da administração territorial do Estado, sem atribuições próprias, este perderia, porém, o seu comando, visto que a sua direção passaria a ser eleita pelas autarquias locais da sua área territorial, tornando-se um híbrido de entidades regionais do Estado com gestão entregue às autarquias locais (uma espécie de "regionalização delegada"). A primeira proposta já tinha sido abandonada (AQUI); a segunda morre também agora, com este acordo com o PSD.
3. É desnecessário dizer que a regionalização do Continente, através da criação de autarquias regionais entre o Estado e os municípios, continua prevista na Constituição e não pode ser um tabu político.
Todavia, para a retoma do projeto de regionalização vir a ter um mínimo de viabilidade, precisa de provar concludentemente que não vai implicar nem a criação de mais centros de poder territorial, nem mais despesa pública, e que vai trazer inequívocas mais-valias em termos de proximidade, responsabilidade e eficiência do poder público.
Nesta perspetiva, as hipotéticas autarquias regionais deveriam corresponder às atuais circunscrições das CCDRs e das áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que seriam autarquias regionais de per si. De facto, não faz sentido, nas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto acrescentar mais dois níveis autárquicos (autarquia metropolitana e autarquia regional) aos dois já existentes (freguesias e municípios), o que daria quatro níveis de administração infranacional!
4. Na recente discussão sobre a proposta de criação das autarquias metropolitanas de Lisboa e do Porto, entretanto abandonada, um dos argumentos contrários resultou da prevista eleição semidireta do presidente da junta regional, que seria o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia metropolitana, à imagem do que hoje sucede nas freguesias.
De facto, pode considerar-se que essa solução multiplicaria os perigos da atual hiperpresidencializição do poder local, que aliás seria potenciada pela maior escala territorial. Sucede, porém, que a CRP, na versão da revisão de 1997, só admite como alternativa a eleição direta da própria junta regional, sendo presidente o primeiro nome da lista vencedora, como hoje sucede nos municípios, o que seria uma solução ainda pior, em termos de personalização e presidencialização do poder regional.
5. Um dos argumentos recorrentes contra a instituição das regiões consiste em acusá-las de falta de identidade territorial e de tradição na história da nossa organização administrativa. O próprio nome puramente descritivo de "região administrativa" seria prova disso.
Por isso, há muito defendo que as futuras autarquias regionais deveriam adotar o nome tradicional de "províncias", bem como as designações históricos destas, que mantêm um enorme peso etno-cultural, o que já sucede no caso do Alentejo e o Algarve, mas que deveria estender-se às regiões Norte e Centro, que poderiam designar-se por Entre-Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Quando de trata de territórios, os nomes próprios contam.
Mas é evidente que, apesar de fazer parte do modelo de Estado unitário descentralizado previsto na CRP desde 1976, a instituição das "regiões administrativas" (para as distinguir das regiões autónomas dos Açores e da Madeira) está obrigatoriamente dependente, desde a revisão constitucional de 1997, de um referendo (único referendo obrigatório na Constituição). E é manifesto que não está na agenda política nem mudar a Constituição, para afastar a necessidade de referendo, nem convocar um novo referendo, sendo improvável que o processo possa ser retomado enquanto houver dúvidas sérias sobre o êxito de um novo referendo.
2. O que não foi devidamente notado foi o facto de o referido acordo sepultar definitivamente as duas propostas do PS para esta legislatura, de criar efetivamente um nível de administração territorial subnacional e transmunicipal dotado de legitimidade eleitoral própria ou derivada, através da transformação das atuais "áreas metropolitanas" de Lisboa e do Porto em autarquias metropolitanas, dotadas de atribuições próprias e de órgãos diretamente eleitos, e através da eleição, embora indireta, das direções das atuais cinco áreas de administração regional do Estado (CCDRs).
Embora sem retomarem o processo de regionalização, as primeiras seriam verdadeiras autarquias regionais, ou seja, um nível de descentralização territorial entre os municípios e o Estado. E as segundas, embora mantendo-se como expressão de desconcentração da administração territorial do Estado, sem atribuições próprias, este perderia, porém, o seu comando, visto que a sua direção passaria a ser eleita pelas autarquias locais da sua área territorial, tornando-se um híbrido de entidades regionais do Estado com gestão entregue às autarquias locais (uma espécie de "regionalização delegada"). A primeira proposta já tinha sido abandonada (AQUI); a segunda morre também agora, com este acordo com o PSD.
3. É desnecessário dizer que a regionalização do Continente, através da criação de autarquias regionais entre o Estado e os municípios, continua prevista na Constituição e não pode ser um tabu político.
Todavia, para a retoma do projeto de regionalização vir a ter um mínimo de viabilidade, precisa de provar concludentemente que não vai implicar nem a criação de mais centros de poder territorial, nem mais despesa pública, e que vai trazer inequívocas mais-valias em termos de proximidade, responsabilidade e eficiência do poder público.
Nesta perspetiva, as hipotéticas autarquias regionais deveriam corresponder às atuais circunscrições das CCDRs e das áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que seriam autarquias regionais de per si. De facto, não faz sentido, nas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto acrescentar mais dois níveis autárquicos (autarquia metropolitana e autarquia regional) aos dois já existentes (freguesias e municípios), o que daria quatro níveis de administração infranacional!
4. Na recente discussão sobre a proposta de criação das autarquias metropolitanas de Lisboa e do Porto, entretanto abandonada, um dos argumentos contrários resultou da prevista eleição semidireta do presidente da junta regional, que seria o primeiro nome da lista mais votada para a assembleia metropolitana, à imagem do que hoje sucede nas freguesias.
De facto, pode considerar-se que essa solução multiplicaria os perigos da atual hiperpresidencializição do poder local, que aliás seria potenciada pela maior escala territorial. Sucede, porém, que a CRP, na versão da revisão de 1997, só admite como alternativa a eleição direta da própria junta regional, sendo presidente o primeiro nome da lista vencedora, como hoje sucede nos municípios, o que seria uma solução ainda pior, em termos de personalização e presidencialização do poder regional.
5. Um dos argumentos recorrentes contra a instituição das regiões consiste em acusá-las de falta de identidade territorial e de tradição na história da nossa organização administrativa. O próprio nome puramente descritivo de "região administrativa" seria prova disso.
Por isso, há muito defendo que as futuras autarquias regionais deveriam adotar o nome tradicional de "províncias", bem como as designações históricos destas, que mantêm um enorme peso etno-cultural, o que já sucede no caso do Alentejo e o Algarve, mas que deveria estender-se às regiões Norte e Centro, que poderiam designar-se por Entre-Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Quando de trata de territórios, os nomes próprios contam.
sábado, 28 de abril de 2018
Gostaria de ter escrito isto (21): A negação da deontologia jornalística
Publicado por
Vital Moreira
«A suposta reportagem da SIC, entre outros atropelos éticos que não vêm agora ao caso e que não têm que ver com o segredo de justiça, rebaixa-se ao hediondo de substituir o preceito deontológico de “ouvir todas as partes com interesses atendíveis na matéria” pelos filmes em que os arguidos respondiam ao interrogatório policial. Ou seja, para simular que respeitava aquele dever deontológico, a SIC “foi ouvir” os acusados defenderem-se das acusações por ela lidas e ilustradas a partir do texto da acusação através... do próprio interrogatório a que foram submetidos! Não me recordo de ter assistido, em democracia, a tão repugnante entrega do papel do jornalista a procuradores e juízes. Total confusão de papéis, completa mistura de planos e violação declarada dos deveres para com os acusados e para com o público. Não estou a falar de lei, estou a falar de deontologia jornalística. (...)
Mas não há importância ou singularidade de um processo judicial que suspenda todos os direitos dos investigados, confira exceção absoluta de procedimentos legais, substitua os tribunais pelo julgamento popular, dispense a prova por existir convicção. Estes são os fundamentos do populismo que, como é sabido e é tristemente patente nesta Europa a que nos deixámos chegar, opera sempre do mesmo modo: escolhe e denuncia impasses políticos verdadeiros e problemas sociais reais; explica-os através de origens deturpadas e razões falsas; e propõe-se resolvê-los através de medidas radicais, excecionais e antidemocráticas.»(Jorge Wemans, «A insustentável leveza dos filmes do senhor procurador», no Público de hoje).
Voltar ao mesmo (19): Congelar os despejos?!
Publicado por
Vital Moreira
1. É óbvio que a principal razão dos despejos nos arrendamentos é, de longe, a falta de pagamento
da renda, ou seja, incumprimento da principal obrigação contratual dos inquilinos. Por isso, não faz sentido esta notícia de que "o PS estuda proposta para congelar despejos até novas leis do arrendamento".
Não é preciso ter estudado direito para saber que quando uma parte num contrato não cumpre as suas obrigações, a outra tem o direito potestativo de terminar o contrato. O contrato de arrendamento não, é nem pode ser, uma exceção. Mesmo nas muitas décadas em que vigorou um quase aniquilamento do mercado de arrendamento (contratos sem termo, rendas congeladas, etc.), nunca se foi tão longe na violação dos princípios mais elementares do direito civil e das regras do mercado.
2. É certo que, em grande parte dos casos, a falta de pagamento se deve a carências económicas supervenientes dos arrendatários (causadas por desemprego e outras causas). Mas por isso é que deve haver um subsídio de renda para arrendatários sem meios económicos, aliás previsto na lei do arrendamento de 2012, sem ter sido implementado até agora (estando agora de novo incluído no pacote de política de habitação apresentado pelo Governo há dias).
Em vez de proibir os despejos, tornando os senhorios, ilegitimamente, em responsáveis forçados do direito à habitação que incumbe ao Estado, melhor fora pôr em vigor desde já o subsídio de renda em falta. Tal como todos os demais direitos sociais, a efetivação do direito à habitação constitui uma obrigação do Estado, não dos que oferecem habitações no mercado de arrendamento.
Adenda
Informam-me que o proposto congelamento não abrange dos despejos por não pagamento da renda, o que altera a gravidade do caso. Mas sempre permanece a imposição de obrigações de proteção social aos senhorios que por acaso tenham inquilinos nessas condições, alterando supervenientemente as regras do jogo.
Não é preciso ter estudado direito para saber que quando uma parte num contrato não cumpre as suas obrigações, a outra tem o direito potestativo de terminar o contrato. O contrato de arrendamento não, é nem pode ser, uma exceção. Mesmo nas muitas décadas em que vigorou um quase aniquilamento do mercado de arrendamento (contratos sem termo, rendas congeladas, etc.), nunca se foi tão longe na violação dos princípios mais elementares do direito civil e das regras do mercado.
2. É certo que, em grande parte dos casos, a falta de pagamento se deve a carências económicas supervenientes dos arrendatários (causadas por desemprego e outras causas). Mas por isso é que deve haver um subsídio de renda para arrendatários sem meios económicos, aliás previsto na lei do arrendamento de 2012, sem ter sido implementado até agora (estando agora de novo incluído no pacote de política de habitação apresentado pelo Governo há dias).
Em vez de proibir os despejos, tornando os senhorios, ilegitimamente, em responsáveis forçados do direito à habitação que incumbe ao Estado, melhor fora pôr em vigor desde já o subsídio de renda em falta. Tal como todos os demais direitos sociais, a efetivação do direito à habitação constitui uma obrigação do Estado, não dos que oferecem habitações no mercado de arrendamento.
Adenda
Informam-me que o proposto congelamento não abrange dos despejos por não pagamento da renda, o que altera a gravidade do caso. Mas sempre permanece a imposição de obrigações de proteção social aos senhorios que por acaso tenham inquilinos nessas condições, alterando supervenientemente as regras do jogo.
sexta-feira, 27 de abril de 2018
Capitalismo v democracia
Publicado por
Vital Moreira
1. A tese tradicional da esquerda anticapitalista acerca da incompatibilidade histórica entre capitalismo e democracia depende obviamente da sua rejeição da democracia liberal como "verdadeira democracia".
De facto, se se considera a democracia liberal, o contrário é que é verdade, ou seja, a plena compatibilidade. A democracia liberal nasceu, embora tardiamente, no âmbito do capitalismo e não existe fora desse ambiente. Por outro lado, as poucas tentativas de superar o capitalismo num quadro de democracia liberal acabaram em geral em desastre económico e político, como está a ocorrer agora na Venezuela.
Bem entendido, o capitalismo não postula a democracia liberal, longe disso, como testemunham as inúmeras variantes de "democracia iliberal" ou de autocracias autoritárias e repressivas, incluindo o fascismo propriamente dito. Mas na experiência histórica a democracia liberal pressupõe a economia de mercado (nome "técnico" ou neutro do capitalismo).
2. As noções de democracia contrapostas à democracia liberal, nomeadamente de "democracia socialista" ou de "democracia popular", são, por definição, antiliberais, e a verdade é que em qualquer das suas variantes históricas elas nunca foram compatíveis com a liberdade e a oposição política e com as liberdades individuais em geral, tendo sempre redundado em ditaduras de partido único e de subjugação da liberdade individual ao poder do Estado e tendo abandonado desde cedo as veleidades iniciais de uma genuína "democracia de conselhos" ou de "autogestão democrática".
E quanto à moderna "democracia participativa", por mais avançadas e variadas que sejam as suas formas operativas, ela nunca conseguiu erigir-se em modelo alternativo de exercício do poder político ao nível macrossocial ou estatal.
3. No grande debate histórico entre Locke e Stuart Mill, por um lado, e Rousseau e Lenine, por outro, o século XX atribuiu uma clara vitória aos primeiros, ou seja, à democracia liberal, limitada pelas liberdades individuais e pelo Estado de direito, sobre a democracia absoluta, onde a alegada "vontade geral", encarnada no Partido e no Estado todo-poderosos, prevalece sobre a sociedade civil e sobre os indivíduos. Falharam todas as tentativas teóricas de desenhar um modelo operacional de democracia anticapitalista compatível com as liberdades individuais.
Mas esse embate entre democracia liberal e democracia autocrática, dirimido em favor da primeira em 1989, com o desmoronamento do mundo soviético, foi o mesmo que opôs o modelo da economia de mercado, baseado na liberdade económica e na concorrência, ao da economia "socialista", baseado na apropriação coletiva e na planificação estatal da economia. A vitória da democracia liberal foi também o triunfo da economia de mercado. Não por acaso...
4. Tal como a economia de mercado, também a democracia liberal apresenta diferentes versões, quer no seu desenvolvimento histórico que nas geografias em que vigora.
Entre as variáveis relevantes conta-se, para além das diferenças sociológicas e institucionais (tipo de Estado, sistema eleitoral e sistema de partidos, sistema de governo, etc.), o nível de garantia dos serviços de interesse geral e dos direitos sociais, ou seja, as diferentes modalidades do welfare state. Mas, sejam quais forem essas diferenças, há sempre uma matriz comum, que tem a ver com a legitimidade do poder assente na "vontade popular" baseada em eleições pluripartidárias, limitada pelo respeito das liberdades individuais e nos direitos das minorias.
quinta-feira, 26 de abril de 2018
Praça da República (1): Mandato dos deputados
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Vital Moreira
O Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, suscitou ontem, no seu discurso na sessão comemorativa do 25 de Abril, uma reflexão sobre uma possível limitação dos mandatos dos deputados e a sua exclusividade.
Quanto ao estabelecimento de um limite de mandatos consecutivos - que considero justificada, em nome de um princípio republicano de renovação da representação política -, uma tal limitação precisaria, porém, de revisão constitucional, visto que a CRP só autoriza tal limitação em relação a cargos executivos (e só está estabelecida para os presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais).
Quanto à exclusividade dosdeputados, não me parece aconselhável estabelecê-la com caráter absoluto, salvo a incompatibilidade com determinadas profissões, por me parecer desproporcionada e por afastar gente qualificada da ação parlamentar. O que pode e deve ser feito, porém, é favorecer a exclusividade, estabelecendo uma diferença substancial entre a remuneração de um e de outro regime, revendo a ridícula diferença atualmente existente. E para isso não se torna necessária nenhuma revisão constitucional prévia. Assim o queiram os partidos com representação parlamentar.
Quanto ao estabelecimento de um limite de mandatos consecutivos - que considero justificada, em nome de um princípio republicano de renovação da representação política -, uma tal limitação precisaria, porém, de revisão constitucional, visto que a CRP só autoriza tal limitação em relação a cargos executivos (e só está estabelecida para os presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais).
Quanto à exclusividade dosdeputados, não me parece aconselhável estabelecê-la com caráter absoluto, salvo a incompatibilidade com determinadas profissões, por me parecer desproporcionada e por afastar gente qualificada da ação parlamentar. O que pode e deve ser feito, porém, é favorecer a exclusividade, estabelecendo uma diferença substancial entre a remuneração de um e de outro regime, revendo a ridícula diferença atualmente existente. E para isso não se torna necessária nenhuma revisão constitucional prévia. Assim o queiram os partidos com representação parlamentar.
Não dá para entender (5): O contrário de descentralização
Publicado por
Vital Moreira
Outra reserva ao "pacote" legislativo anunciado pelo Primeiro-Ministro sobre a nova política de habitação - que já comentei AQUI - tem a ver com a responsabilidade territorial pela sua implementação, prevendo-se um papel excessivo do próprio Estado central, mesmo no disponibilização de habitações e na gestão do parque habitacional.
Ora, tendo em conta o princípio constitucional da subsidiariedade no que respeita à repartição territorial das tarefas publicas, parece-me que toda a política de habitação social e de disponibilização de habitação em renda acessível devia ser uma tarefa municipal (ou intermunicipal), deixando para o Estado somente o subsídio de renda para famílias carenciadas, que é a peça fundamental de garantia do direito à habitação e que deve ter uma solução nacional.
No momento em que se define uma reforma descentralizadora do País, focada na transferência de competências do Estado para os municípios, não se entende que se lancem mais tarefas sobre o Estado central, numa área em que por essa Europa fora são os municípios que se encarregam dela. Num Estado descentralizado não faz sentido um Estado-senhorio!
Ora, tendo em conta o princípio constitucional da subsidiariedade no que respeita à repartição territorial das tarefas publicas, parece-me que toda a política de habitação social e de disponibilização de habitação em renda acessível devia ser uma tarefa municipal (ou intermunicipal), deixando para o Estado somente o subsídio de renda para famílias carenciadas, que é a peça fundamental de garantia do direito à habitação e que deve ter uma solução nacional.
No momento em que se define uma reforma descentralizadora do País, focada na transferência de competências do Estado para os municípios, não se entende que se lancem mais tarefas sobre o Estado central, numa área em que por essa Europa fora são os municípios que se encarregam dela. Num Estado descentralizado não faz sentido um Estado-senhorio!
quarta-feira, 25 de abril de 2018
RIP
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Vital Moreira
A Finlândia pôs fim à experiência, aliás em pequena escala, do "rendimento básico universal" (RBI).
Esta noticia não causa surpresa aos que, como eu (como expus AQUI), consideram o RBI (também chamado de "rendimento básico universal") uma insensata proposta de política social, destituída de racionalidade financeira, e que serve de alavanca demagógica para populistas de diferentes extrações à esquerda, ao centro e à direita.
Esta noticia não causa surpresa aos que, como eu (como expus AQUI), consideram o RBI (também chamado de "rendimento básico universal") uma insensata proposta de política social, destituída de racionalidade financeira, e que serve de alavanca demagógica para populistas de diferentes extrações à esquerda, ao centro e à direita.
Direito à habitação: Sim, mas...
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Vital Moreira
1. Apesar de inscrito na Constituição desde 1976 e de fazer parte do núcleo duro do Estado social, o direito à habitação é um dos direitos sociais que apresenta maior défice de efetivação entre nós, havendo muitos milhares de pessoas sem habitação adequada, por falta de meios financeiros.
Por isso, é de saudar a iniciativa anunciada pelo Governo, no sentido de colmatar essa lacuna num prazo curso, especialmente através do apoio financeiro para arrendamento às famílias carenciadas. É uma solução que há muito se impunha.
2. Já se entende menos a proposta de generoso incentivo fiscal para levar senhorios a baixar as rendas, independentemente do seu nível, que se traduz afinal num subsídio público aos beneficiários desses arrendamentos, não estando em causa o seu direito à habitação.
O melhor modo de fazer baixar as rendas é ampliar a oferta de casas no mercado de arrendamento, aumentando a oferta pública, sobretudo a nível municipal - que é extraordinariamente reduzida entre nós -, penalizando fiscalmente as inúmeras casas devolutas, e desincentivando os destinos alternativos das casas, nomeadamente a fuga para o "alojamento local".
3. Uma das razões para a crescente subida das rendas está naturalmente ligada ao aumento exponencial do preço do imobiliário - provocado pelo excesso de procura, devida ao crédito à compra de habitação "ao preço da chuva" e às aquisições de estrangeiros -, o que impõe uma atualização da remuneração do capital investido, aumentando as rendas.
Há que contrariar a atual corrida ao mercado imobiliário e o consequente disparo dos preços de aquisição e, por arrastamento, das rendas. Em vez de subsidiar rendas por via fiscal, mais vale travar o aumento das mesmas.
Por isso, é de saudar a iniciativa anunciada pelo Governo, no sentido de colmatar essa lacuna num prazo curso, especialmente através do apoio financeiro para arrendamento às famílias carenciadas. É uma solução que há muito se impunha.
2. Já se entende menos a proposta de generoso incentivo fiscal para levar senhorios a baixar as rendas, independentemente do seu nível, que se traduz afinal num subsídio público aos beneficiários desses arrendamentos, não estando em causa o seu direito à habitação.
O melhor modo de fazer baixar as rendas é ampliar a oferta de casas no mercado de arrendamento, aumentando a oferta pública, sobretudo a nível municipal - que é extraordinariamente reduzida entre nós -, penalizando fiscalmente as inúmeras casas devolutas, e desincentivando os destinos alternativos das casas, nomeadamente a fuga para o "alojamento local".
3. Uma das razões para a crescente subida das rendas está naturalmente ligada ao aumento exponencial do preço do imobiliário - provocado pelo excesso de procura, devida ao crédito à compra de habitação "ao preço da chuva" e às aquisições de estrangeiros -, o que impõe uma atualização da remuneração do capital investido, aumentando as rendas.
Há que contrariar a atual corrida ao mercado imobiliário e o consequente disparo dos preços de aquisição e, por arrastamento, das rendas. Em vez de subsidiar rendas por via fiscal, mais vale travar o aumento das mesmas.
Adenda
A proposta de renovação automática vitalícia dos contratos com arrendatários de mais de 65 anos ou grau elevado de deficiência não constitui somente uma restrição desproporcionada do direito de propriedade e da liberdade contratual dos senhorios, sem compensação. Além do risco de fraude quanto à declaração de deficiência, essa solução vai ter também um efeito contrário ao pretendido, levando muitos senhorios a recusar arrendatários que possam vir a beneficiar dessa inamovibilidade. A garantia do direito à habitação não pode criar discriminações aleatórias, à margem do mercado.
terça-feira, 24 de abril de 2018
Cativar eleitores pelo bolso
Publicado por
Vital Moreira
Eis o cabeçalho da minha coluna semanal no Dinheiro Vivo de sábado passado, que pode ser lida AQUI. Ou: do destino menos virtuoso da folga orçamental proporcionada pelo robusto crescimento económico e pela poupança nos juros da dívida pública...
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Hipóteses de governo, 2019
Publicado por
Vital Moreira
1. Ao contrário do que entendeu Marques Mendes, penso o PS não vai nunca pedir maioria absoluta nas eleições do ano que vem. Augusto Santos Silva só falou num "reforço" eleitoral do PS, sendo óbvio que para ter bem mais do que os 32% de 2015 não seria sequer preciso um extraordinário resultado. As atuais sondagens, que colocam o PS consistentemente acima dos 40%, já seriam um enorme reforço!
As maiorias absolutas não se obtêm a pedido e a apresentação explícita desse objetivo não ajuda a alcançá-lo, pelo contrário! A fácil equação "maioria absoluta = poder absoluto" só serve para afastar eleitores mais receosos. Por isso, sendo óbvio candidato a ganhar folgadamente as eleições, o PS vai fazer o que puder para obter maioria absoluta, mas não vai pedi-la, até porque pedi-la e não a obter seria um revés que macularia a vitória eleitoral.
Para além de ganhar as eleições - o que já é um "reforço" em relação a 2015 -, o objetivo principal do PS vai ser o de obter um resultado suficientemente robusto que lhe permita pelo menos formar Governo sem necessitar à partida de nenhuma coligação nem de nenhum acordo de apoio parlamentar com outro(s) partido(s), o que lhe dará um acrescido poder de negociação para eventuais alianças, ao contrário do que sucedeu em 2015, em que só podia formar Governo contra a coligação de direita, que ganhara as eleições, através de um prévio acordo com a sua esquerda.
2. Obviamente, se o PS obtiver a maioria absoluta, tanto melhor. Melhor para o PS, sem dúvida, mas também, a meu ver, a melhor solução governativa para o país, em termos de estabilidade e de coerência e de responsabilidade governativa.
Uma maioria relativa, apesar de permitir três diferentes soluções governativas - governo minoritário, aliança de governo à direita ou à esquerda -, nenhuma delas é melhor solução, desde logo quanto à estabilidade.
Os governos minoritários governam à vista e não conseguem assegurar a disciplina orçamental, por causa das concessões que têm de fazer à esquerda e à direita para conseguir aprovar os orçamentos; um governo de "bloco central" cancela a lógica da alternância governativa e alimenta o crescimento dos extremos, sendo a pior das alternativas; uma aliança de esquerda, como a atual experiência mostra, é onerosa orçamentalmente - pelo que só é possível em período de "vacas gordas", que não dura sempre - e obriga o PS a continuar a abdicar de uma parte importante do seu programa político.
As maiorias absolutas não se obtêm a pedido e a apresentação explícita desse objetivo não ajuda a alcançá-lo, pelo contrário! A fácil equação "maioria absoluta = poder absoluto" só serve para afastar eleitores mais receosos. Por isso, sendo óbvio candidato a ganhar folgadamente as eleições, o PS vai fazer o que puder para obter maioria absoluta, mas não vai pedi-la, até porque pedi-la e não a obter seria um revés que macularia a vitória eleitoral.
Para além de ganhar as eleições - o que já é um "reforço" em relação a 2015 -, o objetivo principal do PS vai ser o de obter um resultado suficientemente robusto que lhe permita pelo menos formar Governo sem necessitar à partida de nenhuma coligação nem de nenhum acordo de apoio parlamentar com outro(s) partido(s), o que lhe dará um acrescido poder de negociação para eventuais alianças, ao contrário do que sucedeu em 2015, em que só podia formar Governo contra a coligação de direita, que ganhara as eleições, através de um prévio acordo com a sua esquerda.
Uma maioria relativa, apesar de permitir três diferentes soluções governativas - governo minoritário, aliança de governo à direita ou à esquerda -, nenhuma delas é melhor solução, desde logo quanto à estabilidade.
Os governos minoritários governam à vista e não conseguem assegurar a disciplina orçamental, por causa das concessões que têm de fazer à esquerda e à direita para conseguir aprovar os orçamentos; um governo de "bloco central" cancela a lógica da alternância governativa e alimenta o crescimento dos extremos, sendo a pior das alternativas; uma aliança de esquerda, como a atual experiência mostra, é onerosa orçamentalmente - pelo que só é possível em período de "vacas gordas", que não dura sempre - e obriga o PS a continuar a abdicar de uma parte importante do seu programa político.
Aplauso
Publicado por
Vital Moreira
É evidente que de todos os pontos de vista - demográfico, económico e social - Portugal precisa de mais imigrantes. Se houvesse dúvidas quanto à sua importância, um estudo recente quantifica as necessidades. Portugal tem défice de natalidade, a população está a envelhecer, há falta de mão-de-obra em várias atividades económicas.
Mas nos tempos que correm, em que a retórica anti-imigração domina o discurso político em tantos países, é de saudar a frontalidade política do primeiro-ministro português em assumir publicamente a necessidade de acolher mais imigrantes. Aplauso, portanto!
Mas nos tempos que correm, em que a retórica anti-imigração domina o discurso político em tantos países, é de saudar a frontalidade política do primeiro-ministro português em assumir publicamente a necessidade de acolher mais imigrantes. Aplauso, portanto!
sexta-feira, 20 de abril de 2018
Antologia do nonsense (9): Os "direitos humanos" das bonecas sexuais
Publicado por
Vital Moreira
Esta sugestão de reconhecer "direitos humanos" às bonecas sexuais pode parecer produto de excesso de imaginação jornalística.
Mas a alegada autora da provocatória tese existe mesmo e os seus trabalhos interesses académicos dão credibilidade à notícia, a começar pela sua tese de doutoramento em direito, que a autora qualifica de "autoetnográfica e Deleusiana", sob o tema "A ética para além da imanência: Rompendo a metodologia jurídica através da investigação sexual"!
Claramente uma nova fronteira da investigação!...
Sabe-se bem a tendência atual para banalizar, expandir e diluir as fronteiras dos direitos humanos. No entanto, estender essa nobre noção, incontornavelmente exclusiva dos seres humanos, a bonecos mecânicos, que só podem integrar o conceito jurídico de "coisas", eis o que não ocorreria a muita gente.
Sete décadas passadas desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nem a "imanência deleusiana" académica poderia autorizar tal "nonsense"...
Mas a alegada autora da provocatória tese existe mesmo e os seus trabalhos interesses académicos dão credibilidade à notícia, a começar pela sua tese de doutoramento em direito, que a autora qualifica de "autoetnográfica e Deleusiana", sob o tema "A ética para além da imanência: Rompendo a metodologia jurídica através da investigação sexual"!
Claramente uma nova fronteira da investigação!...
Sabe-se bem a tendência atual para banalizar, expandir e diluir as fronteiras dos direitos humanos. No entanto, estender essa nobre noção, incontornavelmente exclusiva dos seres humanos, a bonecos mecânicos, que só podem integrar o conceito jurídico de "coisas", eis o que não ocorreria a muita gente.
Sete décadas passadas desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nem a "imanência deleusiana" académica poderia autorizar tal "nonsense"...
quinta-feira, 19 de abril de 2018
Discordo (6): Teoria "pós-humana" dos direitos humanos
Publicado por
Vital Moreira
1. Discordo desta ousada tese de Boaventura Sousa Santos, no seu artigo no Jornal de Letras (texto não disponível on-line), sobre a titularidade de direitos humanos por entidades naturais (rios, montanhas, etc.), mesmo quando excecionalmente dotadas legalmente de personalidade jurídica e de órgãos de gestão próprios, como sucede com o Rio Whanganui na Nova Zelândia (na imagem), considerado sagrado pela comunidade indígena local.
Antes de mais, a referida lei neozelandesa (texto AQUI) não fala em "direitos humanos" do próprio rio, nem permite tal interpretação. Em segundo lugar, a personalidade jurídica coletiva não implica em geral a titularidade de direitos humanos (como sucede com as sociedades comerciais ou as fundações); nem todos os direitos legais são "direitos humanos". Por último, não se torna necessário conferir direitos "humanos" a essas entidades naturais para as proteger juridicamente, bastando reconhecer aos seus habitantes e seus "compartes" o direito à sua defesa e preservação. A personalidade jurídica não passa de instrumento para defesa dos direitos da coletividade e dos seus membros.
2. Por origem história e por definição, os direitos humanos têm a ver com a vida, dignidade, a liberdade e a felicidade das pessoas, como seres humanos, seja a título individual seja coletivo. Isto vale tanto para os clássicos direitos de liberdade como para os direitos sociais ou para os direitos de "terceira geração", incluindo o direito ao ambiente.
Uma conceção "pós-humana" ou trans-humana de direitos humanos corre o risco evidente de descaraterização e de diluição da própria noção de direitos humanos. A sua expansão para lá da esfera humana em sentido próprio não contribui para reforçar a sua proteção, antes pode enfraquecê-la.
Nos 70 anos da histórica Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), os problemas atuais dos direitos humanos (racismo, xenofobia, perseguição étnica e religiosa, fome e doenças, etc.) não passam seguramente pelos supostos "direitos humanos" de rios e de montanhas...
Antes de mais, a referida lei neozelandesa (texto AQUI) não fala em "direitos humanos" do próprio rio, nem permite tal interpretação. Em segundo lugar, a personalidade jurídica coletiva não implica em geral a titularidade de direitos humanos (como sucede com as sociedades comerciais ou as fundações); nem todos os direitos legais são "direitos humanos". Por último, não se torna necessário conferir direitos "humanos" a essas entidades naturais para as proteger juridicamente, bastando reconhecer aos seus habitantes e seus "compartes" o direito à sua defesa e preservação. A personalidade jurídica não passa de instrumento para defesa dos direitos da coletividade e dos seus membros.
2. Por origem história e por definição, os direitos humanos têm a ver com a vida, dignidade, a liberdade e a felicidade das pessoas, como seres humanos, seja a título individual seja coletivo. Isto vale tanto para os clássicos direitos de liberdade como para os direitos sociais ou para os direitos de "terceira geração", incluindo o direito ao ambiente.
Uma conceção "pós-humana" ou trans-humana de direitos humanos corre o risco evidente de descaraterização e de diluição da própria noção de direitos humanos. A sua expansão para lá da esfera humana em sentido próprio não contribui para reforçar a sua proteção, antes pode enfraquecê-la.
Nos 70 anos da histórica Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), os problemas atuais dos direitos humanos (racismo, xenofobia, perseguição étnica e religiosa, fome e doenças, etc.) não passam seguramente pelos supostos "direitos humanos" de rios e de montanhas...
quarta-feira, 18 de abril de 2018
Geringonça (9): Confirmação da sua relatividade
Publicado por
Vital Moreira
Os dois importantes acordos políticos hoje assinados entre o PS e o PSD - sobre os fundos europeus do próximo quadro financeiro plurianual da União e sobre a descentralização territorial - não servem somente para o PSD mostrar que conta na governação do País, mesmo na oposição, e para o PS mostrar que, apesar da "Geringonça", mantém a liberdade de entendimentos de fundo com a oposição de direita.
O seu significado mais profundo está, porém, em que eles revelam à evidência que os partidos da extrema-esquerda parlamentar ficam, por opção própria, à margem das grandes decisões que vão conformar o futuro do País naquelas duas áreas. O PCP e o BE servem para compartilhar dos despojos de uma situação económica e financeira favorável, enquanto durar a fase das "vacas gordas", mas estão fora de tudo o que tem a ver com as grandes questões da governação do País, desde a defesa às finanças, desde a política externa à política europeia.
Claramente, além de uma solução a termo (por enquanto incerto), a Geringonça é também uma solução de governo "de via reduzida" e, por isso, tem de conviver com soluções de "geometria variável", como estes acordos. Quod erat demonstrandum...
[Revisto, incluindo o título]
O seu significado mais profundo está, porém, em que eles revelam à evidência que os partidos da extrema-esquerda parlamentar ficam, por opção própria, à margem das grandes decisões que vão conformar o futuro do País naquelas duas áreas. O PCP e o BE servem para compartilhar dos despojos de uma situação económica e financeira favorável, enquanto durar a fase das "vacas gordas", mas estão fora de tudo o que tem a ver com as grandes questões da governação do País, desde a defesa às finanças, desde a política externa à política europeia.
Claramente, além de uma solução a termo (por enquanto incerto), a Geringonça é também uma solução de governo "de via reduzida" e, por isso, tem de conviver com soluções de "geometria variável", como estes acordos. Quod erat demonstrandum...
[Revisto, incluindo o título]
Farisaísmo institucional
Publicado por
Vital Moreira
1. O alegado "desagrado" do Ministério Público com a incrível exibição televisiva de interrogatórios de José Sócrates é profundamente farisaico, primeiro, porque o MP se revelou incapaz de proceder criminalmente contra os responsáveis em anteriores casos idênticos e, segundo, porque em todo este processo (tal como noutros, aliás, quando envolvem personalidades públicas) o MP conviveu, inerte e cúmplice, com o sistemático desrespeito do segredo de justiça (que tem proteção constitucional, sendo crime a sua violação) e com o infame julgamento dos arguidos na praça pública, sem regras nem direito de defesa, em flagrante ofensa aos mais elementares princípios do Estado de direito constitucional.
Assim se mostra que o farisaísmo também pode contaminar as instituições...
2. O Ministério Público é na nossa ordem constitucional uma instituição dotada de autonomia, mas o PGR não é irresponsável nem irremovível, podendo ser exonerado pelo PR sob proposta do Governo. Por maioria de razão, não tendo o MP funções jurisdicionais, que cabem exclusivamente aos tribunais, e sendo o braço do Estado para a investigação e a acusação penal, a PGR não está isenta da obrigação de prestar contas públicas da suas ações e omissões em matéria de violação do segredo de justiça e de outros direitos dos arguidos.
A accountability pública é uma característica inerente ao desempenho de cargos públicos num Estado constitucional. Quanto é que a Assembleia da República tem a coragem de chamar a PGR, como tem chamado outras autoridades independentes, a prestar contas ao País sobre tudo isto?
Adenda
O PS acaba de propor que a PGR se pronuncie na AR sobre o caso das adoções da IURD. Por maioria de razão, o mesmo deveria suceder quanto ao segredo de jsutiça e à publicação de peças do processo sem autorização dos interessados.
Assim se mostra que o farisaísmo também pode contaminar as instituições...
2. O Ministério Público é na nossa ordem constitucional uma instituição dotada de autonomia, mas o PGR não é irresponsável nem irremovível, podendo ser exonerado pelo PR sob proposta do Governo. Por maioria de razão, não tendo o MP funções jurisdicionais, que cabem exclusivamente aos tribunais, e sendo o braço do Estado para a investigação e a acusação penal, a PGR não está isenta da obrigação de prestar contas públicas da suas ações e omissões em matéria de violação do segredo de justiça e de outros direitos dos arguidos.
A accountability pública é uma característica inerente ao desempenho de cargos públicos num Estado constitucional. Quanto é que a Assembleia da República tem a coragem de chamar a PGR, como tem chamado outras autoridades independentes, a prestar contas ao País sobre tudo isto?
Adenda
O PS acaba de propor que a PGR se pronuncie na AR sobre o caso das adoções da IURD. Por maioria de razão, o mesmo deveria suceder quanto ao segredo de jsutiça e à publicação de peças do processo sem autorização dos interessados.
Provável e merecida derrota
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Vital Moreira
1. Até à recente mudança de liderança, o PSD dava prioridade política à consolidação orçamental na gestão das finanças públicas, denunciando, por isso, a reversão apressada da austeridade orçamental e o risco do aumento da despesa pública corrente, sobretudo em remunerações e pensões.
Agora tudo mudou. Rui Rio ainda fala na meta de saldos orçamentais positivos, mas agora também quer aumento do financiamento dos serviços públicos, sobretudo do SNS, aumento do investimento público e... aumento geral dos funcionários públicos (alinhando com a reivindicação da extrema-esquerda)! (Só falta mesmo defender também mais um aumento extraordinário nas pensões.) Como se não bastasse uma subida generalizada da despesa pública, o líder do PSD continua a insistir numa baixa de impostos!
2. Ora, é evidente que, apesar das condições financeiras excecionalmente favoráveis de que goza o País - robusto crescimento económico e taxa de juros mínima da dívida -, estes objetivos não são compatíveis entre si. O trilema é óbvio.
Não há margem para tudo, ou seja, para aumentar a despesa, para reduzir impostos e para manter o ritmo de consolidação das contas públicas. Só se pode manter esta última, contendo a despesa e utilizando a receita pública adicional para a redução do défice e da dívida pública.
De resto, estando a economia a crescer fortemente, não se justifica de modo algum uma política orçamental expansionista, pró-cíclica, tanto mais que as taxas de juro continuam anormalmente baixas. Qualquer estímulo orçamental adicional é um contrassenso. O aumento da despesa pública e a redução de impostos devem ser guardados para quando o ciclo económico arrefecer e for necessário estimular o consumo e o investimento.
3. Tenho defendido inúmeras vezes que os partidos de vocação governativa, como o PS e o PSD, continuam a ser partidos de governo quando se encontram na oposição, não devendo defender posições diferentes das que teriam se fossem poder.
Ora, parece óbvio que, se fosse governo, o PSD não defenderia este menu explosivo de políticas orçamentais contraditórias, que na verdade escondem um inevitável recuo da consolidação orçamental, em aras à demagogia pré-eleitoral do aumento dos funcionários e da redução de impostos.
Nesse aspeto o PSD ultrapassa em incoerência a extrema-esquerda, a qual, como sempre, exige o aumento da despesa pública em tudo (remunerações, investimento, serviços públicos), mas que coerentemente defende o recuo na consolidação orçamental.
Parece evidente que, com estas posições oportunistas, este "novo" PSD não ganha nenhuma credibilidade política, antes gera desconfiança, mesmo no seu eleitorado tradicional. Uma séria derrota nas eleições do próximo ano parece, por isso, cada vez mais provável, e merecida.
Agora tudo mudou. Rui Rio ainda fala na meta de saldos orçamentais positivos, mas agora também quer aumento do financiamento dos serviços públicos, sobretudo do SNS, aumento do investimento público e... aumento geral dos funcionários públicos (alinhando com a reivindicação da extrema-esquerda)! (Só falta mesmo defender também mais um aumento extraordinário nas pensões.) Como se não bastasse uma subida generalizada da despesa pública, o líder do PSD continua a insistir numa baixa de impostos!
2. Ora, é evidente que, apesar das condições financeiras excecionalmente favoráveis de que goza o País - robusto crescimento económico e taxa de juros mínima da dívida -, estes objetivos não são compatíveis entre si. O trilema é óbvio.
Não há margem para tudo, ou seja, para aumentar a despesa, para reduzir impostos e para manter o ritmo de consolidação das contas públicas. Só se pode manter esta última, contendo a despesa e utilizando a receita pública adicional para a redução do défice e da dívida pública.
De resto, estando a economia a crescer fortemente, não se justifica de modo algum uma política orçamental expansionista, pró-cíclica, tanto mais que as taxas de juro continuam anormalmente baixas. Qualquer estímulo orçamental adicional é um contrassenso. O aumento da despesa pública e a redução de impostos devem ser guardados para quando o ciclo económico arrefecer e for necessário estimular o consumo e o investimento.
3. Tenho defendido inúmeras vezes que os partidos de vocação governativa, como o PS e o PSD, continuam a ser partidos de governo quando se encontram na oposição, não devendo defender posições diferentes das que teriam se fossem poder.
Ora, parece óbvio que, se fosse governo, o PSD não defenderia este menu explosivo de políticas orçamentais contraditórias, que na verdade escondem um inevitável recuo da consolidação orçamental, em aras à demagogia pré-eleitoral do aumento dos funcionários e da redução de impostos.
Nesse aspeto o PSD ultrapassa em incoerência a extrema-esquerda, a qual, como sempre, exige o aumento da despesa pública em tudo (remunerações, investimento, serviços públicos), mas que coerentemente defende o recuo na consolidação orçamental.
Parece evidente que, com estas posições oportunistas, este "novo" PSD não ganha nenhuma credibilidade política, antes gera desconfiança, mesmo no seu eleitorado tradicional. Uma séria derrota nas eleições do próximo ano parece, por isso, cada vez mais provável, e merecida.
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