domingo, 18 de novembro de 2018

Livres & Iguais (17): Direitos dos trabalhadores

1. Na próxima quinta-feira vou participar no encerramento deste colóquio sobre os direitos dos trabalhadores, especialmente a contratação coletiva, promovido pelo Conselho Económico e Social e pela delegação da OIT em Portugal, no âmbito das comemorações dos 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), que tenho a honra de comissariar.
Como mostra o programa do colóquio - que vai decorrer entre as 9:30 e as 13:00 -, vai haver a intervenção de especialistas e dos "parceiros sociais" (centrais sindicais e empresariais) representados no CES.

2. Na verdade, coube à DUDH de 1948 trazer os direitos dos trabalhadores para a esfera internacional, junto com os direitos humanos de "primeira geração" (direitos civis e políticos).
Apesar de criada logo em 1919, no próprio Tratado de Versalhes, a OIT só veio a reconhecer a liberdade sindical e o direito de contratação coletiva nas Convenções nº 87 (1948) e 98 (1949), respetivamente, ao mesmo tempo que a primeira era consagrada na DUDH. Posteriormente, a liberdade sindical viria a ser enunciada também na Carta Social Europeia, de 1961, e no Pacto Internacional de Direitos Sociais, Económicos e Culturais, das Nações Unidas, de 1966.
Desde 1998, a liberdade sindical e o direito de contratação coletiva integram o núcleo duro dos direitos fundamentais dos trabalhadores (core labour standards) da OIT, junto com a proibição de trabalho forçado e de trabalho infantil, assim como a proibição de discriminação no trabalho e no emprego.

3. Entre os direitos dos trabalhadores faz todo o sentido destacar a importância primordial da contratação coletiva - que pressupõe naturalmente a liberdade sindical -, como meio de contrabalançar, através da representação e ação coletiva, a menor força dos trabalhadores individuais na relação de trabalho com os empregadores e o risco de concorrência destrutiva entre os trabalhadores no mercado laboral.

sábado, 17 de novembro de 2018

Livres & Iguais (16): Liberdade religiosa em Portugal e Espanha

1. Na próxima terça-feira vou participar nesta conferência sobre a liberdade religiosa em Portugal e em Espanha, uma iniciativa da Comissão da Liberdade Religiosa, atualmente presidida pelo antigo ministro e deputado José Vera Jardim, integrada nas Comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH.
Como se vê do programa da conferência, esta compreende palestras de dois especialistas, um português e outro espanhol, além do Presidente da CLR e do Comissário das Comemorações.

2. Faz todo o sentido abordar a liberdade religiosa no programa das referidas comemorações, pois ela encontra-se reconhecida e protegida nos dois instrumentos internacionais de direitos humanos que agora se celebram, sendo uma das mais básicas liberdades pessoais.
Não é por acaso que a liberdade de crença (freedom of belief) era um das quatro liberdades fundamentais do célebre discurso de Roosevelt em 1941 (que ficou conhecido justamente por Four Freedoms Speech), que inaugurou o discurso universalista sobre os direitos humanos, que se havia de repercutir na redação da Carta das Nações Unidas, em 1945, e na DUDH, em 1948.

3. Enfaticamente reconhecida e protegida entre nós, na CRP de 1976, a liberdade religiosa, reforçada pela separação entre o Estado e as igrejas, constitui um pilar do "Estado de direitos fundamentais"e do Estado laico, que é Portugal desde então.
Considerando a atribulada história da liberdade religiosa desde o inicio do constitucionalismo em Portugal há quase dois séculos (Constituição de 1822), Portugal apresenta pela primeira vez um elevado grau de liberdade religiosa (descontadas algumas entorses...), no quadro de uma laicidade pacífica, que assenta num amplo consenso constitucional e político, o que contrasta com o catolicismo oficial da monarquia constitucional, com o laicismo militante e fraturante da I República e com o confessionalismo assumido da ditadura do Estado Novo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Praça da República (5): Oportunismo político

1. O mais preocupante para o PSD não é o facto de estar a 15pp de distância do PS nas sondagens de opinião política (42% contra 27%), mas sim o facto de não haver nenhuma perspetiva de melhoria, pelo contrário.
Ora, esse mau resultado não tem a ver somente com o bom desempenho do Governo PS na frente da economia, do emprego e das finanças públicas, nem somente às quezílias internas dentro do PSD. A liderança do partido tem ajudado muito, com a falta de alternativa consistente e com a defesa de posições claramente oportunistas, em aliança com a esquerda radical, como sucede com a reposição integral da antiguidade dos professores (medida financeiramente ruinosa e socialmente iníqua) e com a rejeição do proposta governamental de criação de uma contribuição municipal de proteção civil, a qual, além de facultativa para os municípios (reforçando a sua autonomia financeira), se destina a repor o tributo que vários deles já tinham ilicitamente criado sob a designação de "taxa" e que por isso foi "chumbada" pelo Tribunal Constitucional.

2. Defendo há muito, independentemente do Governo da hora, que os partidos de vocação governativa, como o PS e o PSD, devem comportar-se na oposição como partidos de governo, tomando as posições que tomariam se estivessem a governar. Ora, parece evidente que se estivesse no Governo, o PSD não votaria nenhuma dessas propostas, até porque a reposição integral da tempo de serviço dos professores é financeiramente irresponsável.
Com tal comportamento errático, o PSD pode estar a proporcionar ao PS aquilo que à partida pareceria impossível, ou seja, uma maioria absoluta nas eleições do ano que vem (se não tiverem de ser antecipadas, face ao conluio oportunista da oposição do PSD com a esquerda radical da própria Geringonça...).

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Regulando a globalização económica

Na próxima sexta-feira, dia 16, vou intervir nesta conferência sobre os 70 anos de vigência do sistema multilateral de comércio internacional (GATT/OMC), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), abordando o tema da resolução litígios de investimento direto estrangeiro entre investidores e os Estados onde investem, desde a sua tradicional forma arbitral, conhecida por investor-to-state-dispute-settlement (ISDS) até à solução judicial internacional (investment court system, ICS), recentemente adotada pela União Europeia nos seus acordos internacionais de comércio e investimento (com o Canadá, Singapura, etc.).

+ Europa (11): Portugal e a União Europeia

Na próxima quinta-feira, dia 15, vou intervir nesta conferência promovida pela Ordem dos Advogados sobre a União Europeia e Portugal.
Quando a União enfrenta uma acumulação de problemas graves, como o Brexit, as derivas iliberais e atentatórias do Estado de direito na Polónia e na Hungria, a crise política romena e o desafio italiano às regras orçamentais, e quando se aproximam as eleições europeias do próximo ano - que podem ampliar as vozes nacionalistas e soberanistas hostis à integração europeia, impõe-se uma reflexão séria sobre os destinos da União e sobre o lugar de Portugal nela.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Barbárie tauromáquica (8): Venha a lei!

Respondendo a Manuel Alegre, o líder do PS e Primeiro-Ministro veio retorquir que, embora sendo contrário às touradas, não se propõe proibi-las, preferindo «conceder a cada município a liberdade de permitir ou não a realização de touradas no seu território».
Deixando de lado a inconsistência da não proibição das touradas, enquanto "manifestação pública de uma cultura de violência ou de desfrute do sofrimento animal", como as qualifica corretamente AC, a verdade é que não conheço nenhuma iniciativa legislativa para atribuir aos municípios o poder de abolir as touradas no seu território -,  o que permitiria confinar e isolar geograficamente a barbárie tauromáquica como regionalismo atávico e potenciar o movimento abolicionista a nível local...

Adenda
Se as touradas são um atentado à sensibilidade da maioria dos portugueses, a sua transmissão em direto pelo serviço público de televisão, à conta de todos os contribuintes, constitui uma verdadeira provocação, que nenhuma "liberdade" pode justificar. Quem gosta de espetáculos bárbaros, ao menos que os pague!

Livres & Iguais (15): Direitos humanos e forças de segurança

Eis a próxima realização do programa de comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH, que tenho a honra de comissariar: uma iniciativa do Ministério da Administração Interna (IGAI) sobre "Direitos Humanos e Controlo Externo das Forças e Serviços de Segurança".
Um dos mais positivos aspetos das comemorações respeita ao envolvimento das forças de segurança, tanto vezes acusadas, nem sempre fundadamente, de desrespeito pelos direito humanos. Num Estado de direito, as forças de segurança surgem constrangidas entre duas exigências: por um lado, cumpre-lhes executar a missão do Estado de realizar o direito universal à segurança e de proteger os direitos de todos à vida e à liberdade pessoal contra terceiros (obrigação de proteção), por outro lado, só podem realizar essa missão através da medidas de polícia previstas na lei e respeitando os direitos humanos dos envolvidos nas mesmas (obrigação de respeito).
Por isso, é de importância crucial não apenas o controlo externo das forças de segurança quando ao cumprimento dessas duas vertentes da sua atividade, mas também o investimento numa cultura de direitos humanos nas forças de segurança.

domingo, 11 de novembro de 2018

Lisbon first (12): "Governo de proximidade"

Segundo um estudo mencionado pelo Jornal de Notícias, «o Estado faz 80% das suas compras em Lisboa».
Como se não bastasse o facto de Lisboa ter praticamente o monopólio dos serviços centrais do Estado e do respetivo emprego público, há agora também esta preferência pelos fornecedores da capital, com o emprego e rendimento que isso gera. É o que se chama um "governo de proximidade". Um círculo vicioso...
Para Lisboa, uma vantagem nunca vem só...

Geringonça (12): Bloquices

1. No seu congresso partidário deste fim de semana, o Bloco de Esquerda anunciou a sua disponibilidade e vontade de entrar no próximo Governo. Mas se o Bloco parece consolidar a sua mudança estratégica, de partido de protesto para candidato a partido de governo, nem por isso mudou os dogmas políticos de esquerda radical, como o "controlo público da banca e da energia" -, o que é um eufemismo para nacionalização.
Ora, para além da insensatez económica de tal medida (como se não houvesse memória dos custos da gestão pública desses setores entre a sua nacionalização de 1975 e a sua reprivatização décadas mais tarde), seria conveniente saber onde é que o Estado iria buscar as muitas centenas de milhões de euros para pagar as indemnizações e como é que isso poderia ser financiado (excetuado o confisco...) sem um aumento exponencial da dívida pública e dos seus custos, estoirando com o equilíbrio orçamental e com os limites da União ao défice e à dívida.
O Bloco pode ter deixado de ser protestatário, mas não deixou de ser irresponsável...

2. Duvido muito da viabilidade política de uma coligação de governo do PS com o Bloco - caso aquele ganhe as eleições do ano que vem sem maioria absoluta (como é mais provável) -, tão fundas são as diferenças ideológicas e de prática política entre os dois partidos (UE, política externa, defesa, comércio internacional, etc.).
Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, seguramente que esse ponto do programa político do BE não faria parte do programa de governo. Uma coisa são os acordos setoriais em que baseia a "geringonça", sem partilha de responsabilidades ministeriais, outra é um programa comum de governo de coligação. E é óbvio que o Bloco sabe disso! Por conseguinte, se for genuína a sua conversão à vocação governamental, o tal controlo público da banca e da energia não passa de um tropo doutrinário, só para satisfazer os fiéis e para justificar antecipadamente o facto de, apesar dessa conversão verbal, ir continuar a estar fora da área do Governo.

Livres & Iguais (15): Uma iniciativa municipal

A comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH não são somente promovidas, a nível oficial, pelo Governo e por instituições nacionais, mas também pelas Regiões Autónomas e por alguns municípios, que isoladamente, quer em cooperação com outras instituições.
Aqui fica o devido registo da notícia de uma exposição organizada pelo município de Câmara de Lobos, na Madeira.

sábado, 10 de novembro de 2018

Livres & Iguais (14): Cidadania e Direitos Humanos

Eis o cartaz da conferência de hoje em Aveiro sobre Cidadania e Direitos Humanos, Hoje, em que vou participar juntamente com os Professores Adriano Moreira e Júlio Pedrosa.
Ao contrário das demais iniciativas até agora realizadas nas comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH, esta é promovida por organizações da sociedade civil, incluindo ONGs de direitos humanos e uma instituição local da Igreja Católica, o que é de saudar especialmente. E o tema não podia ser mais atual, neste tempo de recesso democrático, sob pressão de movimentos populistas de diferente matriz, e que só uma cidadania iluminada pelos direitos humanos pode contrariar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Livres & Iguais (13): A Convenção Europeia de Direitos Humanos, 40 anos depois

Eis o meu artigo no Diario de Notícias digital de hoje, uma reflexão sobre as implicações políticas e jurídicas da adesão de Portugal à CEDH, cujos 40 anos hoje passam.
A foto que ilustra o meu artigo regista o momento em que o MNE do I Governo constitucional, J. Medeiros Ferreira, assina a Convenção, em setembro de 1976, iniciando o processo de adesão que se havia de concluir com a sua ratificação, dois anos depois. 

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Livres & Iguais (12): Os direitos humanos em Portugal 40 anos depois

A minha entrevista à Lusa, enquanto Comissário das Comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Stars & Stripes (2): Mudança na balança do poder



1. Nas eleições legislativas intercalares de meio do mandato presidencial, quer ontem ocorreram nos Estados Unidos e que renovaram a Câmara dos Representantes e cerca de 1/3 do Senado, Trump perdeu a primeira para os Democratas, mas mantém e reforça a maioria no segundo.
Uma meia vitória para cada lado, embora a balança do poder tenha ficado menos desequilibrada do que estava, com todo o poder nas mãos dos Republicanos. A meia derrota de Trump não deixa de ser notável, tendo em conta a excelente situação económica e do emprego nos Estados Unidos, traduzindo-se numa óbvia desfeita política.

2. Todavia, considerando que cabe ao Senado a ratificação das nomeações presidenciais, entre as quais a dos juízes do Supremo Tribunal (que é também tribunal constitucional), pode dizer-se que o Presidente pode ufanar-se de ter aguentado bem a ofensiva Democrata e de ter preservado decisivamente a sua capacidade de reforçar o controlo do poder judiciário, ou seja, do Supremo Tribunal, onde aliás já existe uma maioria conservadora, desde a última nomeação judicial de Trump, o juiz Cavanaugh.
Para os Democratas a situação melhorou obviamente, passando a ter maioria na câmara baixa, ainda que pequena, o que impede alguns dos estragos legislativos programados por Trump, como a revogação do "Obamacare", ou seja, o sistema de seguros de saúde universal. Mas daí a celebrar uma retumbante vitória eleitoral vai uma grande distância.

A barbárie tauromáquica (7): Contra Manuel Alegre

1. Discordo em absoluto da "carta aberta" de Manuel Alegre, hoje no Público, em defesa das touradas e da redução do IVA nos respetivos espetáculos.
Primeiro, não faz sentido misturar as touradas com a caça, como se fosse a mesma a oposição a uma e a outra ou como se fossem as mesmas razões a motivá-la. A razão básica contra as touradas está no facto de elas serem um espetáculo e consistirem em infligir um suplício prolongado a animais para proveito pessoal dos toureiros e para gáudio público, o que se não verifica na caça.

2. Em segundo lugar, e sobretudo, a meu ver é incompreensível invocar a "liberdade do gosto" para defender uma prática violenta, cruel, sangrenta e degradante, para satisfação sádica de protagonistas e espectadores, à maneira do espetáculos circenses da antiga Roma. De resto, não consta que o gosto pelas touradas integre os direitos fundamentais constitucionalmente protegidos...
Tampouco cabe invocar a "tradição", de resto cada vez mais acantonada, desde logo porque ao longo dos tempos a história da civilização e do progresso humano foi, em grande medida, uma luta da razão contra as tradições que exploram os sentimentos e instintos menos louváveis dos homens.
Há muitos outros gostos e tradições que o desenvolvimento humano e cultural tornou intoleráveis.

3. Parece-me inteiramente descabido o argumento de que uma eventual proibição nacional das touradas - que, aliás, não está iminente - seja equivalente a uma "ditadura política do gosto" e um sinal de "totalitarismo" emergente.
Nada de mais despropositado! Que eu saiba, entre os muitos países que consideram as touradas como "barbárie" - como os países escandinavos ou anglo-saxónicos - contam-se alguns dos países mais livres e das democracias mais liberais do mundo!

4. Nunca me impressionou o argumento dos escritores e artistas que manifesta(ra)m o seu apreço pelas touradas. Para além de serem uma pequena minoria, a verdade é que ao longo da história as piores práticas da humanidade sempre encontraram quem as defendesse entre a elite intelectual, desde a escravatura aos tratos cruéis, desumanos ou degradantes, até que o Iluminismo as proscreveu ou tornou insustentáveis.
Tenho para mim que dentro de poucas décadas, quando as touradas forem uma má memória na história nacional, os intelectuais que hoje as defendem hão de ser olhados com a mesma estranheza com que hoje olhamos os defensores pretéritos de outras "tradições" execráveis.

5. Não me surpreende ver as touradas defendidas pela direita mais tradicional, porque elas fazem parte integrante da cultura "marialva" que ela privilegiadamente encarna. Já tenho enormes dificuldades em compreender - afastado o diletantismo político ou intelectual - o que leva alguma esquerda a admirar um espetáculo tão violento e tão sangrento, assente no sofrimento causado a seres vivos indefesos, para gozo público.

6. Por último, não me parece que haja motivo para tão grande alarme público dos amantes da indústria da tortura-de-animais-na-arena-para-gáudio-público e do poderoso lobby económico, político e mediático que a suporta e promove.
Afinal, trata-se somente de criar um pequena diferença de IVA em relação a outros espetáculos, mantendo, aliás, uma taxa reduzida. Infelizmente, não se trata de um primeiro passo para abolição das touradas. Para isso, os tempos ainda estão para vir...,

Livres & Iguais (10): 40 anos de Portugal na Convenção Europeia de Direitos Humanos

1. No próximo dia 9 de novembro, numa iniciativa do Ministério da Justiça e da Ordem dos Advogados, vai realizar-se na "sala do Senado" da Assembleia da República uma jornada comemorativa dos 40 anos da ratificação portuguesa da CEDH. 
O programa (AQUI), que ocupa todo o dia, inclui três partes: (i) conferências de especialistas sobre a Convenção e sobre o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), assim como uma alocução gravada do secretário-geral do Conselho da Europa; (ii) sessão institucional, com o PR, o presidente da AR, a Ministra da Justiça, o bastonário da Ordem dos Advogados e o vice-presidente do TEDH, L-A. Sicilianos; (iii) painéis temáticos sobre alguns dos principais direitos garantidos na Convenção.

2. Aprovada em 1950, no âmbito do Conselho da Europa, a CEDH é a primeira convenção internacional sobre direitos humanos, impondo aos Estados a obrigação de respeitar e proteger os direitos nela enunciados, em relação às pessoas sob sua jurisdição. Constitui, por isso, a primeira concretização jurídico-internacional da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), aprovada dois anos antes (1948), no que respeita aos direitos civis.
A CEDH é também a primeira Convenção de direitos humanos a estabelecer um Tribunal de direitos humanos, para julgar e punir as violações dos direitos naquela estabelecidos.

3. Compreendendo no início apenas 12 Estados da Europa Ocidental, mais a Grécia e a Turquia, a CEDH vincula hoje todos os Estados europeus, desde a Islândia à Rússia, desde Portugal ao Azerbaijão. A própria União Europeia está comprometida a adotar a Convenção.
Ao longo dos seus quase 70 anos, através de sucessivos Protocolos de revisão, a Convenção foi sendo aprofundada, quer através do aditamento de novos direitos (direito de propriedade, direito a eleições) e garantias (Proibição da pena de morte), não compreendidos na versão originária, quer através dos reforço das garantias processuais. Um dos protocolos mais importantes foi o Procolo nº 11 (1988), que veio admitir o recurso direto dos interessados ao TEDH, depois de esgotados os meios judiciais internos.

4. Por causa da ditadura do "Estado Novo", Portugal só assinou a Convenção em 1976, no I Governo Constitucional (Mário Soares), após a aprovação da Constituição de 1976, tendo a  adesão sido concluída com a ratificação presidencial, a 9 de novembro de 1978.
No princípio, Portugal estabeleceu algumas "reservas" à Convenção, ou seja, dispensas do seu cumprimento, em relação a aspetos que poderiam brigar com a CRP. Mais tarde essas reservas vierem a ser levantadas, no seguimento de revisão constitucional dos preceitos em causa.
Ao longo destes anos, Portugal tem sido condenado várias vezes em Estrasburgo, nomeadamente por atrasos na jsutiça e por desrespeito de garantias de processo penal.

domingo, 4 de novembro de 2018

Bicentenário do constitucionalismo em Portugal (1): A sede das Cortes Constituintes de 1821-22



1. Na série de artigos que estou a publicar, em coautoria com o Professor José Domingues, na revista, História, do Jornal de Noticias, sobre o bicentenário da revolução liberal e do constitucionalismo em Portugal, o texto agora publicado (nº 16, de outubro), versa sobre a sede das Cortes Constituintes de 1821-22, que se reuniram na imponente "Casa da Livraria" do então Convento de Nª. Srª. das Necessidades, em Lisboa (atual sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros), que foi especialmente adaptada par o efeito.
Nas mesmas instalações reuniu também o primeiro parlamento ordinário, eleito em agosto de 1822, ainda antes da aprovação das Constituição, e que terminou prematuramente as suas funções logo em 1823, com o golpe antiliberal e anticonstitucionalista da "Vilafrancada", que pôs termo à curta experiência constitucional do "vintismo" em Portugal.

2. Com a Carta Constitucional de 1826, as Cortes mudaram de sede, tendo a Câmara dos Pares reunido no Rossio e a Câmara dos Deputados, no Terreiro do Paço. Após a Guerra Civil (1832-34) e a restauração da Carta Constitucional, as Cortes foram instaladas no recém-extinto mosteiro de São Bento, que se tornou desde então a sede definitiva do Parlamento em Portugal.
Curiosamente, porém, o topónimo "Pátio das Cortes", por que ficou conhecido, logo de início, o pátio de acesso das Cortes Constituintes de 1821-22, manteve-se muito tempo na tradição popular e na topografia oficial, até ao século XX!
Por isso, no final do nosso artigo propomos a evocação oficial desse topónimo no dia 26 de janeiro de 2021, duzentos anos depois da primeira reunião das Cortes Constituintes que aprovaram a nossa primeira Constituição.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Livres e Iguais (9): Tortura e tratos cruéis

1. No próximo dia 6/11, na minha qualidade de comissários para as comemorações dos 70 anos da DUDH (1948), vou encerrar um colóquio sobre a tortura e outros tratos cruéis, a realizar na Fundação Champalimaud, em Lisboa, promovido pela Provedora de Justiça, que além de "instituição nacional de direitos humanos" (de acordo com os princípios de Paris), é também responsável pelo "mecanismo nacional de prevenção da tortura", no quadro da proteção universal contra a tortura.

2. Nascida no Iluminismo, ainda antes das revoluções liberais e das declarações constitucionais de direitos na América do Norte (1776) e em França (1789), a proibição da tortura e de outros tratamentos cruéis, quer no processo penal quer a título de pena, constitui uma das garantias essenciais do direito à integridade física e moral, um dos mais básicos direitos humanos.
Consagrada na DUDH de 1948, a proibição da tortura veio a integrar as primeiras convenções internacionais de direitos humanos, nomeadamente a Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1948, e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, das Nações Unidas, de 1966. A Convenção para a Proibição da Tortura das Nações Unidas (1984), assim como o Protocolo facultativo de 2002, vieram completar especificamente a proteção absoluta dessa garantia.
Incumbe aos Estados não somente respeitar em absoluto a proibição, mas também fazê-la respeitar por terceiros, punindo-a criminalmente, e abstendo-se de deportar ou extraditar pessoas para territórios onde possam ser vítimas dela.

Adenda
Entre os poucos países que não ratificaram a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura contam-se a Índia e Angola, o que é lamentável. Infelizmente, é muito maior o número de países que não ratificaram o Protocolo adicional de 2002, que institui um mecanismo de escrutínio internacional.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Aplauso (9): Uma "questão de civilização"

Reagindo à acusação do CDS de que a discriminação do IVA relativamente às touradas é uma "ditadura do gosto", a nova Ministra da Cultura retorquiu certeiramente que não é uma questão de gosto, mas sim uma "questão de de civilização".
Nem mais, como tenho vindo a denunciar ao longo dos anos, incluindo aqui no Causa Nossa, na série de posts sobre a "barbárie tauromáquica"! É uma das minhas causas civilizacionais.
Todavia, sendo uma questão de civilização, convenhamos que, embora sendo uma medida positiva, o fim da isenção de IVA nos espectáculos tauromáquicos é bem pouco. Mesmo aquém da sua interdição como espetáculo publico, que há de vir um dia, não podem deixar de ser descontinuadas outras cumplicidades públicas com a tauromaquia, como os apoios financeiros municipais, a transmissão de touradas na RPT, etc. O mínimo que se exige é a demarcação oficial do poder público em relação ao infame espétaculo.

Adenda
O lóbi oficial da indústria da tortura-de-toiros-na-arena-para-gáudio-público veio logo pedir a "demissão imediata" da Ministra da Cultura, o que mostra como a declaração de Graça Fonseca - a primeira vez que um governante entre nós tem essa coragem - foi direta ao alvo. Que o ânimo não lhe falte!

Stars & Stripes (1): Trump contra a Constituição

[Fonte: Wikipedia]
1. Na sua obcecada luta contra a imigração, o Presidente Trump investe agora contra a tradicional regra da nacionalidade que atribui a cidadania dos EUA a todas as crianças nascidas nos Estados Unidos, independentemente da nacionalidade dos progenitores (birthplace right), propondo-se alterá-la por decreto presidencial (executive order).
Para justificar a sua decisão, Trump alega que os EUA são o "único país" onde isso se verifica, mas trata-se de um erro grosseiro, pois o mesmo se passa em muitos países das Américas, desde o Canadá à Argentina (ver mapa junto. Acresce que tal regra consta da Constituição norte-americana (XIV Emenda), pelo que, em princípio, tal mudança só poderia ser alcançada mediante revisão constitucional.

2. É certo que alguns países, como a Irlanda, abandonaram a regra do ius soli, para impedir os abusos "turismo de nacionalidade", passado a exigir pelo menos que um dos progenitores estrangeiros tenha residência há um certo tempo no país, à data do nascimento.
No caso dos Estados Unidos, porém, não se vê como contornar a referida norma constitucional.

Adenda
Quanto a Portugal, onde a regra tradicional era o ius sanguinis (são portugueses os filhos de progenitor português, onde quer que nasçam), foi adotando nas últimas décadas o ius soli em relação aos filhos de estrangeiros nascidos em Portugal - o que defendo há muito -, mas continua a exigir que um dos progenitores tenha nascido em Portugal ou tenha um certo tempo de residência no país (2 anos) à data dos nascimento.

domingo, 28 de outubro de 2018

Não dá para entender (6): "Não há licenciaturas grátis!"


No rescaldo do debate político sobre a redução das propinas, que consta da proposta de orçamento para o ano que vem, o Ministro do Ensino Superior veio, precipitadamente, defender o fim das taxas de frequência no ensino superior no futuro, no respeitante às licenciaturas, no que foi logo aplaudido pelo Bloco de Esquerda, que desde há muito defende essa posição.
Não vale a pena repetir as razões por que discordo fundamentalmente desta solução - bem como da simples redução -, e não somente pelas suas implicações orçamentais nem pela contestação das universidades. Mas não deixa de causar alguma perplexidade que ela seja defendida pelo Ministro de um governo socialista, quando tal proposta não consta do programa do PS, nem do programa do Governo (nem dos acordos que fundam a "Geringonça"). E há obviamente boas razões para duvidar que ela possa ser sufragada pelo Ministro das Finanças e pelo Primeiro-Ministro, deste ou de futuro Governo...
Em qualquer caso, penso que os ministros deviam abster-se de defender posições políticas pessoais, mesmo que somente para o futuro, à margem do programa do Governo que integram e do programa do Partido que o sustenta. Solidariedade governativa e partidária oblige.

Adenda 1
De resto, tendo-se o Governo oposto, e bem, à redução das propinas nos três primeiros orçamentos, rejeitando as propostas do Bloco nesse sentido, não se percebe porque é que mudou de posição no orçamento para 2019. É óbvio que não tem a ver com uma súbita descoberta do seu mérito...

Adenda 2
Embora criticando fundadamente a eliminação das propinas  ("As propinas e o mito dos almoços grátis"), o editorial do Público de sábado passado conclui, porém, que a redução das propinas e a proposta do Ministro suscitam "uma discussão que vale a pena fazer". Pois vale, embora importe lembrar que esse debate foi travado longa e intensamente há duas décadas, em resposta ao movimento "Não pagamos", e que nessa altura o PS e o seu Governo não alinharam com os borlistas. Também participei ativamente nesse debate - e não mudei de opinião contra a "borla geral" dos beneficiários à custa de todos os contribuintes!

Livres e Iguais (8): 140 anos depois da abolição da escravatura


1. Há 140 anos, em 1878, como recorda  recente número da revista Visão História, foi finalmente abolida a escravatura em Portugal e nas suas colónias, mercê sobretudo dos esforços de Sá da Bandeira, o líder da luta pelo abolicionismo em Portugal.
Foi a conclusão de  um processo historicamente longo, mais de um século, que se iniciou com a proibição da importação de novos escravos na "metrópole" e na Índia pelo Marquês de Pombal (1761) e passou pela abolição geral do tráfico de escravos em 1836 e pela"lei do ventre livre" de 1856, concedendo a liberdade aos filhos de escravas, ao perfazerem 20 anos.
Não tendo sido pioneiro da abolição da escravatura, longe disso (Inglaterra, 1834, França, 1848, EUA, 1865), Portugal também não foi o último país a fazê-lo, tendo-o feito antes da Espanha/ Cuba (1886) e do Brasil (1888), por exemplo.

2. Nos 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos, que Portugal celebra oficialmente juntamente com muitos outros países e com as Nações Unidas, importa registar este decisivo processo histórico de libertação humana de uma das maiores indignidades da história da humanidade e uma violação maciça do mais elementar dos direitos humanos, o direito à liberdade e à identidade pessoal.
Só é pena que em Portugal mal se tenha assinalado essa data de 1878, uma consequência do défice de conhecimento e de reconhecimento da nossa responsabilidade histórica na escravatura africana durante mais de quatro séculos.

sábado, 27 de outubro de 2018

Brasil: a roleta russa da democracia

1. É evidente que não basta a eleição de um autocrata para liquidar uma democracia, desde que a Constituição não seja espezinhada, a oposição política não seja reprimida e a liberdade de imprensa não seja asfixiada. Mas dificilmente um assumido autocrata desiste de levar a cabo os seus projetos autoritários por causa desses obstáculos. A própria legitimidade eleitoral serve de pretexto para contornar ou derrubar essas barreiras.
A democracia liberal não consiste somente na eleição dos titulares do poder político, exigindo também o respeito das liberdades e do Estado de direito. Sem esses limites ao poder político absoluto - que os autocratas pouco apreciam, prevalecendo-se da sua legitimidade eleitoral -, as eleições podem redundar em democracia iliberal ou autoritária.
As autocracias que nascem de eleições são as mais difíceis de contrariar e combater.

2. Nas vésperas da eleição do Presidente do Brasil - um regime presidencialista, em que o Presidente acumula a chefia do Estado com a chefia do Governo e não é responsável politicamente perante o Congresso -, parece óbvio que a maior parte dos brasileiros, fustigados e desesperados pela insegurança, a corrupção política e a crise económica e social, vão levar ao Palácio do Planalto, um Presidente que não esconde o seu projeto de extrema-direita autoritária. O Brasil aposta assim, deliberadamente, numa "roleta russa" política, em que a vítima pode ser a democracia constitucional brasileira, com a agravante de, tudo o indica, o tambor do revólver ter mais do que um cartucho.
Trinta anos depois da consumação constitucional da transição democrática brasileira, a celebração da Constituição de 1988 ameaça terminar num horizonte carregado de nuvens sobre o seu próximo futuro. Quo vadis, Terra brasilis?

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

"Livres e iguais" (7): Direitos humanos na Polícia Judiciária

Decorre hoje na sede da instituição em Lisboa uma conferência sobre "A Polícia Judiciária e os Direitos Humanos" (programa AQUI). É de saudar esta iniciativa, que partiu do próprio diretor da instituição, no contexto dos 63 anos desta.
Um dos traços bem-vindos destas comemorações é que elas não se limitam às habituais iniciativas universitárias e das ONGs de direitos humanos, tendo desta vez uma grande participação governamental, assim como das instituições judiciárias. De facto, num Estado de Direito, os primeiros destinatários dos direitos humanos são as instituições judiciárias, já que protagonizam a dupla obrigação do Estado em relação aos direitos humanos: (i) a obrigação de os respeitar, não os lesando, e (ii) a obrigação de os defender, punindo a sua lesão por terceiros, nomeadamente por via do direito penal.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"Livres e iguais" (6): Um tema "picante"

1. Vai ter lugar amanhã na Universidade Lusíada Norte (Porto) um colóquio, organizado em parceria com a Ordem dos Advogados, sobre a "colaboração premiada" em processo penal, ou seja, a possibilidade de conceder leniência penal a quem denuncie a prática de crimes em que tenha intervindo.
Trata-se da primeira de muitas iniciativas universitárias no âmbito do programa de comemorações dos 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) (1948) e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) (1978), das quais sou comissário.

2. Não podia tratar-se de um tema mais "picante" entre nós, visto que a "colaboração premiada" (no Brasil: "delação premiada") divide fortemente as opiniões dos especialistas e dos políticos, tendo já sido objeto de um recente debate televisivo.
O tema tornou-se conhecido tanto pela utilização da delação premiada no Brasil como por a introdução desta em Portugal ter recentemente sido apoiada por algumas personalidades públicas, como, por exemplo, a presidente da juventude social-democrata (sem ter sido contrariada pelo SG) e pela ex-PGR, Joana Marques Vidal.
Debatamos, pois!

sábado, 20 de outubro de 2018

Discordo (7): No interesse próprio

1. Um das mais eleiçoeiras medidas da proposta do orçamento para 2019 é a descida substancial (cerca de 20%) das propinas do ensino superior público, que vai ao encontro da tradicional reivindicação da importante base eleitoral dos respetivos estudantes. Mas é também uma medida caracteristicamente reacionária, como já aleguei várias vezes ao longo dos anos.
Provinda naturalmente da esquerda radical, o que admira é que o PS, cedendo ao oportunismo eleitoral, a tenha perfilhado, apesar de serem tantos os argumentos contra, e sobretudo por se tratar de uma medida que vai beneficiar quem menos precisa à custa dos que de mais ajuda carecem para chegar ao ensino superior. A elite política, cujos filhos frequentam obviamente o ensino superior, faz valer politicamente os seus interesses privativos, à custa do interesse geral.

2. Antes de mais, a redução das propinas - que são recurso próprio das instituições de ensino superior público - aumenta a sua dependência em relação ao orçamento do Estado, reduzindo a sua autonomia financeira (menos 50 milhões de euros), e tornando-as mais vulneráveis à discricionariedade orçamental de cada Governo.
Em segundo lugar, e sobretudo, a redução das propinas é socialmente iníqua, pois vai aumentar o custo orçamental dos estudantes do ensino superior, que pertencem em geral à metade mais abonada da população, sendo subsidiados por toda a gente na sua qualificação académica, incluindo por aqueles que não têm nenhuma possibilidade de enviar os seus filhos à universidade.
Em terceiro lugar, obrigando o Estado a compensar as IES pela perda de receitas próprias, vai haver menos dinheiro para outros fins mais virtuosos no âmbito do ensino superior, como a grave carência de habitação dos estudantes deslocados e as bolsas de estudo, prejudicando assim o acesso de alunos com menores rendimentos ao ensino superior.
Por último, a redução das propinas vai aprofundar a diferença de custos entre o ensino superior público e o privado, quando é certo que este é maioritariamente frequentado por quem não teve acesso àquele, sabendo-se que se trata maioritariamente de estudantes oriundos de estratos sociais com menores rendimentos do que os do ensino público.

Adenda
O CDS contrapropõe mais bolsas para estudantes, em vez da redução das propinas. Merece apoio!

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Eu diria, um contrassenso

O Ministro das Finanças admitiu ser "discutível" ter descido o IVA dos restaurantes (13%) e não reduzir o da energia. Eu diria mesmo tratar-se de um contrassenso, nunca tendo concordado com a primeira medida, muito menos compreendendo o IVA ainda mais reduzido na hotelaria (6%), mesmo nos hotéis de luxo!
Mas, decididamente, consistência é coisa que em Portugal não caracteriza o sistema fiscal, demasiado ao saber do poder dos lóbis empresariais e da sua influência política...

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Não basta melhorar

Embora melhorando em vários indicadores, Portugal baixou no ranking da competitividade das economias. Tal como no crescimento económico, não basta melhorar o desempenho, sendo preciso não sermos ultrapassados por países que melhoram mais do que nós - como está a acontecer.
Ora, na economia globalizada de hoje e integrando a UE, a produtividade e a competitividade externa da economia é o principal desafio da economia portuguesa - que não estamos a ganhar...

Responsabilidade política

O Chefe do Estado-Maior do Exército apresentou demissão na sequência da substituição do Ministro da Defesa.
É caso para dizer que o sentido da responsabilidade pública no exercício de cargos de chefia chegou onde devia ter chegado há muito no lamentável e comprometedor folhetim de Tancos. O que surpreende é que o anterior Ministro não tenha feito valer desde o início a responsabilidade dos militares encarregados da segurança dos paióis de Tancos e, em última instância, da chefia do Exército.
Mas mais vale tarde do que nunca!

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Ai, a dívida (16): O "fetiche do défice zero"

1. A "esquerda da esquerda", que sempre achou que o Estado pode gastar à tripa forra recorrendo a  dinheiro emprestado, acha que o objetivo do défice zero é um "fetiche" austeritário.
Ora, eu até penso que, como defendi aqui várias vezes, com a montanha de dívida pública que tem - a terceira mais elevada na UE -, o País já devia estar em excedente orçamental desde pelo menos que a economia está a crescer acima dos 2%, aproveitando o verdadeiro paraíso orçamental que é a conjugação do crescimento abundante da receita pública (impostos, taxas e contribuições) e a baixa da taxa de juros, que poupa  centenas de milhões de euros em encargos da dívida pública.
Por isso, nestas circunstâncias o défice zero não é nenhum fetiche doutrinário, nem sequer um objetivo ambicioso, sendo o limiar mínimo em que o Estado deixa de continuar a acumular dívida pública. De facto, por pequeno que seja, défice orçamental significa sempre mais dívida.

2. Não falta também na Geringonça governativa quem se vanglorie de que nunca um governo de direita foi tão longe na redução do défice das contas públicas. Mas eu duvido que nas condições excecionalmente favoráveis prevalecentes algum Governo responsável pudesse fazer pior, pelo contrário.
Primeiro, com o crescimento económico a "bombar" uma cornucópia de impostos, contribuições e taxas sem precedente, com um nível elevado de tributação fiscal, com uma nutrida poupança de encargos da dívida pública e com a restrição excecional do investimento público, o que admira é que ainda continuemos a recorrer à dívida para financiar a despesa pública.
De facto,  tirando o último dos fatores referidos, os demais não dependem propriamente de decisão ou da vontade politica do Governo em funções, porque vindos de trás (como o crescimento ou a "enorme subida de impostos" do Governo anterior) ou por serem devidos a terceiros (por exemplo, a baixa taxa de juros como resultado da política monetária do BCE).

3. O que é mérito do Governo é a determinação política de, apesar do pródigo aumento da despesa pública por pressão dos parceiros da Geringonça - como se nota mais uma vez no orçamento para 2019 -, não ter cedido demais, de modo a cumprir os principais objetivos de consolidação orçamental requeridos pela UE. Não é um pequeno feito, mas as condições existentes justificavam bem mais, no sentido da redução do peso da dívida pública, de modo a minorar os riscos de uma provável inversão do ciclo económico e do aumento da taxa de juro.
De facto, sendo a receita pública muito sensível a uma eventual contração da economia e do emprego, o mesmo não sucede com a despesa pública com salários, pensões e transferências sociais, que é muito mais rígida. Nesse caso, não devia ser ignorado o perigo de regresso a défices orçamentais elevados e de novo aumento da dívida pública.