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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Contra a corrente (4): Pelo aumento das propinas

1. Estou inteiramente de acordo com esta opinião do Prof. Luís Aguiar-Conraria, que vem acrescentar um valioso argumento a favor do aumento das propinas no ensino superior.

Sempre fui a favor das propinas no ensino superior - que não é um serviço público universal como o ensino básico e secundário -, ao abrigo do princípio beneficiário-pagador, uma vez que o ensino superior é antes de mais um investimento dos estudantes no seu próprio futuro profissional, devendo portanto ser financiado pelos próprios, e não por transferências orçamentais, à custa dos impostos de todos (ressalvadas as "externalidades positivas" para a sociedade).

2. No entanto, contra esta boa doutrina, nos últimos governos do PS, por pressão do PCP e do BE, verificou-se uma substancial redução das propinas - a que naturalmente me opus -, aumentando a dependência das IES das transferências orçamentais, pondo em causa a sua autonomia, que é tanto menor quanto menor for a sua autossustentabilidade financeira.

Infelizmente, o mito do ensino superior gratuito não é privativo da esquerda radical, contaminando também a "ala bloquista" do PS, incluindo um anterior ministro do ensino superior. A constituency dos estudantes do ES, que obviamente querem "universidades SCUT" (ou seja, à custa dos contribuintes), é demasiado influente. Aguardemos, sem ilusões, o que o próximo programa eleitoral do PS vai dizer sobre o assunto.

Adenda
Um leitor relembra o óbvio: a democratização no acesso ao ES «deve ser feita pelo Estado por meio de bolsas de estudo para quem precisa e não pelo gratuitidade transversal, que beneficia quem não precisa». E parece evidente que quanto mais transferências orçamentais o Estado tiver de fazer para sustentar as universidades, por insuficiência de recursos próprios destas (incluindo as propinas), menos disponibilidade orçamental haverá para alargar a cobertura e elevar a importância das bolsas de estudo - sendo aí que o Estado deveria investir (como sempre defendi). Conclusão: a redução/abolição das propinas acaba por funcionar contra os mais pobres!

domingo, 28 de outubro de 2018

Não dá para entender (6): "Não há licenciaturas grátis!"


No rescaldo do debate político sobre a redução das propinas, que consta da proposta de orçamento para o ano que vem, o Ministro do Ensino Superior veio, precipitadamente, defender o fim das taxas de frequência no ensino superior no futuro, no respeitante às licenciaturas, no que foi logo aplaudido pelo Bloco de Esquerda, que desde há muito defende essa posição.
Não vale a pena repetir as razões por que discordo fundamentalmente desta solução - bem como da simples redução -, e não somente pelas suas implicações orçamentais nem pela contestação das universidades. Mas não deixa de causar alguma perplexidade que ela seja defendida pelo Ministro de um governo socialista, quando tal proposta não consta do programa do PS, nem do programa do Governo (nem dos acordos que fundam a "Geringonça"). E há obviamente boas razões para duvidar que ela possa ser sufragada pelo Ministro das Finanças e pelo Primeiro-Ministro, deste ou de futuro Governo...
Em qualquer caso, penso que os ministros deviam abster-se de defender posições políticas pessoais, mesmo que somente para o futuro, à margem do programa do Governo que integram e do programa do Partido que o sustenta. Solidariedade governativa e partidária oblige.

Adenda 1
De resto, tendo-se o Governo oposto, e bem, à redução das propinas nos três primeiros orçamentos, rejeitando as propostas do Bloco nesse sentido, não se percebe porque é que mudou de posição no orçamento para 2019. É óbvio que não tem a ver com uma súbita descoberta do seu mérito...

Adenda 2
Embora criticando fundadamente a eliminação das propinas  ("As propinas e o mito dos almoços grátis"), o editorial do Público de sábado passado conclui, porém, que a redução das propinas e a proposta do Ministro suscitam "uma discussão que vale a pena fazer". Pois vale, embora importe lembrar que esse debate foi travado longa e intensamente há duas décadas, em resposta ao movimento "Não pagamos", e que nessa altura o PS e o seu Governo não alinharam com os borlistas. Também participei ativamente nesse debate - e não mudei de opinião contra a "borla geral" dos beneficiários à custa de todos os contribuintes!

sábado, 20 de outubro de 2018

Discordo (7): No interesse próprio

1. Um das mais eleiçoeiras medidas da proposta do orçamento para 2019 é a descida substancial (cerca de 20%) das propinas do ensino superior público, que vai ao encontro da tradicional reivindicação da importante base eleitoral dos respetivos estudantes. Mas é também uma medida caracteristicamente reacionária, como já aleguei várias vezes ao longo dos anos.
Provinda naturalmente da esquerda radical, o que admira é que o PS, cedendo ao oportunismo eleitoral, a tenha perfilhado, apesar de serem tantos os argumentos contra, e sobretudo por se tratar de uma medida que vai beneficiar quem menos precisa à custa dos que de mais ajuda carecem para chegar ao ensino superior. A elite política, cujos filhos frequentam obviamente o ensino superior, faz valer politicamente os seus interesses privativos, à custa do interesse geral.

2. Antes de mais, a redução das propinas - que são recurso próprio das instituições de ensino superior público - aumenta a sua dependência em relação ao orçamento do Estado, reduzindo a sua autonomia financeira (menos 50 milhões de euros), e tornando-as mais vulneráveis à discricionariedade orçamental de cada Governo.
Em segundo lugar, e sobretudo, a redução das propinas é socialmente iníqua, pois vai aumentar o custo orçamental dos estudantes do ensino superior, que pertencem em geral à metade mais abonada da população, sendo subsidiados por toda a gente na sua qualificação académica, incluindo por aqueles que não têm nenhuma possibilidade de enviar os seus filhos à universidade.
Em terceiro lugar, obrigando o Estado a compensar as IES pela perda de receitas próprias, vai haver menos dinheiro para outros fins mais virtuosos no âmbito do ensino superior, como a grave carência de habitação dos estudantes deslocados e as bolsas de estudo, prejudicando assim o acesso de alunos com menores rendimentos ao ensino superior.
Por último, a redução das propinas vai aprofundar a diferença de custos entre o ensino superior público e o privado, quando é certo que este é maioritariamente frequentado por quem não teve acesso àquele, sabendo-se que se trata maioritariamente de estudantes oriundos de estratos sociais com menores rendimentos do que os do ensino público.

Adenda
O CDS contrapropõe mais bolsas para estudantes, em vez da redução das propinas. Merece apoio!

sexta-feira, 24 de março de 2023

Privilégios (23): Um equívoco "socialista"

1. É lamentável ver um ex-ministro e vários deputados socialistas a juntarem-se a deputados do Bloco e do PCP para, contrariando a recente recomendação da OCDE, reivindicarem, mais uma vez, a abolição das propinas no ensino superior público, que, aliás, têm um valor hoje muito baixo, depois das reduções no tempo da "Geringonça".

A abolição das propinas seria, antes de mais, uma solução socialmente injusta. Por um lado, embora o ensino superior tenha uma "externalidade" pública positiva - o aumento do nível tecnológico do País, que deve ser paga pela coletividade -, a sua frequência é acima de tudo um investimento pessoal num melhor futuro profissional, devendo, portanto, ser maioritariamente pago pelos seus beneficiários, de acordo com o princípio beneficiário-pagador. Por outro lado, estando longe de ser de acesso universal - dada a grande percentagem dos que o não frequentam -, não é aceitável que o ensino superior público seja pago por todos, incluindo por aqueles que não chegam lá ou que têm de frequentar o ensino superior privado, por falta de vagas nas escolas públicas.

Tal como, por exemplo, as antigas autoestradas SCUT, o ensino superior gratuito é o contrário do socialismo: é fazer pagar por toda a coletividade o privilégio de uma parte dela.

2. Política de esquerda no ensino superior é, por um lado, aumentar a oferta pública e a sua qualidade, para reduzir a dependência dos estudantes menos abastados em relação ao ensino privado, obviamente dispendioso e, por um lado, multiplicar as bolsas de estudo e o apoio ao alojamento estudantil para os estudantes oriundos de meios economicamente mais carenciados, atenuando as desigualdades sociais. 

Ora, além de reduzir a autonomia financeira das universidades, a abolição das propinas só iria diminuir os recursos públicos para aqueles dois objetivos, tornando o ensino superior público refém da dificuldades orçamentais do Estado, agravando o crónico subfinanciamento do ensino superior público e frustrando uma aposta mais determinada na promoção da igualdade de oportunidades. 

Os resultados da benesse do ensino superior gratuito não seriam propriamente socialistas, no sentido nobre da palavra. Pelo contrário!

Adenda
Um eleitor acha um «escandaloso privilégio de classe» que os alunos de medicina, que custam individualmente mais de 15 000 euros por ano às universidades públicas, paguem menos de 700 euros de propina, por mais abastadas que sejam as suas famílias, sendo o resto pago pelos contribuintes em geral, incluindo aqueles que não conseguiram entrada em qualquer curso superior, muito menos nas faculdades de medicina. Tem toda a razão!

Adenda 2 (28/3)
Na esperança de dividir o PS, o Bloco apressou-se a avançar de novo com o seu velho projeto de lei a abolir as propinas. Como a "Geringonça" felizmente já acabou, espero que os ministros da Finanças e do Ensino Superior façam ver ao grupo parlamentar do PS o disparate político e doutrinário desta questão e que, pelo contrário, defendam a reversão dos cortes feitos entre 2015 e 2019 por pressão do BE e do PCP.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O dinheiro vem do céu

Há umas décadas o PCP animou a campanha do "não pagamos" contra o aumento de propinas no ensino superior (tal como animou mais recentemente a luta contra as portagens nas SCUT). Perdida essa batalha, regressa agora com a proposta de suprimir as propinas.
No entanto, o  PCP continua a não explicar duas coisas; (i) de onde é que viria o dinheiro para manter e desenvolver as universidades e politécnicos, que entretanto aumentaram em número e em custos; (ii) que justiça social é que há em facultar ensino universitário gratuito a quem o pode pagar (e que antes de mais proporciona vantagens a quem obtém um grau académico) e fazê-lo pagar pelos impostos de muitos que não tem nenhuma possibilidade de o terem.

Adenda
Tal como outrora, continuo a defender o aumento da propinas no ensino universitário (embora não no ensino politécnico), por várias razões: (i) porque as atuais propinas não pagam senão uma pequena fração dos custos do ensino superior; (ii) para permitir aliviar a carga fiscal geral; (iii) para permitir dedicar mais recursos ao financiamento de bolsas de estudo para quem não tem meios próprios para custear o ensino superior; (iv) para aumentar os recursos próprios das universidades, que é condição da sua autonomia; (v) por uma questão de justiça social (os que não podem frequentar o ensino superior, por razões económicas ou outras, não devem ser chamados a subsidiar os que o podem fazer e que podem pagar).

sábado, 26 de novembro de 2016

Em causa própria

1. O congelamento dos limites das "propinas" (taxas) no ensino superior no Orçamento para 2017 - derrogando a lei de atualização em vigor - não se limita a reduzir os recursos próprios das universidades e politécnicos, diminuindo assim a sua capacidade operacional e a sua autonomia financeira face ao Estado. Também é socialmente injustificada.
Primeiro, descontadas as suas "externalidades" sociais positivas, o ensino superior é antes de mais um investimento individual, em vista de melhores empregos e atividades profissionais e de melhores remunerações, pelo que não faz sentido que benefícios individuais sejam financiados por toda a coletividade; segundo, o ensino superior não é nem nunca será um serviço universal, dados os requisitos intelectuais requeridos, pelo que é injusto que aqueles que não podem chegar ao ensino superior financiem quem tem condições e meios para o fazer, mediante impostos pagos por todos.

2. O financiamento do ensino superior deveria fundar-se por isso na regra beneficiário-pagador e não num subsídio público generalizado, cego à capacidade económica dos beneficiários.
Cumpre naturalmente ao Estado financiar individualmente o acesso ao ensino superior dos estudantes de menores rendimentos, de modo a assegurar o princípio constitucional da igualdade de oportunidades. Mas isso não deve ser alcançado por propinas baixas para todos (incluindo os muitos que podem e devem pagar propinas mais elevadas), mas sim através de bolsas de estudo em número e valor apropriado.
Sucede que, por óbvias razões de interesse próprio, as juventudes partidárias, especialmente as dos partidos de esquerda, militam desde sempre contra as propinas (sendo de recordar a campanha do "não pagamos" nos anos 80 do século passado). Só é de lamentar que os seus interesses pessoais tenham sido coonestados como suposto interesse geral.

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

Correio dos leitores: Colégio Militar

«No seu blogue "Causa Nossa" afirma (11-08-2005):
«A propósito de escolas militares, o que é que justifica hoje a existência de escolas de ensino básico e secundário, como o Colégio Militar, se não um deslocado espírito de casta (aliás reservado a rapazes)?»
Em resposta aos protestos de alguns leitores publica um segundo post:
«Não vejo onde é que se enquadra, constitucional e legalmente, a possibilidade do Estado manter Colégios "privados"».
Desconhecerá o Prof. Vital Moreira a história e a excelência do ensino do Colégio Militar? Não creio! Insurge-se contra aquilo que chama "espírito de casta". Mas que casta? A casta dos que promovem essa excelência: a instituição militar, os professores, os funcionários, os antigos alunos e os pais que pagam um ensino com um elevado padrão de qualidade, procurando incutir nos jovens valores e levando à prática a máxima grega, "mente sã em corpo são".
O Prof. Vital Moreira questiona a constitucionalidade e a própria legalidade de "o Estado manter Colégios "privados"". Ora, o Colégio Militar não é uma escola "privada". É um colégio público. As elevadas propinas são suportadas pelos pais. O Prof. Vital Moreira defende a ideia da gratuitidade absoluta do ensino, com propinas praticamente inexistentes. Nesse caso o que poderia propor era a igualização das propinas do Colégio Militar ao valor das propinas das demais escolas públicas!
(...) Escola Pública, tutelada pelo Ministério da Defesa e com tutela pedagógica do Ministério da Educação, é frequentada por rapazes a partir dos 10 anos. Com regras mais exigentes de que as demais escolas públicas no que tange ao aproveitamento escolar, é um exemplo de excelência no ensino. (...) Neste enquadramento, o que explica a existência de algumas vozes questionando a existência do Colégio Militar? Desejo de nivelar o ensino por baixo? (...)».


Comentário
O que eu disse, e mantenho, é que não cabe ao Estado manter escolas pagas (como se fossem escolas privadas), à margem do sistema nacional de ensino. Por uma simples questão de universalidade e igualdade. Seria o mesmo que o Estado manter clínicas de luxo, pagas, ao lado dos hospitais do SNS. Quem quiser escolas de elite, exclusivas, crie-as e pague-as -- é para isso que existe a liberdade de escolas privadas --, em vez de colocar o Estado ao serviço de privilégios de grupo.
O que eu defendo é a separação entre a lógica da escola pública e a lógica da escola privada. O Estado não deve invadir a esfera própria dos privados.
É a Constituição que estabelece a gratuitidade para o ensino básico obrigatório público e é a lei que o estabelece para o ensino secundário. E bem, por que se trata de níveis de ensino que são, ou deveriam ser, de frequência universal, incluindo para quem não tem dinheiro para frequentar o Colégio Militar...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Trocar propinas por bolsas

«OCDE considera inevitável subida das propinas nas universidades».
Defendo a elevação das propinas no ensino superior desde há vinte anos. Desde logo, para dispor de mais recursos financeiros para aumentar as bolsas de estudo e os empréstimos bonificados, em número e valor. Trata-se de aumentar a justiça social no acesso ao ensino superior, diminuindo o actual subsídio aos ricos e aumentando a ajuda a quem precisa.

terça-feira, 1 de março de 2022

Este País não tem emenda (27): Calotes estudantis

Só por incúria das universidades e institutos politécnicos é que a dívida de propinas do ensino superior público pode atingir um tal montante.

Sabendo-se que as taxas do ensino superior baixaram substancialmente desde 2015 - um dos custos orçamentais da "Geringonça" - e que cresceu o número de estudantes beneficiários de bolsas de estudo - o que é de aplaudir -, não há nenhuma razão para este nível elevado de incumprimento, mesmo contando com algum impacto negativo da pandemia. E, em vez de se queixarem somente do seu subfinanciamento orçamental, as instituições de ensino superior públicas fariam bem a cobrar os seus créditos e robustecer o seu nível de autofinanciamento -  aliás, condição de uma maior autonomia face aos governos.

Sei bem que para os dirigentes estudantis as propinas nem sequer deveriam existir, apesar de atualmente só cobrirem uma pequena parte dos custos do investimento de que beneficiam, sendo o seu financiamento coberto na maior parte pelos contribuintes em geral. Mas, enquanto as propinas existirem - e eu espero que continuem a existir! -, devem ser cobradas.

domingo, 24 de outubro de 2004

Em resposta a "O financiamento do Ensino Superior"

1 - «Se estivesse atenta às reivindicações estudantis saberia que a questão das propinas não é a única bandeira do movimento apesar de ser a que, por motivos de urgência, tem mais protagonismo.
2 - Aprovada em Assembleia Magna uma das maiores reivindicações da AAC é a revisão do processo de Bolonha nomeadamente no modelo 3+2 ou 4+1 dos cursos, seu subsequente financiamento, bem como a questão da mobilidade (os seus custos e democraticidade) e a questão da uniformização dos cursos a nível europeu».
Ao contrário do que pensa, estou atenta. Não é a única bandeira, mas tem sido a principal, de tal modo que parece a única. Mas sei que alguns estudantes estão atentos ao processo de Bolonha e conhecem bem os dossiers. Testemunhei com muito agrado isso mesmo na reunião do Senado anterior à que estamos a discutir. Só não percebo a razão pela qual essa questão é, depois, subvalorizada. (Espero que não seja pelo facto de só vir a reflectir-se sobre os estudantes vindouros e não sobre os actuais). De resto, a minha chamada de atenção não era dirigida aos estudantes de Coimbra, mas sim aos deputados de S. Bento.

3 - «A questão de Bolonha não detém exclusividade no que diz respeito ao futuro de uma Universidade Pública e Gratuita em Portugal. Para isso também é necessário que o acesso público à Universidade seja efectivamente democrático e não através do filtro do poder económico da família do estudante».
No meu post não discuti a justiça ou injustiça das propinas, embora tenha obviamente uma opinião sobre esse assunto: (Fica para outra oportunidade). Apenas contestei a legitimidade dos estudantes para interromperem o Senado, que não têm em qualquer caso.

4 - «É pena que o corpo docente não só seja insensível às questões que mais lesam os estudantes e a Universidade como boicote sucessivamente as tentativas de resolução dessas questões e ajam em conluio descarado com um governo que está a fazer um grave e descarado ataque ao Ensino Superior em Portugal».
O corpo docente não é um corpo, felizmente. Para corporativismo bastaram-nos 40 anos. Os docentes são pessoas, umas mais atentas e outras menos (como os estudantes); umas mais participativas e outras menos (como os estudantes); umas a favor e outras contra as propinas (como os estudantes); umas mais preocupadas e outras menos com a reforma de Bolonha (como os estudantes). Não posso falar por todos, mas a avaliar pela discussão e votação no último Senado, aquilo que nos une e nos distingue de alguns estudantes é que não saímos ou berramos quando a votação não nos convém.

Márcio Diogo Augusto (aluno da Universidade de Coimbra)
Maria Manuel Leitão Marques (Professora no mesmo lugar)

sábado, 10 de janeiro de 2004

Revoltante!

Foi o meu estimado colega e amigo prof. João Vasconcelos Costa, no seu blogue "Professorices" - dedicado especialmente aos temas do ensino superior, que desde há muito o interessam como a poucos -, que me chamou a atenção para o despautério ontem aparecido no "Público", intitulado "Não Pagamos",
Não, não é nenhum texto de algum dirigente estudantil contra as propinas, o que seria trivial. O seu autor é um tenente-coronel na reserva, radicalmente crítico da oposição estudantil às propinas, o que em si também não seria digo de especial atenção. Eu próprio critiquei a atitude e o radicalismo das formas de luta estudantis nos últimos tempos.
O que choca no referido texto é o facto de o autor ter aproveitado a ocasião para um discurso retintamente reaccionário acerca das lutas estudantis contra o Estado Novo, quando aliás os estudantes não lutavam contra as propinas (tanto ou mais pesadas como hoje), mas sim por valores tão pouco venais como a liberdade e a democracia, o fim da guerra colonial, a democratização e a autonomia da Universidade.
Veja-se esta inacreditável passagem desse texto, digna de qualquer saudosista do regime autoritário:

«Subverteu-se [depois do 25 de Abril de 1974] toda a casta de autoridade fazendo-a filha de práticas "fascistas"; conotou-se a ordem e a disciplina com normativos ditatoriais e instalou-se no córtex das pessoas que elas só tinham direitos e deveres nenhuns. Finalmente promoveram-se a lugares de responsabilidade pessoas que pelo seu passado, ou criaram anti corpos relativamente às organizações que tutelam ou estão à partida diminuídos ou inibidos de exercerem os seus cargos. Por exemplo um célebre estudante que por várias vezes fugiu à frente dos cassetetes da polícia e mais tarde veio a ser Ministro da Administração Interna, ou o cidadão que aquando da crise académica de 1969, aquando da inauguração da faculdade de matemática em Coimbra se gabava de ter "apalpado" o fundo das costas ao então Presidente da República e mais tarde, feito Secretário de Estado.»

É evidente a referência directa a, respectivamente, Alberto Costa e a Alberto Martins (antigos dirigentes estudantis que chegaram a ministros no regime democrático, em governos do PS), com algumas falsidades à mistura, como a alegada participação do segundo em qualquer humilhação física de Américo Tomás.
Nesta mesma linha, o autor poderia ter acrescentado vários outros casos de perigosos agitadores estudantis dos anos 60-70 que chegaram a altos cargos políticos no regime democrático, incluindo, acima de todos, um que chegou mesmo a Presidente da República (entenda-se: Jorge Sampaio)! Como é que Portugal pode estar sujeito a ter nos mais altos cargos políticos (que deveriam estar reservados para pessoas bem formadas) duvidosas personagens que desafiaram a autoridade legítima do Estado Novo, as cassetetes da polícia de choque e o seu braço protector, a PIDE !? De, facto todos deveriam ser «inibidos de exercerem os seus cargos», como estatui o zeloso tenente-coronel.
Trata-se de um discurso revoltante, cujo aparecimento está porém em sintonia com os sinais dos tempos que correm. Independentemente dos critérios editoriais do "Público", é inacreditável como um discurso retintamente provocatório e odiento como este (note-se a chocante referência à «fuga à frente das cassetetes da polícia») pode ser escrito e publicado hoje em Portugal num jornal sério (ainda por cima escrito num Português periclitante). Decididamente, o revisionismo ideológico da ditadura, aliás com cobertura em certas esferas governamentais de hoje, ainda está para nos reservar desagradáveis surpresas como esta...
Tens razão, João, é caso para um "salto de indignação" -, e de revolta!
[Na imagem: Coimbra, 1969]

Vital Moreira

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

A insensatez da gratuidade do ensino superior

1. Eis o meu artigo de opinião no Dinheiro Vivo de sábado passado, contra a abolição das taxas de frequência ("propinas") no primeiro ciclo do ensino superior público, inopinadamente anunciada pelo Governo neste final da legislatura, manifestamente em vista das eleições no horizonte.

2. Como venho defendendo há décadas, além de ser quase irrelevante em termos de facilitar o acesso ao ensino superior, a abolição das propinas é socialmente iníqua, na medida em que põe a cargo de todos os contribuintes, incluindo os mais pobres, o financiamento do investimento individual na formação académica dos mais abastados. Neste contexto, o que surpreende é que essa medida seja adiantada por um Governo de esquerda, em homenagem acrítica ao velho mito dos serviços públicois gratuitos.

Adenda
No mesmo sentido, com argumentos adicionais, ver o clarividente texto de L. Aguiar-Conraria, "Universidades públicas para ricos", no Público de hoje.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Democratização do ensino superior


Eis uma boa notícia. É pela via da generalização das bolsas de estudo que mais estudantes oriundos de famílias com menos recursos podem chegar ao ensino superior.
Sempre defendi que a "democratização do ensino superior" não é incompatível, como defende a extrema-esquerda, com o pagamento de propinas (por quem tem meios para as pagar). Aliás, quanto mais elevadas forem as propinas maior margem orçamental existe para financiar o aumento das bolsas de estudo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

"Fim da gratuitidade do SNS" - comentários dos leitores

«Completamente de acordo com a segunda parte do seu comentário [no post sobre o "fim da gratuitidade do SNS]. Neste país, em que quem paga impostos são os mais pobres, a ideia de uma taxa moderadora baseada no sistema fiscal é iníqua. Quanto à primeira parte, se aceito o seu ponto de vista segundo o qual estas taxas poderiam vir a revelar-se inconstitucionais, sempre é verdade que pode discutir-se a bondade da solução adoptada na Constituição. Aqui como noutros domínios pode discutir-se se o princípio da universalidade no SNS não leva, em termos gerais, a que sejam os mais pobres a financiar os mais ricos. Parece-me o raciocínio muito semelhante à análise que faz da questão das propinas. Julgo ter lido um artigo seu em que se declarava favorável à existência de propinas --, no pressuposto de que seria possível assegurar uma actuação eficaz de apoio aos que dele precisem através da acção social escolar.»
(J. P. Pessoa e Costa)

«(...) Creio que a inconstitucionalidade da medida anunciada pelo actual Primeiro-Ministro advém (também) de outra ordem de factores: a distinção (basilar em matéria fiscal) entre taxa e imposto. A ser praticada tal medida, teríamos uma total afronta à jurisprudência constante (e no meu modesto entender, correcta) do Tribunal Constitucional: aplicar taxas diferenciadas (lato sensu) a um serviço cujo preço de execução é sempre o mesmo, mais não é do que um imposto indirecto. Sendo ainda mais explícto: "imposto encoberto" (...).
Não que eu discorde da medida. Acontece que para ser praticada seriam necessárias duas coisas: I - uma total alteração da Constituição em matéria fiscal; II - um volta-face do TC na sua jurisprudência (...).
Obviamente, a este pequeno-grande problema acresce o da evasão fiscal, como muito bem realçou.»

(Hugo R. Alves)

terça-feira, 13 de janeiro de 2004

Blogposts nocturnos (5)

1. Favoritismo (I)
Ficou agora a saber-se que, sem qualquer anúncio público, pela calada dos acordos discretos, o Ministro Pedro Lynce tinha ampliado o privilégio da concessão do serviço público à Universidade Católica de Viseu, de modo a contemplar o curso de Medicina Dentária, que antes não estava abrangido. Deste modo, o Estado passa a suportar o diferencial entre as empoladas propinas da UC e as propinas do ensino público (resta saber se tendo em conta o montante mínimo ou máximo legal destas...).
Trata-se de um acto singular de privilégio e uma evidente operação de favoritismo dessa universidade, que obviamente voltou a "capturar" em seu proveito o departamento do ensino superior. Resta saber o que fazem o Tribunal de Contas e a PGR, os quais, recorde-se, têm a seu cargo a defesa da legalidade financeira e administrativa (embora a segunda pratique pouco).
Note-se que o acordo é tão reservado que não se encontra sequer mencionado nem no website da UCP nem no do Ministério do Ensino Superior.

2. Favoritismo (II)
Um parecer oficial do Conselho Consultivo da PGR - que se pode ver aqui -veio confirmar o que toda a gente sabia, ou seja, a ilegalidade do despacho de Pedro Lynce que permitia a entrada da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros no curso de Medicina, ao abrigo de um esquema excepcional cujos requisitos ela não preenchia. Esse acto custou a demissão dos dois ministros, que pagaram assim politicamente a leviandade do favorecimento. Mas o director-geral do ensino superior, que agenciou o tratamento de favor e elaborou o frustrado parecer em que se fundou o acto ilegal, continua em funções. Nem teve a hombridade de se demitir com o ministro cuja queda causou nem foi demitido pelo sucessor daquele (trata-se de um cargo de livre nomeação e exoneração). Há alguma moralidade nisso? Cesteiro que faz um cesto...

3. A honra perdida da ministra das Finanças
O cambalacho da isenção retroactiva do "pagamento especial por conta" (PEC) dos taxistas constitui um fundo golpe na imagem de rigor da Ministra das Finanças. Na verdade, é uma verdadeira imoralidade. Uma vez que aquela medida visava introduzir alguma moralidade em sectores onde quase ninguém paga impostos (e tal é o caso dos táxis), a endrómina que acabou na sua isenção dessa obrigação, incluindo a devolução das importâncias já pagas, destroça qualquer ideia de coerência financeira e de igualdade dos contribuintes. Como é que os demais sectores, não beneficiários da generosidade governamental, podem ficar quietos?
É evidente a cedência à força desestabilizadora dos taxistas. O Governo teve medo e desarmou a contestação à custa do erário público, da igualdade entre os cidadãos e da honra da Ministra das Finanças. Tudo indica que não foi uma boa troca...

Vital Moreira

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Escolas privadas

Diferentemente do que Camilo Lourenço me imputa no Jornal de Negócios, eu não critico nada o facto de as escolas privadas de elite serem procuradas pelos melhores alunos (ou escolherem-nos...).
O que eu sustento é o seguinte: (i) a posição de uma escola no "ranking" tem menos a ver com a sua natureza pública ou privada do que com a origem social dos seus alunos; (ii) são uma minoria as escolas privadas que sobressaem em relação às públicas, sendo isso devido à selectividade social que o seu preço e uma política expressa de selecção proporcionam; (iii) o "vale escolar" não garantiria o acesso a essas escolas a toda a gente, desde logo porque ele não chegaria para pagar as elevadas propinas; (iv) uma política de "vouchers" seria financeiramente incomportável, visto que por cada aluno que saísse dos sistema público, implicando o respectivo custo, não haveria uma idêntica diminuição de despesa, dadas as despesas gerais do sistema público; (v) independentemente disso, um Estado laico deve financiar um ensino público aberto e plural, como forma de inclusão social e de igualdade de oportunidades, e não um ensino segregado de acordo com orientações religiosas ou filosóficas particulares.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Praça da República (36): O custo das alianças à esquerda

1. O problema das alianças de governo à esquerda, como a que parece estar na forja entre o Governo PS, o BE e talvez o PCP, não é somente o seu elevado custo orçamental (aumento da despesa pública permanente e redução da receita, por exemplo, nas propinas do ensino superior e outras taxas dos serviços públicos) e o abandono de instituições testadas e de obrigações assumidas (como as PPP na saúde ou os empréstimos ao Fundo de Resolução do Novo Banco, respetivamente).

Tanto ou mais importante do que isso é o cancelamento de reformas de que o País há muito carece, como a reforma fiscal, a revisão do insustentável regime das carreiras especiais na função pública, a condição de meios em todas as prestações sociais não contributivas, o destino da ADSE, o sistema de pensões, isto para não falar de reformas do sistema político com décadas de atraso, como a reforma eleitoral e do sistema de governo das autarquias locais.

2. Com efeito, contrariamente aos acordos pontuais (por exemplo, sobre um orçamento), que se esgotam aí e podem ser de geometria política variável, os acordos de governo de maior fôlego temporal implicam não somente compromissos políticos sobre as políticas públicas e a ação do Governo, mas também, por via de regra, o reconhecimento de um poder de veto do parceiro negocial sobre os pontos do programa de governo (ou do programa político do partido de governo) com que não concorda. 

Por conseguinte, mais uma legislatura perdida quanto às referidas reformas.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Coerência

Um jornal diário apontava ontem uma alegada contradição a Sócrates, por defender a escola pública no Governo e depois ter os filhos em escolas privadas. Sem razão, porém.
Antes de mais, toda a gente tem liberdade de ter os filhos em escolas privadas, mesmo que defenda a aposta política na escola pública. A diferença essencial está em que, ao contrário de outros, Sócrates não pretende que o Estado lhe passe a pagar as propinas dos seus filhos nas escolas privadas, pelo contrário, e bateu-se mesmo pelo fim das deduções fiscais dessas despesas, pelo menos para os titulares de rendimentos acima da média, o que o abrangeria a ele. Foi o PSD que se opôs ao corte desse subsídio público à frequência de escolas privadas, tal como é a direita que se bate pelo chamado "direito de opçao", ou seja, pelo reeembolso das despesas com escolas privadas pelo Estado.
Por conseguinte, Sócrates defende e implementa convictamente as posições políticas do PS nesta matéria contra os seus próprios interesses pessoais. A isso chama-se coerência republicana com as convicções politicas e desprendimento pessoal. Ao invés, há quem mantenha os filhos em escolas publicas, mas que provavelmente os trasnfeririam para escolas privadas de elite se o Estado pagasse --, o que justamente pretendem que passe a fazer. A isso chama-se instrumentalizar o Estado ao serviço de interesses privativos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Aplauso (15): Uma brecha no malthusianismo profissional

1. É de saudar a criação de uma faculdade de medicina na Universidade Católica, a primeira no ensino superior privado, que vem quebrar a atávica resistências malthusiana do Ordem dos Médicos e dos sindicatos médicos ao alargamento do ensino da Medicina e da formação de médicos, com o falsíssimo argumento do excesso de médicos existente, conseguindo obstruir a ampliação do numerus clausus nas faculdades públicas.
Há muitos anos que travo essa luta. Finalmente, uma vitória.

2. Um das grandes malefícios das ordens profissionais em geral, especialmente no setor da saúde, tem sido a sua permanente luta pela restrição do acesso à profissão, quer pela limitação das vagas nos cursos de Medicina, quer pelas excessivas exigências de formação médica, à custa da liberdade de escolha da profissão (salvo para quem tem meios de obter o curso no estrangeiro) e do constrangimento no SNS no recrutamento de médicos.
Está em causa obviamente manter uma coutada profissional bem-remunerada, com inúmeras acumulações entre o público e o privado e com preços de consultas e serviços médicos mais elevados do que em muitos outros países europeus. Mas, como escrevia há uns anos, sobre o mesmo temaa concorrência profissional não faz mal a ninguém.

3. A criação da nova escola de medicina no ensino superior privado não dispensa as faculdades de medicina públicas de alargarem a sua frequência, pois nem toda a gente tem meios para pagar as elevadas propinas do ensino privado, nem pode impedir a criação de outras faculdades privadas noutras cidades, por entidades que tenham os recursos necessários e ofereçam as devidas garantias. A UC não pode ficar com o monopólio do ensino privado da medicina.
É tempo de liberalizar efetivamente, com as devidas cautelas, o ensino médico e também a formação de médicos, dividindo as águas. O Estado, que tem a seu cargo o SNS, não tem nenhuma obrigação de investir na formação de médicos do setor privado.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Antologia da irresponsabilidade política

O Bloco de Esquerda -- quem havia de ser ?! -- propõe uma amnistia das propinas por pagar no ensino superior. Da próxima vez proporá uma amnistia das multas de trânsito, das contas de água e electricidade, das rendas, dos impostos e das dívidas em geral...
Assim vai a irresponsabilidade política em Portugal!