terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A entrevista

O primeiro-ministro saiu-se globalmente bem na entrevista à SIC. Assertivo, combativo, passou bem a sua mensagem política: "este Governo está determinado em fazer o que o País precisa para responder à crise que nos caiu em cima".
Há porém alguns pontos menos bem conseguidos:
a) Na questão do estatuto regional dos Açores não é verdade que, sem a norma contestada pelo Presidente da República, a assembleia regional poderia ser dissolvida "sem que ninguém nos Açores fosse ouvido". Na verdade, a Constituição já impõe directamente que sejam ouvidos os partidos representados na mesma assembleia regional (art. 234º-1), bem como o Conselho de Estado, de que fazem parte os presidentes dos governos regionais (CRP, art. 142º).
b) Obras públicas - faltou sublinhar que (i) tais obras são essencias para a modernização e competitividade do País, que (ii) a maior parte das grandes obras públicas (aeroporto, estradas, TGV) são financiadas essencialmente pelo investimento privado, que (iii) se pagarão em grande parte a si mesmas e que (iv) é justo que as gerações futuras compartilhem dos seus custos porque também beneficiarão delas.
c) Avaliação dos professores - pareceu-me haver menos firmeza na sua determinação para levar a cabo esta reforma, que é essencial para a qualidade da escola pública e que, além do mais, é "politicamente pagante";
d) Eventual coincidência da data das eleições legislativas e locais - não pareceram fortes os argumentos contra, quando comparados com os argumentos a favor.
e) Faltou a insistência em dois "leit motive" virtuosos do discurso socratista, a saber a modernização e o progresso do País e a sustentabilidade e o reforço do Estado social.
[revisto]

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Notícias da crise (2)

«Analistas apontam para valorização de 17% nas acções americanas em 2009.»
«Confiança dos investidores europeus aumenta pela primeira vez em sete meses».
O princípio do fim da crise em perspectiva?!

Notícias da crise

Na iminência do aprofundamento da recessão, a Alemanha, depois da sua resistência inicial aos planos da Comissão Europeia, anuncia agora um novo pacote de medidas anticrise, incluindo os inevitáveis investimentos em infra-estruturas (em estradas, caminhos de ferro e escolas, pois claro!...) e medidas fiscais de apoio às famílias em maiores dificuldades, excluindo porém redução de impostos directos.
Pelos vistos, a receita portuguesa, tão criticada entre nós, não diverge da de outros países. Porventura o que diverge é a oposição...

Uma democracia proibe os media?

Israel costuma gabar-se de ser uma democracia.
Mas é digno de uma democracia impedir a imprensa nacional e estrangeira de observar directamente no terreno uma operação militar que descreve como de "auto-defesa" contra o bando terrorista do Hamas? Ainda por cima depois do seu Tribunal Supremo ordenar que o acesso fosse facultado?
É digno de uma democracia impedir a imprensa nacional e estrangeira de cobrir uma guerra, correndo os riscos que tiver de correr, que entender correr?
Não, claro. E tratando-se de um Estado democrático, e não de um qualquer bando armado, só sai agravada a indignidade cometida.
Tanto mais que a proibição de acesso de jornalistas, mais do que poupar vidas aos repórteres de guerra, visa impedir o mundo de acompanhar a extensão das atrocidades infligidas aos civis inocentes aprisionados em Gaza. Homens, mulheres, velhos e crianças que já viviam na prisão miserável que o Hamas mantinha a chicote por dentro e Israel cercava e bloqueava por fora. E que hoje desesperam de fome, sede e terror na prisão em chamas dantescas em que esta operação de Israel transformou Gaza.

Gaza: cem olhos por um olho

“Olho por olho faz todo o mundo tornar-se cego” disse Gandhi.
E se forem cem olhos por um olho?
(...)

O que está a contecer em Gaza neste momento não é apenas um olho por um olho. É cem olhos por um olho. E a matança em curso não é apenas um crime de guerra israelita. Tem um cúmplice chamado Tio Sam".

As palavras não são minhas, eu só as traduzi. Retirei-as do artigo "A Hundred Eyes for an Eye - Overkill in Gaza", escrito dia 29 de Dezembro de 2008, pelo jornalista americano Norman Solomon.
Mas subscrevo-as, sobretudo tendo em intenção a ministra israelita Tzipi Livni, que vi na CNN a fazer-se de tolinha, em resposta à Christiane Ammanpour, protestando desconhecer o que seria essa história da "proporcionalidade" na resposta aos misseis provocatórios do Hamas lançados sobre território israelita... e a aceitar que o que vai contar para a duração da operação é sobretudo a reacção da "rua" - árabe, europeia (e israelita, quando começarem a chegar os "body bags"), etc...
E eu que julguei que Tzipi seria dos raros governantes israelitas a ter a inteligência e sensibilidade para ter aprendido as lições da campanha contra o Hezzbollah no Líbano em 2006! e para antecipar como isto custará caro a Israel, à sua imagem e à segurança do seu povo - na improbabilidade de destruição do Hamas, outro pior emergirá, como a própria história do Médio Oriente ensina.
Resta notar que há mais cúmplices de Israel, do Hamas e da dupla Bush/Cheney por mais este legado em sangue e barbárie na Palestina: ao lado das ditaduras árabes que toda a vida atraiçoaram os palestinianos, coloco a patética Europa que temos, agora sob presidência do governo checo, reaccionário e em boa parte anti-europeu, que tem o topete de vir justificar os bombardeamentos por terra, mar e ar sobre cidades e aldeias em Gaza, onde um milhão e meio de civis inocentes não têm por onde fugir, como "defensivas".

Vantagens das auto-estradas

«A25 mata quatro vezes menos que o antigo IP5».

Veto político

Este texto de Pedro Magalhães provocou uma animada discussão sobre a racionalidade da decisão do Presidente da República em não ter suscitado preventivamente a questão da constitucionalidade das normas que motivaram o veto político do Estatuto regional dos Açores (nomeadamente a que condiciona o poder de dissolução da assembleia regional).
Como já disse de passagem noutro lugar, entendo que Cavaco Silva optou pelo veto político porque, independentemente da questão da inconstitucionalidade da norma, ele entendeu que ela é antes de mais politicamente grave e intolerável, na medida em que a Assembleia da República se permitiu condicionar o exercício de um poder presidencial para além do que a Constituição estabelece. À margem da questão constitucional de saber se a lei pode acrescentar limitações adicionais, ele preferiu colocar a questão no plano estritamente político, confrontado os partidos representados na AR com a sua rejeição frontal dessa limitação. O PR quis sublinhar que, mesmo que ela não fosse constitucionalmente ilegítima, a referida norma não deveria ter sido aprovada pela AR, por ser politicamente insustentável, limitando indevidamente a liberdade de decisão presidencial e afectando por isso o equilíbrio do sistema politico-institucional (para mais numa questão que tem a ver com a supervisão presidencial do sistema político das regiões autónomas).
Por isso, não concordo nem com os que contestam a opção presidencial pelo veto político (e entendem que ele deveria ter optado pela fiscalização preventiva) nem com os que entendem que o Presidente fez valer politicamente a sua interpretação pessoal da Constituição. Ao optar pelo veto político, o Presidente só pode ter querido sublinhar que a sua discordância é anterior e é independente da questão da constitucionalidade. Portanto, nem o veto presidencial nem a confirmação parlamentar tiveram a ver com uma questão de constitucionalidade (ou de interpretação constitucional), mas sim com uma relevantíssima questão política, ou seja, a de saber se o Parlamento, mesmo podendo, deve limitar ou condicionar os poderes presidenciais conferidos pela Constituição.
Aditamento
Já agora sobre a questão da constitucionalidade, o meu entendimento é de que a referida norma é efectivamente inconstitucional. Tal como a lei não pode aumentar os poderes constitucionais do Presidente da República (salvo se a própria Constituição o permitir), também não pode limitá-los nem condicionar o seu exercício, salvo autorização constitucional, o que não é o caso, visto que existe uma norma constitucional específica sobre a situação, que não prevê nenhuma "integração" legislativa.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

À procura de bodes expiatórios

«Paulson: impreparação para lidar com países emergentes gerou crise».
Já faltava esta! Para além do papel do défice da regulação dos mercados financeiros e do laxismo das autoridades reguladoras (que nem sequer enxergaram o esquema Madoff) na gestação da actual crise económica global, desencadeada pela crise financeira norte-americana, não pode esquecer-se a responsabilidade da persistente política monetária complacente de juros baixos e de expansão do crédito fácil, que fomentou a "bolha imobiliária" do "subprime" hipotecário e outras "bolhas" de excesso de alavancagem e desprezo pelo risco nos mercados financeiros.
Se há que identificar culpados, entre eles tem de figurar o FED e o próprio Tesouro norte-americano.

Cemitério do comunismo

Bem podem as autoridades de Havana celebrar oficialmente o 50º aniversário da revolução cubana, que aliás a princípio nada tinha a ver com o socialismo de Estado que veio a ser instaurado. Não há muito a festejar, porém.
A verdade é que, apesar das esperanças iniciais de um socialismo original, o "socialismo cubano" acabou por seguir o molde do marxismo-leninismo soviético. No final, o sistema de colectivização integral e planificação estatal da economia revelou-se o mesmo fracasso que em todo o lado, para não falar da castração das liberdades civis e políticas. Cuba é hoje um dos países mais pobres da América Latina, sobrevivendo das remessas dos expatriados e do turismo, onde imperam o racionamento dos bens essenciais, o mercado negro e a economia paralela, com campos abandonados e cidades em ruínas.
O único cimento que mantém coeso o regime é o anti-imperialismo norte-americano, que o irracional boicote económico de Washington veio acirrar e consolidar. É desejável que o novo presidente dos Estados Unidos corrija a política cubana da Casa Branca, trocando a estratégia do isolamento de Havana por uma política de abertura e de apoio à liberalização do regime cubano. Como mostrou o processo de democratização de outros países comunistas, especialmente na Europa, nenhum regime comunista resiste a um processo de abertura económica e política. O importante é começar.

Incógnitas

Tal como muitos outros países, tudo indica que Portugal entra em 2009 em recessão económica.
Resta saber qual a sua intensidade e qual a sua duração. Tudo depende da eficácia amortecedora das medidas anticrise entretanto tomadas e do fim da crise nos países de quem mais dependemos economicamente, nomeadamente a Espanha e o resto da UE, bem como os Estados Unidos. Se é certo que a crise acabará por passar, tudo o mais é incerto.
Aditamento
As notícias dizem que a crise global não cessa de se agravar, a começar pelos Estados Unidos. Nas palavras de um observador qualificado, não há sinais de retoma económica à vista («Hardly a signal for economic recovery anytime soon»).

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Exagero

À luz dos dados disponíveis, parece-me desproporcionada esta antecipação de Mário Soares, sobre o risco de grande instabilidade social no ano que vem, decorrente do aumento do desemprego.
Senso certo que o desemprego vai aumentar, em consequência do recuo do crescimento económico, é inegável o acréscimo de insatisfação social daí decorrente. Mas, a não ser que as previsões económicas se agravem para além dos piores cenários, o previsto aumento do desemprego poderá não ser dramático assim, pelo menos em termos comparados (ficando muito aquém do previsto por exemplo para Espanha), podendo o seu impacto negativo ser atenuado pelos apoios sociais entretanto anunciados.
Se as pespectivas para 2009 não são favoráveis (especialmene em matéria de emprego), convém no entanto não exagerar nas cores negras. Em matéria económica e social as previsões pessimistas correm o risco de se tornarem self-fulfilling prophecies.

Estabilidade política

Com a aproximação das eleições parlamentares de 2009, após a mais longa legislatura desde 1976, volta à discussão pública o tema da estabilidade política e da governabilidade. Como assegurar a estabilidade governamental num sistema político que, mercê do sistema eleitoral proporcional, raramente proporciona maiorias parlamentares e em que a experiência mostra também uma grande vulnerabilidade dos governos de coligação?
[Do meu artigo de ontem no Público, agora transposto para a Aba da Causa.]

As minhas crónicas

Antes que termine o corrente ano, arquivei na Aba da Causa os meus artigos do Público das últimas semanas, que por incúria tinha deixado acumular.
Também transpus a crónica de Dezembro no Diário Económico.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Punição colectiva

Israel tem todo o direito de destruir as instalações lança-mísseis de Gaza, mas não tem nenhum direito de atacar objectivos civis e punir colectivamente a população, como está a fazer (e sempre fez contra os palestinianos).
O terrorismo não se combate com terrorismo em maior escala. A punição colectiva é um crime de guerra.

Consequências

Não me lembro de nenhuma declaração presidencial tão dura em trinta anos de democracia, como esta sobre o Estatuto regional dos Açores. Se ela traduz o estado de espírito de Cavaco Silva -- e não há nenhuma razão para pensar o contrário --, então só a ingenuidade pode admitir que este episódio não terá consequências funestas no futuro para a relação entre Belém e São Bento.
Como, aliás, os mais avisados tinham advertido...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Invenção

O secretário-geral do PCP denunciava ontem num comício que o Governo se aprestava para fazer mais privatizações de empresas públicas, citando o Arsenal do Alfeite. Mas a acusação não é verdadeira, pois esse estabelecimento industrial foi apenas transformado em empresa pública, sob a forma de sociedade de capitais exclusivamente públicos. Ora a privatização supõe a alienação ao capital privado, o que não se verifica.

Atoleiro

Parece cada vez mais certo que ao intervir na gestão do Banco Privado e ao avalizar um avultado crédito noutros bancos, o Banco de Portugal e o Estado se meterem num atoleiro contencioso de onde dificilmente alguém sairá ileso.
Mesmo que a operação tenha tido por fim somente assegurar as responsabilidades do banco com os seus depositantes (como na altura se asseverou), e não com o dinheiro recebido para aplicações financeiras, cabe perguntar se o Estado se devia meter a cobrir a irresponsabilidade de quem depositou dinheiro num banco de elevado risco, só por pagar juros mais elevados do que a concorrência.
Quem arrisca para lucrar mais, deveria também suportar as perdas.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Inconstitucionalidade

Sem surpresa, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a norma do Código do Trabalho que ampliava a duração do período experimental, única questionada pelo Presidente da República (com todo a razão, como se vê).
Sendo embora um revés para o Governo, desde logo porque atrasa um pouco a entrada em vigor do diploma, trata-se porém de um percalço fácil de ultrapassar, mediante a alteração da norma em causa, com o que, aliás, se afastará um dos maiores factores de litigiosidade da revisão do Código de Trabalho, que seguramente daria lugar a uma forte contencioso laboral. Por isso, só há vantagem em ser retirada.
Há soluções cujas alegadas vantagens não pagam os seus custos...

Notícias da crise

Em declarações ao Le Monde, o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, não podia ser mais veemente no apelo à intervenção dos Estados contra a crise financeira e económica, de modo a atalhar o riso de uma nova "Grande Recessão".
Quanto às medidas a tomar para relançar a economia, não poderia ser mais claro: despesa pública, investimento público. Eis uma passagem:
«Il vaut mieux que la relance intervienne par l'augmentation des dépenses publiques que par la diminution des recettes publiques. Autrement dit, les constructions de ponts ou les rénovations d'écoles risquent d'avoir plus d'effets sur la demande que des réductions d'impôts que les ménages sont tentés de transformer en épargne de précaution.»
Entre nós, porém, uma direita ainda refém dos dogmas neoliberais, continua a rejeitar o investimento em obras públicas e a pedir baixa de impostos...

Obrigações

Mais de três décadas depois da Constituição de 1976, o Diário de Notícias descobriu a pólvora e vai de chamar para manchete a ideia de que a Constituição tem uma "falha" e que o Presidente da República pode recusar-se a promulgar o Estatuto regional dos Açores, sem sofrer nenhuma sanção, apesar de estar obrigado a isso, por o diploma ter sido confirmado pela AR.
Bastaria pensar um bocadinho, para verificar que não se trata de nenhuma "falha da Constituição", pois o mesmo poderia ser dito da recusa de qualquer promulgação, seja ou não subsequente a um veto, bem como de qualquer outra violação da Constituição a propósito de quase todos os poderes/deveres do Presidente da República (e não só), incluindo os mais graves (como por exemplo, demitir o Governo ou declarar o estado de sítio).
As obrigações constitucionais não precisam de sanção para serem vinculativas. Como se tem provado ao longo destas três décadas, basta confiar na fidelidade ao juramento constitucional e na responsabilidade política dos presidentes da República. Não faz nenhum sentido a simples ideia de que algum Presidente poderia recusar-se ilegitimamente a promulgar uma lei, só por não haver sanção.
Aditamento
Agora em editorial o DN insiste na ficção de uma "inesperada falha da Constituição". Há convicções assim, mais fortes do que a realidade...

sábado, 20 de dezembro de 2008

A "vingança" de Belém

«Lei eleitoral [para acabar com o voto por correspondência fora do território nacional] será o próximo veto de Cavaco».
É muito provável. E dessa vez não haverá 2/3 dos deputados para confirmar o diploma...

Um pouco mais de jornalismo, sff

Lê-se no Jornal de Notícias sobre os aumentos estabelecidos para as pensões de reforma em 2009: «(...) o certo é que, em 2009 e pelo segundo ano seguido, nenhum reformado subirá na escala dos ganhos reais, pelo menos no que respeita a quanto recebe de pensão».
Ora, comparando a subida efectiva das pensões com as mais recentes previsões de grande descida da inflação, que ficará bem abaixo daqueles valores, a conclusão é exactamente a contrária, ou seja, em 2009 todos os reformados vão "subir na escala dos ganhos reais", salvo os que beneficiem de pensões mais elevadas (mais de 5030 euros).

Causa própria

«Perto de 300 professores sindicalistas - todos os que têm dispensa a tempo inteiro das actividades lectivas para exercício das actividades das suas estruturas - estão impedidos de ser avaliados ou de progredirem nas carreiras até regressarem às suas escolas de origem.»
Agora se percebe a luta aguerrida dos sindicatos contra a avaliação dos professores. De facto, é uma "violência" acabar com a promoção automática dos 300-trezentos-300 professores/sindicalistas até ao último escalão da profissão, sem a exercerem anos e anos a fio...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

"Est modus in rebus"

Considero infundada a tese do antigo Presidente Ramalho Eanes sobre a possibilidade de dissolução parlamentar por causa da confirmação parlamentar do estatuto regional dos Açores.
Embora no nosso sistema de governo -- de parlamentarismo atípico (a que muitos chamam "semipresidencialismo") -- a dissolução parlamentar seja um acto próprio do PR, de natureza discricionária, uma tal decisão carece sempre de adequada fundamentação no quadro dos poderes de supervisão presidencial, não podendo consistir numa reacção desproporcionada à confirmação de um diploma vetado, que aliás é um acto perfeitamente conforme à Constituição, mesmo quando politicamente controverso.
O poder discricionário não se confunde com o poder arbitrário ou caprichoso. O princípio da proporcionalidade impõe moderação institucional no uso de poderes como o da dissolução parlamentar.
De resto, a soberania legislativa cabe ao parlamento, incluindo o poder de insistir em más leis. É assim necessariamente na democracia parlamentar (o mesmo sucedendo, aliás, nas próprias democracias presidenciais). A promulgação presidencial das leis não constitui um poder de "co-legislação". Tal como o Presidente pode exercer o seu poder de veto, o Parlamento pode exercer o seu poder de confirmação, cabendo-lhe a última palavra. Quem responde politicamente pelas leis aprovadas é a maioria parlamentar, nas eleições legislativas, e não o Presidente da República.

Gato escondido...

Apesar de todo o espalhafato do PSD para fingir que estava do lado do Presidente da República na questão do veto do estatuto regional dos Açores, a confirmação do diploma por maioria de 2/3 (maioria que afasta qualquer dúvida sobre a confirmação) ficou a dever-se a dois deputados... do PSD (que foram autorizados a votar a favor, enquanto os deputados que pretendiam votar contra foram impedidos de o fazer).
É o que se chama, versatilidade...
Aditamento
Se alguém tivesse dúvidas sobre a oportuníssima duplicidade, a líder do PSD/Açores encarregou-se de as eliminar. De facto, os referidos deputados do PSD "fizeram a diferença". E de que maneira!

Cegueira

Manuel Alegre pode encontrar todas as justificações para o seu "flirt" com as operações do BE contra o seu próprio partido. Agora vir dizer que "os adversários do PS não estão à sua esquerda", como se tanto o BE como o PCP não tivessem elegido explicitamente o PS como inimigo principal, isso é negar toda a evidência.
Nem um nem outro escondem que o seu objectivo primordial é derrotar o PS, mesmo que seja à custa de uma vitória da Direita.

A fronda dos reféns

Pelos vistos, no caso do estatuto regional dos Açores, todos os partidos -- e não somente PS -- estão reféns dos seus ramos regionais. Contra o veto presidencial, o diploma será confirmado sem alterações por larguíssima maioria, e o próprio PSD, que acusou o PS de "guerrilha institucional" contra o Presidente, acabou por limitar-se à abstenção, tendo mesmo proibido os deputados discordantes de votarem contra.
Como exercício de hipocrisia política não poderia imaginar-se melhor!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sock and Awe!

Encontrei este link no Libération de hoje. O meu recorde foi 12.

Portugal e as missões militares internacionais

No princípio de Outubro voltei a estar no Kosovo numa missão do Parlamento Europeu. Não podia deixar de visitar o contingente português na missão KFOR da NATO.
Durante o jantar em Pristina o Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues, comandante do Agrupamento Mike, pediu-me uma contribuição para a revista da unidade: o Boletim Informativo do Agrupamento Mike.

Cá está ela.

PE chumba as 65 horas de trabalho

Ontem votei no PE a favor do Relatório Cercas (Alejandro Cercas, um socialista espanhol de Mérida) que defendia oposiçao à tentativa de permitir o alargamento da semana de trabalho de 48 para 65 horas e de não pagar os tempos de permanência dos médicos nos bancos de urgência, através de uma proposta de Directiva sobre o tempo de trabalho apresentada pelo Conselho e endossada pela Comissão.
O PE ontem fez a diferença - em defesa dos direitos dos trabalhadores, dos cidadãos, do modelo social europeu. Contra uma Comissão e um Conselho ainda contaminados pela reaccionária ideologia neo-liberal, apesar da sua ostensiva falência em resultado do descalabro financeiro e económico global.
O PE fez a diferença, porque a esquerda no PES funcionou - e aglutinou muitos outros, à esquerda e à direita.
O PE faz a diferença, em defesa dos direitos dos cidadãos, sempre que a esquerda funciona e se une.