terça-feira, 13 de julho de 2004

Notas da crise

1. Jorge Sampaio
Confesso que a decisão de Sampaio não me surpreendeu. Também não me senti defraudado nem traído. Tive ocasião de escrever aqui e no Diário Económico da última sexta-feira que qualquer que fosse a solução escolhida seria sempre uma má-solução, porque a forma como o Presidente geriu a crise só serviu para agudizá-la. Sampaio não começou por confrontar Durão Barroso com as suas responsabilidades políticas e deixou arrastar a situação até perder o controlo sobre os respectivos efeitos perversos. Favoreceu objectivamente o clima de rumores, não falou ao país quando devia (ou seja, logo que a crise se desencadeou), criou falsas expectativas, mostrou-se errático e sem uma ideia clara, desde o início, sobre as implicações da demissão de Barroso. Alienou assim o seu campo político, independentemente do que possamos pensar sobre a maior ou menor justeza da decisão. Se se faz o caminho caminhando, o problema de Sampaio foi não ter sabido para onde e como caminhar.

2. Ferro Rodrigues
Compreendo que se tenha sentido defraudado e traído. Só que deu sempre a entender que respeitaria a decisão do Presidente, fosse ela qual fosse, o que torna a sua reacção incoerente, emocional e precipitada. No fundo, Ferro acabou prisioneiro do isolamento que criou à sua volta no PS (e que levou quase toda a gente a sentir-se marginalizada da vida do partido e frustrada com a sua direcção, incluindo muitos que se identificavam com ele e nele haviam depositado grandes esperanças quanto à renovação partidária). Apenas isso explica a situação inverosímil que se seguiu às eleições europeias: a de o líder que conduziu o PS à maior vitória eleitoral de sempre acabasse tão vulnerabilizado e dependente da realização de eleições antecipadas para sobreviver politicamente. A minha simpatia e estima pessoal por Ferro nunca estiveram em causa. A sua capacidade de resistência à campanha miserável que contra ele foi desencadeada a pretexto do processo Casa Pia mereceu sempre a minha solidariedade e admiração. Mas Ferro fechou-se dentro do seu casulo e ficou refém do autismo e da desconfiança que o paralisaram. A consequência previsível é que, a partir de agora, o PS poderá vir a ter a direcção mais à direita desde o 25 de Abril. E que à deslocação para a direita da maioria governamental corresponderá uma simétrica deslocação para a direita do PS (uma espécie de «blairização» retardada e quando já ninguém acredita na estrela de Blair).

3. Maria de Lourdes Pintasilgo
Conhecia-a, admirei-a, votei nela na primeira volta das presidenciais ganhas por Soares (em quem votei na segunda volta). Era uma força da natureza e de uma generosidade de convicções como raramente se terá encontrado nas personagens políticas que emergiram desde o 25 de Abril. Mas há muito que o seu missionarismo me parecia deslocado no terreno que torna a prática política e cívica verdadeiramente frutífera e eficaz. E é certo que nunca conseguiu traduzir o conteúdo da sua «democracia participativa» em vivência concreta, tal como não fundamentou a articulação desse conceito com as formas de democracia representativa (de que, de resto, visivelmente desconfiava). Havia uma nebulosa ideológica no seu pensamento que a conduzia a uma região etérea, quase celeste, própria, aliás, da sua formação religiosa. Era, assim, apesar do seu aparente e inesgotável optimismo, uma personagem trágica. E isso emprestava-lhe uma dimensão suplementar (mas menos evidente) da grandeza que a caracterizava como ser absolutamente único na nossa história contemporânea. Ela fez-nos sonhar. Não soube e não pôde, porém, dar forma continuada a esse sonho sobre a terra.

Vicente Jorge Silva

Longe, na Catalunha

Entre a última sexta-feira e domingo, passei dois dias fechado num hotel, 140 kms a norte de Barcelona, participando num colóquio sobre as relações ibéricas. Alguns dos meus companheiros de retiro eram jornalistas, intelectuais e políticos portugueses. Foi nesse ambiente um tanto irreal que fomos recebendo notícias do país: a comunicação do Presidente da República, a demissão de Ferro Rodrigues, a morte de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Escusado será dizer que, apesar do interesse dos temas em debate no colóquio, passámos (nós, os portugueses) a maior parte do tempo a discutir as novidades do outro lado da península. Fiquei com a sensação de que a distância a que nos encontrávamos dos acontecimentos se tornara subitamente muito maior do que aquela que efectivamente nos separava do palco onde eles ocorriam. Uma sensação de estranheza, como se fôssemos estrangeiros observando, muito de longe, fenómenos surpreendentes. E sabendo, ao mesmo tempo, que eles tinham a ver directamente connosco.

Senti a impotência dos espectadores perante os acontecimentos, reforçada pelo décor bizarro de um hotel a meio de um campo de golfe à beira dos Pirinéus. Poderia ser o ponto de partida para uma «short-story», uma peça de teatro, talvez um filme. Entretanto, regressado a Lisboa, mergulhando no «vivo» da situação, lendo o nosso blog, que me resta dizer? Seguem acima algumas notas.

Vicente Jorge Silva

Governo para Coimbra, já!

Passei a noite acordada. Já o que o presidente da Câmara de Coimbra está dormir, alguém tem de pensar por ele nos interesses da cidade. Que ministérios devem vir para Coimbra no novo formato do "Governo descentralizado"?
O do Ensino Superior, nem se discute. Então não temos a mais antiga universidade do país?
O da Saúde, evidentemente também. Somos conhecidos pela qualidade dos nosso serviços hospitalares, que nos valeram a designação honrosa de "capital da saúde".
Também o Ministério da Justiça não seria mal recebido. Afinal estamos no centro do País. Ficava mais perto para os operadores do norte. Temos uma excelente Faculdade de Direito. E se quiserem trazer também os tribunais superiores, por uma questão de eficiência e proximidade ao Ministério, cá nos arranjaremos para os receber.
Ainda poderíamos pensar também no Ministério do Trabalho, mas creio que não. Esse deve ir para o Porto. É comum ouvir dizer que eles é que trabalham para o resto do país.
Fico-me por aqui. Sempre nos acusaram de sermos pouco ambiciosos e não é agora que vamos mudar...

«Decisão sensata e racional»

«O Presidente da República fez algo raro no panorama político Português: com prejuízo próprio(*), tomou uma decisão sensata e racional. Por muito que não gostemos deste Governo (e eu não gosto), é forçoso admitir que os motivos para dissolver a Assembleia eram muito mais débeis que os motivos para a manter. Ora, mantendo esta Assembleia, cabe naturalmente ao PSD designar um novo PM e respectivo Governo.
Quanto ao facto de o PSD escolher Santana Lopes... estão no seu direito, é a sua escolha, demonstram assim que não consideram a governação de Portugal um assunto a ser levado muito a sério. O preço dessa escolha irá ser pago nas próximas Eleições para a Assembleia.

(*) Os seus "camaradas" do PS dificilmente lhe irão perdoar... Sampaio irá passar uns anitos difíceis.»

(JML)

As políticas que Sampaio quer ver continuar...

...são oportunamente mencionadas aqui no Puxapalavra.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Chorar sobre leite derramado

Melhor do que chorar sobre leite derramado, é deitar mãos ao trabalho. O PS, em particular, tem a casa para arrumar e muito mais para fazer. Renovar a agenda e virá-la para a efectividade dos direitos das pessoas (dos consumidores, das mulheres, das crianças), para o direito ao ambiente, à qualidade de vida, à saúde, à formação profissional contínua, ao acesso aos serviços de interesse geral (incluindo a Internet em banda larga), todos lidos num novo registo próprio do século XXI. Mostrar como a Europa é hoje condição do nosso futuro coeso e solidário e torná-la parte activa do futuro da humanidade. Aproveitar, já agora, para dar uma refrescadela no modo de fazer política. Mãos à obra, portanto, acabemos com as lamentações, as queixas e o desencanto. Estamos vivos, não estamos? E a democracia não acabou ontem.

"Complexo de esquerda"

«Claro como a água do Mondego na nascente da Serra da Estrela, o seu comentário às perguntas de CG ("Cor política"). Estou inteiramente de acordo com ele, como, aliás, com a generalidade do que tem escrito sobre o assunto no Causa Nossa, de que sou assíduo frequentador.
Em ambas as eleições, para o primeiro e segundo mandatos, votei convictamente Sampaio, quer pelos valores que sempre o vi defender como pessoa, quer pelas suas posições políticas, e confesso que nesta decisão me decepcionou, não pela decisão em si mesma, mas pelo facto de, como Presidente, não ter sido capaz de dominar um complexo de esquerda, pois deve ser disto que se trata; recuso-me a acreditar que Jorge Sampaio possa ter considerado a solução por que optou como o menor dos dois males.»

(LVP)

Ana Gomes...

..segundo a GLQL.

A demagogia populista ...

... já começou, com a proposta de espalhar ministérios a esmo por esse país fora, sem qualquer reflexão ou estudo sobre as suas implicações administrativas e financeiras. Populismo é isto: pegar numa ideia que até pode responder a um problema real, e avançar para a sua execução de forma leviana e irresponsável, só porque é "popular".

Os "Senhores de Matosinhos"

A notícia do Expresso sobre os "Senhores de Matosinhos" (referente ao inquérito aberto a Narciso Miranda e a Manuel Seabra) tinha algo de arrepiante. Não propriamente o conteúdo do que foi apurado, que o jornal não revela e se limita a classificar de muito grave. Mas os pêlos começam a levantar-se quando se escreve que há quem no PS defenda uma punição mais leve apenas para salvar a Câmara nas próximas eleições. (Felgueiras foi assim há tanto tempo?). E não mais voltam ao lugar quando se aventa que o PSD estaria a sondar Seabra para concorrer na sua lista. No caso de vir a concretizar-se esta hipótese macabra, sugiro mesmo que ele leve a Ana Manso para a Assembleia Municipal. Que me perdoem os meus amigos de Matosinhos, mas a dupla era a preceito! Mal por mal, antes com ela...

Bem-vindo!

José Saramago foi ontem homenageado com o doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Coimbra, por iniciativa da Faculdade de Letras. Infelizmente não pude estar presente na cerimónia. Mas apraz-me tê-lo doravante como membro da mesma comunidade universitária. Parabéns, José!

"Cor política"

«Gostaria de perceber por que razão um Presidende da República ou um PM deve decidir em função da sua cor política? Ou devo entender que pelo facto da esquerda ter eleito o Jorge Sampaio, este está em dívida para com a esquerda? Se sim, o que pode resultar daqui? (...)
Sabe, eu votei no Cavaco nas primeiras eleições e no Sampaio nas segundas! Como devo considerar o meu comportamento? Tenho direito a alguma benesse?»

(CG)

Comentário - Evidentemente que um primeiro-ministro deve decidir em função da sua "cor política". É para isso que ele lá está. Quanto ao PR, a sua função de árbitro não exige que ele decida contra a sua "cor política", quando outra seria a melhor decisão, só por medo de ser acusado pelos outros de "arbitragem caseira".

Vou ser um velho tarado, rai's parta


Nunca foste à Sibéria? Que giro, Luís! Eu também nunca fui à Terceira.

companheiros de blog, estou quase a fazer anos...


Que giro, Luís! Chamo-me Maria, como a tua mãe.

Y love Portugal

Um Fiat propriedade de um fã do tuning estava hoje à tarde no Saldanha. O carro preto, além das luzes azuis e dos ailerons e do diabo a quatro característico deste tipo de automóveis, continha ainda uma orgulhosa homenagem à prestação de Portugal no último Europeu. Num dos lados, obra de tinta-spray, dois riscos paralelos, um verde o outro vermelho. Não contente com isso, o proprietário resolveu afirmar ao mundo - em inglês - que ama o seu país. Ficou assim: "Y LOVE PORTUGAL". Um dos mais irónicos erros ortográficos possíveis. Lendo como está, foneticamente, o "Y" fica "Uái" - tal como em inglês se pronunciaria a palavra "Why". E, vistas bem as coisas, dado o estado actual do país, não podemos levar a mal que um cidadão saia à rua perguntando: "Why love Portugal?", pois não?

saudades da mamã

A minha mãe está em minha casa. Há muitos anos que se recusava a sair da sua "casinha" nos Açores. Veio mitigar um sentimento que me toca todos os anos, por esta altura, nas imediações das férias, e que - muito amaricadamente, que se lixe! - designarei pela forma mais simples (porque verdadeira): o sentimento da saudade. Saudades da minha mãe.
É a primeira vez, em quase 27 anos de vida, que faço o papel de anfitrião. Durmo na sala para ela ficar confortável no meu quarto, e mostro-lhe com orgulho a varanda ampla que dá para uma zona verde, a janela do escritório sobre telhados de Lisboa e com o Cristo-Rei ao fundo, o privilégio de parar o carro à porta. Tudo isto com evidente exagero. Ela percebe logo, à primeira análise, que os puff's da sala não são propriamente o "móvel" mais confortável para a sua geração, que me falta uma cómoda no quarto, que tenho roupa que deveria ter sido lavada algures em 97, que o esquentador não devia estar aceso o dia todo e que, se continuar a ouvir música no mesmo nível de som, corro o risco de ensurdecer metade da população do Rato.
De súbito, vejo-me a comer - pela primeira vez desde que estou em Lisboa - refeições da mamã, sou visitado no escritório por extraordinárias chávenas de café que prolongam o prazer da escrita, ouço infindáveis sermões sobre os malefícios do tabaco e conselhos categóricos sobre a mulher ideal para casar. E tudo isto é música para os meus ouvidos. Com a minha mãe a passar cá uns dias, sinto que veio a ilha toda com ela. O sol tórrido da capital aparenta cobrir-se com o lençol branco das nuvens açorianas e o heavy-metal dos vizinhos de baixo soa a chilrear de passarinhos. E nunca apreciei passarinhos. Nem em hamburguer.
Mas o melhor de toda esta ternurenta placidez (perdoem-me o súbito ataque de Lídia Jorge) é voltar a ser chamado por Filipe e o meu irmão Alexandre por Paulo. Melhor ainda: é ver os nossos nomes constantemente trocados. Filipe quando devia ser Paulo e vice-versa. E perceber, enfim, que não tinha qualquer motivo para me irritar com o assunto - tal como acontecia, amiúde, na adolescência.
O facto dos nomes sairem invariavelmente baralhados, sempre às avessas, estejamos os dois presentes ou não, é a melhor prova de que para uma mãe todos os filhos são iguais. E que trocar de personalidade com um irmão, mesmo que só por breves segundos, é o melhor que podia acontecer para entendermos, momentaneamente fora de nós, quanto amor por alguém pode uma pessoa guardar nesta vida. E constantemente dividir, generosamente, sem percentagens, como se o mundo não acabasse nunca e um dia feliz pudesse durar para sempre.

recebido por mail

Tal como eu devem "estar fartos" de ver pela ruas de Lisboa mulheres
e/ou homens a pedirem dinheiro nos semáforos, utilizando como "instrumento de persuasão" crianças pequenas que carregam ao colo ou levam pela mão.
Estas crianças passam o dia à torreira do sol, muitos parecem estar sempre a dormir (independentemente da hora do dia e da sua idade) e os seus corpos pendem de tal maneira dos braços dos adultos que me faz pensar que estejam alcoolizados, ou algo do género. Mais, no ano passado verificou-se que muitas destas crianças não eram filhas dos adultos que as acompanhavam e que estes não tinham sequer provas de identificação das mesmas.
Trata-se, provavelmente, de crianças "alugadas" pelos pais ou mesmo crianças utilizadas por redes de tráfico infantil.
Esta é uma "forma de exploração do trabalho infantil" que ocorre à luz do dia e nas "nossas barbas". Creio que todos reconhecem que é uma situação terrível e não a podemos consentir.

Desafio-vos a contribuírem para dar visibilidade a este problema, de
forma a que as autoridades competentes o reconheçam e se organizem para lhe dar uma resposta adequada. E sabem que fazer isso só custa uma chamada local?


Sempre que se confrontarem com uma destas situações, por favor, liguem para o IAC (Instituto de Apoio à Criança) e identifiquem o local onde estas pessoas estão a pedir. O IAC entra em contacto com a PSP que se dirige ao local para proceder à identificação dos adultos e das crianças, sendo que os primeiros, por vezes, são levados à presença de um juiz.

Esta intervenção tem, por si só, um efeito disuasor e permite uma
recolha de dados sobre as crianças que são vitimas desta forma de exploração, bem como ficar com um registo dos adultos que as utilizam, no entanto, não dá ainda uma resposta de fundo ao problema. Por isso se torna importante que todos alertemos o IAC, enquanto entidade com competência nesta situação, de forma que também eles possam, com o apoio de muitos de nós, dar visibilidade a este problema e ganhar força para exigir uma resposta das Autoridades Públicas.

O número do IAC (SOS CRIANÇA) é o 21 7931617. Por favor, passem-no para o telemóvel, para agenda, para onde queiram, mas liguem e liguem a logo. Liguem sempre que se encontrem com esta situação.
Estas crianças estão desprotegidas e não têm sequer uma voz por elas. Essa voz pode ser a nossa. Por eles, liguem.

Obrigada.

«Oportunidade à esquerda » II

«Eu penso, efectivamente, que o PSD cometeu o pior erro dos últimos tempos, ao aceitar sem grandes protestos a hégira de Durão Barroso, e que o PS vai ter muito para dizer sobre isso (assim o diga, efectivamente), mas não creio que Sampaio possa ter o papel de "líder da oposição", como sugere este texto [post abaixo]. Sampaio fez o que fez, podendo fazer o contrário, e disse que ia vigiar, para tentar moderar um pouco as reacções imoderáveis. Mário Soares desempenharia esse papel com a maior das facilidades (como chegou a desempenhar com Cavaco Silva), mas Sampaio não. Por que razão faria uma coisa dessas? Se tinha o objectivo de "fritar" o governo PSD, porque não o demitiu quando teve uma oportunidade soberana?...»

(HJ)

domingo, 11 de julho de 2004

«E se fosse o Alberto João Jardim?»

«Estou chocado com esta decisão do Presidente da Republica. (...) Podem usar os argumentos formais que quiserem. A verdade é que nem eu, nem ninguém, alguma vez teve a possibilidade de dizer que não queria o Santana Lopes como primeiro-ministro. Estou profundamente arrependido de, há 10 anos, quando tive de optar entre o Sampaio e o Cavaco ter feito a escolha errada. Nunca, como agora, estive tão próximo de tomar a decisão de não voltar para Portugal. Estou verdadeiramente sem palavras.
É engraçado notar que as poucas pessoas que concordam com Sampaio são exactamente as que nele não votaram. A vida política portuguesa é um logro. Votámos no Durão Barroso, para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Santana em Lisboa para que este se fosse embora ao fim de 2 anos, votámos no Sampaio para que este (...) traia todos os que nele votaram. (...) Depois quando tem uma oportunidade de escutar o país toma esta decisão baseada num pensamento redondo e burocrático. A única justificação para não convocar eleições foi porque o PSD e o PP lhe garantiram que estavam disponíveis para assegurar o governo. Olha que realmente era necessário consultar dezenas de pessoas para tirar esta linda conclusão.
Já agora, alguém me explica o que aconteceria se o Alberto João Jardim fosse o vice-presidente do PSD?»

(LAC, Cornell)

«Oportunidade à esquerda»

«(...)Penso, contudo, que Jorge Sampaio está a dar uma oportunidade à Democracia, especialmente à esquerda. Estes serão tempos difíceis, penso que ninguém terá dúvidas disso, mas há aqui uma oportunidade excelente para exercer a Democracia em toda a sua extensão, a Democracia que não termina no eixo Presidência-Governo-Assembleia. A Democracia deve ser sempre exercida através da participação cívica, da vigilância popular. (...) Não porque [o Governo] seja ilegítimo, mas porque será mau para o país. Será, como foi dito, o Governo mais populista desde o 25 de Abril. Santana Lopes tem, contudo, muitos inimigos à esquerda ? a sua quase totalidade ? e à direita ? nomeadamente no seu próprio partido. Como tal, esta poderá ser uma hora para cerrar fileiras entre a esquerda, de uma forma real e unida, e associar a sociedade a este combate político. (...)
A oportunidade poderá ser de ouro e poderá não se repetir. Para a aproveitar a esquerda terá, porém, de se aperceber que o Presidente Sampaio se disponibilizou para líder da oposição [ao Governo]. Colocou o Governo num altar sacrificial da Presidência. Poderá não ter os instrumentos de Poder para fazer mais que uma contestação, mas deixou claro que a fará se assim o entender. Se o Presidente Sampaio souber ter a coragem para o fazer e se a esquerda tiver a lucidez para o apoiar nestas acções, poderemos ter uma mudança real dentro de 2 anos, não apenas de governo mas de toda uma mentalidade de fazer política. Será uma ideia algo utópica? Talvez, mas não é essa uma das características da esquerda?
Por 2 anos curtos e diferentes, não da parte do Governo, mas da oposição de esquerda.»

(JSA)

«A minha opinião»

«Queria deixar a minha opinião sobre todo este processo que foi a decisão do Presidente da República...
A principal crítica que eu tenho é o tempo que o PR demorou para tomar a decisão que tomou. A 1ª vez que ele soube da saída do Durão Barroso foi no dia 24 de Junho. Ou seja, ele demorou duas semanas a tomar a decisão. Durante este tempo, os partidos políticos extremaram as suas posições de um modo que eu inicialmente não esperava. Estas tomadas de posições foram particularmente fortes durante a última semana, mas também eram previsíveis, dada a importância da decisão e o tempo que demorou a ser conhecida a decisão presidencial. Sinceramente, acho que o PR deveria ter aproveitado o estado de graça em que estava o país devido ao sucesso do Euro 2004 e deveria ter anunciado a decisão no início da semana passada. Duvido que ele tenha modificado a sua posição durante esta semana, e teria suavizado a crise política entretando gerada.
Quanto à decisão propriamente dita, ela era bastante complexa e com bons argumentos para ambos os lados. Ou seja, era uma decisão pessoal do PR. E aqui reside a minha dúvida. Sabe-se que o PR foi eleito por eleitores maioritariamente de esquerda (mas também devido a um sentimento anti-Cavaco muito forte). Será que ele devia ser leal para com esses eleitores ou deveria olhar para a situação e pensar "o que é melhor para Portugal?". No fundo, será que ele devia tomar a decisão como socialista que sempre foi ou como português apartidário? A minha opinião é que ele deveria ser apartidário e olhar para a situação como independente. Isso não quer dizer que ele não pudesse (ou até devesse) convocar eleições antecipadas, mas que isso seria uma decisão a pensar no que seria o melhor para Portugal e não para o partido que o elegeu.
(...) Se ele tivesse tomado a decisão de dissolver o parlamento, a decisão teria sido sempre associada com uma decisão socialista e não para o bem nacional. É que eu não acredito que tenha sido fácil dar a liderança do governo ao Santana Lopes (PSL). Acredito que o PR tenha pesadelos à noite a pensar nisto, pois vai contra o que lutou durante anos. Foi sem dúvida a decisão mais difícil da vida dele. E é por tudo isto que acredito que a decisão tomada tenha sido a que ele pensa ser melhor para o país.
(...)»

(AF, Houston)

Maria de Lourdes Pintasilgo

Parou-lhe o coração. Durante a noite. Logo esta noite!
Há exactamente uma semana, em Coimbra, em casa da Maria Manuel e do Vital, falei da Maria de Lourdes, de como me alarmara no velório do Prof. Sousa Franco a fragilidade física que subitamente lhe descobrira e de como não me surpreenderia se, de um dia para outro, tivéssemos triste notícia. Malfadada premonição!
Tinha-a visto, dois dias antes, a sair da audiência com o Presidente da República, parecendo firme, embora angustiada com a possibilidade da governação populista que hoje Portugal tem pela frente. Foi ela quem primeiro disse que a democracia poderia estar em perigo. Perturbante comentário. Mas o que mais me «bateu» na imagem daquela senhora, que na televisão parecia muito menos debilitada do que eu a sabia, foi a noção de que ela era a única mulher do ror de personalidades que o Chefe de Estado entendera ouvir para decidir da crise aberta pela fuga de Durão Barroso. Segundo a TV, fora chamada por um critério «objectivo» - antiga Primeira-Ministra.
Eu estava a vê-la pela RTPi. Nessa tarde, na abertura do Congresso do PSOE, em Madrid, aplaudira o Zapatero a reafirmar, à cabeça do discurso, que a paridade era uma prioridade do seu Governo. «Bateu-me» a abissal diferença: em Espanha há hoje um governo com tantos homens como mulheres, porque um político corajoso e progressista resolveu passar das palavras aos actos. Cá, uma mulher só é ouvida - mesmo quando é personalidade admirável e extra-ordinária como Maria de Lourdes Pintasilgo - porque se pode invocar um critério «objectivo». Valha-nos que em 1979 houve um Presidente, Ramalho Eanes, que ousou, contra críticas ferozes de muitos, nomear uma mulher Primeiro-Ministro! Se não, no rol de personalidades recentemente chamadas a Belém, nem sequer uma mulher haveria para amostra do sexo que é maioritário em Portugal e cujo imparável sucesso universitário e profissional leva já alguns a defender quotas ... para homens.
Em Coimbra avancei que o primeiro «post» que ia escrever para o Causa Nossa, depois deste interregno de semanas, era justamente sobre a Maria de Lourdes. Para alertar para a injustiça escandalosa de que ela era objecto. Desgraçadamente, não o escrevi a tempo. A tempo de alguém lho dar a ler. A tempo de alguém corrigir a situação. Acabrunhada, aqui deixo nota, no dia do seu funeral:
Naquele dia na Estrela, fomos conversando enquanto eu a amparava no lento e penoso percurso, corredor fora, deixando a capela do velório. Sobre a morte do Professor Sousa Franco, que a abalara muito, sobre a campanha para as europeias, o PS, os anos de trabalho juntas em Belém, etc.. Já à saída da Basílica, perguntei de que lado estaria o motorista que a viera trazer. Atalhou «Meu motorista? Filha, não tenho dinheiro para tal. Este é um senhor muito amigo, muito gentil, que insiste em conduzir-me quando tenho de sair de casa. Sabe, é que eu vivo apenas de uma pequeníssima pensão dada pelo Baltazar Rebelo de Sousa...». Perante a minha incredulidade, Maria de Lourdes explicou que nos tempos do governo PS bem tentara que a situação fosse corrigida, falara até a alguns ministros... Mas, que havia de se fazer, só fora Primeira-Ministra cinco meses, só tinha direito a pensão pelos tempos de Procuradora à Câmara Corporativa!
A Democracia tem destas injustiças. Injustiça os seus melhores. E o mais duro é que eles nos estão a deixar.

Ana Gomes

O fim de uma era?

A renúncia de Ferro Rodrigues pode significar também o fim de um certo PS, fortemente influenciado pelo grupo de militantes oriundos do antigo Movimento de Esquerda Socialista (MES), que entraram no PS pela mão de Mário Soares há mais de duas décadas. Seja quem for o sucessor -- previsivelmente José Sócrates, se António Vitorino não quiser antecipar a sua saída de Bruxelas para vir disputar a liderança --, há razões par antecipar que será um PS menos à esquerda ideologicamente, politicamente mais "moderado" e mais pragmático, mais ortodoxo em matéria de política económica e financeira, mais aberto à reforma liberal dos serviços públicos, provavelmente mesmo mais contido em relação às "causas de sociedade" (despenalização do aborto, por exemplo), enfim menos próximo do PS francês e mais próximo do blairismo britânico.
A tentação para ocupar o espaço centrista proporcionado pela deslocação do PSD de Santana Lopes para a direita poderá tornar politicamente "pagante" esse reposicionamento político e ideológico do PS. Em contrapartida, à esquerda, tanto o PCP como o Bloco de Esquerda podem beneficiar desse distanciamento do PS da disputa pelo espaço tradicional da esquerda e das causas sociais e culturais mais radicais. Pode estar na forja uma recomposição do sistema partidário nacional.

E se...

1. E se este fosse o seu primeiro mandato, teria o Presidente da República decidido do mesmo modo?
Lá no fundo, bem no fundo, quero crer que sim. Um aval à coerência do Presidente, esta minha convicção. Gostaria de não me enganar.
2. E se assim fosse, ter-lhe-ia essa decisão custado um segundo mandato?
Se as eleições fossem disputadas como em 1996, admito bem que sim. Estes dias em que se arrastou a decisão criaram em muitos dos eleitores do Presidente a ideia que havia tão bons argumentos para um lado como para o outro; que era uma mera questão de escolha a favor de A ou favor de B; que a estabilidade tanto seria conseguida com esta, como com a outra decisão; que para a economia era irrelevante (como disseram diversas autoridades na matéria). Talvez as coisas nunca tenham sido bem assim, mas foi o que deixaram que parecessem. Agora, mesmo quando a razão tenta compreender a decisão, a ferida abre-se no coração de muitos, indelével, provavelmente.
3. E se invertêssemos o cenário? Teria um Presidente à direita decidido de outro modo, supondo a existência de uma coligação de esquerda maioritária na Assembleia e a direita em minoria, mas pronta para ganhar as eleições?
Creio que sim. A prova é outra vez impossível de fazer. Mas ao longo da vida já vi este filme várias vezes. Desde os professores de esquerda, na Faculdade, que eram mais exigentes para os alunos de esquerda com temor de serem acusados de os favorecer (sendo que o oposto nunca se passava), até aos Governos de esquerda que enchem de encomendas os consultores à direita, mesmo quando existem melhores ou iguais à esquerda, só para mostrar como são abertos e pluralistas. Chama-se a isto o "complexo de esquerda". A direita não tem complexos desses!

sábado, 10 de julho de 2004

Prémio de consolação

Um voto pio fica mal a quem o faz. Um prémio de consolação é com certeza dispensado pelos seus destinatários. Não sei de facto o que mais possa pensar-se das supostas ameaças de castigo para o novo governo, que ontem ouvi no discurso do Presidente. Que terá de portar-se bem sob pena de ser dissolvido. Como? Quando? Que deverá respeitar o seu programa e dar-lhe continuidade. Qual programa? Aquele em que prometeram baixar os impostos? O mais recente, que o próprio Presidente algumas vezes criticou?

O meu herói

Bartoon é o meu herói, o meu amigo, aquele a quem agradeço todos os dias por me tirar do sério. Hoje, foi um deles. Olhem só:


Bartoon, de Luís Afonso, Público de hoje


Maria de Lurdes Pintasilgo (1930-2004)

Foi a primeira mulher a chefiar um governo em Portugal (1979), foi a primeira também a disputar umas eleições presidenciais (1986), foi uma militante de esquerda católica, empenhada e visionária. Há pessoas em relação às quais a discordância de ideias e de propostas em nada afecta a estima e a admiração pessoal por elas. Maria de Lurdes Pintasilgo pertencia a esse grupo privilegiado.

Como explicar?

Da nossa leitora Luisa Rego: "(...) Como eleitora de esquerda e como cidadã, não sei sinceramente o que posso doravante pensar e muito menos como agir. Ferro Rodrigues (...) tomou uma decisão digna, mas triste. Não sou militante do PS... mas neste momento gostaria muito de o ser, para propor um voto de expulsão do militante Jorge Sampaio - ou pelo menos de desaprovação - e um voto claro de apoio a Ferro Rodrigues. Com a decisão do PR, em quem acreditei e votei, e que vigarizou os seus eleitores da maneira mais traiçoeira e tresloucada, foi o sistema eleitoral desprezado e o regime democrático desacreditado. Como explicar às novas gerações que a política se faz assim? O que digo aos meus filhos sobre exercício de cidadania? Vale a pena acreditar em valores e princípios? Vale a pena votar?"

Em que é que votamos...

De um email de hoje: «Em que é que votamos quando elegemos um Presidente da República?»

A manha dos árbitros

No futebol, os árbitros impuros e sem carácter têm uma manha típica, há muito conhecida dos adeptos - quando "erram" deliberadamente em favor de um dos contendores num lance decisivo, passam os dez minutos finais a interferir na partida, vigilantes que nem águias, inventando faltas menores a meio-campo contra a parte que despudoradamente beneficiaram. Julgam assim poder enganar os inocentes.

Luís Nazaré