quarta-feira, 6 de abril de 2022

Bloquices (18): Gasolina no fogo

1. Sem surpresa, o Bloco de Esquerda veio anunciar as suas propostas para "combater a inflação", um menu, porém, que, em vez de parar o aumento do custo de vida, não faria senão provocar uma espiral inflacionista. 

Quando o surto inflacionista é movido sobretudo por constrangimentos na oferta, como é o caso agora (energia, bens alimentares, etc.), o congelamento administrativo de preços e o aumento automático de rendimentos tendem a gerar, respetivamente, mais escassez e mais inflação. Um círculo vicioso, onde os mais débeis perdem sempre. 

De resto, não faz sentido que, enquanto a política monetária do BCE encara agora a inflação seriamente, a nível interno fosse adotada uma política fiscal e orçamental e de rendimentos pró-cíclica, que só poderia alimentar mais inflação.

2. Todos estamos condenados a pagar, em erosão do poder de compra, a nossa parte côngrua do "imposto geral" que a inflação sempre implica. Por isso é que a inflação é sempre viciosa.

Como já aqui defendi há algumas semanas, o Governo deve concentrar-se num programa de ajuda às famílias mais vulneráveis (aliás, como já anunciado), para impedir que a inflação aumente os níveis de pobreza, acompanhado de tributação excecional sobre os windfall profits das empresas que tiram partido da escassez e da carestia de bens essenciais, cuja receita ajudaria a financiar aquele programa. 

Numa "economia social de mercado", o papel do Estado pode e deve ser o de moderar o impacto social negativo do surto inflacionista e não o de alimentá-lo e prolongá-lo com pretensas medidas de combate que só podem revelar-se contraproducentes.

Adenda
Um leitor acha que nos devemos felicitar por, depois de 30 de janeiro, «o Governo não estar dependente da irresponsabilidade política do BE e do PCP». Penso que, deixando de ter condições para obter compromissos políticos e orçamentais favoráveis no quadro da "Geringonça", esses partidos também se sentem mais livres de qualquer corresponsablidade governativa, para defenderem as suas posições mais radicais, sem inibições, como genuínos "partidos de protesto" que voltaram a ser.

Adenda 2
Na sua idiossincrásica vocação para a leviandade política - que o levou a alinhar com a extrema-esquerda parlamentar por exemplo na recuperação integral da antiguidade dos professores e na baixa das portagens nas antigas autoestradas SCUT - Rui Rio também veio reclamar a atualização dos salários pela inflação! Mais um político que parte sem deixar saudades políticas...