segunda-feira, 24 de junho de 2019

Ai Portugal (3): 14-anos-14!

[Fonte da imagem: aqui]
Em 2000 o Governo e o município de Viana do Castelo anunciaram a decisão de demolição do chamado "prédio Coutinho", um mamarracho de 13 andares entre a zona histórica e a marginal da cidade. Em 2005 foi emitida a declaração de utilidade pública para a expropriação e demolição. No entanto, só passados 14 anos de contestação judicial é que vai verificar-se a remoção compulsiva dos últimos moradores relapsos.
Como é que um país pode funcionar com um mínimo de eficiência, se o poder público tem de travar uma guerra judicial de 14 anos até ter luz verde para executar a decisão de demolição de um edifício? Como é que o funcionamento do sistema judicial pode proporcionar situações destas? E com que custos?

SNS, 40 anos (18): Assim, não!

Quando o SNS carece flagrantemente de financiamento adicional, a supressão das taxas moderadoras em muitos cuidados de saúde - mesmo se faseada, como o Goveno agora propõe - vai privá-lo de cerca de 150 milhões de euros por ano. Uma contradição!
De resto, a eliminação das taxas moderadoras - de que estão isentos os que têm menores rendimentos e várias categorias de doentes - vai deixar de travar a procura irresponsável ou caprichosa de cuidados de saúde, sobrecarregando ainda mais o SNS. Um duplo prejuízo, portanto.

Adenda
Um leitor observa que neste anos a medida mais lesiva da capacidade de desempenho do SNS foi a redução do tempo de trabalho semanal para as 35 horas, que aumentou o défice de pessoal, desorganizou os turnos, facilitou a acumulação com tarefas no setor privado e, sobretudo, aumentou substancialmente os custos com as novas contratações para repor o tempo de trabalho perdido, à custa de outros investimentos essenciais para o SNS. Não podia concordar mais com esta observação, como várias vezes aqui fui escrevendo, criticando a medida desde o início. Mas entendo que acrescentar a isso uma perda de mais de 150 milhões de euros de receita de taxas moderadoras não é despiciendo.

Adenda (2)
Outro leitor pergunta se os deputados, ao menos os do partido do Governo, podem permitir-se aprovar medidas com previsível impacto financeiro significativo sem um estudo de impacto orçamental. Compartilho a dúvida...

domingo, 23 de junho de 2019

Sim, mas... (2): Propostas fiscais

O PS vai propor no seu programa eleitoral a integração progressiva de todos os rendimentos no IRS, eliminando as atuais "taxas liberatórias" fixas (28%) para os rendimentos de capital (juros, dividendos e rendas), o que até agora tem sido bandeira da extrema-esquerda parlamentar.
É evidente que tal medida, além de ter apoio constitucional, melhora a equidade fiscal e aumenta a receita orçamental. Todavia, num país onde a poupança definha e o capital escasseia, esse aumento de impostos é capaz de ter efeitos assaz negativos sobre uma e outro.

Adenda
Em contrapartida, o mesmo projeto de programa eleitoral do PS deixou de incluir a proposta de restaurar o imposto sobre sucessões e doações de elevado montante, que fez parte do programa eleitoral de 2015 (mas que já tinha caído no programa do Governo). Ou seja, enquanto se propõe reforçar a progressividade fiscal sobre os rendimentos, deixa de combater a desigualdade de riqueza. Uma à esquerda, outra à direita...

Adenda (2)
Um leitor faz duas observações pertinentes: primeiro, não se entende que o PS proponha agora a reintegração das rendas no IRS geral, quando ainda recentemente decidiu a redução da "taxa liberatória" para os arrendamentos de maior duração; segundo, a instabilidade fiscal quando aos rendimentos do capital gera insegurança para os investidores e retrai o investimento.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Big Ben (3): Uma desgraça nunca vem só

Como se não bastasse a decisão referendária de sair da UE, em 2016, sem ter conseguido até agora chegar a acordo interno sobre como o fazer, os britânicos preparam-se agora, três anos depois, para ter como primeiro-ministro uma personagem caracterizada pela sua imprevisibilidade política, que vai encaminhar o país para uma saída abrupta, sem aprovação do acordo de transição com a UE.
 O que mais pode acontecer à Grã-Bretanha?!

Adenda
Pelos vistos, Boris Johnson não padece somente de instabilidade política.

Ai Portugal (2): Poucochinho

1. Este estudo do Banco de Portugal revela que desde o início da crise em 2008 até 2017, apesar da retoma económica desde 2014, a produtividade manteve-se praticamente estagnada, ao nível de toda a economia, com a maior parte das empresas concentradas no grupo menos produtivo (cerca de 10 000 euros por trabalhador), muito abaixo da mediana.
Tal como era de esperar, o estudo também mostra que a produtividade é relativamente maior nas empresas ligadas ao comércio externo, sobretudo as empresas exportadoras, o que cofirma um argumento clássico a favor do comércio internacional.

2. Além de limitar a competitividade do País, comprometendo a balança comercial externa, a estagnação da produtividade constitui também um enorme constrangimento ao aumento de salários e à melhoria do nível de vida dos trabalhadores.
Sem melhoria substancial dos fatores da produtividade - qualificação dos trabalhadores, capital empresarial, eficiência da gestão, inovação -, Portugal está condenado a crescer "poucochinho" e a continuar a perder posições no ranking dos países da União, em favor daqueles em que a produtividade sobe consistentemente.

Adenda
Um leitor observa, com razão, que a correlação entre empresas exportadoras e maior produtividade é a inversa da sugerida no texto. De facto, em princípio, é a maior produtividade que as torna competitivas no mercado internacional, embora, depois, a concorrência internacional as obrigue a melhorar continuamente a produtividade.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Praça Schuman (6): Respeitar as eleições e o Parlamento Europeu

1. Quase três semanas depois das eleições europeias, é tempo de o Conselho Europeu decidir sobre os cargos políticos da União, entre os quais o nome a propor ao Parlamento Europeu (PE) para presidente da Comissão Europeia.
De facto, segundo os Tratados, o presidente da Comissão é eleito pelo Parlamento (por maioria absoluta) sob proposta do Conselho (adotada por maioria qualificada), que deve "ter em conta os resultados das eleições europeias". Ora, desde 2013 o PE recomendou a apresentação de candidatos a presidente da Comissão por parte dos partidos políticos europeus antes da eleições, o que veio a ser conhecido por método dos Spitzenkandidaten ("candidatos de topo", em alemão). E o PE também decidiu que não aprovaria nenhum candidato que não tenha sido submetido aos eleitores europeus. 

2. Em 2014 foi naturalmente proposto e eleito Juncker, o Spitzenkandidat do partido vencedor das eleições, o PPE, na base de um acordo parlamentar com o S&D e os liberais.
Agora, porém, o candidato do mesmo partido, o alemão Weber, suscita sérias objeções noutros partidos, o que parece afastar a possibilidade de eleição no PE. Mas, se tal for dado como assente, sem necessidade de submeter o seu nome a votação parlamentar, a solução é escolher o candidato de um dos partidos mais votados a seguir, ou seja, do S&D (o holandês Timmermans) ou dos liberais (a dinamarquesa Vestager). Mas, para qualquer deles ser eleito no PE é preciso o apoio do PPE, o que só será possível se este for devidamente compensado com um dos demais lugares em disputa, nomeadamente, o de presidente do próprio Conselho Europeu.
O que deve ser excluído à partida, seria propor ao PE um nome não submetido ao eleitorado europeu. Isso seria desrespeitar as eleições europeias e desconsiderar a vontade do Parlamento.
Adenda
Um leitor observa que, ao vetarem à partida o candidato do PPE a presidente da Comissão, os socialistas e liberais levaram logicamente o PPE a contravetar os seu próprios candidatos, pelo que são eles os responsáveis pela rejeição do sistema de Spitzenkandidaten e pelo desrespeito pelos eleitores e pelo Parlamento Europeu. Receio que tenha razão...

Conferências & colóquios (6): "Constitucionalismo global"

No próximo dia 1 de julho vou intervir no painel sobre "constitucionalismo global", neste tradicional seminário de verão luso-brasileiro na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC).

terça-feira, 18 de junho de 2019

Geringonça (20): The end

1. A "esquerda da esquerda" alia-se à direita no parlamento para chumbar a Lei de Bases do SNS proposta pelo Governo. Assim se confirma que BE e PCP preferem salvaguardar o seu dogmatismo ideológico e o seu maximalismo político a contribuírem para melhorar substancialmente a lei do SNS existente, da responsabilidade do PSD.
A direita agradece.

2. Repetindo o irresponsável episódio da recuperação do tempo de serviço dos professores (em que também se aliaram à direita para "tramar" o Governo), ambos os partidos da extrema-esquerda parlamentar mostram mais uma vez que a tentação do "partido de protesto" é mais forte do que compartilhar as responsabilidades da governação. Está no seu ADN...
Mais uma tábua no caixão da Geringonça, "cadáver adiado que [já não] procria". RIP!

Praça Schuman (5): Recrutem Merkel!

Estou de acordo com esta análise sobre a melhor escolha para a presidência do Conselho Europeu - Angela Merkel! Experiência política, credibilidade europeísta, prestígio internacional. Sem concorrente à altura.

Adenda
Além das vantagens próprias, essa solução permitiria afastar sem resistência do PPE a candidatura de Weber para a presidência da Comissão Europeia, abrindo caminho à nomeação e eleição do candidato socialista (Timmermans) ou da candidata liberal (Vestager), qualquer deles bem melhor do que o candidato alemão, sem qualquer experiência governativa, ao contrário deles, ambos membros da Comissão cessante.

Barbárie tauromáquica (9): Menos uma!

É sempre uma boa notícia saber que mais uma praça de touros vai desaparecer, como esta na Póvoa do Varzim, de resto já desativada do cruel espetáculo taurino.
Tão importante como isso são as declarações do presidente da Câmara municipal poveira, segundo as quais «as touradas são um negócio falido, que só sobrevive com os apoios da autarquias». E com o vergonhoso apoio da RTP -, acrescento eu!
Com a crescente rejeição social do sangrento negócio, há de chegar o dia da desativação do último destes recintos representativos da barbárie tauromáquica.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

"Dinheiro Vivo" (19): "Tariff man"

Eis o meu artigo de sábado passado no Dinheiro Vivo - o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, desta vez sobre a desatinada política de Trump de aplicar tarifas aduaneiras seletivas a certos países, à margem das regras da OMC, como meio de os constranger a aceitar os seus "diktats" em matéria de comércio externo ou, mesmo, noutras áreas.

sábado, 15 de junho de 2019

Não é bem assim (9): Vanglória

O líder da frente sindical dos professores veio ufanar-se de terem sido os únicos a "tirarem o Governo do sério".
Não foram, bastando referir referir o caso das greves dos sindicatos e da Ordem dos Enfermeiros. Mas ao decidirem intervir diretamente na campanha eleitoral, com cinco comícios em todo o País, os sindicatos dos professores foram seguramente os únicos a sofrer a desautorização do eleitorado. Por isso, contam-se entre os grandes derrotados da noite eleitoral.
Depois da derrota das suas irresponsáveis reivindicações no parlamento, o líder da FENPROF tinha ameaçado que o Governo e o PS iriam "pagar muito caro" pela sua vitória parlamentar. Mas quem pagou cara a arrogância sectária e maximalista dos seus sindicatos nas negociações com o Governo e a sua abusiva ingerência na campanha eleitoral foram os professores.

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Bicentenário do constitucionalismo em Portugal (5): Nas origens da Constituição de 1822

Quando se aproximam os 200 anos da revolução liberal (agosto de 1820) e das primeiras eleições constituintes em Portugal (dezembro de 1820), foi agora publicado este livro, que, pela primeira vez, colige e analisa os vários projetos da nossa primeira Constituição (1822).
Coordenada e prefaciada pelo Prof. José Domingues e por mim próprio, a obra é da responsabilidade dos doutorandos do programa de doutoramento em direito da Universidade Lusíada-Norte, em que ambos lecionamos, e constitui, a meu ver, uma oportuna e valiosa contribuição para a nossa história constitucional.

"Dinheiro Vivo" (18): Protecionismo profissional

Aqui está o cabeçalho do meu artigo da semana passada no Dinheiro Vivo - suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, desta vez sobre as restrições à concorrência no acesso e na atividade das profissões liberais, umas por atavismo corporativo das próprias ordens profissionais, outras por cedência do próprio legislador.

Adenda
Um leitor oberva que a ilustração do artigo não tem nada a ver com o tema do mesmo. Indeed!

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Sim, mas... (1): Devia ser para todos

É de aplaudir a ideia de dar folga no trabalho aos progenitores para acompanhar os filhos pequenos à escola no primeiro dia de aulas.
Mas é pena valer somente para os funcionários públicos. Mais uma vez, o que devia ser direito de todos torna-se benesse para alguns...

Praça Schuman (5): O cargo mais importante

Estou de acordo com Martin Wolff, neste artigo no Financial Times, quando ele argumenta que (i) o mais importante cargo que tem de ser preenchido este ano na União Europeia é o do Presidente do Banco Central Europeu (BCE) e que (ii) a candidatura do atual presidente do Bundesbank alemão é um grande risco para a estabilidade, ou mesmo sobrevivência, da zona euro.
Infelizmente, os líderes nacionais parecem mais interessados na repartição dos quatro principais cargos políticos da União (Presidentes da Comissão, do Conselho Europeu e do Parlamento, e ainda do ministro do Negócios Estrangeiros) do que na noemação do responsável pela política monetária (e cambial) da zona euro. E se resolvessem primeiro o mais importante?

Adenda
O prestigiado semanário britânico The Economist também considera a presidência do BCE o "cargo mais importante da UE" e sugere o nome do finlandês Erkki Liikannen, que tem um impressionante currículo, incluindo de membro do conselho de governadores do BCE.

Este país não tem emenda (21): Incivismo

[Fonte da imegem AQUI]
1. É de aplaudir este projeto de lei do PAN visando universalizar a proibição de lançar pontas de cigarro no chão e obrigar à instalação de cinzeiros em locais públicos (à porta de cafés e restaurantes, em paragens de transportes públicos, etc.).
Mas é de duvidar da eficácia da proibição, que se arrisca a ficar morta nas páginas do Diário da República, como tantas outras, quer pela atávica falta de civismo nacional, quer pela falta de fiscalização e de punição das infrações. Houvesse um e outra, e o país estaria menos invadido de lixo, as paredes e comboios menos massacradas por grafitti, os passeios e praças menos invadidos pelos automóveis, as casas menos estropiadas pelas marquises, o sossego urbano menos poluído por motocicletas de escape livre, as praias menos sujas por detritos de toda a ordem, etc.

2. Quando o populismo dominante tende a assacar todos os males da pátria aos "políticos" - como se não fossemos nós a elegê-los e a escrutiná-los -, importa sublinhar a responsabilidade cívica de todos!
Para os que reclamam dos políticos "alguma coisa em que possamos acreditar", eis um desígnio coletivo para o qual não precisamos sequer de políticos: tornar o país e as cidades mais dignos de serem fruídos pelos cidadãos!

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Um pouco mais de rigor, sff (68): Difícil entender

Não sei onde é que os deputados do PSD foram buscar a ideia de que a AR não pode legislar sobre a proposta do PS para atalhar o "nepotismo" nas nomeações de gabinetes ministeriais e outros, por ser alegadamente matéria da competência exclusiva do Governo. Porém, sem nenhuma razão.
Primeiro, a referida legislação não diz respeito somente ao pessoal dos gabinetes ministeriais, mas sim a todos os gabinetes de pessoal de apoio a dirigentes políticos e equiparados (desde o PR aos presidentes de câmara municipal). Segundo, a Constituição só reserva ao Governo a legislação sobre a sua própria organização e funcionamento, fórmula que, além de não dever ser interpretada extensivamente, não abrange manifestamente o regime do pessoal dos gabinetes ministeriais, quanto a incompatibilidades, o que, por natureza, só poder ser competência da AR.
O que se não compreende é qual é o interesse político do PSD em se manter à margem dessa legislação e da regulação dessa sensível matéria política...

Praça da República (24): Políticos e cidadãos

Quando um comentador político de larga audiência nos média aproveita um palco institucional para pedir urbi et orbi aos políticos que nos deem "alguma coisa em que acreditar", o mínimo que se esperaria era que o próprio impetrante indicasse um ou dois dos tais desígnios nacionais.
Numa democracia liberal, não devemos limitar-nos a pedir ao políticos que nos indiquem o caminho, mas sim contribuirmos individualmente para o escolher, coletivamente. Os políticos têm as costas largas e são um alvo fácil, mas o país que somos e o que havemos de ser são também uma responsabilidade cívica individual, que, aliás, não se esgota no voto. Se até ao voto voltamos as costas, como podemos depois pedir contas e responsabilidades aos eleitos?

Adenda
Em compensação gostei deste discurso de J. M. Tavares em Cabo Verde. Pouco "diplomático", mas lúcido e corajoso.

Praça Schuman (4): O carro à frente dos bois

Alguns governos nacionais já começaram a indicar publicamente os seus candidatos a membros da próxima Comissão Europeia, como é o caso da Letónia, que propõe a recondução do seu atual comissário, Dombrovskis. Abusivamente, porém.
De facto, os comissários não são livremente nomeados pelos Estados-membros, mas sim escolhidos e propostos pelo presidente da Comissão, com base nos nomes "sugeridos" pelos governos nacionais, considerando critérios de competência, de compromisso com os ideiais europeus, de independência política e outros (género, distribuição de pelouros, etc.). Ora, o presidente da Comissão ainda nem sequer foi proposto pelo Conselho da União ao Parlamento, onde tem de ser eleito por maioria absoluta. Por isso, não faz sentido indicar neste momento candidatos à comissário, que podem não vir a ser aceites pelo Presidente, chegada a altura, como já várias vezes sucedeu.

Stars & Stripes (4): Tributar as grandes fortunas

1. A um ano e meio das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos, e já os vários candidatos à nomeação Democrata contra Trump estão a apresentar as suas propostas políticas.
Na esquerda Democrata avulta a proposta de tributar mais fortemente os mais elevados rendimentos e as grandes fortunas, de forma a combater o crescimento da enorme desigualdade económica e social nos Estados Unidos. Uma das mais ousadas propostas Democratas consiste na criação de um imposto sobre a riqueza, que existe num pequeno número de países.

2. De facto, acentuando uma tendência de décadas - como se pode ver no gráfico acima, retirado deste artigo do New York Times -, a reforma fiscal do Presidente Trump desonerou a tributação dos mais ricos, incluindo o imposto sucessório, que só se aplica agora a partir de 11 milhões de dólares (!), agravando o problema da desigualdade.
Tudo indica que este tema vai ser um dos mais "quentes" da disputa eleitoral do próximo ano.

Adenda
Um leitor objeta contra o imposto sobre a riqueza, argumentando que se trata de uma dupla tributação, pois a riqueza resulta de rendimentos já tributados. A verdade, porém, é que, muitas vezes, a riqueza é herdada, sem pagamento de impostos sobre sucessões; de qualquer modo, em muitos países, como o nosso, existe, sem contestação, um imposto sobre o património imobiliário, ao lado do imposto sobre os respetivos rendimentos. Com que argumentos se há de recusar um imposto sobre todo o património, quando elevado?

terça-feira, 11 de junho de 2019

Vontade popular (4): Fomentar a cidadania

1. O Presidente do Governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro, veio sugerir que, em vez de tornar o voto obrigatório e punir a abstenção (como alguns propõem), seria melhor premiar os cidadãos mais assíduos às eleições.
E na verdade, se esta ideia for praticável - e ela não é propriamente inédita -, não se vê porque é que, se os partidos são financiados por cada voto que obtêm, os próprios cidadãos eleitores não deveriam ser premiados também.

2. Juntamente com esta ideia para debate, o líder socialista açoriano veio anunciar que, doravante, todos as propostas de lei ou de regulamento regional serão previamente divulgados para efeitos de consulta pública e de recolha de sugestões e críticas.
Eis uma ideia que poderia ser seguida pelo Governo da República, tanto mais que, ao contrário dos governos regionais, ele tem vastos poderes legislativos, quer por autorização legislativa da AR, quer em concorrência com ela. Ora, sucede que os projetos legislativos submetidos ao Conselho de Ministros nem sequer são previamente anunciados, muito menos divulgados, sendo somente noticiados depois de aprovados. Esta arcana praxis legislativa não é consentânea com uma democracia aberta, hoje em dia.

Adenda
Um leitor objeta que «essa ideia de premiar os cidadãos que mais votam, é perversa, pois os votos extra seriam, com toda a probabilidade, votos de pouca valia. Os cidadãos iriam votar sem convicção e sem conhecimento, apenas com vista ao recebimento do prémio». A meu ver, embora havendo esse risco, não creio que seja grande, pelo que valeria a pena experimentar. Esse argumento tem sido usado, por maioria de razão, nos países com voto obrigatório, mas não há nenhum estudo que o confirme.
 

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Bloquices (10): Sectarismo ideológico

O Bloco propõe retirar da Lei de Bases em discussão no Parlamento a exclusividade, ou não, da gestão pública dos de hospitais do SNS, desde que haja revogação da lei específica em vigor sobre essa matéria (que admite a construção e a gestão privada) e desde que haja revogação das PPPs existentes, no final do contrato.
Trata-se de uma "habilidade" típica do Bloco, visando obter a mesma coisa - ou seja, a proibição absoluta das PPPs - por ínvios caminhos legislativos. Mas, primeiro, não faz nenhum sentido que uma Lei de Bases seja omissa sobre uma questão-chave, como o regime de gestão dos hospitais públicos; segundo, mesmo que essa matéria fosse explicitamente remetida para uma lei específica, é politicamente inadmissível para o PS revogar a lei existente sem a substituir por outra, criando um vazio legislativo. Não há como evitar a questão de fundo: o BE tem de decidir se aceita a equilibrada proposta do PS - que substitui a Lei de Bases existente por outra muito melhor, admitindo (mas não impondo) as PPPs apenas a título excecional e subsidiário - ou se se junta à direita para a chumbar, em homenagem ao seu sectarismo ideológico.

Adenda
Mesmo que o PS, dando o dito por não dito, aceitasse esta cínica proposta, tudo indica que a Lei de Bases seria politicamente vetada pelo PR, afastando definitivamente a aprovação de uma nova Lei nesta legislatura.

Lisbon first (19): Monopólio opinativo

Num estudo do ISCTE sobre a opinião política na televisão, que o Diário de Notícias noticia (acesso condicionado), a direita vence a esquerda, apesar de ser minoritária no parlamento e no País. Deve ser para "equilibrar os poderes", como agora se diz...
O que a notícia não regista é que quase todos os comentadores, de direita ou de esquerda, são... de Lisboa. Com uma opinião política monopolizada em Lisboa, beneficiando das vantagens da capital, é óbvio que conceitos como "descentralização", "coesão territorial", etc., não podem fazer parte do seu léxico político, muito menos das suas preocupações.

Adenda
Um leitor observa que este ano as cerimónias do 10 de junho são em Portalegre. Pois é, com essa "ida às hortas" uma vez por ano o centralismo lisboeta pode bem.

domingo, 9 de junho de 2019

O que o Presidente não deve fazer (19): O Presidente-comentador

Desta vez, é praticamente consensual no comentariado público que Marcelo Rebelo de Sousa foi longe demais, ao prognosticar publicamente, há uma semana, uma crise da direita nos próximos anos e ao invocar essa crise como razão para Belém assumir um papel reforçado de "equilíbrio de poderes" no nosso do sistema político.
De facto, (i) o Presidente não devia acumular as funções de analista político com as tarefas presidenciais e (ii) o papel do PR no nosso sistema constitucional não é compensar a debilidade da oposição. De resto, MRS não precisa de mais argumentos para se fazer reeleger tranquilamente...

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Estado social (7): "Paraíso neoliberal"

Sempre me manifestei contra o chamado "rendimento básico universal" (universal basic income - UBI, na sigla inglesa), ou seja, a proposta de o Estado dar a toda a gente, independentemente do seu emprego e situação económica, um rendimento suficiente para viver decentemente (universalizando pelo menos o "rendimento mínimo" que existe em Portugal e noutros países para quem não tenha outros rendimentos). Já lhe chamei "irresponsabilidade básica universal" e sempre me surpreendeu como é que alguém responsável à esquerda pode perfilhar tal proposta.
Eis aqui uma análise crítica com a qual me identifico inteiramente e que se pode resumir nesta frase: «UBI without [universal] public services is a neoliberal’s paradise». E não se vê, em termos financeiros, como é que se pode ter ao mesmo tempo um "rendimento básico universal" e serviços públicos universais gratuitos (educação, saude, etc.)...

Adenda
Mais um bom artigo para demonstrar a irracionalidade do rendimento básico universal, AQUI.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Conferências & colóquios (5): Constitutionalismo e "pós-democracia"

No próximo dia 7 vou dar uma palestra neste minicurso sobre "Pós-democracia e constitucionalismo", proporcionado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Vou abordar o tema dos "desafios atuais à democracia constitucional".

Vontade popular (3): Votos brancos e nulos não podem contar!

Só faltava mesmo ouvir Rui Rio a "flirtar" com agenda populista, defendendo que os votos brancos e nulos nas eleições devem contar para efeitos de redução do número de deputados eleitos, deixando vagos os mandatos não atribuídos!
Ora, por definição, numa democracia representativa só conta na eleição de deputados quem quer ser representado, não quem se recusa a sê-lo. De resto, num sistema político como o nosso, em que é fácil constituir partidos políticos e em que existe representação proporcional (sem "cláusula-barreira"), não existe nenhuma explicação para os votos nulos e brancos que não seja a demarcação dos cidadãos em relação ao sistema representativo. Por isso, não faz sentido que o sistema representativo lhes dê... representação!

segunda-feira, 3 de junho de 2019

A mão visivel (3): Carteis profissionais

1. A Autoridade da Concorrência acaba de publicar um guia da concorrência para as associações de empresas, onde se incluem as associações de prestadores de serviços profissionais independentes, incluindo as ordens profissionais, apesar de serem entidades públicas de regulação.
De resto, entre os casos de punição de decisões anticoncorrenciais de associações de empresas, quase todos respeitantes à fixação de preços pela prestação de serviços, contam-se vários casos da responsabilidade de ordens profissionais.
Como sempre sucede, as vítimas da falta ou défice de concorrência são os consumidores e a eficiência e competitividade da economia.

2. Mais graves do que estes casos de decisões de empresas, que caem na alçada da Autoridade da Concorrência, são as medidas anticoncorrenciais do próprio legislador sob pressão dos interessados, quando estabelece limites à entrada ou ao exercício de atividades económicas, incluindo a contingentação, a obrigação de distância mínima entre estabelecimentos, a exigência de capital mínimo para atividades onde não se justifica, etc., como recentemente denunciou a OCDE num relatório sobre as profissões autorreguladas e sobre transportes e serviços portuários em Portugal.
Está na altura de introduzir os efeitos sobre a concorrência na "avaliação do impacto regulatório" das leis, antes da sua aprovação.

Livres & Iguais (50): Congresso sobre a Convenção Europeia de Direitos Humanos

Vai decorrer nos próximos dias 3, 4 e 5 de junho, no Porto e em Lisboa, o Congresso sobre a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), de 1950 (quase a perfazer 70 anos), sob a direção de Paulo Pinto de Albuquerque, o juiz português no Tribunal de Europeu de Direitos Humanos (TEDH), com sede em Estrasburgo.
Vou intervir na segunda jornada, na FDUL, ocupando-me da liberdade de associação em geral, um do meus temas de eleição em matéria de direitos humanos desde há muitos anos.