quarta-feira, 30 de junho de 2004

«Um favor aos terroristas»

«By making Iraq a playground for right-wing economic theorists, an employment agency for friends and family, and a source of lucrative contracts for corporate donors, the administration did terrorist recruiters a very big favor.»

(Paul Krugman, «Who lost Irak?», New York Times, 29 de Junho de 2004)

Viva o futebol, parêntesis na política! Ou talvez não...

Hoje, a partir das 19h00, a conjuntura política - para a qual a melhor síntese que encontrei é esta - sai de palco para dar lugar ao futebol. Espero que a selecção portuguesa vença. E espero que Jorge Sampaio esteja no Alvalade XXI. Quanto mais não seja, para lembrar que nem todo o espaço público está determinado pela queda do governo prevista para segunda-feira.
Será que Durão Barroso deixou o calendário político escorregar, para poder (enquanto José Barroso, ou mesmo sob o cognome de José Manuel Barroso) apertar a mão, na tribuna de honra da Luz, ao capitão da selecção portuguesa, vencedora do Euro2004?
Mau! Lá está, de novo, na minha mente perversa, a política a embrulhar-se com o futebol!...

Jorge Wemans

Substituição do Primeiro-Ministro

1. Carta de um leitor
«(...) A questão essencial é: Deve ou não após a queda do governo ser também dissolvida a assembleia da república?A meu ver, se nos abstrairmos da actual conjuntura, a assembleia não deve ser dissolvida. Caso contrário, cada vez que um primeiro ministro fosse promovido implicasse a dissolução da assembleia, seria um forte desincentivo aos mesmos a nunca aceitarem cargos de relevo internacional. Assim, quem ficaria a perder era o país, pois devido a limitações internas os seus governantes dificilmente ocupariam cargos em organismos internacionais.
A questão secundária: Quem deve suceder ao primeiro ministro cessante?
A meu ver, a escolha de tal elemento deve obedecer aos seguintes critérios: ter sido sufragada no mesmo acto eleitoral que elegeu o seu antecessor e ser independente da conjuntura em que a situação ocorre. Como tal a pessoa deverá ser o elemento seguinte ao elemento cessante da lista vencedora das eleições.
Como actualmente, tal não está previsto, os eleitores limitaram-se a escolher um lider governativo e não um conjunto de eventuais lideres.
Assim a solução mais lógica será a alteração da respectiva lei, que terá efeito a partir do próximo acto eleitoral. Desta forma as futuras listas partidárias devem comtemplar esta possibilidade quando são formadas.
Consequentemente, tal alteração implicaria o seguinte:
A manutenção em gestão corrente do actual governo até que seja possivel realizar novas eleições, sendo o primeiro ministro o nº2 do governo. As novas eleições ocorreriam já com a nova lei em vigor.(...)»

(Miguel Constâncio)

2. Comentário
No nosso sistema constitucional de Governo o primeiro-ministro não é escolhido pelos cidadãos (apesar da convicção de muitos em contrário). Recordo, desde logo, que os deputados são eleitos em muitos círculos eleitorais, e não numa lista única a nível nacional, e que os nomes dos candidatos nem sequer aparecem nas listas. Embora o líder do partido vencedor das eleições seja normalmente chamado a formar governo, nada impede a formação de governos com outro primeiro-ministro (inclusive um não deputado), se aquele não o conseguir (por exemplo, por falta de suficiente apoio parlamentar) ou se se vier a demitir por qualquer motivo. Num sistema parlamentar o essencial é haver a sustentabilidade parlamentar do governo.
Por isso, a demissão do Primeiro-ministro não envolve necessariamente a convocação de novas eleições. Se houver apoio parlamentar para novo governo com o mesmo ou outro primeiro-ministro, a convocação de eleições só se justifica se a nova solução governativa se revelar insatisfatória por outros motivos. Cabe ao Presidente da República decidir de acordo com o seu prudente critério.
Não vejo nenhuma vantagem em alterar o actual sistema, muito menos no sentido de uma eleição directa do primeiro-ministro e previsão de um mecanismo da sua substituição automática em caso de morte ou demissão, como sucede nos sistemas presidencialistas (Estados Unidos, Brasil, etc.) e nas eleições das câmaras municipais entre nós. Além de tudo o mais (necessidade de eleição a nível nacional, por exemplo), não vejo como harmonizar a eleição directa com a responsabilidade política perante o parlamento, incluindo a possibilidade de demissão por efeito de moções de censura. Não é por acaso que nos sistemas de eleição directa do chefe do executivo não existe possibilidade de o parlamento o derrubar.

Razão decisiva

Há uma razão decisiva para impedir que Santana Lopes abandone a Câmara Municipal de Lisboa para chefiar o governo: obrigar os lisboetas que lhe deram a vitória a suportá-lo até ao fim nos paços do município...
É bem feito!

Para presidente da Comissão europeia o currículo é mau

O Instituto de Conservação da Natureza pelas ruas da amargura, o Observatório do Endividamento dos Consumidores sem qualquer apoio, o Instituto do Consumidor há 2 anos que não se sabe dele. Triste sina, a dos países para quem os direitos humanos da terceira geração -- ambiente e consumo -- desaparecem sempre que qualquer crise ali se instala. Como se fossem um luxo!
Sabendo-se que à Europa devemos, em grande medida, as políticas relacionadas com consumo e ambiente, que ganharam entretanto o seu lugar no Tratado CE, resta-nos desejar que Durão Barroso não leve consigo para Bruxelas tal postura própria países menos desenvolvidos e educados.

Maria Manuel Leitão Marques

terça-feira, 29 de junho de 2004

«A fuga e a crise»...

... tal é o título do meu artigo de hoje no Público. Arquivado também aqui na Aba da Causa.

Sim, Senhor Primeiro-Ministro!

Espantosa, a comunicação de hoje do Sr. primeiro-ministro a um país suspenso das consequências das suas opções pessoais: ficámos a saber exactamente o que já sabíamos desde sexta-feira!
A comunicação resultou em menos do que nada. Ele decidiu, vai mesmo embora (a bem do interesse nacional - disso nunca duvidámos!), confiante de que somos maduros para tratar do imbróglio em que nos deixa. Bravo! Ele já é europeu, nós ainda só somos porteguesinhos! Ele dá as cartas, distribui as tarefas e toma o avião para Bruxelas. Quem fica que feche a luz, porque o "show" já acabou!
Safa! Por que razão fui acreditar que uma das condições que Durão Barroso colocou aos seus pares europeus - garantir que em Portugal a sua saída não causaria instabilidade política - era para valer? Talvez por todo este processo ser demasiado surreal, acreditei nessa...
Agora, começo a sentir a aproximação de eleições gerais... o único modo do Presidente pôr termo à instabilidade instalada.
Jorge Wemans

in VERTIGEM, de Miguel Soares

Já amei nas costas do medo
Na boca da ilusão
Já morei em prédios sem alma
Em casas sem caminhos
Já sangrei perante a morte e não morri

Sorri

aforismos de directa (07:25 a.m.)

Conheço uma mulher para a qual é impossível olhar durante mais de 5 segundos seguidos - faz um mal terrível ao coração.

segunda-feira, 28 de junho de 2004

Opiniões sobre a crise política

1. 0 rato abandona o barco?
«Quem diria. Alguém que baseou uma campanha na «fuga» de Guterres, e que sempre prometeu não o fazer nunca. A queda do Zé Manel para «virar a casaca», volta a atacar. Agora quer a Comissão Europeia, até quando? Para futuro primeiro-ministro o Lopes? Só se for por anedota. Um governo de revistas cor-de-rosa? E os ministros? Lili Caneças? Paula Bobone? Zé Castelo Branco? Teresa Guilherme? Octávio Machado para o desporto? Será que aproveitando os seus vastos conhecimentos, vai convidar Machado de Assis para a cultura? E que lugar para Frèderic Chopin e o seu violino?
O governo de Barroso trouxe-nos para o fundo do «buraco». Um governo do Lopes, levar-nos-ia ao ridículo.»

(JAG)

2.«Tudo era falso»
«Essencialmente a arguentação tem de ser política e não jurídica. Juridicamente, desde que o Presidente da República nomei um Primeiro Ministro e o programa seja votado favoravelmente na Assembleia, está tudo bem e não há nada que justifique eleições. E na argumentação política é preciso mostrar a irresponsabilidade de ser eleito, passar dois anos a falar em sacrifícios e sair sem fazer nada do que se propôs. Aliás - na minha opinião -, isto é mais uma prova de que tudo eram falso, desde o discurso às intenções. Achei sempre que o PS não frisava isso como devia, mas a argumentação política do governo sempre foi de circunstância e sem convicção, dando justificações como se se estivesse a falar para crianças. Se houvesse uma convicção política ela ter-se-ia imposto à ambição mesquinha de ter um cargo internacional.
Julgo que o próprio PSD acabará por ter a noção do logro em que caiu quando acreditou em Durão Barroso, mas é preciso evidenciá-lo cada vez mais. Isto é a total irresponsabilidade para quem assume governar Portugal. Não tem comparação com Guterres. Aliás, Guterres estava a meio do segundo mandato e sentiu-se politicamente fragilizado pelos resultados das eleiçõesautárquicas, não estava com dois anos do primeiro e cheio de promessas por cumprir.
O próximo que vier (eventualmente Santana Lopes) é para ficar ou será até lhe aparecer outro cargo "melhor"?... O PSD tem de ter credibilidade se quer governar e esta saída tira-lhe essa credibilidade. Imaginemos que Santana Lopes forma governo com um programa. Será um programa novo. Temos o direito de perguntar: que validade tem esse programa?... E um programa para Portugal ou é até Santana Lopes ir para secretário de uma coisa qualquer?... Quando o presidente do PSD interrompe assim um projecto político, nós temos o direito de perguntar que partido é este.»

(HJ)

"Alicamentos"

1. Um casamento de sucesso
O mercado dos "alicamentos" -- alimentos que pretendem conservar o seu gosto próprio e ser, ao mesmo tempo, medicamentos -- tem crescido de uma forma vertiginosa, a uma taxa de cerca de 10% ao ano (contra 1 a 2% dos alimentos tradicionais). Se nos passearmos em qualquer supermercado, não será difícil reconhecer esta tendência: dos iogurtes probióticos aos leites enriquecidos (cálcio, magnésio, ómega 3, etc), passando pelas bolachas, pelo pão e outros produtos de grande consumo, tudo lá se encontra à nossa disposição. As razões para tal crescimento são diversas: desde o envelhecimento da população até à insegurança alimentar. Como afirmava B. Kitous, investigador do CNRS em França, o consumidor desconfia dos alimentos clássicos e procura nesta junção a garantia de uma segurança perdida.

2. Muito mais alimentos do que medicamentos
Mas se até ao momento ninguém havia posto em causa os benefícios para a saúde dos ditos alicamentos, o tempo da confiança acrítica parece ter terminado. Um estudo recente da Agência francesa de segurança sanitária dos alimentos, incidindo precisamente sobre uma das marcas mais conhecidas de iogurtes probióticos, veio argumentar que os resultados disponíveis não permitem demonstrar todos os efeitos alegados na sua publicidade; que a quantidade recomendada de ingestão diária é muito inferior àquela que é utilizada nos testes clínicos; e que os efeitos benéficos cessam muito depressa após se ter parado o consumo do produto. Mesmo que ele não seja prejudicial à saúde, está longe de ser muito diferente de um iogurte normal. Mais transparência e veracidade da informação com que são comercializados os supostos alicamentos são assim indispensáveis. E quanto às nossas maleitas, por ora, resta a farmácia.

A mão invisível da UEFA

Olhemos de perto para o cenário das meias-finais. Pela primeira vez, nenhuma das grandes potências europeias se apurou. Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Espanha ficaram pelo caminho. Restam quatro representantes do naipe dos países ditos intermédios - Portugal, Grécia, Holanda e República Checa - e um deles será campeão. Os efeitos sobre a hierarquia de influências na União Europeia não se fizeram esperar. Os grandes tiveram de baixar a bola e encontrar um semi-finalista para presidente da Comissão. Como os checos são caloiros e os gregos não são confiáveis, restava um português ou um holandês. A escolha acabou por recair naquele em quem a UEFA mais investira - o do país organizador do torneio. Está explicada a ida de Durão Barroso para Bruxelas.

Luís Nazaré

Belém cala e consente?

Há uma verdadeira farsa política em curso. Ontem anunciava-se que o auto-assumido candidato a primeiro-ministro já estava a negociar a equipa ministerial com o líder do CDS-PP (ver por exemplo esta notícia do Público). E agora começam mesmo a surgir notícias sobre nomes concretos já firmes para diversas pastas ministeriais (ver por exemplo esta notícia da Rádio Renascença). Só falta que o autodesignado "governo" se apresente por sua iniciativa perante a AR para apresentar o programa do governo...
Ora deve sublinhar-se que: (i) é abusiva a certeza da coligação de que vaí formar novo governo, sem que o Presidente se tenha pronunciado nesse sentido; (ii) é inaceitável que dê por assente que Santana Lopes será o primeiro-ministro desse hipotético governo, sem prévio convite presidencial; (iii) constitui uma verdadeira provocação ao Presidente o início de negociações para a formação desse governo, designadamente o convite a hipotéticos ministros.
É evidente que se o Presidente precisasse de um motivo para convocar eleições ou para recusar Santana Lopes como chefe do novo governo, bastaria esta insolente conduta do PSD e do seu putativo novo primeiro-ministro no sentido de criar factos consumados e forçar a mão de Belém. A pergunta elementar é a seguinte: vai o PR continuar a assistir pacificamente a esta farsa, que na verdade se aproxima da chantagem, e consentir sem um murro na mesa esta qualificada desconsideração do seu papel constitucional e político?

Burlado

«Se os compromissos não são respeitados e o líder que jurou mudar o País se vai embora a meio do mandato, para quê votar? Eu, que votei PSD há dois anos, sinto-me burlado. Julgo não ser o único.»
(Francisco Sarsfield Cabral, Diário de Notícias, 28 de Junho)

domingo, 27 de junho de 2004

Não se esqueçam, por favor

Não se esqueçam, por favor, todos e em particular o Presidente da República: o rigor orçamental era indispensável; o crescimento das despesas do sector público tinha de ser contido; o endividamento das autarquias tinha que ser travado. Tudo em prol da consolidação das finanças públicas. É por isso que muitos perderam o seu emprego e que o meu ordenado já não sobe há dois anos. Se afinal isso agora já não é para valer, quero os meus retroactivos!

A minha dúvida

Angustia-me pensar como reagiria o PR se fosse a esquerda que estivesse no governo e a direita na oposição, contestando esta fortemente (alguém tem dúvidas?) a legitimidade de um novo governo e da pequena revolução que se antevê na sua orientação, a qual ultrapassa em muito a mudança de PM. Tento convencer-me que faria a mesma coisa, abstendo-se de convocar eleições e nomeando um novo governo da maioria parlamentar, mas o meu esforço não há meio de ser recompensado!

«Golpe de Estado na política europeia?»

Dá que pensar a tese de Teresa de Sousa no Público de hoje. Nas eleições europeias de 13 de Junho a grande maioria não votou seguramente no projecto europeu de Paulo Portas (que alguns já apontam como futuro MNE!?) nem naquele que se sabe ser o de Santana Lopes, pois nem um nem outro morrem de amores pela UE (para dizer o menos). E nessa confortável maioria favorável à integração europeia está não somente o PS mas também grande parte do PSD, pelo menos! Mais: também não foi essa orientação "eurodistante" que a maioria dos eleitores escolheu nas eleições de Março de 2002. Pelo menos do ponto de vista da política europeia, onde está então a garantia de estabilidade política (se não a legitimidade) de um governo Santana Lopes-Paulo Portas? Tem algum sentido que quando o actual primeiro-ministro português vai ocupar um lugar-chave no coração da UE, fique em risco a posição europeista de Portugal?

Quando a realidade ultrapassa a nossa imaginação

«Qual realidade, qual carapuça! Farto-me de falar com pessoas e ninguém acredita». Simplesmente hilariante a parceria Ana Sá Lopes e Vanessa no Público de hoje. A realidade é que eu própria tive de me esforçar na sexta-feira para convencer a minha Mãe que era verdade, que Pedro Santana Lopes seria, provavelmente, o próximo PM. Ria-se, encolhia os ombros e respondia-me: deixa-te de brincadeiras. E mesmo depois de ouvir a notícia na TV, que eu coloquei de propósito mais alto do que é habitual, continuava a não acreditar... Desisti. Para a semana ela vai ver. Ela e todos nós.

E o PS?

Se é compreensível que o Presidente da República tenda, em princípio, a optar pela nomeação de um novo governo da coligação governamental (ver o meu post anterior sobre o assunto), tendo em conta a existência de uma maioria parlamentar e a sua disponibilidade para formar novo governo, já se não compreende que o PS possa ter outra posição que não seja lutar pela convocação de eleições, não faltando razões para isso (incluindo a figura do presumido candidato a primeiro-ministro). Não foi essa a atitude do PSD em 2001, depois da demissão de António Guterres? Por que espera então o PS para lutar pela solução que mais lhe interessa, para mais sabendo que pode bem ser outra a vingar?

Santana Lopes

No caso de o Presidente da República optar por reconduzir a coligação PSD-PP num segundo governo, em vez da convocação de eleições, há más e boas razões para defender que ele deve rejeitar a indicação de Santana Lopes para formar o novo governo.
Entre as más razões está infelizmente a mais vulgarmente referida, segundo a qual o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa não foi sufragado em eleições parlamentares, pelo que carece de legitimidade para ser primeiro-ministro. De facto, porém, num regime essencialmente parlamentar, como o nosso é, a legitimidade dos governos decorre do apoio de uma maioria no parlamento e não de qualquer eleição directa ou indirecta do primeiro-ministro. Basta referir que também ninguém votou explicitamente a favor de uma coligação entre os dois partidos da direita e no entanto é esse o governo que temos desde o início.
Entre as boas razões para rejeitar a sua indigitação para primeiro-ministro está a sua falta de credibilidade e de sensatez política, o seu populismo ostensivo, o seu eurocepticismo declarado, a sua instabilidade temperamental, a ausência de pensamento e doutrina política. Há requisitos mínimos que um chefe de do governo deve preencher numa democracia europeia do século XXI.
Como sempre, a invocação das más razões só serve para desvalorizar as boas...

Benefício do infractor

1. Um mau argumento a favor da convocação de eleições...
... é infelizmente o que mais tem sido utilizado, nomeadamente que foi Durão Barroso que foi sufragado nas eleições parlamentares de 2002, pelo que não pode ser substituído por outro primeiro-ministro sem novas eleições. Na verdade, porém, é próprio dos sistemas parlamentares de governo -- como o nosso essencialmente é --, a possibilidade de formar mais do que governo dentro do mesmo quadro parlamentar. Apesar das aparências em contrário, os chefes de governo não são eleitos mas sim designados depois das eleições, no quadro parlamentar resultante das mesmas. De outro modo, seria impossível formar governos chefiados por pessoa diferente do líder do partido mais votado nas eleições, mesmo no caso de morte ou abandono do primeiro-ministro ou de dissolução de uma coligação de governo. Ora não é isso que corresponde à lógica do sistema parlamentar nem à prática da generalidade dos países onde ele vigora.

2. Um bom argumento a favor da convocação de eleições...
... consiste em sublinhar que a formação de outro governo do PSD sem novas eleições significaria premiar indevidamente um partido cujo líder abandonou o cargo, desrespeitando o compromisso político com os eleitores, em troco de um lugar externo (tendo sido o único dos 4 primeiros-ministros mencionados para o cargo de presidente da Comissão Europeia que o não o recusou...) e dar-lhe a imerecida possibilidade de refrescar a legitimidade de um governo manifestamente desgastado, justamente depois de ter sofrido uma pesada derrota eleitoral demonstrativa do divórcio entre ele e a enorme maioria dos eleitores, permitindo-lhe enjeitar indevidamente o insucesso do governo cessante e formar um novo governo essencialmente votado a preparar as eleições dos próximo dois anos, fugindo assim à responsabilidade política e à merecida punição eleitoral.

Eles mentem, eles perdem a confiança dos cidadãos


Caricatura no The Economist

Apesar do bom desempenho da economia norte-americana, os indicadores das sondagens de opinião não podem deixar Bush descansado quanto à sua reeleição em Novembro deste ano. Pelo contrário. Um recente inquérito publicado pelo Washington Post é especialmente inquietante para o hóspede da Casa Branca em comparação com o candidato democrata, o senador John Kerry. Um dos itens mais decisivos na formação das opções de voto -- e, por sinal, um dos mais comprometedores -- é o que diz respeito ao carácter dos dois candidatos à presidência. Enquanto 52% consideram Kerry honesto e digno de confiança, somente 39% respondem o mesmo em relação a Bush.
Comentando estes dados, o circunspecto The Economist de Londres comenta:

«But there are grounds for thinking this finding is rooted in real political events: in the administration's confident assertion that there were weapons of mass destruction in Iraq; in its insistence that the abuses in Abu Ghraib prison were caused by a few bad apples; in its claim that the cost of last year's Medicare reform bill would be $400 billion, not (in reality) $550 billion. Trust is essential for good government. It is also the quality Mr Bush stressed above others to distinguish his administration from Bill Clinton's. He is in danger of losing voters' trust.»

As "docas" de Coimbra

Visitei hoje pela primeira vez os novos bares junto ao Mondego, que fazem parte da primeira fase do programa Polis de Coimbra, à Ínsua dos Bentos, a montante do velho parque da Cidade. A noite estava serena e cálida, as novas esplanadas cheias e animadas, as águas do rio tranquilas, reflectindo o brilho das luzes da nova ponte e de Santa Clara. Uma agradável surpresa. Dá para imaginar o que será quando as obras se estenderem à margem esquerda e houver a projectada ponte pedonal. Finalmente pode dizer-se: "Coimbra do Mondego".

sábado, 26 de junho de 2004

Puro surrealismo político

Conheciam-se as conexões entre o futebol e a política, mas era inimaginável que elas atingissem níveis tão estratosféricos como aconteceu esta semana. Depois das vitórias de Portugal sobre a Espanha e a Inglaterra, passou-se a proclamar que «o céu é o limite». O clima de euforia que se vive no país por causa de uma selecção lançada já à conquista do título de campeão europeu terá convencido Durão Barroso a imitá-la e correr para o «céu é o limite» que lhe ofereciam: o cargo de presidente da Comissão Europeia. E que melhor oportunidade para o ainda primeiro-ministro sair da cena doméstica do que aproveitar a festa do futebol? Se formos campeões, tudo se aceita, até o inverosímil: um Governo chefiado pelo vencedor do nosso prémio José Mourinho: Pedro Santana Lopes. Já viram a pontaria do Causa Nossa?

Menos pontaria tive eu, quando aqui escrevi há quatro dias: «Depois de tanto ter criticado Guterres por fuga às responsabilidades quando este se demitiu na sequência das autárquicas, com que cara Durão Barroso faria as malas a caminho de Bruxelas após ter sofrido o estrondoso revés de 13 de Junho? E quem ocuparia o seu lugar? Santana Lopes? Ferreira Leite? Marques Mendes? Arnaut? Morais Sarmento ? Entramos no domínio do mais improvável surrealismo político.»

Improvável? De modo nenhum, como se comprova. Barroso foge de um governo irremodelável e Santana foge do túnel do Marquês e do parque Mayer. Só falta Jardim fugir da Madeira e candidatar-se a Belém ou, pelo menos, ser ministro da Defesa de Santana Lopes. Com tantos fugitivos e tanto circo, Portugal entrou de facto no domínio do surrealismo puro.

Vicente Jorge Silva

António Vitorino: o presidente perdido

António Vitorino, se tivesse de votar, seria o meu candidato a presidente da CE. Mas eu não voto , a não ser indirectamente ao escolher o Parlamento, e aí a Europa, no passado dia 13, não votou maioritariamente como eu votei. Foi pena. Talvez agora ficasse mais bem servida.

Ministro da propaganda

Sic Notícias, programa "Expresso da Meia noite". É lamentável ver um conjunto dos melhores jornalistas políticos nacionais (como Nicolau Santos, Henrique Monteiro, António José Teixeira, Cáceres Monteiro, aceitar partilhar um debate com um simples comissário político como Luís Delgado. Tratando-se de um "santanista" militante, aí está um candidato talhado para ministro da propagando do próximo governo. Ao menos libertava-nos do sacrifício de o aturar como "jornalista".

Actores de um golpe-de-teatro

1. Líderes europeus
Depois do sucesso da aprovação da Constituição europeia os líderes da UE não podiam permitir-se falhar a designação do sucessor de Romano Prodi à frente da Comissão Europeia. Eliminados os mais fortes candidatos, por efeito do veto cruzado da França e do Reino Unido, só restava um compromisso sobre um candidato de segunda linha, que não suscitasse resistências fortes. O Financial Times escrevia ontem: «Mr Barroso is one of the least known of EU leaders, but his relative obscurity has allowed to emerge as a compromise candidate.» Esse mesmo perfil permitiu também esquecer inclusive o seu alinhamento com Washington na guerra do Iraque. Além disso a sua escolha condiz com a relativa desvalorização da Comissão em favor das instituições intergovernamentais, a que se tem vindo a assistir na UE e que a Constituição não deixa de acentuar.

2. Durão Barroso.
Ao contrário de Guterres, há 5 anos, Barroso decidiu agarrar a oportunidade que se lhe ofereceu pela conjugação de circunstância inesperadas, sem se importar excessivamente com a estabilidade governativa. Além do prestígio e importância do cargo, ele liberta-se das dificuldades que o Governo enfrentava (que a recente derrota eleitoral testemunhou) e das escassas probabilidades de levar a bom termo o seu mandato governativo. Em Bruxelas não tem de aturar Paulo Portas, nem de decidir a candidatura presidencial do PSD entre Santana Lopes e Cavaco Silva, nem disputar o próximo ciclo eleitoral. Por outro lado, não lhe será difícil fazer melhor em Bruxelas do que os seus medíocres antecessores à frente da Comissão europeia. Enfim, ouro sobre azul! Há momentos assim na vida dos políticos medianos a quem a fortuna protege.

3. O Presidente da República
É evidente que Sampaio não poderia deixar de aceitar a dispensa do primeiro-ministro. Constitucionalmente, o Presidente poderia tomar a oportunidade para dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, em vez de nomear outro governo. Mas, havendo na AR uma maioria de suporte a um novo executivo da mesma área, compreende-se que tenha prevalecido a segunda alternativa, tanto mais que certamente ela era uma condição de Barroso para ir para Bruxelas, colocando sobre o Presidente a culpa por uma eventual recusa do cargo. Não vai ser uma solução do agrado da oposição nem da maioria da opinião pública, desde logo porque, caso os papéis fossem inversos, provavelmente haveria dissolução parlamentar. Mas sendo conhecido o pensamento do PR acerca do seu papel constitucional em relação aos governos e sobre a primazia da estabilidade política, essa é a solução mais coerente como uma leitura mais parlamentar da froma de governo.
Cabe também ao PR aceitar, ou não, o candidato a primeiro-ministro que lhe seja indicado pelo PSD, tendo aqui uma margem de decisão (de veto, não de escolha obviamente), tanto maior quanto o indigitado não se submeteu a sufrágio eleitoral como "candidato a primeiro-ministro". Todavia, pela mesma razão, não é muito provável que ele objecte o candidato que lhe seja proposto, independentemente de ser ou não do seu agrado, incluindo Santana Lopes, por mais inquietação que este suscite, inclusive dentro do PSD.

4. Santana Lopes
A confirmar-se ser ele o próximo primeiro-ministro (por mais inverosímil que isso pareça), saiu-lhe a sorte grande. É o maior beneficiário da saída de Barroso. Passará de presidente da CM de Lisboa em dificuldades a Primeiro-ministro do País, sem ter de disputar o cargo. Com isso virá também a presidência do partido, em congresso que não tardará. Optará seguramente por uma ruptura com o estilo e a orientação política do primeiro-ministro cessante, incluindo o alívio da política de austeridade e disciplina financeira (Manuela Ferreira Leite pode ir arrumando os papéis). O PSD aplaudirá em geral a mudança de liderança de governo e de política, esperançado que um novo ciclo político dará um novo fôlego à coligação e aliviará a pressão que a contundente derrota nas eleições europeias provocou no seio do Partido.
Resta saber o que ele fará na questão das eleições presidenciais: se envereda por uma fuga em frente, promovendo a sua própria candidatura, aproveitando a sua posição de líder do partido, ou se preferirá o compromisso intrapartidário, deixando campo livre para o avanço de Cavaco Silva (supondo que este aceitará ir sob a égide de Santana...).

5. PS
Apanhado de surpresa pelo súbito desenlace do processo, resta ao PS condenar a "fuga" do primeiro-ministro, defender porventura sem excessivo entusiasmo a realização de eleições antecipadas e adaptar-se rapidamente ao novo Governo e ao novo ciclo político. Todo este episódio é obviamente um contratempo para o PS, sobretudo pela renovação e refrescamento que traz à coligação governamental e pela previsível mudança de política. Terá de reformular o seu discurso de oposição, visto que o novo primeiro-ministro (se for Santana) enjeitará expeditamente os aspectos mais contestados da herança do anterior. Provavelmente a disputa pela liderança do PS irá também ser reavivada pela mudança ocorrida no partido do governo.

6. António Vitorino
É afastado ingloriamente da presidência da Comissão Europeia, para que estava talhado como poucos. Ironicamente vê o único apoiante expresso da sua candidatura à presidência da Comissão Europeia acabar por ocupar ele mesmo o desejado lugar. É uma das vítimas deste processo. Depois de Bruxelas, o seu caminho político continua insondável.

Uma sexta feira de surpresas

1. Um português a presidir à Comissão Europeia, mesmo que não seja um representante de Portugal na Comissão Europeia, é uma ocasião que não deve ser perdida, seja o seu valor simbólico ou real. Ou melhor dizendo, é uma oportunidade que não pode ser de novo rejeitada. António Guterres optou, em 1999, por se manter à frente do Governo para que tinha sido eleito, mas é discutível que tenha decidido bem.

2. Restará, contudo, a dúvida sobre o peso que a derrota eleitoral do dia 13, e do que a partir dela se poderia antever quanto ao resultado de futuras eleições, teve na decisão de José Manuel Durão Barroso.

3. Mesmo que a Constituição não obrigue a novas eleições e que a opção do Presidente da República possa ser, legitimamente, a de não as convocar, não é fácil convencer muitos cidadãos eleitores que não foi Durão Barroso, ele mesmo, que foi votado para primeiro-ministro nas eleições de 2002 e que, por isso, não devem agora ser chamados a poder escolher de novo.

sexta-feira, 25 de junho de 2004

Falta de coragem

Foi o que o Causa Nossa revelou ao não nomear Pacheco Pereira para o prémio 5ª Dimensão. O agradecimento alienígena do Abrupto é uma prova irrefutável de que até os melhores espíritos se passam. Procuraremos corrigir o tiro no próximo equinócio, glorificando o esforço hercúleo de Pacheco Pereira na descoberta de uma charada que só ele entenderá. Entretanto, espíritos simples e pouco dados a derivadas de terceiro grau como somos, agradeceríamos legendas em português.

Luís Nazaré

dois estádios, a mesma Luz

O golo épico de Rui Costa, aquela obra de arte feita de 30 metros de suor, de velocidade, com ingleses para trás e um de rastos, até ao tiro portentoso, é tudo o que Rui Costa já foi e Figo já não é.