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sábado, 5 de abril de 2025

Direito à habitação (7): Cidades-fantasma


1. Concordando com o artigo de Ricardo Reis, no Expresso desta semana, também entendo que os preços da habitação estão a subir porque a oferta não acompanha a procura, pelo que, face à dificuldade (ou mesmo impossibilidade) em travar a segunda, a única solução consiste em aumentar a primeira, colocando mais casas no mercado.

No entanto, julgo que o aumento acentuado da procura (para compra ou arrendamento), que incide sobretudo em Lisboa e no Porto, obedece a razões específicas, como a crescente concentração de atividade económica e da oferta de ensino superior nas duas principais cidades, o desvio da habitação para alojamento turístico e o aumento da procura imobiliária por estrangeiros, a que se veio somar o imprudente incentivo do atual Governo à habitação para jovens (ou seus pais), mediante a garantia de crédito. 

Ora, em vez de travar a concentração económica e urbana nas duas principais cidades e de incentivar a procura noutras cidades - desde logo por obrigação constitucional de descentralização territorial e de garantia da coesão económica e social do País -, os governos têm feito o contrário, continuando a concentrar os serviços públicos e o investimento público em Lisboa. 

Ora, é óbvio que o incentivo à procura só torna mais instante a necessidade de aumentar a oferta de habitação

2. Quanto à oferta, parece evidente que o aumento da habitação pública - que deve incumbir aos municípios, e não ao Estado, por respeito do princípio constitucional da subsidiariedade - devia focar-se na garantia do direito à habitação das famílias de menores rendimentos, pelo que a resposta à demais procura de habitação deve ser deixada à oferta privada, como é próprio de uma economia de mercado, embora com os incentivos públicos justificáveis, em vez dos desincentivos ao investimento, como foi a política de congelamento das rendas.

Uma das políticas públicas incontornáveis nesse sentido deveria ser a de obrigar a trazer para o mercado os muitos milhares de edifícios privados (sem esquecer os públicos...) que, em todas as cidades, se encontram abandonados e em vários graus de deterioração, ou mesmo de ruína (na imagem acima, dois casos entre as centenas, em Coimbra), por os proprietários não terem vontade de (ou condições para) as colocarem no mercado, e não serem levados a fazerem-no, como deviam, quer por razões ambientais e de segurança, quer justamente para aumentar significativamente a oferta de habitação.

Ora, está visto que as respostas até agora ensaiadas contra este risco de "cidades-fantasma" - como o agravamento do IMI, a notificação dos proprietários para obras de reabilitação, ou mesmo as obras e o arrendamento compulsivo por via dos municípios - não funcionam, sendo necessários remédios mais eficazes, que, a meu ver, passam pelo seguinte: dar legalmente aos municípios um poder de injunção aos proprietários, acompanhada de incentivos apropriados, para, num certo prazo razoável, tornarem os prédios habitáveis, ou venderem-nos, sob pena de "sanção pecuniária compulsória", por cada mês de atraso. 

Trata-se de um instrumento que tem revelado a sua grande valia em vários ramos do direito, incluindo a regulação económica e a defesa da concorrência, não havendo nenhuma razão para abdicar dele na esfera urbanística e na gestão da oferta  habitacional, em particular.

3. Por razões urbanísticas, económicas e sociais, são reprováveis as situações de abandono de prédios de uso habitacional, ou suscetíveis dele. 

Numa "economia social de mercado" (conceito do Tratado da UE), a propriedade imobiliária impõe obrigações, não sendo admissível um direito de propriedade absoluto, que inclua o direito ao abandono, o qual, aliás, é objeto de expressa censura constitucional entre nós. No seu art. 88º, a nossa Lei Fundamental prevê meios assaz intrusivos no direito de propriedade em relação a ativos em abandono, como o arrendamento compulsivo ou mesmo a expropriação, mas a experiência mostra que tais soluções são pouco viáveis e que é preferível o poder público incentivar e, em última instância, compelir, os proprietários a cumprir as suas obrigações.

Embora legitimando a intervenção supletiva do poder público, as obrigações decorrentes da "função social da propriedade" devem recair, em princípio, sobre os próprios proprietários, cabendo aos poderes públicos fazê-las cumprir -, e é tempo de o fazerem!

domingo, 30 de março de 2025

O que o Presidente não deve fazer (55): A cumplicidade do silêncio

1. Se há uma marca do atual Presidente da República que vai ficar para a posteridade, é a de "Presidente-falante", tão nutrida tem sido sido a torrente das suas intervenções públicas, muitas delas de puro comentário político - papel que, porém, não integra as funções presidenciais -, em manifesto contraste com os seus antecessores, que nesse aspeto deixaram um registo geral entre a contida moderação (como Soares e Sampaio) e o austero recato (como Eanes e Cavaco Silva), o qual, a meu ver, é bastante mais conforme com o perfil constitucional de "poder neutro" e de "garante das instituições" do inquilino de Belém, como tenho defendido nos artigos desta série.

Há, todavia, situações em que a palavra presidencial se impõe, nomeadamente quando está em causa a infração pelo Governo das suas obrigações de conduta institucional, que não podem ser deixadas em silêncio pelo PR, sob pena de cumplicidade, por falha na sua missão constitucional de supervisão do funcionamento regular das instituições. Nessas situações, a loquacidade habitual de MRS torna esse silêncio ainda mais gritante.

2. Tal é o que sucede com o surpreendente silêncio presidencial sobre a notícia de que o Governo, demitido já há duas semanas, apresentou publicamente na sexta-feira passada, dia 28, às câmaras municipais de ambas as margens do Tejo em Lisboa um grandioso e pormenorizado projeto de investimento público de infraestruturas e de habitação, pomposamente chamado "Parque Cidades do Tejo", incluindo o investimento estimado para cada capítulo, no valor total de muitos milhares de milhões de euros.

Não está em causa aqui, obviamente, a crítica política do megalómano projeto de investimento público para a capital do País - que inclui uma nova travessia do rio, subaquática  - , em violação clara da obrigação constitucional de «promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional» (citando o art. 9º da CRP, sobre as "tarefas fundamentais do Estado"), confirmando o Governo Montenegro como Governo de Lisboa, e não do País, que deixa umas migalhas para a "província", sacrificando ostensivamente a "coesão territorial" (outro conceito constitucional, como se pode ler no art. 81º da CRP). 

Mas essa crítica política da ação governamental deve ser evidentemente assumida pela oposição, e não diretamente pelo PR, apesar da sua prática corrente de comentador político

3. O que é manifestamente do pelouro do PR é a ostensiva violação pelo Governo, com a referida iniciativa, de dois limites constitucionais claros, a saber: (i) a restrição de poderes dos governos demitidos, que só podem praticar os «atos estritamente necessários» à gestão dos negócios públicos (art. 186º, nº 5, da CRP) e (ii) a imparcialidade política das entidades públicas - incluindo, portanto, o Governo - na pendência de atos eleitorais (art. 113º da CRP).

Ora, não se vê porque é que aquele megaprojeto tinha de ser anunciado agora aos beneficiários e não podia esperar pelo novo Governo saído das eleições - até porque não pode avançar na sua concretização -, salvo obviamente para favorecer as candidaturas da AD nas eleições parlamentares de maio e nas eleições autárquicas do outono. Claro abuso de poder, portanto.

Que o Governo de Montenegro não tenha escrúpulos em sede de moral política, já nos vamos habituando, mas o PR não pode ser conivente com ele, quando está em causa também uma dupla violação das obrigações institucionais daquele -, o que, de resto, não é a primeira vez que denuncio. Por isso, MRS deve interromper o silêncio que se impôs como "comentador político", por causa das eleições, justamente porque há uma situação que reclama a sua intervenção a outro título bem mais importante, como garante do regular funcionamento das instituições

Adenda
Na sua página do Facebook, Neto Brandão, deputado por Aveiro (PS), protesta, com toda a razão, contra o facto de o próprio PM, que já anunciou a sua candidatura à AR por esse distrito, ir inaugurar hoje, dia 30, três USF nesse distrito, aliás já abertos há tempo, comentando ser óbvio que não se trata de nenhum ato "estritamente necessário" ao seu funcionamento e que, portanto, as cerimónias só podem ser entendidas por aquilo que são, ou seja, «como despudoradas ações de pré-campanha eleitoral». Com efeito, além do abuso de poder, é uma rasteira instrumentalização política do cargo para efeitos eleitorais!

sábado, 15 de março de 2025

Contra a corrente (12): Mais despesa militar, para quê?


Como se vê nesta figura (colhida AQUI), mesmo sem os EUA, o Canadá e a Turquia, a Nato europeia tem mais tropas do que a Rússia, apesar de esta estar mobilizada para a guerra na Ucrânia há três anos; e, como mostrei anteriomente (AQUI), também tem uma despesa militar superior. 

Porquê então um aumento exponencial da despesa militar da UE e dos seus Estados-membros, como se está a decidir, com aplauso meswmo dos partidos de esquerda, à custa de mais dívida pública, de menos investimento público em áreas críticas para o crescimento económico e do sacrifício do Estado social?!

Com o fim da guerra na Ucrânia na agenda política e a perspetiva de um acordo de segurança recíproca com a Rússia, esta "política de guerra" da União é ainda menos justificável.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Contra a corrente (11): "Canhões" em vez de "manteiga"

1. Vai por aí, em toda a Europa, uma onda a favor do aumento substancial da despesa militar, que começou por fixar o objetivo de 2% do PIB, mas que agora já vai em mais de 3%, o que em vários países significaria mais do duplicar o seu atual nível, como seria o caso de Portugal, passando de 3 000 milhões, por ano, para 6 400 milhões de euros

Capitaneada pelo Secretário-geral da Nato, esta onda é vigorosamente instigada pelos países do Leste europeu e acompanhada pelos líderes da UE e do Reino Unido, especialmente depois de Trump ter anunciado o abandono pelos EUA do seu papel de escudo da defesa da Europa ocidental, que assumira, no quadro da Nato, desde o início da "guerra fria" entre o ocidente e a então União Soviética.

A principal alavanca desta corrida armamentista é uma alegada ameaça russa, que a invasão da Ucrânia teria ilustrado. Ora, para além desse inverosímil pretexto (como mostrei AQUI), os factos mostram que a Europa ocidental já dispõe de uma evidente vantagem sobre a Rússsia, não só em população e capacidade económica, mas também em poderio militar, pois como mostra a figura junta (colhida AQUI), só por si, os três maiores países europeus da Nato (Alemanha, Reino Unido e França), têm em conjunto uma despesa militar muito superior à russa (231 mil milhões de dólares contra 146 mil milhões), apesar de esta estar em guerra há três anos. 

Mesmo que a tal ameaça russa tivesse algum fundamento, não se vê por que é necessário multiplicar a despesa militar ocidental para a dissuadir eficazmente.

2.  No estado atual das finanças públicas dos países europeus (défice e endividamento público elevados, problemas de sustentabilidade dos sistemas de saúde e de pensões, etc.), o esforço orçamental para satisfazer uma subida da despesa militar daquela grandeza só seria possível, ou mediante uma subida da carga fiscal (já hoje muito elevada) ou, mais provavelmente, mediante um corte sério noutras despesas públicas, desde o investimento público (afetando o crescimento económico, já de si débil), passando pela ajuda internacional ao desenvolvimento (de que dependem tantos países pobres), até à despesa social, em saúde, educação, proteção social -, despesa esta que costuma ser o primeiro alvo em situações de constrangimento financeiro dos Estados.

A tese de que é possível gastar muito mais em "canhões" sem cortar na despesa em "manteiga", parece-me de todo improcedente, tanto mais que a despesa social não para de aumentar, desde logo por razões demográficas. No caso português, não se vê como é que se pode somar à despesa em defesa mais de 3 000 milhões de euros por ano, sem cortar na despesa social. 

Como a experiência passada mostra, se os maiores beneficiários do aumento da despesa militar são a indústria armamentista e os países mais avançados nela, a sua vítima imediata, e a longo prazo, é o Estado social. O que resta é sempre uma opção entre o Estado social e o "Estado militar".

Adenda
Uma leitora sugere que o financiamento adicional da despesa militar, supondo a sua necessidade, poderia vir, ou por via da flexibilização, pela UE, das regras orçamentais nacionais, retirando o investimento militar do cálculo do défice, ou pelo recurso ao endividamento da União, repetindo a solução adotada para o fundo de investimento em vigor, ou por uma combinação das duas vias.  Duas objeções a estas soluções: (i) a 1ª pode retirar a nova despesa militar do cálculo do défice, mas não do cálculo da dívida pública, que é o que conta; (ii) a segunda implica aumento do endividamento da União (aliás, não previsto nos Tratados...), que depois vai ter de ser pago pelo seu orçamento, seguramente à custa de outras despesas, muito provavelmente as da política de coesão.  Ou seja, não há canhões grátis, e sabe-se que, como é de recear, são o Estado social, a nível nacional, e a coesão territorial, a nível da União, quem os vai pagar...

sábado, 14 de dezembro de 2024

Eleições presidenciais 2026 (2): O perfil do PR

1. Considerando que «a função presidencial merece um debate - público, para ser democrático -», o ex-minisstro do PS e ex-presidente da AR, Augusto Santo Silva, publica no Expresso de ontem um importante texto sobre o que entende dever ser o perfil do Presidente da República a eleger em janeiro de 2026.

Poucas vezes se terá escrito tão acertadamente, fora dos circulos académicos, sobre os contornos político-constitucionais do cargo presidencial entre nós.

2. Vale a pena respigar os trechos mais densos politicamente, destacando a negro as ideias-chave:

Por si só, o egocentrismo constitui impedimento inultrapassável ao exercício da Presidência; e o mesmo se diga de qualquer inclinação caudilhista. Quem reclame ser a voz do “povo” contra os “políticos”, qual anjo vingador da “pureza” contra a suposta degradação da vida pública, quem pretenda ser investido de autoridade suprema sobre o conjunto das instituições (nelas incluídas os partidos), só demonstra incompreensão do papel presiden­cial. Não merece confiança. 
O Presidente serve a Constituição, não o contrário. É preciso regressar ao entendimento escrupuloso da Lei Fundamental. O Presidente não tutela o Governo, o qual responde politicamente perante o Parlamento. Não é colegislador. Não tem de ser a favor ou contra a política e a ação do Executivo, mas sim apoiá-lo institucionalmente, qualquer que seja, nos termos da solidariedade devida entre os órgãos do Estado.
O Presidente não tem de se substituir à oposição, nem avaliá-la, nem intrometer-se nos debates parlamentares, nem interferir direta ou indiretamente na vida dos partidos, nem funcionar como comentador omnipresente dos atos dos outros. Deve respeitar a vontade do eleitorado e a composição parlamentar, evitando ser — ou ser usado como — fator de instabilidade. Deve pesar as palavras e falar com clareza, recusando liminarmente manipular meios oficiosos e fontes anónimas. Deve recorrer às soluções que a Constituição lhe outorga — a demissão do Governo, a dissolução do Parlamento — com a maior das parcimónias, isto é, em último, mas último caso, se nenhuma outra solução menos extrema for possível. 
O Presidente não tem de opinar sobre os aspetos concretos do regime laboral dos médicos, das remunerações dos polícias, da carreira dos professores, da tabela do IRC ou do trajeto do TGV. Deixará ao debate parlamentar e à dialética entre o Governo e a oposição, ou entre o Estado e os parceiros sociais, os contornos específicos das políticas públicas, incidam elas sobre a rede viária ou os incentivos ao investimento. Aliás, sempre que o Presidente em funções decidiu alimentar ou ecoar as expectativas sociais sobre tais assuntos, veio invariavelmente a causar deceção, exatamente porque não dispõe dos poderes de governar; e, sempre que se deixou arrastar para a crítica sistemática das decisões ou omissões governamentais, a sua credibilidade veio, a prazo, a ressentir-se, porque a Presidência não é, nem deve ser, um contrapoder. (...)
A frequência com que se tem distorcido a função presidencial, colocando-a erradamente ao nível de Governo e Parlamento e encaminhando-a ainda mais erradamente para o terreno das medidas políticas de curto e médio alcance, leva a esquecer as responsabilidades nucleares do Presidente. É indispensável voltar a conceder-lhes toda a atenção.
A Presidência não é um cargo executivo. A sua missão é facilitar, não estorvar, a ação dos órgãos executivos e legislativos, respeitando as competências de cada um e a dialética política própria de uma democracia. É favorecer os processos de concertação também característicos da poliarquia democrática: entre Estado, regiões autónomas e autarquias; entre Estado e parceiros sociais; entre Estado, sociedade civil e empresas. 

3. Como costumo dizer quanto a textos de que gosto especialmente, "gostaria de ter escrito isto"! 

É fácil concluir que o mandato do atual titular do cargo não encaixa, de todo em todo, neste perfil do PR. Tendo eu apontado desde há muito, neste blogue e fora dele, as minhas discordâncias com o mandato de M. Rebelo de Sousa, é bom saber que se não trata de uma opinião isolada nem descabida.

Adenda
Um leitor observa que «lamentavelmente, TODOS os Presidentes que tivemos até agora dissolveram Parlamentos em casos onde soluções menos extremas eram, de forma muito evidente, possíveis. Ou seja, todos eles foram, em algum momento, causas de instabilidade política desnecessária». Todavia, mesmo nesse ponto, o atual PR bateu o record, com duas dissoluções da AR - a última as quais, manifestamente indevida - e a dissolução de ambos os parlamentos regionais, dos Açores e da Madeira. Se os inquilinos do Palácio de Belém tivessem cognome, como os antigos reis, MRS bem poderia ficar conhecido como o "racha-parlamentos"...

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Como era de temer (11): À custa do serviço público

1. Contrastando com as muitas medidas favoráveis aos média privados, previstas no anunciado Programa de Ação para os Media, no valor de muitos milhões de euros (apoio à contratação de jornalistas, a assinaturas digitais, a programas de formação, etc), o Governo prevê o corte, em três anos, de toda a publicidade comercial na RTP, que atualmente vale 18 milhões de euros por ano.

Para além da óbvia transferência dessa publicidade e respetivas receitas da televisão pública para as televisões privadas, a supressão dessa receita da RTP, sem compensação noutras receitas, ostensivamente não prevista, vai traduzir-se necessariamente na diminuiação sensível da sua capacidade de investimento, tanto mais que os seus encargos são aumentados com novas tarefas, como o combate à desinformação, com os inerentes custos adicionais. Menos receita e mais despesa..

Ou seja, um manifesto empobrecimento das condições de prestação do serviço público de televisão.

2. Como era de temer neste Governo de direita, a opção política é clara: apoiar o setor privado da CS (e "comprar" o respetivo apoio político) não somente por via do considerável aumento de despesa pública em subsídios vários - com o inerente risco para a independência dos média em relação ao Governo -, mas também à custa do sacrifício do próprio serviço público de televisão. Neste programa governamental há claros ganhadores e um manifesto perdedor, apesar de a garantia deste ser constitucionalmente uma obrigação do Estado.

Mas, como é bom de ver, as obrigações constitucionais contam pouco para este Governo, quando cosntituem barreira às suas óbvias opções políticas e doutrinárias.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Um pouco mais de coerência sff (3): Abolição das portagens nas SCUT

1. Nunca deixei de manifestar-me, primeiro contra as autoestradas SCUT (por exemplo AQUI) e depois contra a redução ou abolição das portagens, uma vez instituídas. Por isso, não poderia apoiar o projeto do PS, aliás de acordo com o seu programa eleitoral, de tornar gratuitas algumas delas - que a seu tempo critiquei -, o qual, pelos vistos, vai ser aprovado, mercê do apoio do Chega, apesar da oposição do Governo.

O Governo PSD-CDS começa a pagar politicamente a sua situação ultraminoritária, como era de esperar. 

2. Porém, o que o Governo não pode fazer é vitimizar-se, acusando as oposições de "coligação negativa", muito menos de "conluiu" (que supõe um acordo), pela simples razão de o PSD ter feito o mesmo no ultimo Governo minoritário do PS, convergindo com a oposição de esquerda para aprovar várias medidas de aumento de despesa pública ou de redução da receita, incluindo a redução em várias SCUT no orçamento para 2021. 

Se o PS faz agora ao Governo PSD aquilo que não gostou que este fizesse ao Governo minoritário socialista, o PSD não pode agora queixar-se daquilo que ele próprio fez quando era oposição. Impõe-se um módico de coerência política a ambos os partidos de governo, que têm de viver com a fórmula de governo minoritário. 

Adenda
Um leitor comenta: «Que triste figura fazem ambos na história das portagens. Diminuir, ainda vá, mas suprimir? O PS não deve ter pressa de derrubar o Governo», nem - acrescento eu -  dar-lhe pretexto para se demitir e abrir nova crise política, imputando ao PS a responsabilidade. É um risco a evitar.

Adenda 2
As empresas de transporte ferroviário, a começar pela CP, têm razão de queixa contra a isenção de portagens em várias autoestradas do interior (e Algarve), pois não gozam de igual isenção da tarifa ferroviária que pagam à Infraestruturas de Portugal nas linhas ferroviárias das mesmas regiões, que este ano aumentou 23%! Parece evidente que, por exemplo, a isenção de portagens na A25, embaretecendo o seu uso, vai prejudicar o grande investimento público em curso na linha da Beira Alta. Em vez de se favorecer o modo ferroviário, como devia ser, desde logo por razões ambientais, favorece-se o modo rodoviário. Vindo do PS, é contraditório.

Adenda 3
Mesmo que esteja empolado nestas contas do Governo, o impacto acumulado da eliminação de portagens em várias SCUT nas finanças públicas não pode deixar de ser significativo, tornando mais árduo o objetivo do equilíbrio orçamental. Mas, como refiro acima, este caminho começou em 2020 com uma "coligação negativa" das oposições, entre as quais o PSD, contra o Governo Costa II.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (44): A lição de 1987 e de 2021-22

1. Não me conto entre os que auguram vida curta ao novo Governo do PSD-CDS, atendendo à sua base parlamentar ultraminoritária (80 deputados em 230). Pelo contrário.

O meu argumento é o seguinte: nenhum Governo minoritário (mesmo Cavaco Silva em 1985 ou Guterres em 1995) iniciou funções em condições económicas e financeiras tão favoráveis como este: economia a crescer, emprego e salários a subir, folga orçamental substancial e receitas públicas a aumentar, peso da dívida pública a descer, o PRR a "bombar" financiamento do investimento público e privado, inflação controlada. Acresce que a esperada descida da taxa de juros pelo BCE vai facilitar o crédito ao consumo e ao investimento, estimulando o crescimento, e aliviar os encargos do crédito à habitação.

A não sobrevir nenhum fator adverso inesperado, basta ao Governo explorar adequadamentea a herança recebida para sobreviver e, mesmo, ser bem-sucedido.

2. Com efeito, nestas condições extremamente favoráveis, o Governo bem pode começar por satisfazer as reivindicações das corporações do setor público que tanto "azucrinaram" o Governo cessante (professores, polícias, militares, pessoal do SNS), apesar do significativo aumento da despesa pública corrente que elas implicam, e preparar a "compra" do voto do Chega no orçamento no final do ano, incluindo o início da prometida desoneração fiscal e do novo aumento das pensões mais baixas.

Se as coisas não decarrilaram, por inépcia ou sofreguidão governamental, não se vê como pode verificar-se uma convergência do Chega e do PS para derrubar o Governo (e só ela o poderia deitar abaixo). Como fazem lembrar as experiências em 1987 (derrube do I Governo de Cavaco Silva) e de 2021-22 (derrube do II Governo de A. Costa) - que resultaram em maioria absoluta do Governo derrubado, nas eleições subsequentes -,  o pior que as oposições podem fazer é juntarem-se para derrubarem um Governo minoritário a quem as coisas estão a correr bem.

Adenda
Um leitor socialista, concordando com o post, considera que, «depois desta pesada derrota, o próprio PS precisa de tempo para se recompor e para construir em novos moldes a sua relação com os eleitores e, por isso, não pode precipitar uma queda rápida deste governo». Estou de acordo, como argumentei AQUI.

Adenda 2
Um leitor adiciona um outro fator favorável ao novo Governo: o «apoio ativo do Presidente da República, em vez da oposição pública que moveu contra o último governo do PS». Tem razão: a ajuda de Belém pode ser decisiva.

Adenda 3
Manifestado a sua concordância com o post, outro leitor comenta: «o que me espanta é como é que o PS foi tão penalizado, precisamente com esta situação económica e social, e, obviamente, como é que os votos vão parar a um partido sem qualquer programa político que se entenda, recebendo ainda, massivamente, o apoio dos emigrantes portugueses lá fora, quando se trata de um partido que hostiliza a imigração». Tem razão: na era do populismo e das redes sociais, a política tem razões que a razão política desconhece.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Como era de temer (9): Abuso de poder qualificado

1. Passam hoje 4-quatro-4 meses desde que, a 7 de novembro do ano passado, o primeiro-ministro António Costa se viu forçado a demitir-se, no seguimento da publicação de um comunicado da PGR que o dava como sujeito a investigação pelo MP junto do STJ, por suspeita de delitos não identificados no âmbito do processo Influencer.

Nestes quatro meses, Costa não foi ouvido pelo MP nem lhe foi dada nenhuma informação sobre o processo, nem sequer sobre o crime de que é alegadamente suspeito. Por via do Observador - pelos vistos, órgão oficioso do MP -, mas sem confirmação oficial, ficou a saber que é suspeito de prevaricação no referido processo.

Este longo silêncio do MP constitui manifestamente um inqualificável abuso de poder.

2. Escandalosamente, uma pessoa, prestes a deixar funções de primeiro-ministro (por nomeação de novo Governo), é mantida indefinidamente em suspenso quanto à sua vida pessoal, profissional e política, como refém político do Ministério Público.

Hoje mesmo, o influente semanário europeu Politico dedica um longo trabalho a António Costa (imagem supra) e pergunta se ele será ilibado a tempo de poder ser candidato a presidente do Conselho Europeu, como muitos observadores vaticinavam antes do misterioso episódio que o vitimou há quatro meses. Pelos vistos, o MP não poupa esforços para impedir esse desenlace.

Adenda
Respondendo à dúvida de um leitor, a prevaricação consiste, nos termos da lei penal, na conduta de um titular de cargo político que, «atuando contra o Direito», atua de forma a beneficiar ou prejudicar alguém. Ora, tanto quanto se sabe pelo que veio a público, o PM limitou-se a apoiar a mudança da lei aplicável a um importante investimento em Sines (para o que o Governo tinha competência), de forma a viabilizar esse investimento de elevado interesse público (o que é inquestionável); portanto, a meu ver, nem conduta ilegal (pois não é "ilegal" alterar uma lei) nem benefício de ninguém, salvo do interesse público.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Aplauso (36): Confiança externa

1. Saúde-se, como deve, o facto de Portugal beneficiar agora do rating A em todas as principais agências de notação da dívida pública, com as inerentes vantagens desde logo quanto ao custo da dívida (quer pública quer privada), o que constitui um justo prémio à prudente política orçamental dos governos socialistas desde 2015, que levou à atual situação de excedente orçamental, reduzindo não somente o peso da dívida pública no PIB, mas também o próprio stock da dívida.

Defendendo há muitos anos o equilíbrio orçamental e a redução da dívida pública, apraz-me registar esta demonstração prática de que a prudência orçamental também é uma política de esquerda.

2. Importa sublinhar devidamente este enorme êxito político, sem deixar de notar que ainda há muito caminho a fazer para alcançar o objetivo da UE de redução da dívida pública para 60% do PIB, com o inerente alívio dos respetivos encargos orçamentais e a correspodente poupança de recursos para investimento público.

Esta advertência é especialmente importante no atual contexto político-eleitoral, quando os partidos de direita em geral avançam com irresponsáveis promessas eleitorais de aumento da despesa pública e de redução drástica de impostos, que só podem resultar no regresso dos défices orçamentais e do aumento da dívida pública.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Contra a corrente (4): Pelo aumento das propinas

1. Estou inteiramente de acordo com esta opinião do Prof. Luís Aguiar-Conraria, que vem acrescentar um valioso argumento a favor do aumento das propinas no ensino superior.

Sempre fui a favor das propinas no ensino superior - que não é um serviço público universal como o ensino básico e secundário -, ao abrigo do princípio beneficiário-pagador, uma vez que o ensino superior é antes de mais um investimento dos estudantes no seu próprio futuro profissional, devendo portanto ser financiado pelos próprios, e não por transferências orçamentais, à custa dos impostos de todos (ressalvadas as "externalidades positivas" para a sociedade).

2. No entanto, contra esta boa doutrina, nos últimos governos do PS, por pressão do PCP e do BE, verificou-se uma substancial redução das propinas - a que naturalmente me opus -, aumentando a dependência das IES das transferências orçamentais, pondo em causa a sua autonomia, que é tanto menor quanto menor for a sua autossustentabilidade financeira.

Infelizmente, o mito do ensino superior gratuito não é privativo da esquerda radical, contaminando também a "ala bloquista" do PS, incluindo um anterior ministro do ensino superior. A constituency dos estudantes do ES, que obviamente querem "universidades SCUT" (ou seja, à custa dos contribuintes), é demasiado influente. Aguardemos, sem ilusões, o que o próximo programa eleitoral do PS vai dizer sobre o assunto.

Adenda
Um leitor relembra o óbvio: a democratização no acesso ao ES «deve ser feita pelo Estado por meio de bolsas de estudo para quem precisa e não pelo gratuitidade transversal, que beneficia quem não precisa». E parece evidente que quanto mais transferências orçamentais o Estado tiver de fazer para sustentar as universidades, por insuficiência de recursos próprios destas (incluindo as propinas), menos disponibilidade orçamental haverá para alargar a cobertura e elevar a importância das bolsas de estudo - sendo aí que o Estado deveria investir (como sempre defendi). Conclusão: a redução/abolição das propinas acaba por funcionar contra os mais pobres!

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Eleições parlamentares 2024 (32): Benesses aos ricos

Depois de o PSD ter defendido os "contratos de associação" com escolas privadas como alternativa à escola pública - o que visa obviamente subsidiar os que já frequentam o ensino privado, ou seja, os filhos de famílias com rendimentos condizentes -, a AD vem agora defender que o Estado se torne garante do crédito à compra de habitação de jovens (suportando o respetivo risco), o que, mais uma vez, visa beneficiar quem tem rendimentos suficientes para tal investimento, o que é uma minoria das famílias.

Pelos vistos, para o PSD o "Estado social" não está ao serviço de todos, sobretudo de quem menos tem, mas antes ao serviço dos privilégios dos que mais têm. Mesmo que os meus netos pudessem ser beneficiários de tais benesses, recuso que os meus impostos sirvam para alimentar privilégios de classe, à custa de toda a coletividade.

Adenda
Um leitor objeta que «os contratos de associação com escolas privadas já existem na lei» e que «o financiamento público será compensado pela menor despesa com as escolas públicas». Trata-se, porém, de uma falácia: (i) a lei em vigor só prevê contratos de associação em caso de insuficiência de escolas públicas (o que é cada vez mais raro), e não como alternativa a estas, ao abrigo de um alegado "direito de opção"; (ii) é óbvio que o financiamento de escolas privadas fora dos casos de insuficiência do ensino público não isenta o Estado de sustentar as escolas públicas, mesmo com menos alunos, pelo que haverá necessariamente aumento da despesa pública ou corte no adequado investimento na escola pública. Mais importante do que isso, o financiamento público de escolas privadas em concorrência com as públicas viola manifestamente a prioridade e a universalidade constitucional do ensino público, política e religiosamente neutro. Gostaria de saber qual é a resposta do PS a esta provocação política e constitucional da direita.

Adenda 2
Outro leitor pergunta se também sou contra «as PPP para a construção e gestão de hospitais do SNS», que a AD quer recuperar. Esta solução nada tem a ver com a outra, tratando-se somente de concessão da construção e ou gestão de equipamentos públicos, que permanecem no setor público. Não há aqui nem financiamento público de hospitais privados, nem "direito de opção" dos utentes entre o público e o privado, nem aumento de despesa pública (pelo contrário). Por isso, considerando o valor acrescentado que a gestão privada pode trazer ao SNS e o bench marking que pode proporcionar à gestão pública, desde há muito que me manifestei a favor dessa solução, tendo lamentado a sua injustificada interrupção por pressão do PCP e do BE (que considerei um erro político). Parece-me evidente que o PS também de revisitar esta questão.

Adenda 3
Um leitor argumenta que o apoio do Estado à compra de habitação por jovens já existiu, através da bonificação de juros. Pois já, e também nessa altura me opus a tal benesse, que redundava num subsídio às famílias com capacidade financeira bastante para comprarem casa em nome dos filhos. Coerentemente, já na altura me opus.

Adenda 4
Um leitor afirma que também «há muitos socialistas, incluindo dirigentes, com os filhos em escolas privadas». Pois há, e têm esse direito. A diferença radical está em que, ao contrário da direita, eles não propõem que seja o Estado a pagar-lhes a escola. Em vez disso, apesar de não usufruírem da escola pública, contribuem de bom grado para o seu financiamento.

domingo, 12 de novembro de 2023

Um pouco mais de jornalismo, sff (25): Cumplicidades

Neste lamentável episódio da crise política aberta pelas suspeitas do Ministério Público, que tem demasiadas vítimas pessoais e políticas injustas (a começar pelo Primeiro-Ministro) e que vai custar muito ao País, política e economicamente, não deixa de surpreender o entusiasmo com que a comunicação social em geral (incluindo "jornais de referência") dá cobertura à versão do MP, sem o mínimo de distanciamento e de análise crítica. 

É óbvio que a queda de um Governo sob suspeita de corrupção e a abertura de uma crise política são temas "picantes", que vendem muito papel e tempo de antena e muita publicidade e dão protagonismo a jornalistas, comentadores, politólogos, constitucionalistas, especialistas de várias disciplinas e "tudólogos" avulsos, para muitos minutos de glória pessoal. E é certo também que, desde há muito, os media têm no MP um aliado importante, quer para a violação sistemática do segredo de justiça (incluindo neste caso, como denuncia hoje Cândida Almeida), que alimenta manchetes e vendas, quer na impunidade do respetivo crime, que aquele apagou do Código Penal, pelo que convém cultivar tal cumplicidade. 

Mesmo assim, em vez de alinhar acriticamente numa caça-ao-governante-supostamente-corrupto, "engolindo" a versão interessada do MP, um jornalismo decente deveria observar um módico de espírito crítico e de respeito pela verdade e pela inteligência dos cidadãos.

Adenda
Por exemplo, o Jornal de Notícias de hoje informa, em título, que «Start Campus influenciou legislação sobre cabos em Sines». Mas, sendo isso verdade, o que é que há de penalmente ilícito, ou sequer ilegal, quer no lobbying da empresa, quer no resultado que conseguiu, se o Governo se convenceu, ponderados os argumentos, que se tratava de um investimento de máximo interesse para o País, e se nem a empresa ofereceu nem ninguém no Governo recebeu nenhum "pagamento" em troca (do que, aliás, ninguém sequer é suspeito)? A decisão de facilitar o investimento e o processo da sua aprovação até podem ser politicamente controversos, mas o eventual juízo de censura compete à oposição, no Parlamento e fora dele, e não ao Ministério Público, mediante a tentativa de criminalizar artificialmente aqueles atos.

Adenda 2
Outro exemplo consta no Público de hoje, que anuncia, também em título, que «MP diz que Costa pressionou ou, pelo menos, deu aval a pressões sobre Secretária de Estado» quanto a um diploma favorável à Start Campus. Mas, de novo, qual é problema de legalidade ou de ilícito criminal aqui? Se o Governo se convenceu, certamente com bons fundamentos, que tal investimento era importante para o País, é natural que tomasse as providências necessárias para o viabilizar. Para mais, sendo o PM o chefe do Governo, falar em "pressões" sobre uma secretária de Estado é, além do mais, ridículo. Se este é o tipo de "provas" do MP contra o PM, como confirma quem teve acesso ao documento, então não se vê como é que podem vingar no tribunal.

Adenda 3
Felizmente há exceções nesse coro, como é o caso deste artigo de Henrique Raposo no Expresso, qualificando o Ministério Público como «aliado do Chega». Com toda a razão, e aliás com uma diferença que agrava as coisas: o Chega é explícito no seu propósito de atacar a elite governante e subverter a democracia liberal, e fá-lo às claras, no terreno do combate político, enquanto o MP o faz "pela calada" e instrumentalizando ilegitimamente os seus poderes institucionais ao serviço do mesmo combate político.

Adenda 4
A terrível palavra "corrupção" foi brandida um milhão de vezes estes dias contra o Governo e os ministros presumivelmente implicados. Mas, afinal, depois de primeira decisão judicial sobre o caso, nenhum governante está acusado de corrupção. Vão os media, que abusaram dela, engolir a acusação?!

sábado, 11 de novembro de 2023

Ai, Portugal (11): O Ministério Público é intocável?


1. Compreendo o apelo de António Costa ao PS para não entrar num ataque ao Ministério Público, primeiro porque isso levaria este a fazer-se de vítima, invertendo os papeis, e depois porque, ainda não há muito tempo, o PS primou na defesa do MP contra a reforma proposta pelo PSD, sob a presidência de Rui Rio, acusando-a de atacar a "autonomia" e a "independência" da instituição (atenção que o MP "retribui" agora, forçando a demissão do Governo PS...). 

Todavia, não sendo eu filiado no PS, nem tendo compartilhado do ataque à iniciativa do PSD, não tenho que respeitar essa obrigação de silêncio perante este verdadeiro "golpe de Estado" do MP (a expressão é tomada emprestada daqui), que levou à demissão do Primeiro-Ministro e deu o ambicionado pretexto ao PR para dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, interrompendo a legislatura antes de decorrida metade dela. 

Ora, estamos perante uma sucessão de atos demasiado graves e bem encadeados e cerzidos, que não deixam dúvidas de que obedecem a um deliberado propósito de provocar o máximo de danos políticos ao PS e ao País.

2. De facto, não pode deixar de merecer frontal condenação, não somente o desaforo de transformar num nefando "plano criminal" uma comum operação de lobbying empresarial bem-sucedida relativamente a um vultuoso investimento estrangeiro vantajoso para o País e a correspondente liberdade governativa de o avaliar, onde não há um mínimo vislumbre de corrupção relativamente aos governantes visados, mas também a inacreditável justificação sumária e displicente da abertura de "inquérito" ao PM no final do comunicado da PGR de 7/11, sabendo que tal só poderia resultar na sua demissão imediata, para culminar no cínico "esclarecimento" de hoje, de onde se fica a saber que a investigação sobre António Costa começou em 17 de outubro e que vai ficar dependente da evolução do demais processo, ou seja,  sem fim à vista, tudo sem que a PGR tivesse o mínimo cuidado de informar, à puridade, o PR  - a quem deve a nomeação e de cuja confiança institucional depende - dessas graves circunstâncias. 

Se o "libelo" constante da pseudoinvestigação não passa de uma laboriosa, mas mal urdida, "inventona", denegando ostensivamente a indeclinável esfera de liberdade política do Governo, a atitude da PGR revela uma inaceitável e comprometedora deslealdade institucional. 

3. Não satisfeito com a demissão de dois ministros de António Costa - Azeredo Lopes, da Defesa, e Eduardo Cabrita, da Administração Interna, ambos entretanto ilibados pelos tribunais, expondo a leviandade do Ministério Público na sua acusação -, o ativo "comando de caça-políticos" do MP resolveu visar mais alto, nada menos do que outros dois ministros e o próprio chefe do Governo, sabendo bem que, em relação a este, bastaria a publicação de qualquer suspeição, por mais infundada que fosse - como é o caso -, para o fazer demitir e provocar a queda do Governo, lançando o País numa crise política sem precedentes.

Ora, não podiam deixar de ser facilmente antecipáveis as nefastas consequências da demissão do Governo, tanto no plano político - provavelmente meio ano sem Governo e a previsível instabilidade governativa subsequente -, como no plano económico - desde a perda do importante investimento em causa, ao adiamento da decisão sobre o novo aeroporto, passando pelo atraso dos investimentos do PRR - e no plano financeiro - eventual desconfiança dos mercados financeiros e consequente agravamento do custo da dívida pública -, sem esquecer o devastador efeito sobre a reputação externa do País e sobre a confiança dos investidores estrangeiros.

Por isso, a irresponsável investida do MP contra a liberdade política do Governo, e em especial a conduta negligente da PGR, não podem passar à margem do julgamento público sobre esta crise política e as suas consequências.

4. Há quem ache que atacar o MP equivale a atacar a justiça. Nada de mais falso, porém!

A justiça é função dos juízes, constitucionalmente imparciais, independentes e irresponsáveis pelas suas decisões. O MP é simplesmente uma instituição auxiliar da justiça, especialmente quanto à investigação e à acusação penal, devendo, porém, mesmo aí, respeitar as prioridades de política penal definidas pela AR. Os magistrados do MP não são nem imparciais, nem independentes, nem irresponsáveis, estando inseridos numa hierarquia chefiada pelo PGR, e sendo pessoalmente responsáveis pela sua atividade, em última instância perante ele. O próprio PGR só é relativamente independente, visto que é livremente nomeado e demitido pelo PR, sob proposta do Governo, sendo, portanto, institucionalmente responsável perante aquele. 

Além disso, não sendo um órgão judicial, mas somente judiciário (o que não é a mesma coisa), o MP deve também prestar contas perante a AR e o País, por intermédio do PGR. A pretensa independência do MP, como se fosse uma magistratura equiparada à magistratura judicial, é uma ficção e um estratagema para torná-lo indevidamente imune à crítica pública. 

Decididamente, é preciso reverter o MP e o PGR para o seu lugar constitucional de órgão auxiliar da justiça responsável perante o PR e a AR, e não de um quarto poder político, sem a inerente legitimidade nem responsabilidade política, abusivamente autoerigido em instrumento de controlo da liberdade política dos governos na prossecução do interesse público.

Adenda
Causa fastio político ver comentadores da área do PSD aplaudir esta inaceitável tentativa de criminalização da incontornável liberdade de ação governamental na atração de IDE, esquecendo as recentes propostas do seu partido para reduzir a abusiva autogestão do MP, e sem se darem conta de que, no futuro, o mesmo vezo antipolítico pode ter por alvo um governo seu. Como diziam os antigos: «de te fabula narrantur» (ou seja, «esta história também te diz respeito»).
[Substituída uma anterior "adenda", que vai ser publicada autonomamente]

Adenda 2
Um leitor pergunta: «E o dinheiro escondido no gabinete de Escária»? Trata-se, sem dúvida, de um dado sumamente embaraçoso, mas que compromete somente o próprio (e não, evidentemente, o PM), e tem de ser o MP a provar que tal dinheiro provém de "luvas" recebidas no âmbito deste processo, e não de outra origem. Tanto quanto se sabe, não há na investigação nenhum indício nesse sentido, sendo, aliás, óbvio que a empresa interessada nem sequer precisava dele para influenciar o PM, tendo à mão "influencers" bem mais capacitados, como Lacerda Machado e João Galamba. Mas entendo que, se Escária tiver um mínimo de dignidade moral, deve ele próprio clarificar a origem concreta do dinheiro, mesmo que incorra na confissão de outro crime, como por exemplo a evasão fiscal...

Adenda 3
Ao contrário de algumas críticas apressadas, considero que a comunicação pública do Primeiro-Ministro se justificou plenamente, para dizer duas coisas essenciais: (i) que a ponderação entre as vantagens económicas de um grande investimento privado e a defesa do ambiente e sobre a eventual necessidade de alterações regulamentares é uma questão do foro político, e portanto da competência do Governo, e não do foro judicial ("à política o que é da política, à justiça o que é da justiça"); (ii) que, como chefe do Governo, o PM assume a responsabilidade política pela decisão tomada, cobrindo a ação conforme dos seus ministros. Só é de saudar a clareza do enquadramento e louvar a reivindicação da responsabilidade política. Ora, o Governo não é politicamente responsável perante o Ministério Público..

Adenda 4
E no caso de ter havido «atos ilegais» no processo - pergunta um leitor. Resposta: 1º - o Governo pode alterar leis (salvo em matéria reservada à AR) e regulamentos, quando o entenda necessário para prosseguir o interesse público;  2º- no caso de eventuais atos ilegais, o remédio é a sua impugnação no foro competente, que é a justiça administrativa (e o MP tem por norma não usar esse poder); 3º - uma coisa é uma eventual ilegalidade, e outra, bem diferente, é um ilícito penal - que, aliás, pode existir na prática de atos legais. Portanto, uma ilegalidade só é penalmente punível se preencher autonomamente um "tipo legal de crime" -, que é o que o MP tem de acusar e provar. Ora, passados estes dias todos sobre a demissão forçada do PM, continua sem se saber sequer que possível ilicitude (muito menos de caráter penal) é que lhe possa ser imputada. Numa democracia, não se pode derrubar um Governo assim...

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Como era de temer (7): A falta de regulação do lobbying

1. A razão por que penso que o relatório do MP sobre o caso "Influencer" falha o alvo está em que, a meu ver, não faz sentido construir laboriosamente como um caviloso "plano criminal" aquilo que parece não passar de um caso vulgar de lobbying empresarial junto dos decisores públicos, tentando convencê-los do interesse público do seu vultuoso projeto de investimento (que, aliás, no caso concreto parece convincente e que ninguém impugnou...). 

Desde que não envolva corrupção, mediante "luvas" para obter uma decisão favorável, nem a atividade de "influenciador" profissional ao serviço de uma empresa, nem a consideração dos seus argumentos pelos decisores políticos são politicamente censuráveis, nem muito menos penalmente puníveis.

2. Há muito que defendo a regulação geral do lobbying (por exemplo, AQUI), não para o tornar lícito - pois não é, em si mesmo, ilícito -, mas sim para lhe conferir a transparência adequada, reduzir os riscos do seu abuso, aumentar a accountability do poder político, proteger os decisores políticos (deputados, governantes, etc.) de acusações malévolas e superar a geral desconfiança pública em relação a tal atividade. 

A obrigação de registo público dos agentes profissionais dedicados a essas atividade (advogados, consultores, agências de relações públicas, etc.) e a de registo dos contactos de lobbying por parte dos decisores políticos no respetivo órgão de transparência, são ferramentas indispensáveis nessa regulação. 

O exemplo do modelo regulatório da UE (que tive de respeitar como parlamentar da União) é especialmente instrutivo. 

3. Infelizmente, por vicissitudes várias, entre nós os textos negociados no parlamento sobre o assunto desde 2019 não chegaram ao Diário da República, num caso por veto presidencial e recuo do PSD (2019), noutro caso, pelo fim da legislatura (2021); apesar da maioria absoluta desde o início de 2022, o PS não cuidou de retomar o competente procedimento legislativo.

Estou convicto de que, se tivesse sido aprovada uma tal lei, esta investigação penal poderia não ter existido, quer por a atividade de lobbying ter enquadramento legal e ser, portanto, menos estranha à opinião leiga, quer por os decisores políticos estarem mais conscientes dos cuidados a ter nesta matéria, quer, finalmente, por os guardiães da transparência terem menos motivos para condenações sumárias. 

Ou seja, o PS pode estar a pagar o preço da sua relativa incúria política e legislativa e do desinteresse alheio (PSD), neste tema politicamente ultrassensível.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Liberalices (2): Um bom investimento público na Tap e na Efacec

1. Na dogmática ultraliberal, entre nós representada pela IL - e com a qual o PSD agora também "namora" por vezes, por imitação -, o Estado deve deixar as empresas por conta e risco do mercado, não devendo fazer nada para impedir a queda das que não provam ser capazes de vingar por si mesmas. 

Mas numa "economia social de mercado", como resulta da "constituição económica" da CRP e da UE, pode haver situações que justifiquem plenamente a salvação de empresas privadas conjunturalmente em risco de falência, mas estruturalmente viáveis, por parte do Estado, quer quando se trate de empresas tão relevantes, que o seu desaparecimento poderia por em risco o próprio mercado - caso dos "bancos sistémicos" -, quer quando elas tenham um grande peso no emprego, na economia e nas exportações do país. Foi o que sucedeu no caso da Tap e da Efacec, mediante a nacionalização e a injeção de dinheiro público. 

Sem essas operações de salvação financeira pública - aliás ambas validadas pela UE -, muito provavelmente essas empresas não teriam sobrevivido.

2. Também carece de fundamento a crítica de que o Estado não vai recuperar na reprivatização de tais empresas todo o dinheiro que nelas injetou - o que é verdade -, pela simples razão de que a compensação da intervenção do Estado não consiste somente no dinheiro que vai receber da venda das empresas, mas também das importâncias que não teve de gastar, por ter evitado a sua falência (por exemplo, indemnizações e seguros de desemprego), bem como das importâncias que continuou, e vai continuar, a receber, pelo mesmo motivo (contribuições para a segurança social, IRS das remunerações, Iva das vendas de bens e serviços das empresas, etc.), isto sem contar com as receitas tributárias indiretas provenientes das empresas fornecedoras de bens e serviços daquelas.

Tudo somado, é bem possível que todas essas importâncias ultrapassem em muito a diferença entre o custo da nacionalização e do saneamento financeiro das empresas, por um lado, e a receita da sua reprivatização, por outro lado. A ser assim, ao contrário do que correntemente se afirma, a intervenção do Estado, além de economicamente necessária, foi também um bom investimento público.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Ai, a dívida (21): A ilusão da "folga orçamental"

1. Pode parecer estranho regressar aqui aos alertas para o problema da dívida pública, quando o seu peso no PIB está a diminuir substancialmente e tudo indica que este ano haverá um excedente orçamental, e quando toda a gente, Governo e oposição, incluindo o PR, entende que há margem para reduzir os impostos. Penso, porém, que a "folga orçamental" é, em grande parte, ilusória e não tem fundamentos duradouros.

Por um lado, ela é produto de um excecional acréscimo das receitas públicas, mercê do processo inflacionista e da maciça transferência de fundos da UE no âmbito do PRR, que cobrem grande parte da despesa de investimento público e que estimulam o crescimento da economia. Por outro lado, o bom comportamento da economia e do emprego reduz a despesa social e aumenta a receita fiscal.

O que surpreende, nestas condições especialmente favoráveis, não é que haja "contas certas", mas sim que elas não sejam robustamente excedentárias, levando à redução do próprio stock da dívida pública.

2. Ora, estes ventos favoráveis não vão durar sempre. 

Por um lado, a diminuição em curso da inflação vai acabar com o empolamento artificial da receita tributária; a economia dá mostras de arrefecer, tanto mais que a economia da União está em vias de estagnação, arrastada pela Alemanha, já em recessão; e os fundos do PRR vão acabar em 2026. Por outro lado, a despesa pública permanente não cessa de aumentar: SNS, remunerações da setor público, pensões, novas prestações sociais (creches gratuitas, passes sociais gratuitos, etc.), subvenções habitacionais, sem falar nos custos da dívida pública, em consequência do aumento da taxa de juros pelo BCE.

Conjugando as duas coisas, fácil é verificar que num prazo não muito afastado pode verificar-se o regresso em força do défice orçamental e do aumento da dívida pública.

3. Neste contexto, avançar para uma redução substancial dos impostos, nomeadamente do IRS, como propõe o PSD e é aceite em parte pelo PS, pode não ser uma solução muito prudente, sobretudo por parte do segundo, quer porque o consequente aumento do poder de compra iria travar o necessário combate à inflação, quer porque seria muito penoso politicamente para o PS ter de vir depois a cortar no Estado social por razões financeiras.

Justifica-se sem dúvida a redução do peso da tributação dos rendimentos do trabalho, bastante mais elevada do que a dos rendimentos do capital, mas a dimensão de tal redução deve ser devidamente ponderada e se possível compensada com outras fontes tributárias, por exemplo recuperando a proposta do imposto sobre as sucessões e doações de elevado montante (que o PS apresentou em 2015, mas que depois deixou na gaveta), aumento dos impostos e taxas sobre os automóveis (IUC, portagens, generalização do estacionamento pago) e dos impostos e taxas ambientais.

Em suma, a redução do IRS deve ser enquadrada num exercício de reforço da equidade fiscal.

sábado, 2 de setembro de 2023

Não concordo (43): Às avessas

Que um partido como o BE defenda, mais uma vez, a derrogação da fórmula legalmente vigente de atualização das rendas no próximo ano, compreende-se - é coerente com as suas opções doutrinárias anticapitalistas e com o habitual simplismo sectário das suas propostas políticas. Que, porém, o Governo do PS possa sufragar tal solução, já seria de todo imprudente e injustificado.

Por um lado, trata-se de uma medida de efeitos perversos. Em primeiro lugar, o Governo não pode descartar uma fórmula legalmente estabelecida, já de si limitativa, só porque num certo ano ela pode levar a um aumento mais acentuado das rendas - os senhorios também têm direito à previsibilidade dos seus contratos. Em segundo lugar, a limitação das rendas traduz-se num subsídio geral a todos os arrendatários, mesmo os que menos necessitam, à custa de todos os senhorios, mesmo os de menor poder económico - o que é um contrassenso. Por último, a restrição artificial das rendas tem por efeito necessário a redução do investimento imobiliário para arrendamento, diminuindo a oferta de casas e encarecendo as rendas - justamente o contrário do que se deve procurar.

Por outo lado, a solução para o impacto social adverso de um aumento maior das rendas deve consistir no subsídio público seletivo aos inquilinos mais afetados, e não na contenção geral das rendas à custa dos senhorios. No Estado social, a proteção social, e em especial a garantia do direito à habitação, incumbe ao Estado, e não aos particulares.

terça-feira, 23 de maio de 2023

Aplauso (23): Notável desempenho

1. Há que saudar o Governo, e em especial o ministro das Finanças, pela descida significativa do peso da dívida pública, retirando Portugal do comprometedor trio dos países mais endividados da UE (junto com a Grécia e a Itália). De resto, o FMI prevê que esta descida não fique por aí, como mostra o gráfico junto.

Essa evolução traduz-se naturalmente na melhoria do rating pelas agências, na descida relativa do spread da emissão de dívida e na poupança de muitos milhões em juros mais baixos, melhorando o saldo orçamental - um círculo virtuoso, portanto. 

Sendo a descida do peso da dívida pública e a disciplina orçamental dois objetivos sempre apoiados neste blogue - como mostram as séries Ai, a dívida e Ai, o défice - é com particular satisfação que saúdo este notável desempenho orçamental.

2. É evidente que este bom resultado na frente financeira deve muito ao aumento das receitas públicas resultante da favorável evolução da economia - taxa de crescimento em alta (entre as mais elevadas da União), taxa de emprego elevada, confortável saldo da balança externa -, que os investimentos financiados pelo PRR, mas também o crescente investimento direto estrangeiro, têm ajudado a obter. 

Se a isto somarmos a descida consistente da inflação e a progressiva recuperação do poder de compra dos portugueses, é caso para dizer que a situação económica e social supera as melhores expectativas

3. Neste quadro económico e social favorável, a condição do Governo seria politicamente invejável, não fora a comprometedora perturbação política decorrente do inquérito parlamentar à TAP, encarniçadamente explorada pelas oposições, à falta de outros argumentos.

Em todo o caso, toda a conversa sobre eleições antecipadas, soprada a partir de Belém, afigura-se assaz artificial, não somente por isso ir ao arrepio dos referidos êxitos do Governo e pôr em risco a sua continuidade, mas também porque o principal partido da oposição não dá mostras de ser uma verdadeira alternativa, nem só nem (mal) acompanhado, o que ajuda a explicar o nervosismo que reina nas suas hostes (e nos seus numerosos comentadores mediáticos), que a recente intervenção militante do seu antigo líder, Cavaco Silva, apenas veio sublinhar.

Adenda
Um leitor pergunta se também acho «ilegítima a intervenção da Cavaco Silva». Ilegítima, não considero; mas, sem dúvida, pouco curial para um antigo PR, que, a meu ver, deve manter alguma reserva na expressão de posições político-partidárias. Não tendo sufragado também a militante ação de Mário Soares contra o Governo de Passos Coelho (embora ele não o tivesse feito num evento oficial do PS), entendo que para quem foi "presidente de todos os portugueses", voltar a vestir o fato de líder partidário e regressar ao combate político-partidário, aliás em termos agressivos e sectários, não me parece o modo mais apropriado de um ex-Presidente honrar o seu legado político de mais alto magistrado da República.

Adenda 2
Um amigo meu, igualmente conservador em matéria orçamental, receia que «uma vez terminado o novo ouro do Brasil que é o PRR, regressem o défice e a dívida como antes». O receio é legítimo, e é por isso que tenho alertado contra as medidas imprudentes que levam ao aumento substancial da despesa estrutural, designadamente aumentos de pensões e de salários do setor público (professores, pessoal de saúde, etc.) insustentáveis a longo prazo.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Assim, não (3): Incoerência

Segundo o nosso comentariado económico, quando a economia vai mal, a culpa só pode ser do Governo; quando corre melhor do que o esperado, como agora, a causa só pode estar em fatores exógenos, apesar do Governo. 

Ora, como é bom de ver, a diferença de desempenho das economias da UE deve-se essencialmente  a diferentes conjunturas e circunstâncias nacionais, entre as quais se contam obviamente a política económica e a política orçamental (investimento público, incentivos públicos, contratos públicos, etc.). Por isso, mesmo não sendo hoje o Estado um agente económico decisivo, nem tendo uma tutela sobre as empresas, não faz nenhum sentido defender que o desempenho económico é alheio à acção governativa, para o bem a para o mal.