quarta-feira, 17 de março de 2021

+ Europa (56): Estados Unidos - 4, União Europeia - 0.

1. Segundo o Financial Timestrês razões por que os Estados Unidos recuperam mais rapidamente da crise económica da pandemia do que a União Europeia. Tais são: menor recessão em 2020, vacinação mais rápida e maior estimulo orçamental à economia. 

Se a isto juntarmos o tradicional maior dinamismo da economia americana (mais competitividade, menos impostos, mercado de trabalho mais flexível), eis porque a pandemia vai aumentar o fosso entre as duas economias.

2. A próxima Conferência sobre o Futuro da União Europeia não pode ignorar os fatores que travam a agilidade da governação e o desempenho da economia europeia. Sem crescimento económico robusto não há condições para melhorar as condições de vida dos europeus, para sustentar o Estado social, nem para promover a autonomia estratégica da União no contexto internacional.

Vai sendo tempo de criar as condições institucionais e políticas para manter a União na corrrida entre as grandes potências económicas.

Adenda
Vale a pena ler este devastador artigo de Paul Krugman no New York Times, "Um desastre muito europeu". Devastador! O grave é que ele tem razão no fundamental. Falta "propósito" e liderança na governação europeia; burocracia a mais, excessiva lentidão na decisão, consultas a mais, Parlamento fragmentado, Conselho constrangido pela regra da unanimidade em muitos dossiers, Comissão de composição heteróclita, falta de cultura de inovação e de risco, demasiado "princípio da precaução", etc. Entretanto, a União atrasa-se irremediavelmente, económica e tecnologicamente em relaçao aos Estados Unidos e à China. A Conferência sobre o Futuro da Europa vai ter muito com que se ocupar.

terça-feira, 16 de março de 2021

Em seara alheia (3): Caminho de pedras da democracia constitucional

1. A proposta presidencial de revisão constitucional em Angola inclui muitas alterações positivas, mas há pelo menos duas delas especialmente negativas

    -  a que retira a qualidade de "órgãos de soberania" a todos os tribunais de 1ª e de 2ª instância, o que é impróprio do Estado de Direito; 

    - a que adia para incertas calendas a institucionalização do poder local, como se pudesse haver Estado democrático sem autonomia do poder local.

Lamentável é igualmente que a proposta esteja a seguir um procedimento em marcha acelerada, sem a devida ponderação parlamentar nem o necessário envolvimento das instituições e da opinião pública.

2. Ao contrário de alguns outros países africanos, Angola dispõe de condições razoáveis - quanto a pluralismo político, liberdade de imprensa, quadros jurídicos, etc. -  para ser um Estado de direito constitucional decente.

É pena que iniciativas desequilibradas e precipitadas como estas comprometam essas expectativas. Não precisava de ser tã0 árduo o caminho  para democracia constitucional em Angola...

[Agradeço ao Prof. Melo Alexandrino ter-me chamado a atenção para este assunto.]

Adenda
Um leitor angolano pergunta a que propósito me "intrometo nas questões internas" do seu país. A minha "intromissão" tem dois fundamentos: (i) as questões constitucionais de Angola dizem respeito a todos os constitucionalistas que se interessam pelo progresso democrático do país, como é o meu caso; (ii) orgulho-me de, juntamente com o Professor Canotilho, ter contribuído, há três décadas, a convite das autoridades angolanas, para a transição democrático-constitucional que lançou Angola na difícil senda de um Estado de direito constitucional. Eis as minhas credenciais.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Praça da República (49): O acórdão

Não é a primeira vez que não acho convincente uma decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional; neste caso por ela desconsiderar indevidamente o direito irrenunciável de cada pessoa a não continuar a viver em condições insuportáveis de sofrimento sem esperança, como expliquei  AQUI, AQUIAQUI e AQUI.

Em todo o caso, os fundamentalistas da condenação penal da eutanásia não têm razões para festejar. O Tribunal não julgou inconstitucional a despenalização em si mesma, mas apenas nos termos concretos definidos na lei agora rejeitada. 

É evidente que a decisão do Tribunal vai obrigar a apertar a malha da despenalização, restringindo os casos abrangidos. Mas não está tudo perdido.

Adenda
Qaunto à contestação das razões do Acordão, nomeadamente a alegada "indeterminação" de algumas noções da lei, louvo-me neste artigo do Professor J. Faria Costa, que, aliás, vem ao encontro das considerações do meu mais recente post sobre o assunto. O Tribunal errou.

Pandemia (54): O medo

É assim, na era das redes e das reações em rebanho, o medo propaga-se como um incêndio florestal na Austrália. A suspensão da aplicação da vacina da Astra-Zeneca, quando em Portugal não há notícia de nenhuma reação adversa, é uma cedência populista e um golpe no programa de vacinação nacional e da União.

Proponho que ela passe a ser facultativa, sendo aplicada em quem o desejar. Candidato-me já, prescindindo de responsabilidade do SNS ou do fabricante por qualquer eventualidade. 

Adenda
E também não dá para entender a demora da EMA (Agência Europeia do Medicamento) no reconhecimento da vacina russa e outras nem a restência da Comissão à sua importação. A burocracia da EMA e a pusilanimidade política da Comissão Europeia e dos governos nacionais podem matar muitos europeus!

sexta-feira, 12 de março de 2021

Praça da República (48): Finalmente, a reforma eleitoral?

1. Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, o dirigente do PSD, António Capucho, deu algumas indicações sobre a reforma do sistema eleitoral para a AR, que está a preparar para o partido.

Não é muito ambiciosa, passando por duas alterações ao sistema vigente: (i) criar um círculo nacional e (ii) dividir os atuais grandes círculos eleitorais (Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Aveiro), de modo que nenhum eleja mais de nove deputados (mas Leiria tem dez...).

2. Ambas são propostas positivas: com a primeira, finalmente, todos os votos passam a contar, em qualquer parte do país e os partidos podem candidatar nesses círculo os seus dirigentes nacionais; a segunda permite aproximar os eleitores dos eleitos, proporcionando o conhecimento dos segundos pelos primeiros.

No entanto, além de não se ficar a saber quantos deputados caberiam ao círculo nacional, também desconhecemos se contam todo os votos em todo o país ou somente os votos não aproveitados nos círculos eleitorais, à maneira dos Açores.

3. Capucho faz questão de asseverar que não haverá dimimuição da proprocionalidade, apesar da divisão dos atuais megacírculos eleitorais distritais. Mas para isso seria necessário que o círculo nacional equivalesse ao atual círculo de Lisboa, com 48 deputados, ou seja, mais de 1/5 da AR.

Ora, se se mantiver o atual limiar de eleição, que é menos de 2% em Lisboa, manter-se-á a atual tendência para a fragmentação parlamentar, com a entrada de novos partidos. Acresce que um círculo nacional de 48 deputados vai reduzir outro tanto a representação territorial dos círculos distritais do interior, que já é mínima.

Por ambas as razões, é defensável que o círculo nacional não tenha mais de um décimo da AR, ou seja, 23 deputados, o que elevaria o limiar eleitoral para cerca de 3,5% a nível nacional.

4. A proposta do PSD, tal como apresentada, afasta qualquer forma de voto personalizado, nem por via de círculos uninominais (à alemã), nem por via do voto preferencial (à belga), apesar de o PSD ter defendido ou um ou outro nas últimas duas décadas. É essa uma das grandes insuficiências desta proposta.

A outra falha consiste em manter os distritos administrativos como base dos círculos eleitorais (embora, em vários casos, divididos ou agregados, para manter o seu tamanho entre três e nove deputados). Ora, ao contrário do que sucedia em 1976, os distritos estão em vias de perder qualquer relevância administrativa, pelo que seria de equacionar a sua substituição pelas CIM para efeitos eleitorais.

5. alguma hipótese de ir para a frente uma reforma eleitoral destas nas atuais circunstâncias políticas? 

Dificilmente! Apesar de Capucho ter afastado uma das "linhas vermelhas" do PS, não fazendo questão da redução do número de deputados, o PS está refém dos partidos à sua esquerda, que vetam qualquer reforma eleitoral que os possa prejudicar e julgam que qualquer reforma cai nessa categoria. É esse um dos "efeitos colaterias" da dependência do PS em relação ao PCP e ao BE.

Pandemia (53): Incongruências no desconfinamento

Quando a fadiga psicológica do confinamento já se tornava notória, com níveis crescentes de circulação pública, eis que começa o ansiado desconfinamento.

O programa e o calendário - faseado e sujeito a cláusula de correção - não suscitam reservas, face aos dados existentes, mas há alguns pormenores que não se percebem bem. Por exemplo:

a) se, a partir de 5 de abril, abrem as esplanadas em restaurantes, porque não também as dos cafés e pastelarias? 

b) se, a partir de 19 de abril, abrem todas as lojas e centros comerciais, porque é que as lojas de cidadão só atendem por marcação?

quarta-feira, 10 de março de 2021

O que o Presidente não deve fazer (25): Separação de poderes

1. Julgo que a pandemia e a crise económica e social que lhe vem associada não justificam que o Presidente da República assuma poderes que constitucionalmente não tem, e que são do Governo, como o de fixar critérios de desconfinamento e de - no discurso de tomada de posse - estabelecer as prioridades políticas da governação nos próximos anos. 

A Constituição é clara: é o Governo, e só ele, «o órgão de condução da política geral do País» (e, por maioria de razão, das políticas setoriais), desde logo porque é politicamente responsável por ela perante a AR. Ora, no seu juramento de posse o Presidente jura «cumprir a Constituição», desde logo quanto aos limites dos seus poderes e quanto à autonomia política do Governo....

2. O facto de o PS ter apoiado oficiosamente a reeleição de MRS e de contar com o seu apoio institucional em prol da estabilidade política não o deve inibir de reclamar o escrupuloso respeito da separação de poderes estabelecida na Constituição - que é a chave do sistema de governo constitucional -, e que não vale somente para o caso de Presidentes hostis, até porque os precedentes podem ser usados no futuro por outros protagonistas...

O governo do País não é um condomínio entre Belém e São Bento.

[revisto]

terça-feira, 9 de março de 2021

Bicentenário da Revolução Liberal (28): A oposição à Revolução


Aqui está mais um estudo sobre a Revolução Liberal, da minha coautoria com o Prof. José Domingues, publicado no Brasil, desta vez sobre uma das primeiras manifestações da oposição tradicionalista, logo em setembro de 1820, da autoria de F. J. da Madre de Deus, que haveria de se tornar um dos mais ativos e consistentes autores da contrarrevolução antiliberal e anticonstitucional.

Uma das grandes vantagens das comemorações das grandes datas da história está no aprofundamento do conhecimento sobre elas. E, como este estudo mostra mais uma vez, há ainda tanto para saber sobre a Revolução Liberal!

Bicentenário da Revolução Liberal (27): Há 200 anos, a inauguração da era constitucional

1. Sim foi exatamente há 200 anos, a 9 de março de 1821, que as Cortes Constituintes - tendo sido eleitas no final de dezembro de 1820 e iniciado as suas funções em 26 de janeiro de 1821 - aprovaram e decretaram as Bases da Constituição, para «servirem provisoriamente de Constituição» até à aprovação definitiva desta, o que viria a ocorrer somente em 23 de setembro de 1822.

As Bases foram, portanto, a primeira lei constitucional em vigor em Portugal e no Brasil, incluindo uma declaração de direitos dos cidadãos e um capítulo sobre os princípios de organização do Estado, como monarquia representativa, baseada na soberania da Nação, na separação de poderes e na supremacia das Cortes.

2. A aprovação das Bases fora uma ideia de Manuel Fernandes Tomás, o grande mentor da Revolução, a fim de antecipar a constitucionalização da Revolução e prevenir qualquer tentativa de outorga de uma carta constitucional por parte de D. João VI, a partir do Brasil. 

Por coincidência, o decreto das Cortes era assinado pelo mesmo Manuel Fernandes Tomás, como Presidente das Cortes, e por José Ferreira Borges, como um dos quatro secretários da mesa, assim assinalando simbolicamente o papel decisivo dos dois cofundadores do Sinédrio e grandes protagonistas da Revolução Liberal, agora convertida em revolução constitucional.

Começava a cumprir-se o lema da madrugada inicial de 24 de agosto no Porto: «As Cortes e por elas a Constituição!».

3. Juradas pelo infante D. Pedro, regente do Brasil, quando chegaram ao Rio de Janeiro (5 de junho), onde foram também impressas, as Bases vieram a ser juradas presencialmente nas Cortes por D. João VI no seu regresso do Brasil, em 4 de julho seguinte. 

No mesmo dia, D. João VI, agora rei constitucional, nomeava, ao abrigo das Bases, o primeiro Governo constitucional do País. O princípio monárquico cedia o passo ao princípio constitucional.  Estava definitivamente instalada a era constitucional em Portugal.

domingo, 7 de março de 2021

Assim vai a política (6): Diz Cavaco

1. O antigo líder do PSD, Cavaco Silva (também antigo primeiro-ministro e Presidente da República) resolveu sair do seu silêncio para dar dois fortes  conselhos ao atual líder, os quais, trocados por miúdos,  podem ser lidos assim: (i) concentrar todo o fogo político na oposição ao PS, abandonando qualquer entendimento com o Governo; (ii) deixar de se preocupar com o Chega, de quem o PSD virá precisar para voltar ao poder.

É assim: depois de seis anos fora do poder e sem perspetivas imediatas de lá voltar, Cavaco Silva veio exprimir a impaciência que cresce nas profundezas do PSD aumentando a pressão sobre Rio

2. Quando em desespero de causa, a direita recorre sempre ao velho golpe baixo de acusar a esquerda no poder de "amordaçamento da democracia", mesmo quando, como é o caso, as instituições democráticas estão bem e se recomendam, quando o Governo é minoritário e o Presidente é oriundo do PSD, quando os direitos de oposição são respeitados e quando figuras da direita dominam o comentariado nacional nos média.

A verdade é que, para a direita, um goveno de esquerda é sempre, por definição, incompativel com a democracia liberal, monopólio natural da direita.

Vinda de onde vem, porém, a denúncia da "democracia amordaçada", além de manifestamente despropositada, é simplesmente ilegítima

Retratos de Portugal (5): O aeroporto

1.  Com ou sem o novo aeroporto no Montijo, é uma solução politicamente estúpida dar aos municípios o poder de veto sobre obras públicas nacionais. Se se aplicasse tal ideia a portos, barragens, caminhos de ferro, autoestradas, etc., não havia infraestruturas em Portugal!

Por isso, só é de lamentar que esta solução alguma vez tivesse estado em vigor e que tenha demorado tanto tempo a revogá-la!

2. Felizmente, porém, este contratempo veio dar ao Governo um bom pretexto para reabrir a questão aeroportuária de Lisboa.  No entanto, é de duvidar se isso vai permitir abandonar a lógica míope que prevaleceu na solução do Montijo, que foi juntar ao aeroporto acanhado no quintal de Lisboa (a Portela) outro aeroporto acanhado no quintal do vizinho (o Montijo), sem que nenhum deles possa ser o aeroporto internacional da dimensão de que o País precisa. 

Enquanto a questão for encarada apenas sob o ponto de vista dos interesses do moradores de Lisboa e arredores (Lisbon first!), o País fica mal servido.

3. Entretanto, surpreende que o projeto da linha ferroviária de alta velocidade entre o Porto e Lisboaentretanto decidido, não tenha feito reequacionar a localização do novo aeroporto a norte de Lisboa, junto à nova linha ferroviária, colocando Lisboa e todo o centro do País a pouco tempo de distância, em vez da localização excêntrica de Alcochete.

4. Em todo o caso, depois de décadas e décadas de impasses e de soluções abandonadas, Governo após Governo, sem planos de transporte integrados nem pensamento estratégico quanto ao desenvolvimento do país, a questão do aeroporto de Lisboa é bem a imagem da incompetência política nacional.

Adenda (9/3)

Neste artigo Carlos Matias Ramos, antigo presidente do LNEC e da Ordem dos Engenheiros mostra as insuficiências do Mnrtijo e acusa a ANA de ter mais do que triplicado os custos estimados de Alcochete!

quarta-feira, 3 de março de 2021

Pandemia (52): Corporativismo oportunista

Mais corporativismo nas vacinas, não! 

Depois de vacinados os profissionais em contacto direto com infetados (serviços de saúde, lares, bombeiros, etc.), não há nenhuma razão para dar prioridade a classes profissionais que não têm nenhum contacto especial com infetados, como os professores. Por maioria de razão deveriam entrar os cabeleireiros, os massagistas, os "personal trainers", os taxistas, etc., que ao menos têm contactos de proximidade com os seus clientes.

Por este andar, nunca mais chega a vez dos cidadãos comuns, por classes etárias, como é a norma noutros países.

Adenda´
Um leitor comenta que esses outros grupos profissionais não têm os sindicatos nem os votos dos professores e que os governos se movem pelo peso de uns e outros. À vista de episódios destes, tendo a dar-lhe razão.

Adenda 2
Outro leitor acusa-me de egoista e de não querer esperar mais um tempo pela minha vez. Mas engana-se: se entrassem prioritariamente os professores, eu entraria com eles, pois não haveria nenhuma razão para excluir os professores do ensino superior. Portanto, ao contrário da acusação, estou a recusar uma prerrogativa que considero injustificada.

terça-feira, 2 de março de 2021

Praça da República (47): Descentralização territorial

Eis um livro que tive muito gosto em prefaciar, por várias razões:

   -  primeiro, ele vem colmatar uma lacuna bibliográfica entre nós, permitindo comparar o nosso sistema de descentralização territorial (política e administrativa) com o de muitos outros países europeus e questionar várias das nossas peculiariedades;
   -  segundo, é um livro oportuno, quando estamos  a implementar um reforço da descentralização municipal e quando a questão da descentralização regional, pela criação de autarquais regionais, voltou à agenda política;
   - por último, o autor é um reputado especialista nesta matéria e perito do Conselho da Europa nesta área, o que lhe dá autoridade para criticar alguns aspetos do regime vigente entre nós e apresentar várias propostas de alteração, que merecem ser consideradas.

Uma mais-valia, portanto. Parabéns ao autor.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Bicentenário da Revolução Liberal (27): J. Ferreira Borges

1. Em mais um estudo sobre os protagonistas da Revolução Liberal, em coautoria com o Professor José Domingues, desta vez ocupamo-nos do portuense José Ferreira Borges (1786-1838), neste artigo agora publicado na História JN  (nº 30), acabado de sair. 
Sendo a justo título usualmente referido, ao lado de Manuel Fernandes Tomás, como personalidade central da Revolução, ele foi cofundador do Sinédrio, comandante operacional do 24 de agosto, membro do governo provisório,  deputado às Cortes Constituintes e exilado da contrarrevolução antiliberal em 1823.
A toponímia de várias cidades (Porto, Coimbra, Lisboa) regista devidamente esse "heroico revolucinario de 1820". 

2. Menos conhecida é a faceta da sua ligação umbilical à burguesia comercial portuense, o principal esteio social da Revolução, ligação que vai do berço ao túmulo - tema que estudamos neste artigo. 
De facto, nascido no seio de uma abastada família de armadores da praça do Porto, à cidade natal haveria de voltar no final da sua curta vida, inteiramente dedicada aos temas comerciais, como advogado, como político, como estudioso, como autor do Código Comercial, como juiz dos tribunais de comércio, como criador das "praças comerciais", entre as quais a do Porto, cuja Associação Comercial lhe retribuiu a dedicação com a edificação do monumento funerário no Cemitério da Lapa. 
Poucas homenagens fúnebres háverá tão merecidas quanto esta a uma grande vulto do Liberalismo em Portugal.

Autárquicas 2021 (1): Carlos Moedas

1. A anunciada candidatura de Carlos Moedas à Câmara Municipal de Lisboa não é de saudar somente por trazer algum "picante político" à disputa pela presidência da edilidade da capital - que ameaçava ser um "passeio eleitoral" do atual presidente -, mas também porque mostra que um político e militante partidário responsável - e um dos mais promissores políticos da sua geração - se dispõe a abandonar o seu tranquilo e prestigiado retiro profissonal, para se candidatar numas eleições locais, depois de ter sido membro bem-sucedido do Governo nacional e da Comissão Europeia.

A militância partidária não supõe somente direitos mas também obrigações. Uma lição a alguns "barões" do seu partido, que preferiram pôr-se "ao fresco".

2. Não sendo provável a vitória eleitoral da coligação de direita em Lisboa, apesar da grande mais-valia do candidato, a coragem e a responsabilidade política que revela nesta candidatura podem torná-lo um próximo candidato incontornável à lideranca do PSD, se se vier a confirmar o provável falhanço de Rui Rio como candidato a primeiro-ministro. Eis uma alternativa ao "sebastianismo passista" que alguma inconsequente oposição interna impulsiona.

Sob pena de bloqueio, a democracia parlamentar só ganha com a existência de alternativas de governo e de líderes credíveis no campo da oposição.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Cartas dos leitores (8): Demolir, diz ele


«(...) Há dias foi um deputado a propor a demolição do Padrão dos Descobrimentos. Quem ouvisse a notícia de raspão pensaria que algum tabiban do Estado islâmico, inimigo de munumentos de outras eras, tinha, por artes mágicas, entrado no Parlamento lusitano. Mas não! O dito deputado é português e (pasme-se!) do PS. (...) 
Esta tendência para rever a História está a tornar-se insuportável. Não há quem explique ao senhor deputado que a História é inapagável? O que foi feito foi feito à luz do tempo em que foi feito, e não à luz do nosso tempo. Oh senhor deputado, nós não somos o centro da História (que não tem centro). Houve outros tempos antes do nosso. Pode não se gostar, mas não dá para rasurar, nem para emendar, nem para actualizar. (...)»
(António M.)

Na verdade, o deputado Ascenso Simões não propôs a demolição do tal monumento; declarou, sim, que devia ter sido demolido na Revolução. Não altera grande coisa, mas não é a mesma coisa. Quanto ao fundo da questão, estou de acordo com o leitor.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Praça da República (46): A questão constitucional da eutanásia

1. Sem surpresa, o Presidente da República submeteu a fiscalização prévia de constitucionalidade a lei de despenalização da eutanásia recentemente aprovada na AR com ampla maioria e um apoio político transversal. 

Penso que o Presidente fez bem: dadas as acusações de inconstitucionalidade de que tem sido alvo desde o início, é importante que uma lei como esta não entre em vigor sem clarificar a sua conformidadade constitucional. A provável luz verde do Tribunal Constitucional facilitará, aliás, a sua aplicação prática.

2. Não sem alguma surpresa, no seu requerimento ao Tribunal Constitucional, o Presidente, não argui de inconstitucionalidade a despenalizaçao da eutanásia em si mesma, como defendido pela direita conservadora e pela ortodoxia católica, por alegada violação do direito à vida - argumento que AQUI contestei

Resta saber se o PR abdicou desse caminho por considerar não haver tal inconstitucionalidade ou por ter concluído pela inviabilidade dessa posição no TC. Seja como for, é de saudar essa posição.

3. Não impugnando a despenalização, o PR "limita-se"a levantar uma objecção "técnica" do regime definido na lei, que tem a ver com a ultilização de noções indeterminadas (como "sofrimento intolerável" e "gravidade extrema de acordo com o consenso científico"), cuja densificação é deixada aos médicos, o que, no entender de Belém, envolve uma "delegação" externa do poder legislativo da AR, que a Constituição proíbe.

Não considero convincente este argumento, pois as referidas noções não me parecem excessivamente vagas e os médicos são seguramente quem está em melhor situação para as densificar, não existindo, por isso, a alegada "delegação do poder legislativo". O direito, mesmo o direito penal, está cheio de conceitos relativamente indeterminados, a serem preenchidos  pelo saber técnico especializado.

4. Mesmo na hipótese (a meu ver, improvável) de o TC dar seguimento a esta impugnação, nos termos em que é feita (pois o Tribunal não pode ir além do pedido), a lei voltaria à AR não para ser arquivada, por incompatível com a Constituição, mas sim para as obras de correção das falhas que o Tribunal Constitucional tenha censurado.

Em qualquer caso, portanto, tudo indica que a despenalização da eutánasia, nas condições exigentes definidas na lei, vai para a frente, proporcionando o direito a uma morte digna entre nós - um avanço civilizacional.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Não concordo (20): A nova Inquisição

Considero inaceitável o processo de acusação e julgamento público do novo Presidente do Tribunal Constitucional, o Conselheiro João Caupers, por causa de algumas opiniões desprevenidas, controversas e pouco ortodoxas para a cultura hoje dominante relativamente à homossexualidade, produzidas há muitos anos e nem sequer ofensivas na altura. 

A cultura hoje prevalecente sobre o tema ainda não é uma religião e as opiniões desalinhadas do passado não podem ser descontextualizadas nem ser sujeitas retroativamente ao juízo condenatório da uma nova Inquisição. A exigência de retratação do Bloco de Esquerda é puramente despropositada. 

As instituições e os seus titulares não podem estar sujeitas a estes processos sumários de cancelamento da opinião e de desterro dos desalinhados.

Adenda
Descendo mais um degrau no despautério, há agora deputados a exigirem a comparência do Presidente do TC para prestar explicações numa comissão parlamentar! Era suposto os deputados saberem que uma das regras essenciais do Estado constitucional é independência dos juízes e dos tribunais, pelo que é um disparate propor a comparência de juízes no Parlamento. Impõe-se um curso breve de Estado de direito constitucional em São Bento!

Adenda 2
De um leitor devidamente identificado:
«(...) A situação que cada vez mais se vive e que configura uma pena perpétua (ainda que – por enquanto?- sem prisão) em que não só se está limitado no direito de opinião, hoje, mas em que se tem que passar por uma prova de limpeza de sangue (opiniões, neste caso) como nas Inquirições De Genere, é de facto insuportável. 
Isto é uma diminuição nos direitos democráticos e na própria democracia. E este é apenas mais um caso. 
Quantas pessoas não foram e são em alguma medida enxovalhadas pelo politicamente correcto que a Comunicação Social nos impõe. E falo da Comunicação Oficial, mesmo da dita séria e / ou de qualidade, que alimenta a “histeria” e a indignação das opiniões sem nuance. De tempo, de modo e de grau. (...)»

Adenda 3
Um leitor pergunta porque é que defendo o autor das opiniões em causa, se não concordo com elas. O meu ponto é que não basta discordar delas para pactuar com uma sumária condenação retroativa por pretensa homofobia, que manifestamente não existe, e com uma ilegítima sentença de execração pública. A liberdade de opinião supõe a admissão de opiniões de que discordamos, desde que não lesem os direitos de ninguém (como é o caso).

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Aplauso (19): Apostar na ferrovia

Depois de muitas décadas de incúria e abandono, é de aplaudir o plano de investimentos na rede ferroviária para esta década, de que o Expresso dá conta na edição de hoje (acesso reservado a assinantes).

Todavia, alguns dos projetos apresentados parecem luxuriantes, como uma nova linha entre Aveiro e Mangualde - que duplica a linha da Beira Alta, em renovação, e que já foi chumbada pela Comissão Europeia - e a reposição da linha do Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva, não se sabe para que público. Gostaria de ver publicada a análise de custos e benefícios destes projetos...

Pior do que falta de investimentos é a redundância de investimentos. O dinheiro público, mesmo quando vem da União Europeia, não élástico...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Gostaria de ter escrito isto (28): A elite lisboeta do poder

«Até ao final do século XX, a construção dos poderes centrais, no país e no partido, era resultado de muitas [pessoas] vindas de outras partes, neste século os poderes que contam foram-se transferindo para uma geração de “Lisboa-cêntricos” que, na maioria das situações, conhecem mais capitais europeias (o que se impõe no mundo atual) do que capitais de distrito (o que se lamenta por obrigação histórica).

Há, mesmo no espaço de certas academias, uma repulsa pela vinda dos territórios interiores, porque não comungaram da mesma escola pública elitista, porque não frequentaram o mesmo colégio privado, porque não beberam uns copos no Bairro Alto e aí construíram a cola que os salvará para sempre. Neste processo de segregação, nem o Porto conseguiu salvar-se. Ser de fora de Lisboa só garante, no tempo de hoje e mesmo a um potencial prémio Nobel, o acesso a um lugar subalterno.»

(Ascenso Simões, no Público de ontem)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Free and fair trade (19): Recuperar a OMC

Dado que o Presidente Biden abandonou o veto que Trump tinha oposto, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministra das Finanças do seu país, vai ser eleita diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO), pela primeira vez presidida por uma mulher e por uma cidadã africana. É uma boa notícia.

Prenchida a vaga na direção, é tempo de repor em funcionamento o tribunal da OMC, que Trump deliberadamente levou à inatividade, vetando o preenchimento das sucessivas vagas, até ficar sem quorum.

Peça essencial da ordem económica mundial "baseada em normas" (rules-based), a OMC foi uma das vítimas do nacionalismo económico e político de Trump e do seu desprezo pelo multilateralismo na ordem internacional. Afastado da Casa Branca, urge desfazer o seu péssimo legado.

+ Europa (55): O paraíso fiscal do Luxemburgo

O Le Monde de hoje publica uma investigação sobre o paraíso fiscal do Luxemburgo

Segundo o jornal, mais de metade das 140 000 sociedades sediadas no país são puras holdings financeiras off-shore, sem outra atividade económica no Grão-Ducado, atraídas pelas vantagens fiscais. Por nacionalidades, as sociedades de capital português ocupam o sexto lugar entre as beneficiárias.

Com este paraíso fiscal no coração da União, que rouba milhares de milhões de euros em impostos aos demais países, Bruxelas perde toda a autoridade na luta contra os paraísos fiscais das ilhas Cayman ou das ilhas Virgem.


domingo, 7 de fevereiro de 2021

Praça da República (45): O ocaso do CDS

1. A escassa vitória do líder do CDS na moção de confiança com que desafiou a contestação da oposição interna não clarificou a situação política no partido, nem apagou a guerra civil em curso; apenas a vai manter em banho-maria, até às eleições autáquicas, que podem aprofundar ainda mais a crise política do partido.

Sintoma do mal-estar e da desconfiança reinante foi o facto de se terem perdido horas com a questão do voto secreto, que acabou por prevalecer, com base num parecer vinculativo do "tribunal" do partido. Ora, salvo deliberação em contrário, a regra de voto em assembleias políticas, como aquela, é o voto aberto, exceto quando estejam em causa pessoas (eleições, sanções, etc.).

2. O litígio patente que divide o partido a meio não ajuda à sua sobrevivência.     E é uma pena ver desaparecer um partido fundador do regime democrático em Portugal, que, aliás, partipoou em vários governos. Faz falta no expectro político nacional um partido de direita liberal-conservador ou social-conservador, democrático e europeísta. O seu deparecimento só favorece a direita populista.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Antologia do nonsense político (14): Estranha escolha

Santana Lopes, candidato do PSD à presidência da câmara municipal de Coimbra?!  Rui Rio "passou-se"?

Faz algum sentido afastar um candidato local prestigiado, como Nuno Freitas - candidato da estrutura local do partido -, a troco de um "paraquedista" politicamente esgotado? Além do mais, Santana Lopes "diz" alguma coisa a Coimbra, e vice-versa?

Só pode ser "piada" política!

+ Europa (54): Humilhação em Moscovo

A União Europeia não pode propor-se afirmar a sua "soberania" e "autonomia estratégica" na cena internacional e depois deixar-se humilhar politicamente em Moscovo, na recente visita do titular dos Negócios Estrangeiros da União, Borrell. 

Inceitável!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Pandemia (51): Privilégios

Não dá para entender como é que as prioridades da vacinação passaram a incluir os membros do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Conselho Superior do Ministério Público e de todos os tribunais supremos, que reúnem quando reúnem e não estão em contacto com o exterior, ou seja, não estão sujetos a nenhum risco especial de infeção. Isto, enquanto as vacinas escasseiam e os maiores de 80 anos e outros idosos com doenças graves só agora começam a ser vacinados..

Dar prioridade ao poder pelo poder não é próprio de um Estado de direito democrático, onde os privilégios não devem ter lugar.

A cada privilégio destes, lá se vai a credibilidade do processo de vacinação.

Adenda
Só faltava incluir o Conselho de Estado. A que propósito!? O Presidente da República concordou com este disparate?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Assim vai a política (6): Precipitação

1. Independentemente da questão da sua pertinência política, resta saber da viabilidade constitucional de uma proposta de ilegalização do Chega

Sendo certo que não se trata de uma "organização militar nem de tipo militar ou paramilitar" e nem de uma "organização que perfilhe a ideologia fascista" (pois tal não resulta do seu programa nem das suas propostas políticas), o único fundamento constitucional que poderia ser invocado prima facie seria a de tratar-se de uma "organização racista", dadas algumas conhecidas declarações contra ciganos e comunidades de origem africana.

Mas é de duvidar se algumas declarações e posições avulsas de natureza racista, intoleráveis e condenáveis em si mesmas, bastam para a qualificação de "organização racista", o que exige que ela estabeleça como um dos objetivos explícitos da sua ação a discriminação, a perseguição, a exclusão ou a estigmatização de pessoas ou comunidades por motivo de raça.

Numa democracia liberal, a derrogação da liberdade de organização política é por definição excecional e tem de ser interpretada restritivamente. Na dúvida, prevalece a regra da liberdade de criação e de ação de partidos políticos.

2.  Deixando de lado a questão de saber se uma eventual ilegalização do Chega traria alguma vantagem à luta democrática contra a direita populista - há boas razões para pensar que não, pelo efeito da vitimização e da clandestinização que geraria -, não podem restar muitas dúvidas, porém, de que a improcedência de um processo judicial de ilegalização iria constituir um inestimável trunfo político para os visados, que poderiam passar a exibir uma credencial oficial de conformidade constitucional.

Nesse caso, tudo redundará num "tiro pela culatra" para os promotores e defensores da iniciativa. O Chega agradecerá...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Estado social (8): Esquecer o principal

 1. Na sua coluna no Público de ontem escreve Rui Tavares:

«Se queremos evitar aproximar-nos mais ainda do abismo, a esquerda tem de quebrar com os seus hábitos e produzir, em conjunto, um compromisso histórico que devolva um rumo ao seu mandato conjunto e dê respostas nos temas em que todas as esquerdas têm mais em comum: como defender o Serviço Nacional de Saúde e o Estado social, como combater em simultâneo as desigualdades e as alterações climáticas, e como renovar a promessa do 25 de abril com um novo modelo de desenvolvimento para o país.»

Neste texto estão condensados dois dos grandes equívocos da esquerda: (i) que é possível uma visão polírtica conjunta das diferentes esquerdas sobre o Estado social (o que os últimos cinco anos provaram impossível); (ii) que pode haver um Estado social cada vez robusto sem as necessárias condições económicas e financeiras.

2. O principal problema do Estado social entre nós é o persistente mau desempenho económico, que arrasta Portugal para os últimos lugares no ranking da UE, traduzindo-se em défice de criação de empregos qualificados e em falta de meios financeiros para sustentar as crescentes despesas sociais (saúde, educação, proteção social, etc.).

Para melhorar o desempenho económico, é necessário menos despesa corrente e mais investimento público, mais eficiência e menos corporativismo no setor público, mais concorrência e menos protecionismo económico. 

Ora, não se vê como é que sobre isso pode haver o mínimo "compromisso histórico" à esquerda, entre o PS, tendencialmente liberal em matéria económica, e as "esquerdas da esquerda", tendencialmente coletivistas, estatistas e protecionistas.
[revisto]

Adenda
Comentário de um leitor: «Gostei da sua abordagem, mas acho que não seria demais chamar-lhe a atenção para a História, que é suposto ele conhecer. Chega de idealismo piedoso! As esquerdas não se fundem só porque isso parece desejável. Nem no tempo da ditadura isso aconteceu. Muito menos em democracia. O materialismo histórico é uma grande escola...».

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Assim vai a política (5): Atavismo golpista

A proposta de formação de um "governo de salvação nacional" oriunda de alguns setores da direita revela mais uma vez a tentação golpista da direita quando se vê sem perspetivas de voltar ao poder por meios legítimos.

Além de abrir uma crise politica absurda, a ideia não tem a mínima viabilidade constitucional. Primeiro, o PR só pode demitir o Governo quando esteja em causa o "regular funcionamento das instituições" -, o que não é manifestamente o caso. Segundo, todos os governos têm de ser constituídos de acordo com os resultados eleitorais e no quadro parlamentar existente -, o que exclui governos sem base parlamentar. Terceiro, não se vê como é que um governo nascido de um ato inconstitucional e formado à margem do parlamento poderia obter a investidura parlamentar, com a atual composição da AR -, onde talvez só tivesse o apoio do Chega!

Decididamente, há na direita quem tenha perdido o juízo. 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Não concordo (19): As diferenças

Na sua coluna de opinião de hoje no Público sobre as eleições presidenciais, Boaventura de Sousa Santos afirma que «ninguém se apercebeu das diferenças políticas substantivas entre Ana Gomes, João Ferreira e Marisa Matias»
Mas há pelo menos duas diferenças óbvias: a primeira consiste no fosso histórico entre a social-democracia (que aceita a economia de mercado e abraça a democracia liberal) e o socialismo marxista ou paramarxista (que não convive bem nem com um nem com outra); a segunda diferença tem a ver com a atitude a favor ou contra a União Europeia, como espaço supranacional de integração económica e política. 
Além de óbvias, são diferenças profundas. A "Geringonça" não superou, nem pretendeu superar, nenhuma delas.