1. É original a declaração do novo estado de emergência pelo Presidente da República, pois não estabelece a suspensão de nenhum direito fundamental (com o pressupõe a Constituição), limitando-se a autorizar o Governo e as autoridades competentes a «limitar, restringir ou condicionar parcialmente o exercício» vários direitos (liberdade pessoal, liberdade de circulação, liberdade económica, direitos dos trabalhadores, direito ao desenvolvimento da personalidade).
Ou seja, o decreto presidencial cumpre a função típica das leis restritivas comuns, quer quando reitera medidas restritivas já autorizadas por leis existentes, mas que têm suscitado dúvidas (mesmo que infundadas) quanto à sua aplicação, quer quando supre o défice de previsão legislativa das medidas restritivas em caso de crise sanitária, como AQUI se assinalou anteriormente.
2. Resta saber se, para além de comprometer politicamente o Presidente da República na tomada dessas medidas, a declaração do estado de emergência deve servir para socorrer supletivamente a inércia do legislador, com os riscos AQUI apontados.
Poderia dizer-se que a previsão dessas medidas na declaração de emergência afasta a dificuldade constitucional resultante de entre os referidos direitos estarem alguns, em relação aos quais a Constituição não prevê explicitamente a possibilidade de serem restringidos. Todavia, uma vez que tais restrições visam defender o direito à saúde, na sua vertente negativa (direito a não se ser infetado por terceiros), elas sempre poderiam ser constitucionalmente admissíveis, como meio de solucionar a colisão de direitos, como AQUI assinalei.
Em suma, este atípico estado de emergência só pode justificar-se em aras à segurança jurídica, que, aliás, o decreto presidencial invoca expressamente.
Um leitor "menos complacente", como a si próprio se qualifica, argumenta que o decreto presidencial padece de "desvio de poder constitucional", por utilizar a declaração de estado de emergência para fim diverso do previsto constitucionalmente (a restrição de direitos, em vez da suspensão de direitos), e também de incompetência (por avocar poderes legislativos da AR), e ironisa que, embora invocando a "segurança jurídica", o decreto presidencial pode gerar ele mesmo uma maior insegurança jurídica, por causa da sua própria desconformidade constitucional. Eis um desafiante tema para um sofisticado debate académico...