terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Notável convergência

Curiosa unanimidade foi a que reuniu os quatro "senadores" da República no apoio à adopção entre nós de um sistema eleitoral "misto", de tipo alemão, que conjuga a repartição proporcional dos deputados com a eleição de cerca de metade deles em círculos uninominais.
Recorde-se que, quando há poucos anos o PS apresentou uma proposta nesse sentido, laboriosamente estudada e discutida, todos os demais partidos votaram contra. Foi pena que Pedro Magalhães, também presente no programa de Fátima Campos Ferreira, não tenha tido oportunidade de comentar este grande consenso.

Mário Soares "ajuda" o Bloco

No mesmo programa do Prós & Contras (RTP 1) Mário Soares, além de se atirar várias vezes a Santana Lopes, prodigalizou (inadvertidamente) duas curiosas "ajudas" ao BE, uma ao elogiar o seu programa eleitoral e outra ao lembrar que sempre foi contra o bipartidismo, o que no actual contexto não favorece propriamente a bipolarização eleitoral de que o PS precisa para alcançar a maioria absoluta...

Governos minoritários (bis)

O meu interlocutor "reformista" insiste com novas perguntas sobre o tema em epígrafe. Algumas breves notas de comentário:
a) Os governos minoritários (melhor dizendo, de maioria relativa) não são um exclusivo português;
b) Entre nós o Presidente não tem funções executivas, sobressaindo a sua dimensão representativa, o que justifica a eleição por maioria absoluta;
c) A exigência da aprovação parlamentar do programa de Governo dificultaria sem dúvida a formação de governos minoritários, além de muito provavelmente provocar o arrastamento da formação dos governos (em caso de nenhum partido ter maioria absoluta) e a ocorrência de impasses governativos prolongados;
d) Os governo de coligação terminaram várias vezes pela retirada do apoio de um dos parceiros: Governo PS-CDS (que não foi "no PREC"), Governo AD de Pinto Balsemão, Governo do bloco central (PS-PSD);
e) O sistema eleitoral proporcional e a pouca consistência das coligações (incluindo a dificuldade estrutural de fazer coligações à esquerda) não facilitam a formação e/ou subsistência de governos maioritários;
f) Parecia assistir-se a uma lenta tendência para a uma certa bipolarização eleitoral entre o PS e o PSD, o que facilitaria a ocorrência de maiorias absolutas; se essa tendência for interrompida, não é possível augurar progressos na estabilidade governativa;
g) Os sistemas políticos dependem menos dos arranjos quanto à formação dos governos do que do sistema eleitoral e do sistema de partidos; as coisas são como são.

O dilema dos eleitores do PSD

No programa "Prós e Contras" da RTP 1 Freitas do Amaral lançou uma "provocação" aos eleitores do PSD. Disse ele que nas eleições do dia 20 de Fevereiro vão estar em causa duas questões diferentes: uma, que diz respeito a todos os cidadãos, consiste em saber quem deve governar nos próximos 4 anos; outra, que diz respeito somente aos eleitores do PSD, consiste em saber se eles preferem conservar o actual líder ou voltar a ter uma liderança séria, responsável e competente...
Pois é! Quem pode contestá-lo!?

O Estado, os católicos e a despenalização do aborto

Diz CN no "Causa Liberal" (talvez o melhor blogue na sua orientação):
«O Estado é que não devia vir a poder (como o vai, mais tarde ou mais cedo fazer) obrigar os Católicos (que não o queiram fazer por escolha moral) a financiar compulsoriamente (e em último caso, sob ameaça de arresto de bens e prisão) o aborto e até provavelmente a perseguir os médicos que o recusem a fazer».
Esta passagem suscita os seguintes comentários:
a) O autor assume como certa (embora sem concordar, obviamente) a despenalização do aborto no futuro, o que é de registar;
b) A referência à "perseguição de médicos" não faz nenhum sentido, pois a objecção de consciência protege os que se recusem a realizar abortos por razões morais ou religiosas;
c) A despenalização do aborto, pelo menos na minha perspectiva, não implica necessariamente a sua cobertura pelo SNS (salvo os casos de aborto motivado por motivos de saúde da grávida ou por razões ligadas ao feto), pelo que não requer financiamento público.
Já agora seria curioso saber se o autor também discorda de que os que não são crentes e que confiam no princípio da separação entre o Estado e as igrejas sejam obrigados a financiar com os seus impostos a construção de templos religiosos, o ensino da religião nas escolas públicas e as demais missões religiosas que o Estado financia, designadamente em benefício da Igreja Católica e dos crentes católicos.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

Finanças eleitorais e partidárias

Sou explicitamente convocado a comentar o regime de controlo das contas dos finanças partidárias e eleitorais, tarefa confiada ao Tribunal Constitucional, tendo a última lei sobre o assunto criado um órgão técnico auxiliar para superar a falta de "expertise" daquele tribunal nestas matérias, órgão a que se deu o pomposo nome de "Entidade das Contas e Financiamentos Políticos"!.
Com o argumento, inconcludente, de que os partidos políticos não são entidades públicas e que confiar ao Tribunal de Contas o controlo das finanças partidárias corria o risco de politizar esse tribunal, optou-se pelo Tribunal Constitucional, que obviamente se mostrou incapaz de dar conta do recado, por falta de meios apropriados. Em vez de repensar a solução -- até porque o próprio T. Constitucional agora resistia a ser "expropriado" dessa missão--, enveredou-se depois pela criação de uma unidade técnica junto dele para o coadjuvar no exercício dessa complexa tarefa. É a tal ECFP, agora efectivamente instalada.
Por mim, sempre defendi que a competência para a verificação das finanças partidárias e eleitorais deveria caber ao Tribunal de Contas, dados os meios especializados de que dispõe e a poupança de recursos que essa solução proporcionaria. Mas haverá algum partido que tenha agora a coragem de pôr em causa a situação criada? O que torto nasce dificilmente se endireita..

Entre aspas

«A mais importante das reformas na vida pública portuguesa não custa muito dinheiro. Pelo contrário, poupará com certeza muito dinheiro ao Estado e aos contribuintes. Refiro-me à luta pela moralização da vida pública e contra a corrupção endémica. A captura do Estado e da Administração Pública por interesses ilegítimos - isto é, a corrupção - atingiu níveis intoleráveis.»
(João Cravinho).

a ilha dos fantasmas

Desde que, com 18 anos, comecei a minha vida em Lisboa, descobri um pormenor insólito nos dias de regresso à ilha Terceira, onde nasci. Deparo-me, volta e meia, com caras familiares que não deviam estar ali. Sem que nada o faça prever, súbito, encontro um amigo ao virar da esquina, descendo a rua principal de Angra do Heroísmo, a passear de carro, à saída de um restaurante.
Mas esse amigo não pode falar comigo. Não me conhece. Nunca me viu.
Porque quando regresso à ilha, invariavelmente, entre os amigos de antigamente descubro os rostos das pessoas queridas da minha vida nova. Sósias, apenas. Como se o Criador tivesse feito toda a humanidade a partir de um lote reduzido de moldes - e nos fossemos repetindo, com ligeiras variações.
Por isso creio que a Terceira é a ilha dos fantasmas. Bons fantasmas, hologramas efémeros de pessoas vivas, irradiações dos afectos. E faz todo o sentido que escolham o meio do Atlântico para aparecer - ou não se diz que aqui foi, outrora, a Atlântida?

o dia em que voltei a perceber por que gosto tanto do Benfica



Melhor exibição da época. 4 golos sem resposta ao Boavista. Liderança da SuperLiga ex-aequo com os dois maiores rivais. Grande jogada no último minuto a dar o golo a Pedro Mantorras, mais de dois anos e dois meses depois, com 4 intervenções cirúrgicas pelo meio e muitas dúvidas sobre a possibilidade de um futuro como jogador. Há dias perfeitos para quem gosta de futebol e domingo foi um deles - quase tão bonito como o momento épico ou o golo em si, só mesmo a festa de um estádio inteiro e de todos os colegas de equipa, entre titulares e suplentes, veteranos e recém-chegados, indispensáveis e dispensados. Por alguns segundos, tivemos acesso a uma coisa rara e normalmente trancada a sete chaves: o balneário de um clube de futebol.

Retrato da esquerda

Segundo um inquérito de opinião encomendado pelo jornal do Partido Comunista francês, L'Humanité (cortesia de Rui Lima Jorge pelo link), só 30% dos franceses se declaram de esquerda, nas suas várias gradações (com percentagens aproximadamente iguais a declararem-se de direita ou a não se identificarem com nenhum dos lados), o que é consideravelmente inferior aos dados referentes a Portugal.
Sabendo-se que os partidos de esquerda obtêm percentagens eleitorais muito superiores àquele número, fácil é concluir, sem surpresa aliás, que uma parte considerável do seu eleitorado vem do espaço central "nem-de-esquerda-nem-de-direita" (e o mesmo sucede aliás à direita). Portanto, tal como na generalidade dos países, é essa faixa central que determina o resultado das eleições.
Porventura mais digno de nota é o retrato sociológico da esquerda que resulta dessa sondagem. Na verdade, contrariando a sua tradicional auto-imagem "popular" e "obreira", a esquerda desta amostragem tem a sua mais forte representação nas classes médias (embora assalariadas) com instrução acima da média, e não nas classes económica e culturalmente mais desprovidas.

domingo, 16 de janeiro de 2005

Victoria de los Angeles (1923-2005)



Quantas horas de audição tributei a Victoria de los Angeles durante tantos anos? Compulsando a minha pequena colecção de discos seus, tanto de opera como de outras obras vocais (alguns duplicados, em velhos discos de vinil e em CD), qual deles vou seleccionar para a fruir de novo a sua voz neste momento, agora que ela deixou o número dos vivos: esta tocante versão das "Bachianas Brasileiras nº 5" de Villa-Lobos, esta intensa "Vida Breve" de Manoel de Falla, ou esta emocionante interpretação da "Traviata" de Verdi?

Governos minoritários

Respondendo ao desafio de um "reformista", cabe-me anotar:
a) Nenhum princípio democrático exige que os governos tenham maioria parlamentar absoluta, ou seja, mais de metade dos deputados (e nos regimes presidencialistas, como os Estados Unidos, também não se exige que o chefe do executivo seja eleito por essa maioria);
b) A Constituição não exige a aprovação parlamentar do programa do Governo;
c) Se houver uma moção de rejeição do programa, ela só acarretará a rejeição do Governo se for aprovada por maioria absoluta, o que tecnicamente permite a "passagem" de governos minoritários mesmo com mais votos contra do que a favor;
d) Mesmo se se exigisse a aprovação do programa do Governo, isso não impedia a existência de governos minoritários (a não ser que fosse necessária a maioria absoluta, o que não é vulgar);
e) Os governos minoritários não se têm revelado mais efémeros entre nós do que os governos de coligação (nenhuma chegou ao fim da legislatura);
f) O governo mais minoritário de todos foi o primeiro Governo de Cavaco Silva (1985-87), tendo o PSD obtido menos de 30% dos votos.
(revisto)

Adenda
Não critiquei o BE por anunciar a sua disponibilidade para apresentar uma moção de censura a um eventual governo minoritário do PS, provocando a sua queda. Limitei-me a registar a originalidade histórica de tal hipótese, bem como o seu significado político.

E por que não pôr em causa as eleições?

Em desespero de causa pelas mais recentes sondagens eleitorais -- que lhe atribuem entre 27% e 33% (em qualquer caso, um desastre) --, o PSD resolveu atacar em forma a credibilidade e mesmo a legitimidade das previsões eleitorais.
Contudo, antes de atacar o mensageiro pelas más notícias, o PSD devia consultar o blogue de Pedro Magalhães, que prova que as sondagens se têm tornado cada vez mais fiáveis. Por isso, o PSD deveria dedicar mais esforços a tentar corrigir a situação até às eleições, em vez de tentar atirar poeira para os olhos da opinião pública. Por este andar, ainda veremos Santana Lopes a impugnar as eleições se os resultados confirmarem a pesada derrota que as sondagens antevêm?

"Justiça pela própria pena"

Se não fosse a "justiça pela própria pena" que alguns censuram sem nenhuma razão (acontecesse o mesmo com eles, e logo veríamos...), o plagiador/falsificador do Funchal continuaria a negar o plágio "de consciência tranquila" (como escreveu), a dizer que fora ele o plagiado (confessando-se "estupefacto", como ousou dizer), a manter a coluna no "Diário de Notícias" do Funchal, a continuar presidente da Juventude Popular e a exercer os demais cargos políticos que detinha. E ainda a rir-se impunemente daqueles a quem plagiou e procurou difamar, até que dentro de uns anos, depois de muitos incómodos e despesas -- e se não houvesse entretanto uma amnistia --, um tribunal finalmente condenasse o biltre a uma qualquer pena suspensa, por um facto que já ninguém lembrava.
Se é esta a sanção que desejam para a desonestidade qualificada de políticos sem escrúpulos, devo dizer que estes agradecem. A meu ver, porém, as malfeitorias públicas dos políticos, quando cometidas nessa qualidade (e tal foi o caso) e sejam indiscutíveis (como era o caso), devem ser punidas desde logo pela sua desqualificação perante a opinião pública. A única coisa que eles receiam é a opinião pública e a responsabilidade política. Por isso só aceito ser "acusado" de ter prestado um bom serviço ao diário funchalense, que o expulsou; ao CDS-Madeira, que o forçou a demitir-se dos cargos políticos; à democracia na Madeira, que viu como as vigarices políticas nem sempre ficam impunes; à blogosfera, onde infelizmente não são raros os casos de plágio; e talvez ao próprio, que poderá aprender uma lição proveitosa para o resto da vida (ainda está a tempo de se redimir).

Adenda
Sobre este assunto ver também este post.

Pouco ou nada

Foi o que a actual maioria nos deixou após três anos de governação. Para mais desenvolvimentos, é favor dirigir-se à Aba da Causa, aqui mesmo ao lado.

sábado, 15 de janeiro de 2005

Novas fronteiras e as mulheres

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(Depois das eleições, poderei decifrar...)

Quanto custou a GNR no Iraque?

Haverá quem no PS, a esta hora, agradeça em surdina ao Dr. Lopes o anúncio de que a GNR vai finalmente, a 12 de Fevereiro, ser retirada do Iraque (para onde nunca devia ter ido): os impossibilitados de se demarcar de qualquer administração americana; aqueles que, no poder, se desdobrariam em justificações para sustentar a continuação (mesmo que, na oposição e noutra oportunidade, possam até ter duvidado da bondade do envio).
É evidente que o Dr. Lopes não quer fazer o jeito ao PS - quer é capitalizar eleitoralmente com uma decisão que, sabe, terá grande apoio popular. Quer é antecipar-se ao pior, que pode vir aí por causa do simulacro de eleições livres que vai ter lugar no Iraque a 30 de Janeiro - é que os ataques às forças de ocupação e autoridades shiitas (mesmo nas zonas de maioria shiita como Nassiria, onde está a GNR) vão, inevitavelmente, intensificar-se.
Mas antes que o Dr. Lopes cesse de nos desgovernar, pela força dos resultados eleitorais de 20 de Fevereiro, eu gostava de ouvir o PS exigir, alto e bom som, que o Governo preste contas sobre quanto custou aos contribuintes portugueses esta aventura iraquiana. E com dados bem comparáveis com as participações portuguesas noutras operações militares nternacionais, de âmbito NATO (Bósnia e Afeganistão) ou de âmbito ONU/bilateral. Afinal de contas, não foi por alegada falta de dinheiro que o Governo PSD-PP ordenou a retirada do nosso contigente (militar e GNR) de Timor-Leste?

Plágio democrata-cristão (5)

O nosso plagiador/falsificador publicou hoje no Diário de Notícias da Madeira uma espécie de mea culpa e anunciou a sua demissão dos cargos políticos que exercia (pelos vistos não era só presidente da Juventude Popular da Madeira). No mesmo jornal o presidente do CDS - Madeira (que não deve ter sido alheio ao desenlace...) mostra-se satisfeito com a decisão. Ainda bem. Prevaleceu o sentido da responsabilidade política.
Não estava em causa somente um flagrante plágio, de que o culpado faz agora um arremedo de reconhecimento. Estava sobretudo em causa a sua posterior, e ainda mais grave, desonestidade, que foi negar o plágio, depois de denunciado, e tentar enlamear os plagiados, acusando-os de serem, eles, os plagiadores, tendo para o efeito falsificado a data de um post no blogue oficial da Juventude Popular, de que era presidente, de modo a "provar" que o "seu" texto era anterior à data dos textos que ele tinha copiado.
Se o plágio era indesculpável, sobretudo depois de negado apesar da evidência, a tentativa de difamar os plagiados era intolerável.

Adenda
Para alguma direita, denunciar e exigir a demissão dos políticos patentemente sem escrúpulos e desonestos é "perseguição" e "vingança" (quando se trata de correlegionários seus, claro). Enganam-se. A impunidade dos políticos desonestos quando jovens só pode gerar políticos ainda mais desonestos quando séniores.

MARRAKECH


Clara Ferreira Alves (CFA) descreve hoje no Expresso o encanto de Marraquexe, por tantos admirado, mas nem por todos sentido. Ao ler a sua crónica, imaginei-me perdida na Medina, como costumo fazer quando lá vou, num mar de cor, brilho e cheiros variados que vão da menta ao couro e à madeira, conforme a especialidade da rua onde passamos (a imagem reproduz a das babuchas). Com o jeito que lhe é próprio, CFA mostra a diferença entre entrar na vida da cidade e ficar na piscina do Hotel, mesmo que seja a do elegante Mamounia.
A propósito dessa diferença no modo de visitar qualquer lugar, lembrei-me como há uns anos o então Cônsul de Portugal em Salvador olhava para nós, numa mistura de incredulidade e reprovação, quando contávamos entusiasmados que tínhamos ido à noite passear ao Pelourinho e de autocarro ao Bonfim!

"Sua nota é um show"



De certeza que ao pagar certos serviços já foi confrontado com a pergunta da praxe: quer factura? Por mim quero sempre, mesmo que a deite logo fora. Mas é uma pergunta que nem deveria ser feita.
Recentemente, numa estadia no Brasil, na Baía, reparei que as facturas eram entregues de imediato, sem ter de as pedir. E que isso acontecia no restaurante de praia mais modesto e informal ou no cabeleireiro mais chique da Barra. Provavelmente, este bom hábito é já um resultado do programa de educação tributária que os serviços de finanças lá do sítio (SEFAZ) estão a aplicar desde 1999.
Uma das medidas do programa é particularmente divertida. Chama-se «Sua Nota é um Show». Permite que as pessoas troquem as suas facturas (notas fiscais) por bilhetes para assistir a a jogos de futebol ou a shows de música popular brasileira, que se realizam todas as sextas-feiras na Concha Acústica do Teatro Castro Alves. Ivete Sangalo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Olodum, Ivan Lins, entre outros, já participaram no projecto.
Nos primeiros seis meses do programa, mais de um milhão de pessoas beneficiaram de bilhetes para assistir aos shows e aos jogos, e foram trocadas mais de 32 milhões de facturas, representando um aumento de 9% nas receitas fiscais, valor esse que chegou aos 35% no caso dos restaurantes.
Assim se prova que, para além da fiscalização, a imaginação também pode ajudar a controlar a fuga ao fisco!

Plágio democrata-cristão (4)

O blogue "JP-Madeira em Notícias" -- "blog dos jovens democrata-cristãos [sic] da Madeira" -- informa que, a pedido de Roberto Rodrigues, retirou o post deste que reproduzia a sua coluna de 5 de Janeiro no Diário de Notícias do Funchal, que plagiava integralmente um texto meu e outro de Vicente Jorge Silva.
Infelizmente para o presidente da Juventude Popular (CDS) madeirense, a eliminação do seu fatídico post não apaga o seu registo (ficam obviamente gravações dele) nem amnistia a vil manobra de, mediante uma falsa antedatação do referido post (27 de Dezembro), tentar forjar uma "prova" de que o seu texto era anterior e de que os queixosos é que o tinham copiado!
Mesmo que a endrómina não entrasse pelos olhos dentro, como era o caso, a verdade é que era facílimo provar a falcatrua, de tão estúpida que era. Por um lado, quando se muda a data de um post, ele desloca-se para o dia respectivo, mas leva atrás de si o seu número de código, que é cronologicamente sequencial, permitindo detectar a deslocação e descobrir a data em que realmente foi criado (no caso foi 5 de Janeiro, data da publicação do texto no jornal). Por outro lado, o episódio do acordo entre o PS e o MHD, que constituía o tema do meu texto que ele copiou integralmente, só foi conhecido no dia 31 de Dezembro, pelo que era logicamente impossível ter sido mencionado 4 dias antes de se verificar!...
Parafraseando a sabedoria popular, é mais fácil descobrir um falsário inepto do que um coxo. A eliminação do post significa que, depois de expulso pelo jornal, o malandrim bate agora em furtiva retirada. Esperemos o próximo capítulo...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

O idiota dos concertos

Certos concertos, por serem de bandas com menor projecção comercial, relativamente desconhecidas, alternativas, podem fazer-nos sentir parte integrante de um cerimonial religioso. Durante uma hora e meia achamos que aquela é a comunidade a que pertencemos.
Ouvimos a nossa banda de eleição, cantamos todas as músicas em sincronia com o vocalista e esquecemo-nos dos problemas, viajamos para fora do mundo, temos a confortante ilusão de sermos especiais, nós e aquelas pessoas - a nossa tribo.
Não se espera, por isso, que no meio de tal comunhão se possa escutar uma voz reconhecível. Uma voz familiar; que é incómoda, irritante, a voz de um qualquer idiota que reconhecemos do quotidiano.
Sim, é possível encontrar um desses idiotas, tão ou mais culto do que nós sobre o sagrado do concerto. Tão ou mais absorto no momento. Ao nosso lado, cantando com mais paixão, esquecido de nós, mesmo que dance em cima dos nossos pés.
Então calamo-nos. Não perdemos a fé. Percebemos simplesmente que o mundo não é a preto e branco. Ou, em alternativa, que o é. E momentaneamente devolvidos à realidade, afastados do concerto, vemo-nos ao espelho na cara do idiota e compreendemos que somos tão ou mais idiotas do que ele. Cantemos, pois. Amen.

a poesia está na rua

No Saldanha, cruzo-me com a carrinha da Sopa dos Pobres. Vários mendigos aguardam pacientemente a sua vez. Um parece chegar atrasado. Ao ver o amigo, outro comenta de sorriso rasgado:
"Tu?! Estás cá?"
O atrasado, plácido, sem se deter, senta-se dizendo:
"Cá? Ó meu querido, eu já há muito tempo que não estou cá".
Como Cesariny, em destaque, há meses atrás no suplemento cultural "Y".

Até quando?

A Comissão Municipal de Licenciamento Comercial de Coimbra chumbou ontem a instalação de três novas superfícies comerciais - Feira Nova, E. Leclerc e Staples Office Center - com os aplausos da Câmara e da Associação Comercial. Até quando a cidade continuará a ter de suportar as desvantagens que decorrem da situação de quase-monopólio por parte de um só hipermercado (Continente)? Como já foi provado, os seus consumidores pagarão, entretanto, preços mais altos e terão menos escolhas, em comparação, por exemplo, com Aveiro.
Dir-se-ia que não autorizar mais hipermercados poupa prejuízos adicionais ao pequeno comércio alimentar, mas nem isso está provado. O que se tem demonstrado é que os consumidores repartem hoje as suas compras por diferentes formatos de acordo com a conveniência que cada um lhes oferece (variedade, horário, preço, proximidade, serviço, etc.). A sobrevivência do comércio tradicional não passa pelo seu eterno proteccionismo, mas sim pela sua capacidade de atrair consumidores, não ficando à espera que eles cheguem, como antigamente. Isso exige a sua modernização e implica reajustamentos inevitáveis no número de estabelecimentos. Ai das cidades que não perceberem tudo isto a devido tempo. Pagarão pela sua tacanhez, pela sua falta de ambição, pelas vistas curtas dos seus autarcas, pelo atavismo dos seus comerciantes, pelo desejo balofo de conservação em formol de um passado que a história já engoliu.
Coimbra corre esse risco. Soma asneiras atrás de asneiras. Até quando?

Incoerência ou sensatez?

Diferentemente de muitos observadores, considero justificada a decisão do PS de não defender agora a reposição das isenções fiscais do IRS que foram retiradas no orçamento em vigor, apesar da forte crítica que fez a essa medida (aliás, a meu ver, mal). Como foi a poupança dos custos fiscais dessas regalias que permitiu reduzir umas migalhas do IRS dos rendimentos mais baixos, de duas coisas uma: (i) ou a reposição dessas regalias era compensada com a igual reposição das taxas do IRS, o que seria politicamente insustentável; (ii) ou não, e então aquela tornar-se-ia financeiramente incomportável, mercê do inevitável agravamento do défice das contas públicas, cuja contenção, mesmo assim, já vai exigir medidas adicionais quanto ao aumento de receitas e contenção de gastos, tendo em conta o irrealismo das previsões constantes do orçamento.
Nestas condições, defender medidas que afectem a receita fiscal inscrita no orçamento seria pura leviandade política ou financeira, ou ambas. Muitas vezes faz sentido discordar de uma mudança (no caso, nem isso...), mas depois não faz o mesmo sentido voltar ao "status quo ante", sobretudo se as circunstâncias se alteraram. Pior do que faltar a uma suposta coerência, seria insistir num grosseiro erro.

Cada um no seu lugar

Enquanto José Sócrates garante que, se ganhar as eleições, o PS não reporá os benefícios fiscais que o orçamento em vigor retirou (apesar de ter votado contra a sua retirada) e também não vai baixar os impostos sobre o rendimento -- o que é o contrário do eleitoralismo tradicional --, o PSD volta a insistir nas promessas de redução do IRC e do IRS --, o que representa o paroxismo do eleitoralismo vulgar, tendo em conta a gravidade do desequilíbrio das finanças públicas que o seu Governo vai deixar.
Cada um já assumiu afinal o seu lugar e a sua atitude política nestas eleições. Sócrates assumiu o papel de próximo primeiro-ministro, que conhece as dificuldades que vai enfrentar e que não quer prometer antes das eleições o que sabe que não poderá cumprir depois delas (como se verifica tantas vezes...). Santana Lopes já assumiu a derrota e já só se preocupa em acumular todas as promessas fáceis, por mais irrealistas que sejam, que lhe permitam atenuar o desastre que receia e se possível impedir a maioria absoluta do seu adversário.
Ainda bem que essa diferença se torna manifesta. O pior que poderia suceder ao PS era vê-lo a competir com o PSD de Santana Lopes no campeonato da irresponsabilidade, do aventureirismo e do populismo.

Entre aspas

«Nestas eleições os portugueses irão, também, sufragar politicamente o Presidente da República. Se José Sócrates vencer as eleições, e se as vencer com uma maioria clara, isso quererá dizer que Jorge Sampaio foi compreendido no momento em que teve de tomar uma das mais difíceis decisões da sua vida política. Ao invés, se Santana Lopes ganhasse, ou, em alternativa, tivesse com o CDS-PP mais votos do que o PS, então essa decisão de Sampaio tinha sido um desastre e o Presidente deveria assumir as suas responsabilidades.» (Luís Osório, editorial de A Capital)

E a verdade política?

«Se o CDS crescer pelo menos até aos dez por cento, o PS não terá maioria absoluta - é uma verdade aritmética», declarou Telmo Correia.
Se o CDS crescer até aos 10%, será naturalmente à custa do PSD, o que só facilitará a vida ao PS - esta é a verdade política.

Plágio democrata-cristão (3)

«A infeliz criatura merece todos os epítetos que lhe dirigiu (mais uma demonstração da qualidade das juventudes partidárias, prolíficamente descrita pelo VJS), mas permita-me que acrescente um pormenor: como é possível que não tenha ocorrido a tal "jovem político" que ia ser descoberto, ao retirar o texto de um dos blogs mais lidos em Portugal?!?!? (...) Como é possível que um dirigente de uma juventude partidária seja de tal forma desprovido de inteligência?
Confesso que, numa primeira análise, me parece um problema que de simples escassez de inteligência e ingenuidade. Já quanto ao indizível contra-ataque, aí sim, o rapaz mostrou do que é feito.(..)»

(G.Mendes da Maia)

Diário eleitoral (11) - Inversão de tendência?

Desde os anos 80 que se vinha manifestando uma tendência, lenta mas segura, no sentido de uma maior concentração de votos nos dois partidos centrais do espectro político, ou seja o PSD e o PS, em prejuízo do CDS, à direita, e do PCP, à esquerda. Porém, se se confirmarem alguns sinais que emergem dos inquéritos de opinião, parece que desta vez essa tendência para a "bipolarização" eleitoral pode não registar um novo avanço, podendo mesmo ocorrer alguma recuperação dos extremos do leque partidário. A confirmar-se esta impressão no dia das eleições, será esse um resultado algo inesperado.
Na área da esquerda o fenómeno será ainda mais assinalável, pois em condições normais a lógica do "voto útil" deveria tender para concentrar no PS, como "challenger" do Governo PSD-CDS, o voto flutuante de esquerda. Duas razões podem contribuir para contrariar essa lógica: (i) por um lado, a falta de investimento do PS em disputar o eleitorado à esquerda, preferindo apostar em reforçar os ganhos ao centro, "desertado" pelo PSD de Santana Lopes; (ii) por outro lado, a aparente facilidade do BE em atrair os eleitores "abandonados" à esquerda pelo PS de José Sócrates.