quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Guerra na Ucrânia (50): Os riscos orçamentais para a UE

1. Segundo este artigo dos presidentes das duas comissões orçamentais do Parlamento Europeu, a UE já se comprometeu, desde o início da guerra, em mais de 7 000 milhões de euros em ajuda financeira à Ucrânia, em empréstimos contraídos em seu benefício.

Como assinalam os autores, este enorme financiamento por meio de endividamento da União suscita dois riscos sérios: (i) o de um eventual incumprimento da Ucrânia, por falta de recursos, e (ii) o do desvio de fundos, dado o consabido elevado nível de corrupção no País. 

Como é evidente, o prolongamento da guerrra e o seu impacto na degradação da situação política e financeira da Ucrânia só agravam ambos os riscos.

2. Ora, para além da manifesta falta de escrutínio da União sobre a utilização desses fundos do lado ucraniano, se a guerra se prolongar, como tudo indica, e a Ucrânia efetivamente não vier a pagar os empréstimos, a União vai ter de arcar com o enorme prejuízo, à custa de «cortes maciços» no financiamento dos seus programas correntes, incluindo os fundos de coesão. 

Eis um problema que aparentemente se tem procurado esconder debaixo do tapete...

Adenda
Supostamente, as pesadas sanções financeiras e comerciais ocidentais à Rússia iriam pôr a economia do país de rastos e vencer a guerra, por exaustão do Kremlin. Passados estes meses, porém, tudo indica que, enquanto a economia russa recuperou da breve contração inicial e está a crescer, são as principais economias ocidentais que, além da inflação, estão a entrar em recessãoUm tiro pela culatra...

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Novo aeroporto (4): Cheira a esturro...

1. Em post anterior chamei a atenção para o abuso de poderes dos bastonários da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Economistas, ao virem defender, como tais, a opção de Alcochete, depois de o dossiê ter sido reaberto pelo Governo, incluindo novas alternativas de localização.

Sucede, porém, que ambos foram nomeados para integrar a Comissão de Acompanhamento, criada pelo Governo para monitorizar o processo de avaliação ambiental estratégica das várias hipóteses em confronto, o que não pode deixar de pressupor um elevado espírito de imparcialidade das entidades públicas que não é suposto serem parte interessada, como as Ordens. Parece óbvio que não deveriam ter sido escolhidos para essa tarefa, pela simples razão de que ninguém pode ser juiz numa causa sobre a qual já tomou posição antecipadamente. Mas, a terem sido indevidamente nomeados, deveriam ter invocado impedimento, por evidente conflito de interesses.

Mas, está visto, a imparcialidade institucional e a ética republicana já não são chão que dê uvas em Portugal.

2. O mais grave, no entanto, é que a flagrante parcialidade, à partida, de dois membros influentes da Comissão de Acompanhamento, até pela autoridade que têm sobre os membros das suas ordens que vão participar no exercício, pode ameaçar a credibilidade de todo o processo.

O Governo não pode correr o risco de ser acusado de aceitar "cartas marcadas" nesse jogo de importância crucial para o futuro do País. Como disse o Primeiro-Ministro, a escolha da melhor opção para o novo aeroporto tem de ficar «blindada de todas as vicissitudes».

Lamentavelmente, porém, as coisas não começam acima de toda a suspeita!

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Novo aeroporto (3): Abuso de poderes

Ao abrigo de que poderes é que as Ordens dos engenheiros e dos economistas decidiram apoiar conjuntamente a opção de Alcochete para o novo aeroporto, quando o Governo, com apoio do PSD, resolveu lançar uma avaliação ambiental estratégica comparativa sobre as várias hipóteses em cima da mesa, incluindo a nova hipótese de Santarém?

Que se saiba, as ordens profissionais servem para representar, regular e disciplinar as respetivas profissões, não constando entre os seus poderes o de se pronunciarem sobre opções que, além da sua componente técnica (ainda em avaliação comparada...), são  de natureza incontornavelmente política. Enquanto cidadãos, os bastonários daquelas ordens têm direito à sua posição política, mas não enquanto bastonários, tentando vincular abusivamente as respetivas corporações.

Torna-se evidente que, ao alinhar à partida com o poderoso lobby imobiliário de Alcochete, os dois bastonários vêm procurar condicionar ilegitimamente os membros das respetivas ordens, nomeadamente os que venham a participar na referida AAE. Jogo pouco limpo, para dizer o menos!... 

Adenda
Um leitor observa que posição das duas Ordens é anterior ao acordo entre Costa e Montenegro sobre o assunto. Todavia, desde antes do verão o Primeiro-Ministro, ao revogar o despacho de Pedro Nuno Santos, já tinha reaberto o dossiê do aeroporto, na busca de um entendimento com o PSD, e também já era público o aparecimento da nova alternativa de Santarém. Portanto, os dois bastonários vieram defender Alcochete ignorando deliberadamente os novos dados e sem conhecerem a nova alternativa...

Adenda 2
Outro leitor corrige o anterior, mostrando que «o evento e reafirmação da tomada de posição [das duas Ordens] por Alcochete foi a 30 de setembro, no dia seguinte à resolução do conselho de ministros onde Pedro Nuno Santos anunciou a inclusão de Santarém [na equação do novo aeroporto]». Confirmei este facto, o que torna a tomada de posição dos dois bastonários uma verdadeira provocação institucional.

Adenda 3
Comentário de outro leitor bem informado:
«O caso dos bastonários das duas ordens é matéria de abuso, para não falar de corrupção política. O bastonário dos economistas é o mesmo ministro que Sócrates utilizou para remover Mário Lino em 2009 [depois da opção por Alcochete]!  (...) Entretanto, recentemente António Mendonça conseguiu fazer-se eleger, por curtíssima margem, para bastonário da Ordem. Na campanha eleitoral Alcochete nunca foi referido, e a atual manifestação é um abuso da própria classe, que devia ser a primeira a optar pela solução menos onerosa! Sobre a Ordem dos Engenheiros pode dizer-se o mesmo. A classe nunca foi consultada, e o bastonário não faz mais do que corresponder às pressões do Eng. Matias Ramos, ex-bastonário, ele próprio um caso condenável de abuso de posição. Depois de ter protagonizado a avaliação em 2007, como presidente do LNEC, em favor de Alcochete, nunca deveria transformar-se depois, como bastonário da Ordem, em porta-voz da opção que preferiu antes de outras surgirem.»
Decididamente, além do abuso de poderes que não têm, os dois bastonários esqueceram-se de que são presidentes de entidades públicas, sujeitas a uma regra essencial: a da isenção política.

Corporativismo (28): Malthusianismo compulsivo

1. Poucas vezes a compulsão protecionista das ordens profissionais se terá revelado de forma tão manifesta entre nós nos últimos anos, como nesta lancinante denúncia pública da Ordem dos Dentistas quanto a um alegado excesso de formação de novos profissionais do setor, provocando o que chama de «saturação do mercado», com o inerente reflexo numa concorrência acrescida e nos honorários.

Na verdade, um dos traços mais evidentes da história das corporações profissionais é a sua luta pela restrição do acesso à respetiva profissão ("malthusianismo" profissional), a fim de reduzir o crescimento da oferta, reservando o mercado aos profissionais estabelecidos, em prejuízo dos utentes. 

2. Ora, como é bom de ver, do ponto de vista dos utentes, o aumento dos dentistas só pode proporcionar mais liberdade de escolha e preços mais mais acessíveis. Por isso, aquilo que a Ordem lamenta é de saudar como bem-vindo sob o ponto de vista dos utentes e da saúde oral em Portugal.

Este episódio serve para mostrar mais uma vez o fundamental conflito entre os interesses corporativos defendidos pelas ordens e os interesses dos respetivos utentes (e o interesse público correspondente). 

Não é por acaso que NENHUMA Ordem instituiu o "provedor dos utentes" que a lei-quadro da ordens profissionais em vigor prevê, justificando que a nova lei em vias de aprovação na AR se proponha tornar essa instituição obrigatória...


Assim vai a política (13): O partido provocador

1. Só pode entender-se como provocação a colocação de nova cartaz de propaganda política pelo Chega na Praça do Marquês de Pombal em Lisboa, depois de a CML ter retirado todos os que lá se encontravam. 

Num Estado de direito, o modo de contestar uma decisão administrativa alegamente ilegal é a impugnação judicial, como fazem outros partidos.

Mas o Chega prefere a via de facto arruaceira, revelando mais uma vez a sua pulsão para se colocar fora da legalidade democrática e para a provocação rasteira das instituições.

2. É evidente que a CML não pode deixar de retirar imediatamente o novo cartaz, enviando a conta ao partido provocador, sendo de esperar que, desta vez, o cartel partidário que dá pelo nome de CNE não venha a sair em defesa deste desafio primário às instituições democráticas. 

E o Ministério Público: será desta que abre procedimento criminal por apropriação abusiva do domínio público e crime de dano qualificado?

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O que o Presidente não deve fazer (32): Quando o excesso gera "ruído comunicacional"

1. Não tenho nenhuma dúvida de que, no seu infeliz comentário acerca do número de casos de abuso sexual de menores imputados a membros da Igreja, Marcelo Rebelo de Sousa não teve a mínima intenção de relativizar a sua gravidade. O seu consabido humanismo e sentido de justiça não permitem alimentar nenhuma dúvida esse respeito.

Mas também me parece que a incontrolada compulsão comentarística de MRS - que não resiste a um microfone à sua frente - incorre no risco destes deslizes verbais. A economia na externalização de opiniões pessoais e, em especial, a ponderação e a prudência em declarações sobre matérias sensíveis deveriam figurar no topo do "código de conduta comunicacional" autoimposto ao inquilino do Palácio de Belém. Infelizmente, não é assim.

2. Tendo várias vezes apontado nesta coluna essa errada compreensão da magistratura presidencial - que a meu ver deveria ser bem mais contida e discreta, em consonância com a elevada dignidade e imparcialidade do cargo -, não posso deixar de concordar com o sentido destas palavras de Pedro Santana Lopes:

«Gostava de sublinhar aqui a questão, presente nos últimos tempos, da cadência de declarações do Presidente da República. Deve fazer uma reflexão, com ele próprio. Fala muito [e]demais. Houve um período durante o qual se achou graça, eu nunca achei, confesso. O que é que os anteriores Presidentes, nomeadamente os que estão vivos, Cavaco Silva e Ramalho Eanes, pensarão quando veem um Presidente da República a falar tanta vez, em todo o lado, a propósito de tudo. Todos nós sentíamos, pelo menos, que não era costume, mas neste momento considero que, além de não ser costume, prejudica o funcionamento das instituições, do sistema político e da democracia em Portugal. Mais tarde ou mais cedo dava asneira».

MRS precisa de disciplinar a sua prodigalidade mediática, sob pena de repetição de percalços destes.

[Revisto: adicionadas as frases destacadas a amarelo.]

O SNS em questão (23): Falhas de desempenho que exigem correção

1. Não será "a maior parte", mas é público e notório que há muitos diretores de serviço nos hospitais do SNS que não cumprem os horários devidos, sobretudo os que se encontram em acumulação com a clínica privada - uma manifesta situação de conflito de interesses, normalmente resolvido a favor do interesse privado.

De resto, essa situação é acompanhada por uma elevada taxa de absentismo de médicos e outro pessoal em geral, que já era inaceitavelmente elevada antes da pandemia, a que diretores, gestores e Ministério tendem a fechar os olhos.

É percetível que tais situações se agravaram com a redução do horário normal para as 35 horas, o que veio facilitar a acumulação com a clínica privada e facilitar a tentação de preferência pelo setor privado, onde a remuneração depende do desempenho e onde, portanto, o absentismo é efetivamente penalizado.

2. Como tenho defendido muitas vezes,a questão da sustentabilidade política e financeira do SNS depende essencialmente da correção dos fatores da sua atual ineficiência. Não é possível continuar a reforçar continuamente a sua dotação orçamental e a ampliar os seus quadros, sem que haja uma correspondente contrapartida quando aos resultados em cuidados de saúde prestados.

A título exemplar seria, interessante que a nova direção executiva do SNS promovesse um estudo sobre o absentismo e o cumprimento de horários no SNS, relacionando os dados obtidos com o seu desempenho dos serviços.

Mesmo não sendo eu um utente regular do SNS - por ser beneficiário da ADSE -, sou, porém, seu cofinanciador como contribuinte; e o mínimo que um contribuinte deve fazer é preocupar-se com destino dos impostos que paga, tendo direito a que os serviços públicos cuidem da sua eficiente utilização.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Como era de esperar (2): SNS cada vez mais supletivo

1. Sem surpresa, tal como muitas empresas privadas, também as empresas públicas, como a Carris, decidem oferecer seguros de saúde privados aos seus trabalhadores, como complemento remuneratório e como alternativa a maiores subidas de salários. 

Com a generalização dessa prática, o SNS vai progressivamente reduzindo a sua área de cobertura social, ficando de fora os funcionários públicos (ADSE) e os trabalhadores das empresas públicas e privadas com seguros de saúde, que são cada vez mais.

Há, porém uma diferença entre a ADSE e os seguros empresariais, porquanto aquela é uma espécie de mutualidade financiada pelos próprios beneficiários, ao passo que os segundos são pagos pelas empresas. Em qualquer caso, ambos os esquemas reduzem os encargos orçamentais do SNS e a pressão sobre ele.

2. Não deixa de se contraditório que um Estado que está constitucionalmente obrigado a manter e financiar um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, seja o principal protagonista em criar sistemas alternativos de cuidados de saúde para os seus trabalhadores.

Que credibilidade pode ter a noção de universalidade do SNS se na própria esfera do Estado ele se vai tornando cada vez supletivo?

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Ai, o défice (17): Incoerência

1. Além do défice orçamental, que aumenta a dívida pública, há o espectro do défice comercial (mais importações do que exportações), que aumenta o endividamento externo do País. 

Sucede que a subida exponencial das cotações do petróleo e do gás (totalmente importados), em consequência da guerra na Ucrânia e das sanções e contrassanções associadas, aliás agravadas pela desvalorização do euro, tem feito aumentar substancialmente o défice da balança comercial de bens

O enorme aumento do preço dos combustíveis importados implica obviamente uma degradação dos "termos de troca" na relação entre importações e exportações, traduzida na transferência de rendimento dos países importadores para os exportadores (incluindo os Estados Unidos), que se tornam  os grandes ganhadores económicos da guerra.

2. Ora, em vez de visar a atenuação dessa transferência de riqueza para o exterior, através de uma redução das importações, induzida pela subida dos preços e apoiada em medidas de poupança, o Governo tem subsidiado o consumo por via fiscal (redução do ISP) e não tem apostado seriamente na poupança energética.

Todavia, se se compreende o alívio da a fatura energética das empresas, para não afetar demasiadamente a sua competitividade e para travar o surto inflacionista, já não se compreende a subsidiação universal do consumo de combustíveis em geral, independentemente do nível de rendimentos de cada consumidor. 

Barbárie tauromáquica (13): Afinal, há alianças com o Chega

Quem diria, uma associação parlamentar de amizade com a barbárie tauromáquica, abrangendo, além de deputados do Chega, também deputados do PSD e... do PS! Obviamente, os únicos deputados certos na foto são os do Chega.

Pelos vistos, o PS faz exceções ao "cordão sanitário" à volta do Chega, e por nobilérrimos motivos.  Um ultrage político e moral.

Adenda
Um leitor argumenta que convite terá partido dos representantes da tauromaquia, pelo que os deputados do PSD e do PS que aceitaram o convite não terão combinado com os do Chega. Pode ter sido assim, mas é evidente que, sendo o Chega o mais militante partido pró-touradas (et pour cause), os demais deputados que aceitaram não podiam ignorar com que iam confraternizar, numa causa identitária do partido da extrema-direita...

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Ai o défice (16): Contra o bodo orçamental

Penso ser um grave erro político aproveitar o bom desempenho da receita fiscal (cortesia da inflação) para financiar medidas orçamentais universais e de efeitos permanentes, em vez de medidas temporárias e restritas aos setores sociais de menores rendimentos.

Um bodo orçamental generalizado, como é proposto pelas oposições, prejudica a necessária redução do défice orçamental e do peso da dívida pública - condição para reduzir o impacto orçamental da subida dos juros - e alimenta o processo inflacionista, pelo aumento da procura agregada. É contraditório adotar uma política orçamental expansionista quando a política orçamental do BCE tenta restringir a procura, mediante a subida da taxa de juro, para "secar" a inflação.

Adenda
Estou de acordo com esta análise, segundo a qual, em alternativa a dispendiosos apoios orçamentais avulsos, a consolidação orçamental e a redução do peso da dívida pública são a melhor ajuda que o Governo pode dar à economia e ao rendimentos das pessoas, melhorando o rating da dívida e contendo a subida de juros, o que poupa muito dinheiro ao Estado nos custos daquela e aos empresários e famílias no recurso ao crédito.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Era o que faltava! (5): Não vale tudo

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) resolveu vir declarar "ilegal" e até "criminosa" a decisão da Câmara Municipal de Lisboa que mandou retirar os painéis de propaganda partidária da Praça do Marquês de Pombal

Mas não tem nenhuma razão. Primeiro, não estando a decorrer nenhum processo eleitoral, não se compreende a que propósito é que a CNE vem interferir em seara alheia. Segundo, o invocado princípio geral da liberdade de propaganda política não justifica todos os meios, incluindo a ocupação selvagem - ela sim, "ilegal e criminosa" - do domínio público e a violação do direito ao ambiente urbano. Por isso, a decisão da CML merece todo o aplauso, como AQUI assinalei.

Violando o seu mandato, esta decisão da CNE descredibiliza-a irremediavelmente. Uma autoridade eleitoral independente, como a CNE deveria ser, não pode comportar-se como um "cartel de partidos", que realmente é, fazendo prevalecer os seus interesses contra o mais elementar interesse público.

Adenda 
As atas das duas últimas reuniões da CNE ainda não foram disponibilizadas, mas vai ser muito interessante saber quem é que votou esta interesseira posição, em especial se ela contou com o voto dos representantes do PS e do PSD, para ver até onde vai a instrumentalização sindical-partidária da CNE.

Adenda (2)
Um leitor entende que não se teria chegado onde chegámos, como «milhares de painéis de propaganda partidária a invadir tudo quanto é praça em Portugal», se o Ministério Público cumprisse a sua obrigação de defesa da legalidade democrática, acionando judicialmente os municípios para os retirarem e promovendo a acusação penal por crime de dano qualificado contra os responsáveis. Tem razão, mas, como se sabe, o Ministério Publico ignora sistematicamente essa obrigação constitucional.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Lisbon first (27): Privilégios da capitalidade

Vale a pena ler este artigo sobre as vantagens de Lisboa quanto a infraestruturas e serviços públicos, não no contexto ancional, mas sim no quadro da própria área metropolitana de Lisboa (AML), uma perspetiva em geral ignorada.

Decididamente, há um critério imperioso quando a investimentos naquelas áreas: Lisboa, primeiro!

terça-feira, 4 de outubro de 2022

+ Europa (65): A nova Comunidade Política Europeia

No próximo dia 6 vai ter lugar em Praga, sob a égide da presidência checa da Conselho da UE, a primeira reunião preparatória da nova Comunidade Política Europeia, que foi proposta em maio passado pelo Presidente francês, Macron, para congregar a UE e os demais países europeus, independentemente da sua relação com a União.

Como é bom de ver, a nova organização não deve ser concebida, como alguns pretendem, como um clube de candidatos ou futuros candidatos à integração na União - o que limitaria o seu âmbito geográfico e político -, devendo ser antes uma plataforma paneuropeia de cooperação política, económica e cultural aprofundada entre a UE e todos os países à sua volta que compartilhem os seus valores fundamentais, incluindo países que saíram da União (como o Reino Unido), os que renunciaram a entrar (como a Islândia, Noruega ou a Suíça), os que não têm perspetivas de entrar (como a Turquia), ou os que são candidatos ou pré-candidatos à entrada (como os balcânicos ou a Ucrânia).

Todavia, para valorizar a CPE, não seria deslocado que a UE estabelecesse como novo critério de candidatura à adesão a integração prévia na CPE pelo período de pelo menos cinco anos.

Adenda
Concordo com este argumento: a CPE é uma plataforma apropriada para a imprescíndivel cooperação alargada entre os países da UE e o Reino Unido, limitando os estragos do Brexit.

Privilégios (8): Os custos da inflação

Nesta manchete do Público de hoje denuncia-se o facto de cerca de 70% dos funcionários públicos irem perder poder de compra no próximo ano, por o aumento da remuneração prometido pelo Governo ser inferior à taxa de inflação prevista.

Ora, o que há de característico nos processos inflacionistas é que tendencialmente toda a gente, principalmente entre os trabalhadores por conta de outrem, perde poder de compra, por as suas remunerações não acompanharem a subida dos preços. Sendo de registar que o Estado compensa essa perda quanto aos funcionários de menores remunerações, a verdade é que tal garantia não existe em relação ao setor privado (incluindo os trabalhadores do Público...).

Mais uma vantagem para os funcionários públicos... 

Adenda
Um leitor observa que, se o salário mínimo for atualizado em conformidade com taxa de inflação, também os trabalhadores do setor privado com menor rendimento deixarão de ser penalizados no seu poder de compra, como é justo. Tem razão, mas essa solução deveria valer para todos os trabalhadores, sem uma solução específica, mais favorável, para a função pública.

Adenda 2
Outro leitor objeta que, como entidade patronal, o Estado tem liberdade de decisão sobre a remuneração dos seus trabalhadores e que o setor privado poder seguir o seu exemplo. Discordo: a despesa do Estado com o pessoal é despesa pública, paga com impostos de todos nós e/ou com dívida pública, sendo óbvio que o setor privado não vai seguir o referido aumento, salvo se obrigado por via de atualização do salário mínimo em relação aos trabalhadores por ele abrangidos.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Este país não tem emenda (32): Supino cinismo

O secretário-geral da federação sindical dos professores (FENPROF) denuncia o elevado número de alunos sem professores, duas semanas depois do início do ano letivo. O que ele se "esquece" convenientemente de referir é a responsabilidade, nessa situação, dos milhares de professores que recorrem a "oportunas" baixas por doença para não iniciarem a sua atividade. Cinismo puro e duro...

O que não pode deixar de ser denunciado é a patente cumplicidade, pelo silêncio, não somente dos sindicatos de professores, mas também da Ordem dos Médicos, com esta vergonhosa violação maciça dos mais elementares deveres profissionais, cívicos e deontológicos das classes que representam.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

No bicentenário da Revolução Liberal (43): Uma forma original de celebração


Nos 200 anos da aprovação da Constituição de 1822, uma evocação original. O texto completo do jornal (4 páginas) pode ser lido AQUI
O conimbricense e maçon José Liberato, na capa, foi um dos grandes lutadores pela Constituição.

Adenda
As minhas declarações sobre a Constituição de 1822. Devemos-lhe muito!

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Corporativismo (27): Privilégio profissional

1. A notícia de que a AR equaciona a integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social leva-me a lembrar que há décadas que defendo que nenhuma profissão tem direito a um sistema privativo de segurança social, desde a criação da sistema integrado a seguir à Constituição de 1976, que pôs fim ao regime de pensões de base profissional do corporativismo do "Estado Novo". 

Como sobrevivência corporativa, a CPAS funciona desde então à margen da Constituição e só o peso político da profissão permitiu manter o privilégio oriundo do antigo regime.

2. Não vai ser fácil, porém, a equação financeira da integração, visto que não se vê como é que se pode pôr a cargo do sistema geral o pagamento das generosas pensões que a CPAS permitia, com base em contribuições elevadas só na parte final da atividade profissional. 

Ao contrário do sistema geral de segurança social - que padece da degradação da proporção entre contribuintes ativos e pensionistas -, a CPAS continua a gozar de uma confortável base contributiva, dada a entrada de muitos novos advogados todos os anos, o que permite uma relação mais favorável entre a pensão e a carreira contributiva.

Bicentenário da Revolução Liberal (42): Passam amanhã 200 anos!

1.  Eram simples os objetivos da revolução antiabsolutista no primeiro manifesto de 24 de agosto de 1820, no Porto: «As Cortes e por elas a Constituição!».

As Cortes constituintes foram eleitas ainda em dezembro de 1820 e começaram os seus trabalhos em 26 de janeiro do ano seguinte. A Constituição veio a ser aprovada em 23 de setembro de 1822, faz amanhã 200 anos! Missão cumprida!

2. Pelo menos, dois eventos comemorativos assinalam o bicentenário da inauguração da moderna era constitucional em Portugal: (i) uma sessão na Assembleia da República e a inauguração de uma exposição; (ii) um colóquio na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Não é todos os dias que passa uma data que merece ser tão comemorada como esta. O Portugal moderno começou aí e todos somos herdeiros dela!


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Não com os meus impostos (9): Discriminação antimunicipal

1. Os municípios têm toda a razão do mundo ao exigirem o fim do financiamento municipal da ADSE, o subsistema de saúde privativo dos funcionários públicos, despesa que este ano monta a mais de 60 milhões de euros. 

Há duas razões decisivas. Primeiro, porque o Estado há muito deixou de o fazer, sendo discriminatório manter o cofinanciamento municipal; segundo, porque, por princípio, os sistemas complementares de saúde ou de segurança social devem ser financiados exclusivamente pelos seus beneficiários, e não pelos contribuintes em geral, que já pagam o SNS.

2. Orgulho-me de, há muitos anos (2006), ter iniciado publicamente AQUI e AQUI a luta contra o financiamento da ADSE por via orçamental, ou seja, pelos contribuintes em geral, como então sucedia maciçamente, substituindo-o pelo princípio do beneficiário-pagador

É lamentável que passados tantos anos a reforma não ter sido levada até ao fim

Adenda
Só pode ser uma "piada" de mau gosto esta proposta do conselho consultivo da ADSE para substituir o financiamento dos municípios por um subsídio idêntico de outros organismos públicos! A ADSE resiste a interiorizar a ideia que que tem de viver exclusivamente das contribuições dos seus beneficiários, como seguro complementar de saúde que no fundo é.

Adenda 2
Um leitor pergunta porque é que as empresas podem financiar seguros de saúde para os seus trabalhadores e o Estado não pode fazer o mesmo para os seus funcionários. Por três razões fundamentais: (i) o Estado não é uma empresa, nem goza de liberdade de utilização das receitas públicas; (ii) as despesas do Estado são pagas com os impostos de todos os contribuintes, não fazendo sentido que estes suportem as regalias próprias dos funcionarios públicos; (iii) porque o Estado está constitucionalmente obrigado a financiar o SNS - universal, geral e gratuito -, não devendo desviar fundos para um subsistema de saúde privativo dos seus funcionários. Claramente, não é a mesma coisa!

Não dá para entender (27): A deriva bloquista do PSD

1. Decididamente, o PSD entrou em "modo BE"!

Ao defender a aplicação, sem modificação, das regras até agora vigentes sobre atualização das pensões, incluindo depois de 2023, acrescida de um bónus de 150 euros à cabeça, o PSD consegue: (i) estabelecer uma clara discriminação em relação aos demais portugueses, a começar pelos funcionários públicos, cujos rendimentos não vão ser atualizados à taxa da inflação; (ii) antecipar em vários anos o défice da segurança social, arrasando a sua sustentabilidade; (iii) gerar um enorme impacto orçamental sobre a défice e dívida pública, favorecendo a subida dos respetivos juros; (iv) acrescentar pressão ao surto inflacionista, pelo aumento da procura. 

É obra!

2. Com esta deriva irresponsável, Montenegro replica o lamentável "momento Rio", do apoio à recuperação integral do tempo de serviço dos professores, também em convergência com a esquerda radical, que lhe custou um humilhante recuo, para evitar a antecipação de eleições. 

Desta vez, o PSD não corre esse risco, dada a maioria parlamentar do PS. Mas é evidente que um partido de vocação governamental que defende na oposição aquilo que nunca faria se estivesse no Governo perde credibilidade junto ao seu próprio eleitorado. A incoerência política paga-se quando se tratar de escolher o governo.

Adenda
As mencionadas propostas são tanto mais irresponsáveis quanto é certo que as perspetivas para a economia são tudo menos favoráveis. Juntar uma recessão económica à subida em curso das taxas de juro constitui uma tempestade a sério para as finanças públicas (menos receita, mais despesa), o que justifica a maior prudência e contenção orçamental. O PSD não pode ignorar os riscos em causa -, a não ser que a intenção seja mesmo provocar uma crise orçamental

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Aplauso (25): Inesperada e bem-vinda

Quando o receio de uma recessão próxima na Europa se adensa e as empresas em geral sofrem o impacto do aumento da energia e das matérias-primas e dos componentes importados, a perspetiva de uma redução geral do IRC, aumentando a atratividade do investimento nacional e estrangeiro, é uma medida acertada

É certo que, qualquer que seja o seu montante, as empresas e partidos de direita vão sempre achá-la pequena (apesar de ir além do programa do Governo), e os partidos de esquerda vão acusá-la de "favorecimento do capital", como é usual. Em todo o caso, sob o ponto de vista da economia, do emprego e da competividade internacional, é uma medida bem-vinda e oportuna.

domingo, 18 de setembro de 2022

Não dá para entender (26): Facilitismo

Não se compreende que a Associação Nacional de Municípios, onde o PS detém confortável maioria, venha alinhar com o coro facilitista da redução do IVA sobre a energia para 5%.

A resposta ao aumento do custo da energia, sobretudo por efeito da subida da cotação internacional do gás natural, não pode consistir numa descida generalizada do IVA, mas sim em medidas de poupança dos consumidores, incluindo os municípios, os quais deviam ser os primeiros a avançar com medidas nesse sentido.  

O País precisa de poupar na fatura da importação de energia e o Governo necessita do dinheiro do imposto para ajudar as empresas e os consumidores mais afetados pela subida dos custos da energia. Além disso, a descida do IVA seria um sinal contraproducente na luta contra a inflação, que exige a restrição da procura agregada. 

Adenda
Um leitor, que se preocupa com o meu orçamento familiar, pergunta «se eu gosto de ver as minhas contas de energia a aumentar». Obviamente não me apraz, mas, ponderando os efeitos nocivos da redução do IVA, prefiro tomar a iniciativa de poupar no consumo de eletricidade e de gás.

Adenda 2
Concordando com este post, um leitor questiona «quantos municípios portugueses já terão colocado em prática medidas de poupança, como, por exemplo, limitações à intensidade ou à duração da iluminação das ruas (ou mudanças tecnológicas, como por exemplo o uso de LEDs, que poupam). (...) Também o governo central tem seguido a via facilitista e, ao contrário do governo espanhol, ainda não decretou quaisquer medidas de poupança energética. Está tudo como dantes, quartel-general em Abrantes». Tem razão.

sábado, 17 de setembro de 2022

Guerra na Ucrânia (49): Não somente nos campos de batalha

A descoberta de centenas de cadáveres, alegadamente vítimas de maus tratos antes da morte, na cidade de Izium, recuperada pelas forças ucranianas na sua recente contraofensiva, não reforça somente a solidariedade ocidental com Kiev, mas arrisca também alienar a compreensão que muitos países noutros continentes têm mantido em relação a Moscovo, sem excluir a redução do apoio interno à guerra na própria Rússia.

A somar aos recentes revezes militares russos no terreno, a eventual alteração do sentimento internacional e interno pode ser determinante para o desfecho da invasão. 

As guerras não se perdem somente nos campos de batalha.

Adenda
Um leitor acha que a Rússia não pode permitir-se perder a guerra e que o prolongamento desta só pode trazer «mais sofrimento e destruição na Ucrânia, mais violência da Rússia e mais custos aos europeus». Tendo a concordar, mas também percebo que essa equação não seja compreendida em Kiev, enquanto mantiver capacidade de resistir, com a ajuda ocidental... 

Memórias acidentais (16): Há 60 anos

Embora oriundo da Bairrada (Vilarinho do Bairro, Anadia), fiz o ensino secundário na Guarda, onde meu pai era comerciante. Na imagem, o grupo de finalistas do Liceu Nacional da Guarda de 1962, nas "alíneas" de letras (incluindo Direito e Economia), acompanhados do reitor, de alguns professores e do pároco. Estou na última fila, na ponta direita.

Duas notas: (i) apesar de ser um liceu misto, só havia turmas mistas no 3º ciclo, sendo a bata obrigatória para as alunas; (ii) embora sendo então o único liceu do distrito, não chegam às três dezenas o número de finalistas, com acesso à universidade nas áreas indicadas, o que mostra o enorme atraso educativo do país nessa época (refletindo o atraso económico e social); para Direito foram somente 3 (três). 

Hoje, felizmente, apesar de declínio demográfico, devem contar-se por muitas centenas!

Adenda
Um dos meus condiscípulos, também retratado na imagem acima, observa, com ironia, que «nem na foto rapazes e raparigas se podiam misturar». Recordo que, se nas aulas do 3º ciclo as turmas eram mistas, dado o pequeno número de alunos/alunas em cada uma, nos intervalos das aulas voltava-se à separação: raparigas no andar de baixo do liceu, rapazes no andar de cima! O chamado Estado Novo não facilitava nos seus princípios conservadores...

Assim vai a política (14): A inventona do "corte nas pensões"

1. Seguramente há de ficar na história das falsificações políticas em Portugal a campanha em que comentadores e partidos da aposição conseguiram transformar a maior subida das pensões jamais registada em Portugal num "corte de pensões"!

Ora, o máximo que pode suceder com a solução encontrada pelo Governo - antecipar para o corrente ano uma parte da subida das pensões legalmente devida em 2023, a fim de atenuar o grande impacto orçamental dessa atualização no próximo ano - é que nos anos seguintes a subida das pensões será menos acentuada do que seria. 

Contudo, nunca está em causa nenhum "corte" das pensões, mas somente a dimensão da sua subida futura.

2. Acresce que, ao beneficiarem, sem redução, da vantajosa fórmula legalmente em vigor para atualização das pensões, os pensionistas têm um aumento de rendimento (mais de 8%) bem maior do que outras categorias de cidadãos, como os funcionários públicos (a quem o Governo só propõe uma atualização de 2% no próximo orçamento), os senhorios (em relação aos quais o Governo alterou a regra de atualização, reduzindo-a de 5% para 2%) e os trabalhadores do setor privado (cujos salários não serão obviamente atualizados pela taxa de inflação).

Por conseguinte, os pensionistas não só não sofreram nenhum corte nas suas pensões como tiveram um tratamento privilegiado, pelo qual devem estar gratos.

3. E, no entanto, haveria boas razões para modificar imediatamente a regra de atualização das pensões, estabelecendo um "teto" mais baixo (como se fez para as rendas), designadamente as seguintes: 

    - não pôr em risco a sustentabilidade financeira do sistema de pensões a médio e longo prazo;

    - reduzir o impacto financeiro da atualização, em beneficio de menor défice orçamental e de maior redução do peso da dívida pública, a fim de conjurar o risco de uma subida mais acentuada dos juros;

    - não contribuir para estimular o surto inflacionista com o aumento sensível da procura agregada, que poderá favorecer uma espiral inflacionista.

Pelos vistos, porém, não bastam boas razões para justificar boas soluções.

4. O mais estranho nesta história é ver o PSD - que tem no seu registo a único corte efetivo de pensões em pagamento na nossa história política, no Governo Passos Coelho - a alinhar nesta inventona do imaginário "corte" das pensões, renegando todo o seu historial virtuoso de luta pela sustentabilidade da segurança social, pela disciplina orçamental e pela contenção da dívida pública.

Só falta ver o PSD a defender também um aumento da remuneração dos funcionários públicos correspondente à taxa de inflação. Se tal for o caso, temos de concluir que o PSD já não é o que era e que deixou de ser fiável como alternativa de governo financeiramente responsável.

Adenda
É errada a noção de que o Estado deveria devolver às pessoas, em transferências ou redução de impostos, tudo o que recebe a mais em receita fiscal, por causa da inflação. Primeiro, a inflação também faz aumentar, e muito, a despesa do Estado (em energia, obras, compra de equipamentos e de serviços, etc.), a qual tem de ser paga com receita adicional; segundo, entendo que o Governo deve reservar uma parte da folga fiscal para reduzir mais o défice orçamental e o peso da dívida pública, para atenuar a subida dos juros, causada pela política anti-inflacionista do BCE. Alimentar despesa pública à custa de empréstimos em situação inflacionista e de política monetária restritiva é duplamente penalizador: alimenta a inflação e o aumento dos juros da dívida pública.

Adenda 2
Um leitor pergunta se não sou pensionista e se, por isso, não deveria estar com aqueles que protestam contra «a manobra do Governo para, a partir de 2024, evitar a subida das pensões nos termos previstos na lei». Sim, sou obviamente pensionista, mas não posso colocar os meus interesses pessoais imediatos acima do interesse público, tal como o vejo, que é o de assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões, a fim de garantir a capacidade de pagamento das mesmas, sem reduções, no futuro. Deixo a miopia política da demagogia fácil para outros...

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Pobre língua (23): Quando os professores dão o mau exemplo

Nesta entrevista, o líder da Fenprof - portanto, um professor senior - diz, logo no início, que «nos últimos anos, Portugal teve as gerações melhor qualificadas, muitas vezes mal tratadas cá, mas muito bem aceites no estrangeiro». Ora, segundo a norma erudita da língua, a versão correta das palavras destacadas deveria ser «mais bem qualificadas», por o comparativo adverbial preceder o verbo no particípio. 
Infelizmente, tal erro é hoje cada vez mais corrente no linguajar de políticos, comentadores e jornalistas, mesmo em jornais de referência, atropelando a norma. Mas não devia ser esse o caso dos professores. Se a escola despreza a norma erudita da língua, como esperar que os alunos falem bom português?

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Aplauso (24): A coragem de Carlos Moedas

[imagem colhida AQUI]

1. Saúde-se a decisão do presidente da CM de Lisboa, de ordenar a retirada dos enormes cartazes de propaganda política fixados à volta da Praça Marquês de Pombal em Lisboa, conferindo-lhe um ar caótico de permanente feira eleitoral, impróprio de uma capital europeia.

A liberdade de propaganda política não inclui a faculdade de ocupação selvagem do domínio público para instalação de meios de propaganda, prejudicando gravemente o ambiente e a fruição visual desses espaços. 

O imenso poder dos partidos ainda não inclui o direito de apropriação privativa do espaço público, o que, aliás, favorece os partidos com mais meios, pondo em causa o princípio da igualdade de armas.

2. Os municípios não têm a liberdade de deixar ficar os cartazes e seus suportes, prescindindo de defender o interesse público, como sucede por esse país fora. A única obrigação legal dos municípios é a de definirem e disponibilizarem espaços públicos especialmente dedicados à afixação de informação e propaganda dos partidos em períodos eleitorais.

Seria bom que esta corajosa decisão da CML fosse seguida não somente em toda a cidade de Lisboa, mas também por todos os municípios, libertando os espaços públicos da poluição visual da propaganda partidária, que nem sequer poupa a envolvente de monumentos nacionais.

Adenda
Eis outro exemplo escandaloso, em Coimbra: um enorme cartaz partidário tapando a perspetiva sobre o Aqueduto de São Sebastião, do século XVI, classificado como monumento nacional desde 1910 (conhecido popularmente como Arcos do Jardim [Botânico]). Há anos que a CM de Coimbra tolera não só a invasão do espaço público (relvado e passeio), mas também este atentado ao património arquitetónico.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Memórias acidentais (15): Godard

A morte de Jean-Luc Godard (1930-2022) - acima, numa foto de 1968 - traz-me à memória o choque do seu filme Pierrot le fou (Pedro, o louco), de 1965 (com Jean-Paul Belmondo e Anna Karina), verdadeiro manifesto da Nouvelle vague do cinema francês, que vi, deslumbrado, na velha  sala do Avenida (entretanto desaparecida), em Coimbra. Só depois teria oportunidade de ver o anterior À bout de souffle (1960), que iniciara a sua revolução estética pessoal. 

Para a minha geração universitária (1962-68), a "nova vaga" cinematográfica gaulesa foi, juntamente com o neorrealismo italiano, a grande descoberta cultural europeia do após-guerra, no Portugal onde o salazarismo decadente e a guerra colonial, entretanto iniciada (1961) e sem saída à vista, não deixavam margem para o sonho nem para a esperança. 

Obrigado, Godard!

Às avessas (3): Subsidiar os mais abastados

Mercê uma oportunista aliança entre o PSD e a extrema-esquerda parlamentar na votação do orçamento para 2021, as portagens nas antigas autoestradas SCUT passaram a beneficiar de um desconto, a cobrir pelo Estado, ou seja, de um subsídio público, que este ano vai custar mais de 80 milhões de euros.

Não se compreende porque é que o uso dessas autoestradas há-de ser subsidiado à custa de todos os contribuintes - mesmo dos que não têm carro ou não usam tais autoestradas -, tanto mais que grande parte das autoestradas beneficiadas se situam no Norte litoral e no Algarve, ou seja, nas zonas mais ricas do País (o que o PSD tentava esconder nesta notícia da altura!...).  

Quando o Estado está sob pressão para responder ao surto inflacionista e à subida de preços dos combustíveis e da energia, é uma contradição económica e social subsidiar em dezenas de milhões o uso de infraestruturas de valor acrescentado, em benefício da uma parte da população que menos necessita de ajuda do Estado para viajar.

É de esperar, portanto, que o Governo não deixe de propor a revogação de tal benesse no próximo orçamento, em prol da equidade social e territorial.