A minha mãe está em minha casa. Há muitos anos que se recusava a sair da sua "casinha" nos Açores. Veio mitigar um sentimento que me toca todos os anos, por esta altura, nas imediações das férias, e que - muito amaricadamente, que se lixe! - designarei pela forma mais simples (porque verdadeira): o sentimento da saudade. Saudades da minha mãe.
É a primeira vez, em quase 27 anos de vida, que faço o papel de anfitrião. Durmo na sala para ela ficar confortável no meu quarto, e mostro-lhe com orgulho a varanda ampla que dá para uma zona verde, a janela do escritório sobre telhados de Lisboa e com o Cristo-Rei ao fundo, o privilégio de parar o carro à porta. Tudo isto com evidente exagero. Ela percebe logo, à primeira análise, que os puff's da sala não são propriamente o "móvel" mais confortável para a sua geração, que me falta uma cómoda no quarto, que tenho roupa que deveria ter sido lavada algures em 97, que o esquentador não devia estar aceso o dia todo e que, se continuar a ouvir música no mesmo nível de som, corro o risco de ensurdecer metade da população do Rato.
De súbito, vejo-me a comer - pela primeira vez desde que estou em Lisboa - refeições da mamã, sou visitado no escritório por extraordinárias chávenas de café que prolongam o prazer da escrita, ouço infindáveis sermões sobre os malefícios do tabaco e conselhos categóricos sobre a mulher ideal para casar. E tudo isto é música para os meus ouvidos. Com a minha mãe a passar cá uns dias, sinto que veio a ilha toda com ela. O sol tórrido da capital aparenta cobrir-se com o lençol branco das nuvens açorianas e o heavy-metal dos vizinhos de baixo soa a chilrear de passarinhos. E nunca apreciei passarinhos. Nem em hamburguer.
Mas o melhor de toda esta ternurenta placidez (perdoem-me o súbito ataque de Lídia Jorge) é voltar a ser chamado por Filipe e o meu irmão Alexandre por Paulo. Melhor ainda: é ver os nossos nomes constantemente trocados. Filipe quando devia ser Paulo e vice-versa. E perceber, enfim, que não tinha qualquer motivo para me irritar com o assunto - tal como acontecia, amiúde, na adolescência.
O facto dos nomes sairem invariavelmente baralhados, sempre às avessas, estejamos os dois presentes ou não, é a melhor prova de que para uma mãe todos os filhos são iguais. E que trocar de personalidade com um irmão, mesmo que só por breves segundos, é o melhor que podia acontecer para entendermos, momentaneamente fora de nós, quanto amor por alguém pode uma pessoa guardar nesta vida. E constantemente dividir, generosamente, sem percentagens, como se o mundo não acabasse nunca e um dia feliz pudesse durar para sempre.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 12 de julho de 2004
recebido por mail
Publicado por
LFB
Tal como eu devem "estar fartos" de ver pela ruas de Lisboa mulheres
e/ou homens a pedirem dinheiro nos semáforos, utilizando como "instrumento de persuasão" crianças pequenas que carregam ao colo ou levam pela mão.
Estas crianças passam o dia à torreira do sol, muitos parecem estar sempre a dormir (independentemente da hora do dia e da sua idade) e os seus corpos pendem de tal maneira dos braços dos adultos que me faz pensar que estejam alcoolizados, ou algo do género. Mais, no ano passado verificou-se que muitas destas crianças não eram filhas dos adultos que as acompanhavam e que estes não tinham sequer provas de identificação das mesmas.
Trata-se, provavelmente, de crianças "alugadas" pelos pais ou mesmo crianças utilizadas por redes de tráfico infantil.
Esta é uma "forma de exploração do trabalho infantil" que ocorre à luz do dia e nas "nossas barbas". Creio que todos reconhecem que é uma situação terrível e não a podemos consentir.
Desafio-vos a contribuírem para dar visibilidade a este problema, de
forma a que as autoridades competentes o reconheçam e se organizem para lhe dar uma resposta adequada. E sabem que fazer isso só custa uma chamada local?
Sempre que se confrontarem com uma destas situações, por favor, liguem para o IAC (Instituto de Apoio à Criança) e identifiquem o local onde estas pessoas estão a pedir. O IAC entra em contacto com a PSP que se dirige ao local para proceder à identificação dos adultos e das crianças, sendo que os primeiros, por vezes, são levados à presença de um juiz.
Esta intervenção tem, por si só, um efeito disuasor e permite uma
recolha de dados sobre as crianças que são vitimas desta forma de exploração, bem como ficar com um registo dos adultos que as utilizam, no entanto, não dá ainda uma resposta de fundo ao problema. Por isso se torna importante que todos alertemos o IAC, enquanto entidade com competência nesta situação, de forma que também eles possam, com o apoio de muitos de nós, dar visibilidade a este problema e ganhar força para exigir uma resposta das Autoridades Públicas.
O número do IAC (SOS CRIANÇA) é o 21 7931617. Por favor, passem-no para o telemóvel, para agenda, para onde queiram, mas liguem e liguem a logo. Liguem sempre que se encontrem com esta situação.
Estas crianças estão desprotegidas e não têm sequer uma voz por elas. Essa voz pode ser a nossa. Por eles, liguem.
Obrigada.
e/ou homens a pedirem dinheiro nos semáforos, utilizando como "instrumento de persuasão" crianças pequenas que carregam ao colo ou levam pela mão.
Estas crianças passam o dia à torreira do sol, muitos parecem estar sempre a dormir (independentemente da hora do dia e da sua idade) e os seus corpos pendem de tal maneira dos braços dos adultos que me faz pensar que estejam alcoolizados, ou algo do género. Mais, no ano passado verificou-se que muitas destas crianças não eram filhas dos adultos que as acompanhavam e que estes não tinham sequer provas de identificação das mesmas.
Trata-se, provavelmente, de crianças "alugadas" pelos pais ou mesmo crianças utilizadas por redes de tráfico infantil.
Esta é uma "forma de exploração do trabalho infantil" que ocorre à luz do dia e nas "nossas barbas". Creio que todos reconhecem que é uma situação terrível e não a podemos consentir.
Desafio-vos a contribuírem para dar visibilidade a este problema, de
forma a que as autoridades competentes o reconheçam e se organizem para lhe dar uma resposta adequada. E sabem que fazer isso só custa uma chamada local?
Sempre que se confrontarem com uma destas situações, por favor, liguem para o IAC (Instituto de Apoio à Criança) e identifiquem o local onde estas pessoas estão a pedir. O IAC entra em contacto com a PSP que se dirige ao local para proceder à identificação dos adultos e das crianças, sendo que os primeiros, por vezes, são levados à presença de um juiz.
Esta intervenção tem, por si só, um efeito disuasor e permite uma
recolha de dados sobre as crianças que são vitimas desta forma de exploração, bem como ficar com um registo dos adultos que as utilizam, no entanto, não dá ainda uma resposta de fundo ao problema. Por isso se torna importante que todos alertemos o IAC, enquanto entidade com competência nesta situação, de forma que também eles possam, com o apoio de muitos de nós, dar visibilidade a este problema e ganhar força para exigir uma resposta das Autoridades Públicas.
O número do IAC (SOS CRIANÇA) é o 21 7931617. Por favor, passem-no para o telemóvel, para agenda, para onde queiram, mas liguem e liguem a logo. Liguem sempre que se encontrem com esta situação.
Estas crianças estão desprotegidas e não têm sequer uma voz por elas. Essa voz pode ser a nossa. Por eles, liguem.
Obrigada.
«Oportunidade à esquerda » II
Publicado por
Vital Moreira
«Eu penso, efectivamente, que o PSD cometeu o pior erro dos últimos tempos, ao aceitar sem grandes protestos a hégira de Durão Barroso, e que o PS vai ter muito para dizer sobre isso (assim o diga, efectivamente), mas não creio que Sampaio possa ter o papel de "líder da oposição", como sugere este texto [post abaixo]. Sampaio fez o que fez, podendo fazer o contrário, e disse que ia vigiar, para tentar moderar um pouco as reacções imoderáveis. Mário Soares desempenharia esse papel com a maior das facilidades (como chegou a desempenhar com Cavaco Silva), mas Sampaio não. Por que razão faria uma coisa dessas? Se tinha o objectivo de "fritar" o governo PSD, porque não o demitiu quando teve uma oportunidade soberana?...»
(HJ)
(HJ)
domingo, 11 de julho de 2004
«E se fosse o Alberto João Jardim?»
Publicado por
Vital Moreira
«Estou chocado com esta decisão do Presidente da Republica. (...) Podem usar os argumentos formais que quiserem. A verdade é que nem eu, nem ninguém, alguma vez teve a possibilidade de dizer que não queria o Santana Lopes como primeiro-ministro. Estou profundamente arrependido de, há 10 anos, quando tive de optar entre o Sampaio e o Cavaco ter feito a escolha errada. Nunca, como agora, estive tão próximo de tomar a decisão de não voltar para Portugal. Estou verdadeiramente sem palavras.
É engraçado notar que as poucas pessoas que concordam com Sampaio são exactamente as que nele não votaram. A vida política portuguesa é um logro. Votámos no Durão Barroso, para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Santana em Lisboa para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Sampaio para que este (...) traia todos os que nele votaram. (...) Depois quando tem uma oportunidade de escutar o país toma esta decisão baseada num pensamento redondo e burocrático. A única justificação para não convocar eleições foi porque o PSD e o PP lhe garantiram que estavam disponíveis para assegurar o governo. Olha que realmente era necessário consultar dezenas de pessoas para tirar esta linda conclusão.
Já agora, alguém me explica o que aconteceria se o Alberto João Jardim fosse o vice-presidente do PSD?»
(LAC, Cornell)
É engraçado notar que as poucas pessoas que concordam com Sampaio são exactamente as que nele não votaram. A vida política portuguesa é um logro. Votámos no Durão Barroso, para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Santana em Lisboa para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Sampaio para que este (...) traia todos os que nele votaram. (...) Depois quando tem uma oportunidade de escutar o país toma esta decisão baseada num pensamento redondo e burocrático. A única justificação para não convocar eleições foi porque o PSD e o PP lhe garantiram que estavam disponíveis para assegurar o governo. Olha que realmente era necessário consultar dezenas de pessoas para tirar esta linda conclusão.
Já agora, alguém me explica o que aconteceria se o Alberto João Jardim fosse o vice-presidente do PSD?»
(LAC, Cornell)
«Oportunidade à esquerda»
Publicado por
Vital Moreira
«(...)Penso, contudo, que Jorge Sampaio está a dar uma oportunidade à Democracia, especialmente à esquerda. Estes serão tempos difíceis, penso que ninguém terá dúvidas disso, mas há aqui uma oportunidade excelente para exercer a Democracia em toda a sua extensão, a Democracia que não termina no eixo Presidência-Governo-Assembleia. A Democracia deve ser sempre exercida através da participação cívica, da vigilância popular. (...) Não porque [o Governo] seja ilegítimo, mas porque será mau para o país. Será, como foi dito, o Governo mais populista desde o 25 de Abril. Santana Lopes tem, contudo, muitos inimigos à esquerda ? a sua quase totalidade ? e à direita ? nomeadamente no seu próprio partido. Como tal, esta poderá ser uma hora para cerrar fileiras entre a esquerda, de uma forma real e unida, e associar a sociedade a este combate político. (...)
A oportunidade poderá ser de ouro e poderá não se repetir. Para a aproveitar a esquerda terá, porém, de se aperceber que o Presidente Sampaio se disponibilizou para líder da oposição [ao Governo]. Colocou o Governo num altar sacrificial da Presidência. Poderá não ter os instrumentos de Poder para fazer mais que uma contestação, mas deixou claro que a fará se assim o entender. Se o Presidente Sampaio souber ter a coragem para o fazer e se a esquerda tiver a lucidez para o apoiar nestas acções, poderemos ter uma mudança real dentro de 2 anos, não apenas de governo mas de toda uma mentalidade de fazer política. Será uma ideia algo utópica? Talvez, mas não é essa uma das características da esquerda?
Por 2 anos curtos e diferentes, não da parte do Governo, mas da oposição de esquerda.»
(JSA)
A oportunidade poderá ser de ouro e poderá não se repetir. Para a aproveitar a esquerda terá, porém, de se aperceber que o Presidente Sampaio se disponibilizou para líder da oposição [ao Governo]. Colocou o Governo num altar sacrificial da Presidência. Poderá não ter os instrumentos de Poder para fazer mais que uma contestação, mas deixou claro que a fará se assim o entender. Se o Presidente Sampaio souber ter a coragem para o fazer e se a esquerda tiver a lucidez para o apoiar nestas acções, poderemos ter uma mudança real dentro de 2 anos, não apenas de governo mas de toda uma mentalidade de fazer política. Será uma ideia algo utópica? Talvez, mas não é essa uma das características da esquerda?
Por 2 anos curtos e diferentes, não da parte do Governo, mas da oposição de esquerda.»
(JSA)
«A minha opinião»
Publicado por
Vital Moreira
«Queria deixar a minha opinião sobre todo este processo que foi a decisão do Presidente da República...
A principal crítica que eu tenho é o tempo que o PR demorou para tomar a decisão que tomou. A 1ª vez que ele soube da saída do Durão Barroso foi no dia 24 de Junho. Ou seja, ele demorou duas semanas a tomar a decisão. Durante este tempo, os partidos políticos extremaram as suas posições de um modo que eu inicialmente não esperava. Estas tomadas de posições foram particularmente fortes durante a última semana, mas também eram previsíveis, dada a importância da decisão e o tempo que demorou a ser conhecida a decisão presidencial. Sinceramente, acho que o PR deveria ter aproveitado o estado de graça em que estava o país devido ao sucesso do Euro 2004 e deveria ter anunciado a decisão no início da semana passada. Duvido que ele tenha modificado a sua posição durante esta semana, e teria suavizado a crise política entretando gerada.
Quanto à decisão propriamente dita, ela era bastante complexa e com bons argumentos para ambos os lados. Ou seja, era uma decisão pessoal do PR. E aqui reside a minha dúvida. Sabe-se que o PR foi eleito por eleitores maioritariamente de esquerda (mas também devido a um sentimento anti-Cavaco muito forte). Será que ele devia ser leal para com esses eleitores ou deveria olhar para a situação e pensar "o que é melhor para Portugal?". No fundo, será que ele devia tomar a decisão como socialista que sempre foi ou como português apartidário? A minha opinião é que ele deveria ser apartidário e olhar para a situação como independente. Isso não quer dizer que ele não pudesse (ou até devesse) convocar eleições antecipadas, mas que isso seria uma decisão a pensar no que seria o melhor para Portugal e não para o partido que o elegeu.
(...) Se ele tivesse tomado a decisão de dissolver o parlamento, a decisão teria sido sempre associada com uma decisão socialista e não para o bem nacional. É que eu não acredito que tenha sido fácil dar a liderança do governo ao Santana Lopes (PSL). Acredito que o PR tenha pesadelos à noite a pensar nisto, pois vai contra o que lutou durante anos. Foi sem dúvida a decisão mais difícil da vida dele. E é por tudo isto que acredito que a decisão tomada tenha sido a que ele pensa ser melhor para o país.
(...)»
(AF, Houston)
A principal crítica que eu tenho é o tempo que o PR demorou para tomar a decisão que tomou. A 1ª vez que ele soube da saída do Durão Barroso foi no dia 24 de Junho. Ou seja, ele demorou duas semanas a tomar a decisão. Durante este tempo, os partidos políticos extremaram as suas posições de um modo que eu inicialmente não esperava. Estas tomadas de posições foram particularmente fortes durante a última semana, mas também eram previsíveis, dada a importância da decisão e o tempo que demorou a ser conhecida a decisão presidencial. Sinceramente, acho que o PR deveria ter aproveitado o estado de graça em que estava o país devido ao sucesso do Euro 2004 e deveria ter anunciado a decisão no início da semana passada. Duvido que ele tenha modificado a sua posição durante esta semana, e teria suavizado a crise política entretando gerada.
Quanto à decisão propriamente dita, ela era bastante complexa e com bons argumentos para ambos os lados. Ou seja, era uma decisão pessoal do PR. E aqui reside a minha dúvida. Sabe-se que o PR foi eleito por eleitores maioritariamente de esquerda (mas também devido a um sentimento anti-Cavaco muito forte). Será que ele devia ser leal para com esses eleitores ou deveria olhar para a situação e pensar "o que é melhor para Portugal?". No fundo, será que ele devia tomar a decisão como socialista que sempre foi ou como português apartidário? A minha opinião é que ele deveria ser apartidário e olhar para a situação como independente. Isso não quer dizer que ele não pudesse (ou até devesse) convocar eleições antecipadas, mas que isso seria uma decisão a pensar no que seria o melhor para Portugal e não para o partido que o elegeu.
(...) Se ele tivesse tomado a decisão de dissolver o parlamento, a decisão teria sido sempre associada com uma decisão socialista e não para o bem nacional. É que eu não acredito que tenha sido fácil dar a liderança do governo ao Santana Lopes (PSL). Acredito que o PR tenha pesadelos à noite a pensar nisto, pois vai contra o que lutou durante anos. Foi sem dúvida a decisão mais difícil da vida dele. E é por tudo isto que acredito que a decisão tomada tenha sido a que ele pensa ser melhor para o país.
(...)»
(AF, Houston)
Maria de Lourdes Pintasilgo
Publicado por
AG
Parou-lhe o coração. Durante a noite. Logo esta noite!
Há exactamente uma semana, em Coimbra, em casa da Maria Manuel e do Vital, falei da Maria de Lourdes, de como me alarmara no velório do Prof. Sousa Franco a fragilidade física que subitamente lhe descobrira e de como não me surpreenderia se, de um dia para outro, tivéssemos triste notícia. Malfadada premonição!
Tinha-a visto, dois dias antes, a sair da audiência com o Presidente da República, parecendo firme, embora angustiada com a possibilidade da governação populista que hoje Portugal tem pela frente. Foi ela quem primeiro disse que a democracia poderia estar em perigo. Perturbante comentário. Mas o que mais me «bateu» na imagem daquela senhora, que na televisão parecia muito menos debilitada do que eu a sabia, foi a noção de que ela era a única mulher do ror de personalidades que o Chefe de Estado entendera ouvir para decidir da crise aberta pela fuga de Durão Barroso. Segundo a TV, fora chamada por um critério «objectivo» - antiga Primeira-Ministra.
Eu estava a vê-la pela RTPi. Nessa tarde, na abertura do Congresso do PSOE, em Madrid, aplaudira o Zapatero a reafirmar, à cabeça do discurso, que a paridade era uma prioridade do seu Governo. «Bateu-me» a abissal diferença: em Espanha há hoje um governo com tantos homens como mulheres, porque um político corajoso e progressista resolveu passar das palavras aos actos. Cá, uma mulher só é ouvida - mesmo quando é personalidade admirável e extra-ordinária como Maria de Lourdes Pintasilgo - porque se pode invocar um critério «objectivo». Valha-nos que em 1979 houve um Presidente, Ramalho Eanes, que ousou, contra críticas ferozes de muitos, nomear uma mulher Primeiro-Ministro! Se não, no rol de personalidades recentemente chamadas a Belém, nem sequer uma mulher haveria para amostra do sexo que é maioritário em Portugal e cujo imparável sucesso universitário e profissional leva já alguns a defender quotas ... para homens.
Em Coimbra avancei que o primeiro «post» que ia escrever para o Causa Nossa, depois deste interregno de semanas, era justamente sobre a Maria de Lourdes. Para alertar para a injustiça escandalosa de que ela era objecto. Desgraçadamente, não o escrevi a tempo. A tempo de alguém lho dar a ler. A tempo de alguém corrigir a situação. Acabrunhada, aqui deixo nota, no dia do seu funeral:
Naquele dia na Estrela, fomos conversando enquanto eu a amparava no lento e penoso percurso, corredor fora, deixando a capela do velório. Sobre a morte do Professor Sousa Franco, que a abalara muito, sobre a campanha para as europeias, o PS, os anos de trabalho juntas em Belém, etc.. Já à saída da Basílica, perguntei de que lado estaria o motorista que a viera trazer. Atalhou «Meu motorista? Filha, não tenho dinheiro para tal. Este é um senhor muito amigo, muito gentil, que insiste em conduzir-me quando tenho de sair de casa. Sabe, é que eu vivo apenas de uma pequeníssima pensão dada pelo Baltazar Rebelo de Sousa...». Perante a minha incredulidade, Maria de Lourdes explicou que nos tempos do governo PS bem tentara que a situação fosse corrigida, falara até a alguns ministros... Mas, que havia de se fazer, só fora Primeira-Ministra cinco meses, só tinha direito a pensão pelos tempos de Procuradora à Câmara Corporativa!
A Democracia tem destas injustiças. Injustiça os seus melhores. E o mais duro é que eles nos estão a deixar.
Ana Gomes
Há exactamente uma semana, em Coimbra, em casa da Maria Manuel e do Vital, falei da Maria de Lourdes, de como me alarmara no velório do Prof. Sousa Franco a fragilidade física que subitamente lhe descobrira e de como não me surpreenderia se, de um dia para outro, tivéssemos triste notícia. Malfadada premonição!
Tinha-a visto, dois dias antes, a sair da audiência com o Presidente da República, parecendo firme, embora angustiada com a possibilidade da governação populista que hoje Portugal tem pela frente. Foi ela quem primeiro disse que a democracia poderia estar em perigo. Perturbante comentário. Mas o que mais me «bateu» na imagem daquela senhora, que na televisão parecia muito menos debilitada do que eu a sabia, foi a noção de que ela era a única mulher do ror de personalidades que o Chefe de Estado entendera ouvir para decidir da crise aberta pela fuga de Durão Barroso. Segundo a TV, fora chamada por um critério «objectivo» - antiga Primeira-Ministra.
Eu estava a vê-la pela RTPi. Nessa tarde, na abertura do Congresso do PSOE, em Madrid, aplaudira o Zapatero a reafirmar, à cabeça do discurso, que a paridade era uma prioridade do seu Governo. «Bateu-me» a abissal diferença: em Espanha há hoje um governo com tantos homens como mulheres, porque um político corajoso e progressista resolveu passar das palavras aos actos. Cá, uma mulher só é ouvida - mesmo quando é personalidade admirável e extra-ordinária como Maria de Lourdes Pintasilgo - porque se pode invocar um critério «objectivo». Valha-nos que em 1979 houve um Presidente, Ramalho Eanes, que ousou, contra críticas ferozes de muitos, nomear uma mulher Primeiro-Ministro! Se não, no rol de personalidades recentemente chamadas a Belém, nem sequer uma mulher haveria para amostra do sexo que é maioritário em Portugal e cujo imparável sucesso universitário e profissional leva já alguns a defender quotas ... para homens.
Em Coimbra avancei que o primeiro «post» que ia escrever para o Causa Nossa, depois deste interregno de semanas, era justamente sobre a Maria de Lourdes. Para alertar para a injustiça escandalosa de que ela era objecto. Desgraçadamente, não o escrevi a tempo. A tempo de alguém lho dar a ler. A tempo de alguém corrigir a situação. Acabrunhada, aqui deixo nota, no dia do seu funeral:
Naquele dia na Estrela, fomos conversando enquanto eu a amparava no lento e penoso percurso, corredor fora, deixando a capela do velório. Sobre a morte do Professor Sousa Franco, que a abalara muito, sobre a campanha para as europeias, o PS, os anos de trabalho juntas em Belém, etc.. Já à saída da Basílica, perguntei de que lado estaria o motorista que a viera trazer. Atalhou «Meu motorista? Filha, não tenho dinheiro para tal. Este é um senhor muito amigo, muito gentil, que insiste em conduzir-me quando tenho de sair de casa. Sabe, é que eu vivo apenas de uma pequeníssima pensão dada pelo Baltazar Rebelo de Sousa...». Perante a minha incredulidade, Maria de Lourdes explicou que nos tempos do governo PS bem tentara que a situação fosse corrigida, falara até a alguns ministros... Mas, que havia de se fazer, só fora Primeira-Ministra cinco meses, só tinha direito a pensão pelos tempos de Procuradora à Câmara Corporativa!
A Democracia tem destas injustiças. Injustiça os seus melhores. E o mais duro é que eles nos estão a deixar.
Ana Gomes
O fim de uma era?
Publicado por
Vital Moreira
A renúncia de Ferro Rodrigues pode significar também o fim de um certo PS, fortemente influenciado pelo grupo de militantes oriundos do antigo Movimento de Esquerda Socialista (MES), que entraram no PS pela mão de Mário Soares há mais de duas décadas. Seja quem for o sucessor -- previsivelmente José Sócrates, se António Vitorino não quiser antecipar a sua saída de Bruxelas para vir disputar a liderança --, há razões par antecipar que será um PS menos à esquerda ideologicamente, politicamente mais "moderado" e mais pragmático, mais ortodoxo em matéria de política económica e financeira, mais aberto à reforma liberal dos serviços públicos, provavelmente mesmo mais contido em relação às "causas de sociedade" (despenalização do aborto, por exemplo), enfim menos próximo do PS francês e mais próximo do blairismo britânico.
A tentação para ocupar o espaço centrista proporcionado pela deslocação do PSD de Santana Lopes para a direita poderá tornar politicamente "pagante" esse reposicionamento político e ideológico do PS. Em contrapartida, à esquerda, tanto o PCP como o Bloco de Esquerda podem beneficiar desse distanciamento do PS da disputa pelo espaço tradicional da esquerda e das causas sociais e culturais mais radicais. Pode estar na forja uma recomposição do sistema partidário nacional.
A tentação para ocupar o espaço centrista proporcionado pela deslocação do PSD de Santana Lopes para a direita poderá tornar politicamente "pagante" esse reposicionamento político e ideológico do PS. Em contrapartida, à esquerda, tanto o PCP como o Bloco de Esquerda podem beneficiar desse distanciamento do PS da disputa pelo espaço tradicional da esquerda e das causas sociais e culturais mais radicais. Pode estar na forja uma recomposição do sistema partidário nacional.
E se...
Publicado por
Anónimo
1. E se este fosse o seu primeiro mandato, teria o Presidente da República decidido do mesmo modo?
Lá no fundo, bem no fundo, quero crer que sim. Um aval à coerência do Presidente, esta minha convicção. Gostaria de não me enganar.
2. E se assim fosse, ter-lhe-ia essa decisão custado um segundo mandato?
Se as eleições fossem disputadas como em 1996, admito bem que sim. Estes dias em que se arrastou a decisão criaram em muitos dos eleitores do Presidente a ideia que havia tão bons argumentos para um lado como para o outro; que era uma mera questão de escolha a favor de A ou favor de B; que a estabilidade tanto seria conseguida com esta, como com a outra decisão; que para a economia era irrelevante (como disseram diversas autoridades na matéria). Talvez as coisas nunca tenham sido bem assim, mas foi o que deixaram que parecessem. Agora, mesmo quando a razão tenta compreender a decisão, a ferida abre-se no coração de muitos, indelével, provavelmente.
3. E se invertêssemos o cenário? Teria um Presidente à direita decidido de outro modo, supondo a existência de uma coligação de esquerda maioritária na Assembleia e a direita em minoria, mas pronta para ganhar as eleições?
Creio que sim. A prova é outra vez impossível de fazer. Mas ao longo da vida já vi este filme várias vezes. Desde os professores de esquerda, na Faculdade, que eram mais exigentes para os alunos de esquerda com temor de serem acusados de os favorecer (sendo que o oposto nunca se passava), até aos Governos de esquerda que enchem de encomendas os consultores à direita, mesmo quando existem melhores ou iguais à esquerda, só para mostrar como são abertos e pluralistas. Chama-se a isto o "complexo de esquerda". A direita não tem complexos desses!
Lá no fundo, bem no fundo, quero crer que sim. Um aval à coerência do Presidente, esta minha convicção. Gostaria de não me enganar.
2. E se assim fosse, ter-lhe-ia essa decisão custado um segundo mandato?
Se as eleições fossem disputadas como em 1996, admito bem que sim. Estes dias em que se arrastou a decisão criaram em muitos dos eleitores do Presidente a ideia que havia tão bons argumentos para um lado como para o outro; que era uma mera questão de escolha a favor de A ou favor de B; que a estabilidade tanto seria conseguida com esta, como com a outra decisão; que para a economia era irrelevante (como disseram diversas autoridades na matéria). Talvez as coisas nunca tenham sido bem assim, mas foi o que deixaram que parecessem. Agora, mesmo quando a razão tenta compreender a decisão, a ferida abre-se no coração de muitos, indelével, provavelmente.
3. E se invertêssemos o cenário? Teria um Presidente à direita decidido de outro modo, supondo a existência de uma coligação de esquerda maioritária na Assembleia e a direita em minoria, mas pronta para ganhar as eleições?
Creio que sim. A prova é outra vez impossível de fazer. Mas ao longo da vida já vi este filme várias vezes. Desde os professores de esquerda, na Faculdade, que eram mais exigentes para os alunos de esquerda com temor de serem acusados de os favorecer (sendo que o oposto nunca se passava), até aos Governos de esquerda que enchem de encomendas os consultores à direita, mesmo quando existem melhores ou iguais à esquerda, só para mostrar como são abertos e pluralistas. Chama-se a isto o "complexo de esquerda". A direita não tem complexos desses!
sábado, 10 de julho de 2004
Prémio de consolação
Publicado por
Anónimo
Um voto pio fica mal a quem o faz. Um prémio de consolação é com certeza dispensado pelos seus destinatários. Não sei de facto o que mais possa pensar-se das supostas ameaças de castigo para o novo governo, que ontem ouvi no discurso do Presidente. Que terá de portar-se bem sob pena de ser dissolvido. Como? Quando? Que deverá respeitar o seu programa e dar-lhe continuidade. Qual programa? Aquele em que prometeram baixar os impostos? O mais recente, que o próprio Presidente algumas vezes criticou?
O meu herói
Publicado por
Anónimo
Bartoon é o meu herói, o meu amigo, aquele a quem agradeço todos os dias por me tirar do sério. Hoje, foi um deles. Olhem só:
Bartoon, de Luís Afonso, Público de hoje
Maria de Lurdes Pintasilgo (1930-2004)
Publicado por
Vital Moreira
Foi a primeira mulher a chefiar um governo em Portugal (1979), foi a primeira também a disputar umas eleições presidenciais (1986), foi uma militante de esquerda católica, empenhada e visionária. Há pessoas em relação às quais a discordância de ideias e de propostas em nada afecta a estima e a admiração pessoal por elas. Maria de Lurdes Pintasilgo pertencia a esse grupo privilegiado.
Como explicar?
Publicado por
Anónimo
Da nossa leitora Luisa Rego: "(...) Como eleitora de esquerda e como cidadã, não sei sinceramente o que posso doravante pensar e muito menos como agir. Ferro Rodrigues (...) tomou uma decisão digna, mas triste. Não sou militante do PS... mas neste momento gostaria muito de o ser, para propor um voto de expulsão do militante Jorge Sampaio - ou pelo menos de desaprovação - e um voto claro de apoio a Ferro Rodrigues. Com a decisão do PR, em quem acreditei e votei, e que vigarizou os seus eleitores da maneira mais traiçoeira e tresloucada, foi o sistema eleitoral desprezado e o regime democrático desacreditado. Como explicar às novas gerações que a política se faz assim? O que digo aos meus filhos sobre exercício de cidadania? Vale a pena acreditar em valores e princípios? Vale a pena votar?"
Em que é que votamos...
Publicado por
Vital Moreira
De um email de hoje: «Em que é que votamos quando elegemos um Presidente da República?»
A manha dos árbitros
Publicado por
Anónimo
No futebol, os árbitros impuros e sem carácter têm uma manha típica, há muito conhecida dos adeptos - quando "erram" deliberadamente em favor de um dos contendores num lance decisivo, passam os dez minutos finais a interferir na partida, vigilantes que nem águias, inventando faltas menores a meio-campo contra a parte que despudoradamente beneficiaram. Julgam assim poder enganar os inocentes.
Luís Nazaré
Luís Nazaré
De todos os portugueses?
Publicado por
Anónimo
Não. Sampaio foi o presidente da minoria de portugueses que não votou nele. Que belo gesto de desprendimento e isenção! Ficará certamente na história.
Luís Nazaré
Luís Nazaré
Sampaísmo constitucional
Publicado por
Vital Moreira
A decisão presidencial de ontem e o discurso que a fundamentou -- link para o texto oficial -- ficarão seguramente como peças de eleição para a compreensão do actual presidente em relação aos seus poderes, em especial, e ao sistema de governo, em geral, dentro do quadro assaz aberto da Constituição nessa matéria.
Ao optar pela formação de um novo governo da coligação governamental existente, não atendendo aos argumentos que poderiam justificar a convocação de novas eleições (e não eram poucos), o PR reforçou, numa situação assaz controversa, o seu pensamento de que havendo maiorias parlamentares deve em princípio seguir-se esse caminho e que nessa situação a dissolução deve ser uma via realmente excepcional. Além disso, o PR aceitou sem contestação para primeiro-ministro o polémico (para não dizer mais...) novo líder do partido maioritário, prescindindo de exercer um poder de recusa, que no entanto ele detém. Parece ter triunfado aqui portanto um entendimento não intervencionista no que respeita à formação de governos e uma compreensão muitíssimo estrita e exigente quanto à dissolução parlamentar.
Há porém a outra face da moeda. O PR impôs ao novo governo um requisito de continuidade de políticas essenciais, condicionou fortemente a sua liberdade de formulação do programa de governo e colocou-o sob vigilância especial, ou seja, em rédea curta. Nesta perspectiva, inédita no nosso sistema democrático, o PR adopta uma inesperada atitude intervencionista. Ao referir-se explicitamente às "orientações políticas votadas nas eleições de 2002", o Presidente sugere que as eleições servem para escolher políticas e que portanto não são legítimas outras na vigência dessa legislatura. Ele torna-se um fiscal da fidelidade governamental ao programa político supostamente sufragado em eleições. Levada às suas últimas consequências, esta posição parece indicar que Sampaio não admite a formação de governos na mesma legislatura com sinal político divergente, situações que, no entanto, não são raras noutros sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso.
Esta leitura, que nada constitucionalmente impõe, parece ser uma contribuição originária do "sampaísmo constitucional".
Ao optar pela formação de um novo governo da coligação governamental existente, não atendendo aos argumentos que poderiam justificar a convocação de novas eleições (e não eram poucos), o PR reforçou, numa situação assaz controversa, o seu pensamento de que havendo maiorias parlamentares deve em princípio seguir-se esse caminho e que nessa situação a dissolução deve ser uma via realmente excepcional. Além disso, o PR aceitou sem contestação para primeiro-ministro o polémico (para não dizer mais...) novo líder do partido maioritário, prescindindo de exercer um poder de recusa, que no entanto ele detém. Parece ter triunfado aqui portanto um entendimento não intervencionista no que respeita à formação de governos e uma compreensão muitíssimo estrita e exigente quanto à dissolução parlamentar.
Há porém a outra face da moeda. O PR impôs ao novo governo um requisito de continuidade de políticas essenciais, condicionou fortemente a sua liberdade de formulação do programa de governo e colocou-o sob vigilância especial, ou seja, em rédea curta. Nesta perspectiva, inédita no nosso sistema democrático, o PR adopta uma inesperada atitude intervencionista. Ao referir-se explicitamente às "orientações políticas votadas nas eleições de 2002", o Presidente sugere que as eleições servem para escolher políticas e que portanto não são legítimas outras na vigência dessa legislatura. Ele torna-se um fiscal da fidelidade governamental ao programa político supostamente sufragado em eleições. Levada às suas últimas consequências, esta posição parece indicar que Sampaio não admite a formação de governos na mesma legislatura com sinal político divergente, situações que, no entanto, não são raras noutros sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso.
Esta leitura, que nada constitucionalmente impõe, parece ser uma contribuição originária do "sampaísmo constitucional".
Belém e São Bento
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Vital Moreira
Ao optar por um novo governo da coligação PSD-PP, em vez de convocar eleições, o Presidente da República impôs-lhe continuidade nas políticas essenciais e anunciou uma vigilância presidencial apertada da acção governativa.
A imposição de continuidade de políticas é de certo modo contraditória com a doutrina de respeito pela maioria parlamentar, a qual deveria levar ao não envolvimento presidencial na definição das orientações governamentais. Além disso, é uma posição equívoca, pois tanto pode comprometer o Presidente na acção governamental, tornando-o corresponsável por ela, como dar ao Governo um capital de queixa, acusando o Presidente de ser "força de bloqueio" e de não o deixar levar a cabo as suas políticas. Ambos os factores são funestos.
A maior vigilância sobre o Governo também pode ser um exercício fruste e arriscado. Fruste, porque o Presidente não goza de grandes meios de controlo sobre um Governo que dispõe de maioria parlamentar absoluta; o principal instrumento de obstrução presidencial, o veto às leis, pode ser em geral superado por uma segundo votação parlamentar. Arriscado, porque pode dar lugar a um conflito institucional entre o Presidente e o Governo, não estando garantido quem o ganha. Seja como for, conflito institucional é coisa que não corresponde propriamente à "estabilidade política" que esteve na base da justificação presidencial para a formação de novo governo da coligação.
A imposição de continuidade de políticas é de certo modo contraditória com a doutrina de respeito pela maioria parlamentar, a qual deveria levar ao não envolvimento presidencial na definição das orientações governamentais. Além disso, é uma posição equívoca, pois tanto pode comprometer o Presidente na acção governamental, tornando-o corresponsável por ela, como dar ao Governo um capital de queixa, acusando o Presidente de ser "força de bloqueio" e de não o deixar levar a cabo as suas políticas. Ambos os factores são funestos.
A maior vigilância sobre o Governo também pode ser um exercício fruste e arriscado. Fruste, porque o Presidente não goza de grandes meios de controlo sobre um Governo que dispõe de maioria parlamentar absoluta; o principal instrumento de obstrução presidencial, o veto às leis, pode ser em geral superado por uma segundo votação parlamentar. Arriscado, porque pode dar lugar a um conflito institucional entre o Presidente e o Governo, não estando garantido quem o ganha. Seja como for, conflito institucional é coisa que não corresponde propriamente à "estabilidade política" que esteve na base da justificação presidencial para a formação de novo governo da coligação.
Efeitos colaterais
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Vital Moreira
Com a renúncia de Ferro Rodrigues, a seguir à de Guterres há menos de três anos, o PS dá uma imagem de excessiva vulnerabilidade dos seus dirigentes à adversidade e à derrota. Mesmo se em nome de uma virtuosa assunção de responsabilidade pessoal pelos insucessos politicos, a repetição de demissões também pode ser lida como sintoma de um défice de resistência e de determinação política. Os gestos mais nobres podem ter efeitos colaterais negativos...
sexta-feira, 9 de julho de 2004
Ferro Rodrigues
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Vital Moreira
A sua demissão é um singular momento dramático na história política portuguesa. Ao demitir-se da liderança do PS acto contínuo à comunicação presidencial, considerando-a como uma intolerável "derrota pessoal e política", Ferro Rodrigues agiu claramente sob o império da emoção e da indignação. Devemos respeitar a atitude e admirar o seu sacrifício, mesmo que não acompanhemos a radicalidade do gesto. Mas quem conhece a sua forte personalidade e percebeu a ordália que foi a sua luta contra a sórdida conspiração que o tentou liquidar no ano passado (com a infame tentativa de envolvimento no caso Casa Pia) dificilmente pode censurá-lo por ter deixado decidir o coração em vez da razão.
Com a sua demissão o PS não perde somente um líder que não recusou "pegar" no partido numa situação particularmente difícil, a seguir à saída de António Guterres, e que conseguiu em apenas dois anos, apesar de todas as contrariedades pessoais e políticas, recolocá-lo na senda das vitórias eleitorais, com fortes perspectivas de voltar ao poder na próxima oportunidade. Perde também uma certa maneira despojada e exigente de fazer política, fiel a princípios e a normas de ética pessoal. Não é preciso ser seu amigo nem concordar com ele em tudo para lastimar profundamente o seu abandono, sobretudo nas condições em que ocorre. Pessoas deste calibre fazem sempre falta à República e à esquerda.
Vital Moreira
Com a sua demissão o PS não perde somente um líder que não recusou "pegar" no partido numa situação particularmente difícil, a seguir à saída de António Guterres, e que conseguiu em apenas dois anos, apesar de todas as contrariedades pessoais e políticas, recolocá-lo na senda das vitórias eleitorais, com fortes perspectivas de voltar ao poder na próxima oportunidade. Perde também uma certa maneira despojada e exigente de fazer política, fiel a princípios e a normas de ética pessoal. Não é preciso ser seu amigo nem concordar com ele em tudo para lastimar profundamente o seu abandono, sobretudo nas condições em que ocorre. Pessoas deste calibre fazem sempre falta à República e à esquerda.
Vital Moreira
Jorge Sampaio
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Vital Moreira
O Presidente da República partiu do princípio, correcto, de que a questão não era a constitucionalidade nem a legitimidade das duas alternativas em causa, não havendo nenhum princípio que tornasse obrigatória a continuidade governamental (como queria a direita) ou a realização de eleições (como queria a esquerda e diversas personalidades a ela alheias). O que estava em causa era uma questão política, cuja resolução num sentido ou noutro cabia na liberdade de decisão pessoal do Presidente, a saber, se havia razões bastantes para rejeitar a formação de novo governo da actual coligação com outro primeiro-ministro e para justificar a dissolução parlamentar e convocar novas eleições.
Sampaio privilegiou claramente os argumentos a favor da continuidade governativa (apesar de ela ter sido efectivamente interrompida pelo abandono do primeiro-ministro), tornando a legislatura uma espécie de fetiche a que tudo se deve sacrificar, não tendo considerado decisivos (ou nem relevantes, porque não os mencionou sequer) os argumentos que poderiam fundamentar a opção pelas eleições, designadamente a saída do primeiro-ministro que encarnava a vitória eleitoral da direita nas eleições de 2002 e a coligação governamental, o inequívoco divórcio entre o eleitorado e a maioria parlamentar existente -- revelada nas recentes eleições europeias e noutros elementos relevantes --, a controversa personalidade e as inclinações populistas do apontado primeiro-ministro e ainda o perigo sério de este novo governo não passar de um "comité eleitoral" no ciclo de eleições que vão ocorrer neste dois anos, colocando o Estado ao serviço dos interesses políticos da coligação.
Objectivamente, portanto, numa questão em que ambas as alternativas em presença eram admissíveis (de outro modo não se compreenderia tanta hesitação), o Presidente acabou por optar a favor da coligação governamental, ao livrá-la de se confrontar com o eleitorado e responder, com uma previsível derrota, pelo governo que agora termina . Se esta decisão tivesse sido assumida sem tergiversação desde o início, seguramente que ela não teria suscitado tanta paixão. O pior é que, tendo demorado 15 dias a decidir e tendo dado campo para a criação de uma ampla convicção favorável à antecipação de eleições -- que se tornou ela mesma um elemento da equação a resolver pelo Presidente --, a sua decisão final aparece como um inesperado prémio à direita e uma imerecida derrota da esquerda.
Doravante nada será como dantes na relação do PR com o "povo de esquerda", que duas vezes o elegeu.
Sampaio privilegiou claramente os argumentos a favor da continuidade governativa (apesar de ela ter sido efectivamente interrompida pelo abandono do primeiro-ministro), tornando a legislatura uma espécie de fetiche a que tudo se deve sacrificar, não tendo considerado decisivos (ou nem relevantes, porque não os mencionou sequer) os argumentos que poderiam fundamentar a opção pelas eleições, designadamente a saída do primeiro-ministro que encarnava a vitória eleitoral da direita nas eleições de 2002 e a coligação governamental, o inequívoco divórcio entre o eleitorado e a maioria parlamentar existente -- revelada nas recentes eleições europeias e noutros elementos relevantes --, a controversa personalidade e as inclinações populistas do apontado primeiro-ministro e ainda o perigo sério de este novo governo não passar de um "comité eleitoral" no ciclo de eleições que vão ocorrer neste dois anos, colocando o Estado ao serviço dos interesses políticos da coligação.
Objectivamente, portanto, numa questão em que ambas as alternativas em presença eram admissíveis (de outro modo não se compreenderia tanta hesitação), o Presidente acabou por optar a favor da coligação governamental, ao livrá-la de se confrontar com o eleitorado e responder, com uma previsível derrota, pelo governo que agora termina . Se esta decisão tivesse sido assumida sem tergiversação desde o início, seguramente que ela não teria suscitado tanta paixão. O pior é que, tendo demorado 15 dias a decidir e tendo dado campo para a criação de uma ampla convicção favorável à antecipação de eleições -- que se tornou ela mesma um elemento da equação a resolver pelo Presidente --, a sua decisão final aparece como um inesperado prémio à direita e uma imerecida derrota da esquerda.
Doravante nada será como dantes na relação do PR com o "povo de esquerda", que duas vezes o elegeu.
Justiça para a Palestina !
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Vital Moreira
As agências noticiosas antecipam esta manhã o veredicto do Tribunal Internacional de Justiça, que vai ser oficialmente anunciado logo à tarde, sobre a ilegalidade do muro de separação que Israel está a construir na Palestina, salvo na parte em que ele coincide com a fronteira internacional de Israel. O Tribunal apela às Nações Unidas para assegurar a destruição do muro e declara também o direito dos Palestinianos lesados nos seus direitos a uma indemnização.
Mas quem é que duvidava que na questão palestiniana Israel é uma Estado fora dda lei?
Mas quem é que duvidava que na questão palestiniana Israel é uma Estado fora dda lei?
A fotografia dos Açores
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Vital Moreira
«Quando penso em Barroso, vejo-o sempre com Bush e Aznar, nos Açores», salientou Martin Schultz, o presidente do grupo socialista no Parlamento Europeu, exprimindo as suas objecções ao presidente designado da Comissão Europeia (segundo o Diário de Notícias de hoje).
A objecção é sem dúvida pertinente. Mas a citada observação suscita uma interrogação: Blair não estava também na fotografia dos Açores? Ou Schultz esqueceu-se convenientemente dele só por ele ser presidente de um partido que é membro do PSE e cujos deputados também integram o grupo parlamentar a que ele preside?
A objecção é sem dúvida pertinente. Mas a citada observação suscita uma interrogação: Blair não estava também na fotografia dos Açores? Ou Schultz esqueceu-se convenientemente dele só por ele ser presidente de um partido que é membro do PSE e cujos deputados também integram o grupo parlamentar a que ele preside?
Distinções
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Vital Moreira
Populismo tem tão pouco a ver com popular como demagogia com democracia, nacionalismo com patriotismo, PSD com social-democracia, etc.
ESPLANAR por aí
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LFB
Já tinha saudades de dar boas notícias. Nasceu há duas horinhas o blog linkado no título - uma mesa de esplanada onde se sentam o Rui Branco, Filipe Nunes, Alexandre Borges e Nuno Costa Santos. Meus queridos amigos, sim, mas isso não vem ao caso. É bem mais interessante constatar que se trata do encontro feliz de dois membros do extinto Desejo Casar(um regresso que muito se saúda, de AB e NCS!) com dois dos melhores bloggers nacionais - o Cristiano Ronaldo e o Deco do País Relativo - FN e RB, respectivamente. Seguramente, um local para visitar todos os dias. Vai direitinho para a coluna de preferidos aqui do Causa, mal acabe de curar a ressaca.
LFB, feliz da vida, às 6 e meia da manhã
LFB, feliz da vida, às 6 e meia da manhã
«PS pisca o olho a Manuel Monteiro»...
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Vital Moreira
...diz o Diário de Notícias de hoje. Não deve ser verdade, mas se o fosse seria caso para dizer que o PS começa mal a corrida para as esperadas eleições antecipadas, com uma manifestação do mais rasteiro oportunismo político.
quinta-feira, 8 de julho de 2004
Marlon Marco Brando António
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Vital Moreira
Tendo eu relembrado há dias o meu fascínio juvenil pelo papel de Marlon Brando no Marco António do "Júlio Cesar" de Mankiewics, de 1953, apraz-me ler no Economist esta passagem sobre o mesmo filme:
«Then he [Brando] played Mark Antony in "Julius Caesar" (1953) and the cynics were silenced. The scene in which he enters the senate after Caesar's murder, acknowledging none of the conspirators but gliding regally past as if they did not exist, points vividly to the play's denouement. For this, credit Marlon Brando, not Shakespeare. Ask if Rod Steiger, James Dean or Paul Newman, who all, like Brando, graduated from the Method school of acting, could have matched his Mark Antony, and the answer is a definite no.»
A angústia da democracia
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Anónimo
Para descomprimir, eis o meu artigo de hoje no Jornal de Negócios, arquivado na Aba da Causa.
Luís Nazaré
Luís Nazaré
E, nesse caso, que fazer?
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Vital Moreira
Se houver eleições, «o PS vai bater-se por uma maioria absoluta» --, diz Ferro Rodrigues. Eis uma diferença de ousadia em relação a António Guterres, que, mesmo depois de andar a trabalhar para a tal maioria absoluta durante 4 anos, foi depois incapaz de a reclamar explicitamente nas eleições de 1999, tendo ficado manifestamente desapontado por os eleitores não terem "percebido" que era essencial tê-la (quem se não lembra da sua reacção na noite das eleições, como se tivesse sofrido uma derrota, apesar de ser o melhor resultado eleitoral de sempre do PS?). Mas não basta vontade e determinação para conseguir os 44,5% de votos necessários para ter mais de 50% de deputados. Por isso, a pergunta seguinte precisa de resposta tão depressa quanto possível: e se obtiver outra vez somente uma maioria relativa? Volta a optar por um governo minoritário ou equaciona agora a hipótese de coligação com outro(s) partido(s)?
Lembram-se da "moção de censura construtiva"?
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Vital Moreira
Desde há muitos anos que o PS defende entre nós a moção de censura construtiva (MCC), existente na Alemanha e na Espanha, segundo a qual as moções de censura parlamentar aos governos -- com a sua consequente demissão -- têm de incluir um programa de governo e o nome de um primeiro-ministro alternativo. Essa proposta tem sido rejeitada nas sucessivas revisões constitucionais, por se entender -- com toda a razão, diga-se -- que ela dificulta a censura aos governos, obrigando as oposições a entenderem-se previamente sobre um governo alternativo, e corta a liberdade do Presidente da República para decidir as saídas da crise governamental decorrente de uma moção de censura, obrigando-o a nomear tal primeiro-ministro.
Para os que defendem agora que os primeiros-ministros são eleitos pelos cidadãos nas eleições parlamentares e que portanto não pode haver a sua substituição sem novas eleições, essa figura da MCC é obviamente uma heresia, tanto mais que ela pode levar à formação de governos contra o partido e o primeiro-ministro que ganharam as eleições (como poderia ter acontecido entre nós em 1987, após o derrube do primeiro governo Cavaco Silva). Mas parece evidente que quem defende a MCC não pode aderir àquele argumento.
Existem na actual situação razões políticas bastantes para convocar eleições antecipadas (embora também haja argumentos contra). Mas trata-se de uma faculdade e não de uma obrigação do PR, pois nada na Constituição nem na lógica do sistema político a impõe (nem tampouco proíbe). Para haver dissolução parlamentar e novas eleições não é preciso subverter a lógica constitucional e política do nosso sistema de governo. Basta usar os bons argumentos e não os maus.
Para os que defendem agora que os primeiros-ministros são eleitos pelos cidadãos nas eleições parlamentares e que portanto não pode haver a sua substituição sem novas eleições, essa figura da MCC é obviamente uma heresia, tanto mais que ela pode levar à formação de governos contra o partido e o primeiro-ministro que ganharam as eleições (como poderia ter acontecido entre nós em 1987, após o derrube do primeiro governo Cavaco Silva). Mas parece evidente que quem defende a MCC não pode aderir àquele argumento.
Existem na actual situação razões políticas bastantes para convocar eleições antecipadas (embora também haja argumentos contra). Mas trata-se de uma faculdade e não de uma obrigação do PR, pois nada na Constituição nem na lógica do sistema político a impõe (nem tampouco proíbe). Para haver dissolução parlamentar e novas eleições não é preciso subverter a lógica constitucional e política do nosso sistema de governo. Basta usar os bons argumentos e não os maus.
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